segunda-feira, 26 de setembro de 2016

A consequência da eleição municipal na velocidade das mudanças legislativas

A uma semana do início da definição eleitoral nos municípios, o vento sopra contra o PT e o resto da esquerda, é enigmático para o PMDB, parece simpático ao PSDB, e sua tendência mais visível é dispersar o poder. Isso não chega a ser surpresa. Pôde ser, e foi, previsto desde o início da corrida.

Todas essas coisas vão encadeadas, mas a principal é a dispersão. É produto da variável nova no cenário brasileiro, no último meio século: a falta de partidos que apresentem, simultaneamente, possibilidade real de poder e perfil de "salvador da pátria", "novo", "diferente".

Também porque o salvacionismo nacional, que já namorou, noivou, casou e separou do (P)MDB, do PSDB e do PT, está hoje apaixonado pelo vetor extrapartidário: a Lava-Jato. Nosso recorrente embevecimento pelo candidato a redentor está depositado nos procuradores, policiais e juízes.

Daí não haver, como antes, sinais de uma onda partidária na reta final de primeiro turno. O localismo é uma característica perene desse tipo de eleição, mas no passado o vetor partidário nacional acabava imprimindo alguma caraterística na hora de definir a disputa paroquial.

Depois do resultado, o interesse analítico, como sempre, estará na influência da totalização municipal sobre a próxima disputa presidencial. Mas haverá também outra preocupação: como o resultado vai impactar o andamento das anunciadas medidas legislativas do governo Michel Temer.

Este governo tem diversos problemas, mas o principal é político: precisa impulsionar uma agenda de reformas austeras e liberais para as quais não obteve um mandato popular, seja na forma de eleição seja na de um líder com legitimidade endógena.

Isso se agrava por ser um governo já algo velho, apesar de bastante novo. Acabou de assumir e já entra na reta final. A agenda legislativa de seu último ano (o da eleição não conta) é típica do que seria o primeiro ano de um governo regular. Mas não tem o combustível da urna. Nem das massas.

A favor de Temer, interessa a todo postulante ao Planalto que ele dê certa arrumação na casa, para limpar o terreno. Mas não vão querer dividir os ônus. Austeridade e liberalização são sucesso em círculos empresariais e editoriais, mas enfrentam resistências sabidas no público.

Na esquerda, a derrota parirá uma nova rodada de sebastianismo jacobino, a fuga para o passado miticamente heróico como alternativa fácil à dolorosa missão de enfrentar os desafios do presente. Sintoma: o PT achar que seus problemas decorrem das alianças que fez, e não das que não fez.

Em resumo, o pós-eleição trará vetores antagônicos. Num cenário de dispersão, o governo lutará para dar centralidade a uma agenda que o salve de ser tragado pela inércia e pela Lava-Jato. Os aliados apoiarão com ressalvas, de olho no futuro custo eleitoral. E o PT/esquerda vai se refugiar na tática de "resistência".

O mais provável, como vimos escrevendo, é resultar daí um quadro progressivo, mas gradualista e minimalista. As reformas serão digeridas pelo Congresso, e atenuadas no processo. Inclusive porque o ator novo, os novos prefeitos, pedirão verbas que afastem o colapso federativo anunciado.

Colapso que nos estados já está aí. Enquanto impulsiona a PEC do teto de gastos, o governo precisa administrar as pressões de governadores que lutam para fugir da falência. Isso num país totalmente convencido pelos sabidos de que dinheiro tem de sobra, não estivesse desviado pela corrupção.

O cenário não é trivial.

Pode ser sempre enfrentado, mas exige uma perícia que até agora a nova administração conseguiu demonstrar apenas em grau insuficiente.

Prestar atenção:

  • O primeiro turno das eleições municipais

  • Novidades na Lava-Jato

  • O risco de quebra em estados e municípios

  • O andamento da PEC do teto de gastos
  • segunda-feira, 19 de setembro de 2016

    Dificuldades na comunicação costumam ser sintoma de dificuldades políticas

    Toda regra tem exceção, e a do título acima também deve ter, daí o "costumam". Mas para o governo Michel Temer pode-se cravar com margem razoável de certeza: a profusão de mensagens desencontradas e de idas e vindas é mais sintoma de desafios na política do que na comunicação.

    Um parâmetro para a análise é começar pelo que fez naufragar o governo Dilma Rousseff. A agora ex-presidente enfrentou dificuldades variadas, mas o vetor principal de seu colapso foi a quebra do contrato eleitoral firmado em 2014. Daí decorreu a perda instantânea de apoio popular.

    Como lhe faltava o colchão político que salvou José Sarney após 1986 e Fernando Henrique Cardoso após 1999, Dilma não conseguiu resistir à ação combinada dos adversários para derrubá-la. Não teve a sorte desses dois antecessores, a quem se permitiu vegetar até o fim do mandato.

    Temer tem a reserva político-parlamentar que faltou a Dilma. E dedica boa fatia do tempo para cuidar disso. Não enfrenta, por enquanto, dificuldades reais no Congresso. Mas tem encontro marcado com elas quando (e se) decidir impulsionar as reformas pedidas pela chamada opinião pública.

    O agora presidente vive um dilema. Precisa de iniciativas legislativas pró-capitalistas para fortalecer-se junto ao núcleo principal de seus apoiadores. Mas isso abrirá caminho para a reinvenção do petismo e da esquerda rumo a 2018, na resistência a esse movimento.

    Não há espaço, nem tempo, para conciliação. A narrativa do golpe está aí e falta pouco para as eleições. E o debate tende a oxigenar o PT, especialista em navegar no nosso anticapitalismo atávico e na nossa crença de que o governo deve ser a solução de todos os problemas.

    O PT também tem suas limitações? Sim. Fora as judiciais, estava até outro dia no poder e namorava reformas parecidas. Mas a oposição é um barco sempre mais ágil que o governo. O custo de mudar de ideia é relativamente baixo. E o público pede soluções, mais que coerência.

    O PT adota a tática adequada para frear e, no limite, imobilizar a nova administração. Sua mensagem é simples: nosso governo foi derrubado porque defendia as conquistas populares, e se nada fizermos o novo governo vai acabar com elas. E votem em nós em 2018.

    O poder recém-instalado argumenta que austeridade nas finanças públicas e mais oxigênio para os investidores são indispensáveis para relançar a economia. É provável que tenha razão, pois o próprio PT propunha isso quando ocupava o Planalto, até outro dia.

    Qual é o problema? O governo Temer não obteve um mandato popular para austeridade e liberalização. Mas mesmo isso não seria definitivo se o governo contasse com um exército digno do nome no Congresso, um contingente cuja sobrevivência dependesse do sucesso dele, Temer.

    E chegamos ao problema de sempre, que na verdade são dois. Os dois problemas de sempre.

    O país não está convencido de que precisa de austeridade. Inclusive porque a centralidade da luta contra a corrupção estimula a falsa ideia de que dinheiro há, bastaria usá-lo corretamente. E o Executivo não tem um exército parlamentar disposto a matar ou morrer pelo governo.

    Inclusive porque para um pedaço importante da base, o PSDB, não interessa que o governo tenha grande sucesso.

    Os desafios na comunicação do governo Temer estão mais no "o que" do que no "como". Mais no conteúdo do que na forma. Para que o governo consiga comunicar bem é preciso que antes ele saiba para que exatamente está ali, qual sua missão e como pretende cumpri-la.

    Ou, como se diz hoje em dia, qual é o seu projeto.

    Prestar atenção:

    • A reta final das eleições municipais

    • Sergio Moro e a denúncia contra Lula

    • As relações entre o STF e a Lava-Jato

    segunda-feira, 12 de setembro de 2016

    Agenda de iniciativas é essencial para qualquer governo ter força política

    Quando Dilma Rousseff ainda lutava para manter o mandato, ensaiou dois movimentos legislativos: uma reforma da previdência social, com introdução de idade mínima para aposentar-se, e a volta, com outro nome, de uma taxa sobre movimentações financeiras, do tipo da velha CPMF.

    Tentava assim responder ao ponto central do debate econômico: a contenção do déficit das contas governamentais, sem o que - e sobre isso há um quase consenso entre os analistas- não haverá como retomar os investimentos privados, essenciais para o relançamento da economia.

    Desde antes de nascer, o Partido dos Trabalhadores namora uma reforma trabalhista baseada na liberdade de organização sindical e na livre negociação entre empregadores e empregados. Isso está na origem do partido e da Central Única dos Trabalhadores.

    Em entrevista à The Economist em 2006, quando concorria à reeleição, Luiz Inácio Lula da Silva reafirmou a necessidade de uma reforma trabalhista (leia a íntegra). Apenas repisava o que sempre defendeu como líder sindical e político, desde o chamado “novo sindicalismo” dos anos 1980.

    Esse retrospecto é um obstáculo a que o PT e satélites consigam ampliar decisivamente a resistência a certas reformas, que até ontem defendiam mas hoje acusam de neoliberais e antissociais, por serem impulsionadas por um governo a que decidiram fazer oposição intransigente.

    A tática Podemos/Syriza da esquerda tem lógica, mas enfrenta esse obstáculo. O núcleo da frente (PT-PCdoB) esteve no Planalto até outro dia e governava ao centro.

    Aliás, no começo dos anos Lula, o PSDB também resistiu a uma reforma da previdência que defendia no governo FHC, mas não impediu a aprovação.

    O chacoalhado governo Michel Temer tem aqui uma janela de oportunidade. Há mais permeabilidade social a reformas pró-capitalistas. É consequência da fadiga de material do longo período de hegemonia petista, mas também porque a maioria da esquerda já namorou a mesma agenda há pouco.

    E o retrospecto mostra que governos com agenda legislativa forte, mesmo que polêmica, ganham fôlego. A política é uma ginástica: para ter força é preciso praticar. Governos que enfrentam debates polarizadores na sociedade ganham musculatura. Governos que não conseguem tomar a iniciativa política definham e são fortes candidatos a naufragar.

    Sem contar que uma agenda clara estreitará as margens para o PSDB praticar o natural morde-assopra dos parceiros secundários de poder. Que classicamente precisam apoiar o suficiente para evitar a derrota coletiva, mas nem tanto que fortaleça o governante mais do que recomendaria a prudência de quem tem “projeto de poder”.

    *

    Se as pesquisas estiverem apontando no rumo certo, os partidos que estão dentro do governo Temer obterão somados uma vitória esmagadora nas eleições municipais daqui a alguma semanas. O problema está nesse “somados”. Não se pode projetar mecanicamente o resultado local para o palco nacional.

    E o enfraquecimento excessivo do PT e satélites pode trazer outros dois problemas para o governo. 1) A ausência de um inimigo externo forte costuma estimular as dissensões internas. 2) Um PT amplamente derrotado sofrerá a tentação de guinar à esquerda para defender seu mercado eleitoral em 2018, como aliás já está acontecendo.

    Pode parecer paradoxal, mas um PT com certa musculatura e com responsabilidades de poder é menos problemático, para o governo, do que um partido alijado do poder real e cujo único caminho é fazer política surfando na radicalização da rua.

    Especialmente quando o Congresso debate uma agenda pró-capitalista.

    Prestar atenção:

    • O julgamento de Eduardo Cunha

    • As propostas que Temer mandará ao Congresso

    • A Lava-Jato

    segunda-feira, 5 de setembro de 2016

    Não se deve superestimar a instabilidade política na largada de Michel Temer

    O governo Dilma Rousseff é assunto agora para os livros de História, para os acadêmicos que se ocuparão da infinita, no tempo, polêmica do golpe ou não golpe. E o PT sai com algum saldo deste último período, pelo menos no curto prazo. Levou com ele uma sempre útil narrativa de vitimização.

    Assim, Dilma não caiu porque conduziu o país ao poço sem fundo da recessão econômica e porque perdeu completamente a liderança política sobre a população e o Congresso. Caiu porque as elites conspiraram, mais uma vez, para derrubar um governo popular.

    A narrativa petista é verossímil. 1) A elite brasileira tem tradição em conspirar contra governos chamados progressistas. Getúlio Vargas e João Goulart são os casos mais lembrados. E 2) as acusações contra Dilma eram reconhecidamente frágeis, se vistas com mais cuidado.

    Claro que, além da narrativa, há os fatos. Se Getúlio criou a Petrobras, Dilma conduziu a empresa à sua mais grave crise. Jango precipitou o golpe de 64 ao flertar com a aceleração de leis abertamente contra os interesses dos capitalistas. Dilma nem chegou perto disso. Ao contrário.

    Dilma não mandou ao Congresso propostas para incrementar a reforma agrária, expropriar e nacionalizar empresas ou ampliar direitos trabalhistas. Ao contrário, até quando pôde insistiu, por exemplo, na necessidade de um ajuste fiscal e de uma reforma da Previdência.

    Mas o PT não está interessado em auscultar os fatos para melhor analisar a realidade. Ele precisa apenas de um discurso que o ajude a ancorar sua clientela político-eleitoral, para evitar o avanço da concorrência em seu próprio campo. Não há como o PT não guinar agora para um certo extremo.

    Esse é um problema para o governo recém-instalado, que precisa ganhar tração na contenção de gastos, no enfrentamento do nó previdenciário e na flexibilização trabalhista. São propostas que o PT então governo ensaiou implementar, mas que o PT agora oposição vai lutar ferozmente contra.

    Só que tudo na vida tem dois lados, e essa radicalização da esquerda deverá funcionar como um estímulo à agregação das áreas mais ideológicas do campo temerista. Será um contravetor às forças centrífugas da sucessão de 2018 e aos efeitos políticos da sabidamente implacável Lava-Jato.

    Em consequência, é um erro superestimar as crises e instabilidades internas do novo bloco de poder nesta largada. À parte as diferenças, todos que derrubaram Dilma sabem que sua melhor hipótese é este governo Temer chegar ao final tendo dado uma certa arrumação na casa.

    Isso será essencial para manter isolado o forte campo do PT e agregados, que mantém seu terço de apoio político na sociedade. O PT regrediu aos anos 90, em tamanho e discurso, e enfrenta agora em seu mercado disputas que não enfrentava duas décadas atrás. Mas o campo petista não colapsou.

    Para o temerismo, é essencial que as medidas econômicas avancem a tempo de um influxo de capital capaz de produzir bem-estar, pela queda do dólar contra o real e pelos empregos que os investimentos sempre criam. Isso aumentará a probabilidade de Temer comandar a própria sucessão.


    O Supremo Tribunal Federal gostaria muito de anular o fatiamento da votação no Senado que cassou o mandato de Dilma Rousseff mas não a inabilitou para cargo público. O problema é que os senadores votaram na primeira parte sabendo que eventualmente poderiam aliviar na segunda.

    Sempre se poderá dizer que o senador Fulano de Tal não teria apoiado o impeachment se soubesse que Dilma ficaria inabilitada para ocupar função pública. O STF está diante de um problema.


    As previsões dos especialistas indicam quórum na votação da Câmara dos Deputados no dia 12 para cassar ou não o mandato do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

    Prestar atenção:

    • Os preparativos para o julgamento de Eduardo Cunha

    • As propostas que Temer mandará ao Congresso

    • A piora da crise no Mercosul

    • As delações premiadas na Lava-Jato