tag:blogger.com,1999:blog-15370322777465961902024-03-15T20:48:08.405-03:00Análise PolíticaAlon Feuerwerker<br>
<i>jornalista e analista político</i><br>
bio -> <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Alon_Feuerwerker">https://pt.wikipedia.org/wiki/alon_feuerwerker</a>Unknownnoreply@blogger.comBlogger859125tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-1079051122948078472024-03-15T20:37:00.011-03:002024-03-15T20:47:28.374-03:00Propósito e pertencimento, os dois pêsOs últimos levantamentos recolocam na roda o debate sobre o peso da economia nas decisões do eleitorado. A primazia do vetor econômico é quase um dogma desde que Bill Clinton derrotou George H W Bush em 1992, com o “é a economia, estúpido”, o lema interno da equipe da campanha vitoriosa.<br><br>
Tal dogmática, entretanto, não explica os cenários quando a economia vai bem, mas mesmo assim o governo sofre perdas estatísticas no apoio. Como parece ser o caso agora aqui no Brasil, situação que ainda não se sabe se é pontual ou tendência.<br><br>
Uma explicação envereda pela tese de que a polarização acaba secundarizando os efeitos políticos da economia.<br><br>
A tese ainda espera comprovação, e há dados político-eleitorais recentes que lançam pontos de dúvida sobre ela. Um deles é a boa avaliação dos prefeitos em geral, situação que em certa medida se repete com os governadores, ressalvada uma ou outra exceção. A avaliação dos governadores e prefeitos parece menos contaminada pela polarização.<br><br>
Sobre a economia, uma hipótese a analisar é sua importância crescer na eleição quando 1) a economia vai mal ou quando 2) vai bem e há a ameaça real de piorar se o governo mudar de mãos. Quando políticas econômicas propostas por governo e oposição apontam para rumos parecidos, diminui a letalidade eleitoral provocada pelo medo da mudança.<br><br>
Outro cuidado a tomar é sobre o que se quer dizer com “a economia”. Ela pode estar indo bem nos números macro que abastecem as manchetes, mas é sempre prudente olhar para o microcosmo das pessoas e das famílias, se se quer fazer um diagnóstico mais preciso. E nunca se deve perder de vista a equação “resultado - expectativa = satisfação”.<br><br>
Quando um governo só olha para suas entregas, e se esquece de comparar com as expectativas que criou, pode ser surpreendido pela queda na satisfação do eleitorado.<br><br>
Debater a economia é fundamental, ela sempre tem grande peso na decisão do voto. Mas talvez valha a pena olhar também para outras variáveis. Especialmente quando, como agora, não se vislumbra que as possíveis trocas de guarda no Brasil trariam mudanças radicais na condução econômica.<br><br>
Também por a área econômica deste governo e sua orientação continuarem recebendo sustentação maciça em meios informativos tradicionais. Os mesmos que no passado ofereciam sua rede de segurança para autoridades às quais o PT se opunha na época. Excetuadas as turbulências trazidas por declarações e decisões presidenciais pontuais, reina na área boa dose de paz.<br><br>
Sem subestimar a economia, tampouco é demais olhar para aspectos mais subjetivos dos mecanismos de produção de opiniões políticas. O capital político dos governos sempre se beneficia de dois pês: propósito e pertencimento. Quando está claro a que veio o governo, e quando ele passa a sensação de querer o bem de todo mundo, e não só de sua turma.<br><br>
Acirrar as contradições e estimular a guerra de todos contra todos pode ser útil para reforçar o poder momentâneo, mas um efeito colateral é produzir sensação de exclusão em áreas que o andamento da economia pode até, eventualmente, estar beneficiando.<br><br>
Por isso se diz que a política tem de andar de mãos dadas com a economia, para que a safra eleitoral não decepcione.
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-67809003637634611422024-03-09T17:03:00.009-03:002024-03-11T06:40:50.022-03:00Qualquer gordurinha pode fazer faltaAs pesquisas recentes deram visibilidade ao fim do período de graça deste terceiro governo Luiz Inácio Lula da Silva, graça cuja extensão foi diretamente proporcional à durabilidade e ao brilho dos percalços jurídicos do antecessor. Não que o fim da graça a Lula faça descer as cortinas para o contraponto a Jair Bolsonaro, ao contrário, mas doravante a atual administração estará cada vez mais pressionada a dizer a que veio.<br><br>
Seria precipitado creditar o brusco fim da graça a um único vetor. Como na surrada comparação com acidentes aéreos, é mais prudente olhar para uma cesta de variáveis que foram, e estão, amadurecendo devagar, até um dia o acúmulo quantitativo produzir a alteração qualitativa.<br><br>
Elementos que contribuem para incrementar dificuldades do governo:<br><br>
<b>1) Algum grau de desaceleração da economia, combinada com a pressão dos preços da comida.</b> Os bons números do PIB de 2023 foram carregados principalmente pela largada do ano e pelo agronegócio. Todas as previsões, ou ao menos a maioria, são algo otimistas para o desempenho da economia em 2024, mas, ao contrário do ano passado, a previsão é que os números só ficarão mais lustrosos na medida em que o ano avançar.<br><br>
<b>2)</b> <b>O mercado de trabalho melhorou em 2023, mas persiste o velho problema da baixa qualidade dos empregos.</b> Os setores intensivos em mão de obra não lideram a recuperação da economia.<br><br>
<b>3) </b><b>O aspecto mais visível da orientação econômica é o desejo de aumentar a arrecadação de impostos.</b> Mesmo que o governo repise o mantra de taxar os ricos para dar aos pobres, nunca se deve esquecer que o Brasil é um país de classe média numerosa. E todo mundo sabe que para efeito de aumentar imposto governos costumam extremamente flexíveis na definição de “rico”.<br><br>
<b>4)</b> <b>O governo talvez esteja transmitindo a impressão de ocupar-se muito com assuntos a que a população dá menos importância.</b> E pouco com os temas mais sensíveis ao eleitorado. A população, segundo as pesquisas, parece não ver maiores entregas reais nas áreas que tradicionalmente se revezam no topo da preocupação popular, com destaque para a saúde e a segurança pública.<br><br>
<b>5)</b> <b>A posição do governo basileiro em relação a Israel ajuda a repaginar a oposição.</b> O noticiário sobre Bolsonaro e os dele vinha girando só em torno da agenda judicial. A importação, por Lula, da ultrapolaridade na guerra Israel x Hamas, temperada por outras abordagens igualmente “fora da caixa” sobre política exterior, oferece à oposição temas mais nobres, que ela naturalmente agarra. O ato de 25/2 em São Paulo foi um bom termômetro.<br><br>
Entretanto, até o momento, o que Lula perdeu principalmente foi apoio numa camada de gente que não votou nele em 2022, mas vinha dando seu voto de confiança ao presidente e ao governo. Por enquanto, o governo e o presidente só queimaram gordura.<br><br>
O problema é que num cenário de divisão eleitoral acirrada qualquer gordurinha pode fazer falta lá adiante. Sem contar que, quando a gordura acaba, o organismo acaba tendo de consumir tecidos mais nobres.
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-66851007801078088482024-03-03T13:10:00.011-03:002024-03-06T10:19:13.846-03:00Sai a dialética, entra a aritméticaO tamanho, a coesão política e a dirigibilidade da manifestação liderada por Jair Bolsonaro em 25/2 na cidade de São Paulo deixaram mais visível uma inversão de papéis. No passado não tão distante era a esquerda quem trabalhava para ocupar as ruas e mostrar poder de mobilização, restando à direita depreciar a contabilidade adversária e ameaçar com a polícia.<br><br>
O observador algo atento nota, faz anos, que a esquerda vem frequentando mais as antessalas do Ministério Público e dos tribunais, e menos os locais de trabalho onde poderia estabelecer contato com quem declara representar. A fraqueza dos sindicatos e entidades associativas dos trabalhadores fala por si.<br><br>
Não que não haja na mesma esquerda inquietação e perplexidade a respeito. Algumas explicações apontam para as mudanças estruturais no mercado de trabalho. Elas têm seu papel, mas também ajudam a dar imerecido protagonismo a um confortável fatalismo determinista.<br><br>
Outro viés é o circular. “Estamos desconectados das bases porque não damos suficiente atenção ao contato com as bases.” Verdade, mas não ajuda. É um sistema possível e indeterminado. Admite infinitas soluções. O que não resolve o problema de quem persegue “a” solução.<br><br>
O terceiro viés é a fuga para adiante. Acreditar que falta à massa de trabalhadores a iluminação de compreender a necessidade do autogoverno. O pensamento talvez reflita um estágio superior de desconexão entre intelectuais e povo. Deve haver assunto mais ausente dos desejos da massa, mas encontrá-lo seria desafio e tanto.<br><br>
Uma dificuldade que atrapalha muito é o abandono da saudável tradição polemista-argumentativa. Ela saiu de cena e deu lugar à ditadura das narrativas, uma variante do terraplanismo aplicado à política.<br><br>
“Fazer a disputa” ultimamente resume-se a reunir mais apoio para martelar teses de laboratório até colher o relatório que mostra você em vantagem sobre o oponente nas redes sociais. A aritmética substituiu a dialética.<br><br>
Por que terraplanismo? Porque a Terra não se tornaria plana nem se toda a humanidade comparecesse ao ex-Twitter (hoje “X”) para afirmar que o planeta é, na verdade, um disco bem achatado.<br><br>
Talvez não haja assunto mais instigante, e inquietante, nos meios ditos progressistas do que o avanço da direita sobre os grupos sociais que a esquerda julgava historicamente reservados para si. E, quando o problema entra em pauta, vem junto a circularidade entre o “falta trabalho de base” e o “falta consciência”.<br><br>
É possível que o desvendar da incômoda equação esteja mais à mão do que parece. Depende, entretanto, de a esquerda aceitar que a realidade talvez não ande bem encaixada nos desejos. Ajuda, também, procurar aprender com a experiência, olhar para o que já aconteceu e tentar, se possível, dar crédito ao que dá certo e desconfiar do que costuma dar errado.<br><br>
A esquerda moderna, até como rótulo, nasceu na Revolução Francesa, com os ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade”. Mais adiante, a filosofia da práxis vinculou a terceira consigna à busca do desenvolvimento. Deixando para trás, num primeiro momento, o ludismo, e, muito depois, quando a China se livrou da Revolução Cultural, um igualitarismo a-histórico.<br><br>
Não estivéssemos em plena era de terraplanismo político, deveria despertar curiosidade intelectual a direita ter tomado da esquerda as bandeiras da liberdade e do desenvolvimento, e até da igualdade. Já a esquerda defende restringir a primeira, adverte que o segundo vai destruir a vida no planeta e reinterpreta a terceira revestimdo de opressores boa parte dos que um dia disse serem oprimidos.<br><br>
Uma certa repulsa à modernidade, que, sem surpresas, traz junto teratologias como o “socialismo dos tolos”, tão bem descrito por August Bebel.<br><br>
Outra mudança, talvez até mais estrutural, é o abandono pela esquerda, e a captura pela direita, da ideia de emancipação nacional. Isso fica para uma próxima.
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-92104058968128319082024-02-24T10:05:00.002-03:002024-02-24T20:53:56.818-03:00Na caixa de britaO Oriente Médio e as redondezas são uma cumbuca daquelas de macaco velho evitar pôr a mão. Seguem abaixo cinco exemplos de agora mesmo:<br><br>
1) O Irã talvez seja o principal aliado operacional da Rússia no conflito ucraniano. Só Belarus emparelha, em alguma medida. E a Rússia deve sediar esta semana em Moscou uma cúpula política das principais correntes palestinas. Ao mesmo tempo, Israel e Rússia mantêm um acordo que permite aos israelenses atacar alvos iranianos no aliado-chave de Vladimir Putin ali, a Síria, sem ser ameaçados pelo potente armamento antiaéreo russo.<br><br>
2) O Azerbaijão, de maioria xiita e fronteira com o Irã, é aliado firme de Israel. As relações no terreno militar e de energia são fortíssimas. Um pouco disso ficou comprovado nos conflitos recentes com a Armênia pelo controle de Nagorno-Karabakh. E armênios acusam a Rússia de ajudar, mesmo que indiretamente, os azeris, apesar de Moscou ter um acordo militar com Yerevan, que por sua vez ameaça arrastar uma asa para a Otan.<br><br>
3) Transcorridos quase cinco meses da guerra entre Israel e o Hamas, não se nota até o momento (atencao para o Ramadã na Esplanada das Mesquitas) quase nenhuma reação da “rua árabe”. Protestos anti-Israel concentram-se no Ocidente. Na Cisjordânia, frustraram-se por enquanto as expectativas de um levante popular a partir de 7/10. A explicação: a Fatah, rival do Hamas, espera que Israel complete a missão, total ou parcialmente, para, com apoio norte-americano, a Autoridade Palestina tentar retomar Gaza a custo quase zero.<br><br>
4) Países árabes que estabeleceram relações com Israel nos Acordos de Abraão, na presidência de Donald Trump, não tomaram nenhuma decisão drástica contra Jerusalém até o momento.<br><br>
5) Precisou haver uma guerra de verdade ali para se perceber que o bloqueio e as restrições à entrada e saída de material militar em Gaza são uma ação conjunta de Israel e do Egito.<br><br>
A esta altura, a leitura atenta já detectou meu uso abusivo do “por enquanto”, do “até o momento” etc. A prudência obriga. Afinal, estamos tratando do Oriente Médio e arredores, onde as alianças e afastamentos são mais dinâmicos até do que no nosso Congresso Nacional.<br><br>
Aquilo é material com que mesmo os profissionais se atrapalham, vide a catastrófica falha da inteligência israelense no 7/10, que muito provavelmente levará à aposentadoria de Benjamin Netanyahu (outro erro dos analistas é achar que a mudança de guarda ali trará mudança importante de políticas).<br><br>
Se os profissionais enrolam-se, tanto mais os amadores. Ficará na história o também catastrófico erro de cálculo de Yahia Sinwar, que fez a leitura completamente errada do grau de desagregação política interna em Israel e do estado das alianças globais do país.<br><br>
Erros e falhas que carregam na sua contabilidade a tragédia dos mortos, dos feridos, das vidas destroçadas.<br><br>
O Oriente Médio é um lugar (vou recorrer aos lugares-comuns) onde o apressado come cru e para todo problema complexo alguém aparece com uma solução simples, e errada. Uma hora a pessoa se entusiasma, calcula mal a tomada da curva, derrapa, sai da pista e atola na caixa de brita. E daí acelera e acelera em busca do retorno salvador ao providencial asfalto, sem entretanto sair do lugar. E fazendo atolar junto um monte de gente que em nada contribuiu para a derrapada.
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-21037756292883096072024-02-16T13:24:00.001-03:002024-02-17T12:57:33.217-03:00Encaixado na narrativaO teatro da política brasileira tem vivido de recorrer à troca de máscaras. A cada ato, o desafio preliminar é saber se o personagem é bom ou mau, nas circunstâncias dadas do enredo. Um exemplo é o presidente da Câmara, Arthur Lira, afagado ou execrado dependendo do alinhamento ou não com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.<br><br>
É preciso acompanhar com acuidade o debate público para, em todo momento, saber quem está do lado certo e deve ser apoiado e não se desatualizar.<br><br>
É raro, entretanto, que os ciclos escapem completamente ao sincronismo eleitoral. Em geral, a cada semiperíodo do pêndulo os personagens mantêm sua persona razoavelmente íntegra, a não ser que se metam, ou sejam metidos, em episódios com potencial para inverter radicalmente papéis. Foi o caso de Michel Temer, que, de timoneiro da salvação nacional, repentinamente passou a vilão.<br><br>
Na política, além de ser bom, é preciso ter sorte. E talvez a maior sorte na política seja o alinhamento das frequências, que no popular é a pessoa certa estar no lugar certo na hora certa. É quando os elementos se conjugam para um pequeno empurrão fazer o balanço oscilar bem para cima.
É a ressonância do tal “encaixar-se na narrativa”.<br><br>
A estabilidade política deste governo Lula decorre de ele estar quase perfeitamente encaixado na narrativa do momento, de salvação da democracia. Uma situação radicalmente diferente do período 2013-2018, quando o eixo organizador da discussão política era a luta contra a corrupção, e ao PT impôs-se a máscara do malvado favorito da opinião pública.<br><br>
Decorre principalmente daí o visível desconforto dos candidatos a críticos, que, com pouquíssimas exceções, precisam fazer mesuras e quase pedir desculpas quando apontam algo que acham desagradável nas ações do governo federal. No mais das vezes, apressam-se a pagar o pedágio básico de ressaltar que também criticam, e muito, o antecessor recém-removido de palácio.<br><br>
Aqui e ali começam a surgir sinais esporádicos de desconforto com pontos de contato entre métodos de agora e o demonizado lavajatismo, mas nada que interrompa a tendência. E Lula, experiente, trabalha bem o encaixe entre as circunstâncias e a narrativa, trazendo junto ao peito, e bem protegidas, as cartas de personagem central do combate ao bolsonarismo.<br><br>
Não chega a ser novidade, aliás é bem antigo, dizer que, na política, mais importante que escolher os aliados é escolher o adversário. Jair Bolsonaro agrega para Lula a vantagem decisiva de o presidente manter para si a sincronicidade com o <i>Zeitgeist</i>.<br><br>
Lembrando que sempre há a possibilidade de uma hora o vento virar, como virou para Sergio Moro e Deltan Dallagnol.
Lula, além de tudo, tem-se reinventado em torno das pautas globais do momento. E mantém o discurso de não deixar o passado voltar, uma vaca que lhe deu tonéis de leite em três eleições contra os tucanos.<br><br>
O risco potencial, para 2026? Além de algum desconforto provocado pela conjugação de mediocridade econômica, sanha arrecadatória e sinais exteriores de poder brasiliense usufruído em excesso, a ressurgência de um resiliente nacionalismo conservador, sempre potencialmente presente.<br><br>
O exemplo norte-americano mostra que é uma variável crítica a monitorar. E nunca desconsiderar.
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-47564005575039511172024-02-03T00:05:00.011-03:002024-02-03T08:38:46.826-03:00Mare (Paranoá) nostrumÉ um desafio conseguir lembrar algum momento no passado em que a harmonia entre os poderes em Brasília tenha sido tão harmônica. Pode haver, e há, divergências, mas nada que esgarce o funcionamento ritmado e sincrônico das instituições. No momento, Executivo, Legislativo e Judiciário remam todos para o mesmo lado, com pouca ou nenhuma resistência ou crítica da imprensa ou do que se convencionou chamar de sociedade civil.<br><br>
De vez em quando algum ator mostra-se desconfortável diante de algum detalhe e vem uma crítica, sempre pontual, que pipoca para logo ser engolfada pelas ondas de opinião situacionista sob a capa da defesa da democracia. Não há oposição política organizada com expressão e capacidade real de convocatória no establishment. Jair Bolsonaro continua popular, é bem recebido pelos apoiadores, tem a simpatia de uns 40%, mas perdeu poder de mobilização na elite, <i>lato sensu</i>.<br><br>
E o autodenominado centro democrático, depois de perder a eleição, perdeu agora para o PT a bandeira da luta "contra o extremismo”.<br><br>
Daí uma <i>pax</i> quase romana, o Lago Paranoá ter virado um <i>mare nostrum</i>.<br><br>
Brasília vive a era dos consensos. O primeiro é sobre a necessidade e a justeza de aumentar a receita com impostos. A divergência que resta é uma, bastante administrável, entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional para ver quem comanda quanto da destinação da verba. O segundo consenso, conjugado ao primeiro, é em torno da desnecessidade de cortar ou controlar a expansão das despesas, mesmo as de custeio.<br><br>
O terceiro consenso sustenta a legitimidade de medidas excepcionais para defender a democracia e, com tal objetivo, algum grau, não tão bem definido, de judicialização da política. Alguns poucos observadores se incomodam por isso hoje ser vocalizado por quem ontem se opunha à dita judicialização, mas talvez valha lembrar que na ética da política realmente existente a coerência não é necessariamente uma virtude.<br><br>
O quarto consenso é sobre a premência de restringir a liberdade de expressão, liberdade hoje amplificada pelas possibilidades explosivas do mundo digital e potencializada pela inteligência artificial. Este consenso é particular e especialmente possível pelo já descrito alinhamento de astros institucionais. A dúvida que precisará ser destrinchada são duas: como isso será feito e quem fará o tal controle.<br><br>
Nesse cenário pacificado, a turbulência possível é sempre a mesma: na eleição, único momento em que a base da sociedade pode de fato expressar algum sentimento de oposição aos arranjos da cúpula. Nada indica até agora que a disputa municipal deste ano vá ser nacionalizada, à exceção de São Paulo, mas o PT deseja, legitimamente, recuperar espaço nas cidades, e resta ver como o partido e o governo administrarão as tensões com os aliados.<br><br>
Luiz Inácio Lula da Silva venceu a eleição por margem bem estreita. É natural que busque ao longo do primeiro mandato acumular musculatura adicional para depender menos de aliados em 2026, para o que 2024 é passo importante. A economia anda estável em torno de um desempenho médio, mas os exemplos aqui dentro e lá fora mostram que guerras culturais e em torno da oposição modernidade x antimodernidade têm potencial para produzir surpresas.<br><br>
E o imprevisível? Já disse aqui, mais vezes do que seria suportável: é o mais difícil de prever.
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-76629642533203656312023-12-16T13:35:00.008-03:002023-12-17T15:11:03.329-03:00A política prevaleceHá uma tendência a afirmar que a sociedade brasileira está polarizada ideologicamente, e isso é verdade em certo grau. Mas a tese não ajuda a desvendar completamente os fenômenos políticos. Seria mais adequado dizer que, mesmo havendo polarização ideológica, a política prevalece. Enquanto a primeira se define por visões de mundo opostas, especialmente no plano das ideias, a segunda separa campos em plano mais terreno, material.<br /><br />
Não deixa de haver conexão entre as duas formas de determinação, mas seria um erro não compreender a autonomia relativa de cada uma.<br /><br />
Um exemplo claro foram as votações desta semana no Congresso Nacional. A oposição ligada ao ex-presidente Jair Bolsonaro apostou na polarização ideológica para tentar evitar que o Senado aprovasse Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal. Perdeu. Mas, logo depois, quem perdeu foi o governo petista, quando o Congresso derrubou os vetos presidenciais à lei do marco temporal e à prorrogação das desonerações sobre a folha de pagamento das empresas.<br /><br />
Sempre persiste a tentação de acreditar que, no limite, este Congresso Nacional faz o que desejam os personagens e grupos que comandam o Legislativo. Ou que aprova qualquer coisa, desde que o governo atenda o apetite dos parlamentares por verbas e cargos. Há uma dose de verdade nisso, mas é errado pensar em termos absolutos. No limite, mesmo tendo flexibilidade, costuma ser alto o custo de o parlamentar bater de frente com quem o elegeu.<br /><br />
Recente encontro de dirigentes petistas manifestou desconforto com o governo depender de uma maioria parlamentar inclinada à direita, até por, segundo o petismo, as eleições terem aprovado outra agenda. Há aí um acerto e um erro. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva depende mesmo de parlamentares eleitos em aliança com Bolsonaro, mas seria exagero afirmar que as eleições aprovaram uma agenda petista.<br /><br />
A eleição presidencial foi, em última instância, um plebiscito sobre a pessoa de Bolsonaro, e ele perdeu.<br /><br />
A aprovação de Dino e a derrubada dos vetos sobre o marco temporal e as desonerações mostram que, dentro de certos limites, o Congresso pode até absorver escolhas ideológicas de Lula e do PT, mas opõe e oporá resistência a uma agenda, para recorrer à terminologia “faria limer", anti-business. Pela simples razão de que a maioria do Poder Legislativo é francamente adepta de um ecossistema com mais liberdade para o capital buscar sua reprodução.<br /><br />
Pelo ângulo pragmático, talvez isso não chegue a ser problema para Lula. Pode constituir até uma solução. já que ali na frente, no fritar dos ovos, o povão vai querer saber principalmente se Lula 3 entregou crescimento e empregos. E para operar esse milagre da multiplicação dos pães o presidente precisa que os capitalistas invistam, pois não há como o Estado brasileiro substituí-los. Ainda que muitos fiéis acreditem nisso.<br /><br /><div style="text-align: center;"> * </div><div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: left;">Fechamos por aqui este ano de 2023. Boas Festas e um ótimo 2024 a todo mundo.</div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-78914725285187306062023-12-02T12:22:00.008-03:002023-12-04T10:13:02.064-03:00Princípios vencidosA política costuma montar armadilhas para os políticos, lato sensu, que constroem a trajetória com base em princípios absolutos. Em algum momento, geralmente quando o político ou seu grupo ascendem a posições de poder, esses princípios são capturados no redemoinho das disputas políticas, e o princípio antes férreo acaba pintado com as cores da seletividade e da hipocrisia.<br><br>
Esse roteiro é especialmente frequente entre os autoproclamados defensores dos direitos humanos. E do estado de direito. Nesses casos, é sempre útil fazer o teste definitivo. Quando estiver diante de um defensor dos direitos humanos, ou do devido processo legal, verifique se ele os defende também para os inimigos, e não apenas para os aliados.<br><br>
Se o teste der negativo, você estará diante de um produto vencido.<br><br>
Mas nem todo produto vencido está estragado. Mesmo ao custo de ver desvestida a hipocrisia, mesmo a nudez do rei estando visível, o estratagema pode perfeitamente funcionar. Acontece quando a hipocrisia e a seletividade entram em consonância com os desejos, ódios ou preconceitos das massas, e essas deformidades do espírito transformam-se em força material.<br><br>
O mecanismo tem aplicabilidade quase universal. Na política externa, quando interessa, invoca-se o direito das nações à autodeterminação. Em outros casos, prevalece a exigência externa de que o país siga religiosamente os direitos humanos e certos modelos de democracia preestabelecidos.<br><br>
Outro princípio é a exigência da solução pacífica dos conflitos. Mais um teste que nunca falha. Quando o político levanta a justa bandeira da paz, verifique se ele faz isso também quando o lado que ele apoia numa guerra está em vantagem, quando existe a possibilidade real de o conflito ser resolvido favoravelmente pela força das armas.<br><br>
Nesses casos, o mais comum é o pacifista indignado transmutar-se rapidamente em defensor do direito à autodefesa, ou à rebelião.<br><br>
Mas tudo tem um outro lado. A hipocrisia e a seletividade características da política abrem o mercado de oportunidades para os grilos falantes que se dedicam a exigir coerência. Para o que foi dito ontem continuar valendo hoje. E estará completo o elenco do teatro político. Mesmo os espetáculos de qualidade duvidosa atrairão público.<br><br>
E estará garantido o meio de vida dos profissionais do ramo.<br><br>
Quando é que o equilíbrio entra em risco? Uma situação clássica é quando a vida das massas se deteriora e o governante, de tantas máscaras vestidas e desvestidas, de tanto dizer algo e seu contrário, torna-se um desconhecido grotesco e perde a condição de liderar. Outra é quando alterações ambientais provocam o extermínio em massa dos grilos falantes.<br><br>
Sempre uma tentação para o poder.<br><br>
A combinação das duas circunstâncias costuma ser fatal. Aí aparecem os relâmpagos em céu azul, e tudo que é sólido se desmancha no ar.Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-49370031292690275792023-11-29T19:57:00.006-03:002023-12-02T12:07:03.992-03:00Artigo Folha IsraelOpinião - Alon Feuerwerker: Hamas cometeu erros múltiplos ao atacar Israel
<a href="https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2023/11/hamas-cometeu-erros-multiplos-ao-atacar-israel.shtml" target="_blank">https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2023/11/hamas-cometeu-erros-multiplos-ao-atacar-israel.shtml</a>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-26568879560571315612023-11-18T12:45:00.006-03:002023-11-20T14:52:26.564-03:00Protagonismo, só com realismoA iniciativa de apresentar-se como mediador do conflito em Gaza, desencadeado pelos massacres, chacinas e sequestros promovidos pelo Hamas no sul de Israel em 7 de outubro, lançou novamente luz sobre um ponto de estrangulamento da política externa brasileira nos governos Luiz Inácio Lula da Silva: a contradição entre o desejo de protagonismo e a capacidade real de projetar poder.<br><br>
A diplomacia tem, sim, certa autonomia relativa, que em última instância é sustentada pela força econômica e militar do país. O Brasil é jogador destacado na economia mundial, principalmente pela exportação de commodities, mas sua capacidade militar está voltada para proteger o território nacional e é limitada, até por não haver ameaças regionais reais à nossa soberania.<br><br>
Só dois jogadores globais têm cartas e objetivos locais imediatos para estar na mesa militar desse conflito: Estados Unidos e Rússia. E mesmo esta segunda vem jogando com grande cautela, desejosa de manter o governo de Bashar al-Assad e a presença estratégica russa na Síria, que, além do mais, dá a Moscou seu único porto mediterrâneo.<br><br>
Outra porta de entrada para o pano verde da mesa seria aparecer com uma solução original, capaz de ser aceita por todos os contendores. O que no conflito entre o Jordão e o Mediterrâneo é um pouco difícil, pois ali não faltam ideias e propostas. Falta uma saída que possa ser aceita por ambos os lados, e para sempre.<br><br>
A solução de dois estados enfrenta uma dificuldade preliminar: a ideia de conquistar a soberania em todo o território é hegemônica hoje na política e na sociedade palestinas. Daí a força do Hamas. Também por isso, uma solução de dois estados que não traga a renúncia definitiva dos palestinos às terras do estado judeu jamais será aceita pelos israelenses.<br><br>
Israel só aceitará um estado palestino que seja desmilitarizado e militarmente neutro, além de reprogramado para abandonar a ideia de riscar Israel do mapa. No passado, os governos nacionalistas do Egito e da Síria, com seus exércitos poderosos, alimentavam nos árabes o sonho impossível “from the river to the sea”. Hoje, é o Irã dos aiatolás quem joga lenha na fogueira da ambição.<br><br>
A conflagração interna em Israel a partir da reforma judicial proposta pelo governo de Benjamin Netanyahu deve ter alimentado no Hamas a esperança de catalisar a implosão, pelas contradições internas, do que chamam pejorativamente de “entidade sionista”, a senha para enfatizar que Israel não deve existir.<br><br>
Claramente erraram na análise de conjuntura. Entre outros equívocos, por reavivar na memória dos judeus, em Israel e na diáspora, a ameaça existencial.<br><br>
O Brasil não tem força militar para impor, nem ao menos induzir, uma solução ali. Poderá cumprir um papel se começar a cultivar o ambiente para uma solução realista, que implicaria alguma renúncia de ambas as partes. Terá a coragem necessária? Fora isso, ficará atolado na retórica e sempre baterá num muro invisível. Pior, ajudará a intoxicar ainda mais a sociedade e a política por aqui.
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-86124862644576345392023-11-11T11:45:00.002-03:002023-11-11T11:58:10.223-03:00Uma ausência nas agendas de LulaA desaceleração começa a entrar, pouco a pouco, no debate econômico, pauta introduzida pelo próprio governo, enquanto o Legislativo está debruçado sobre iniciativas que só farão diferença, se fizerem, num futuro distante. Logo logo, as manchetes gritarão que se aprovou a reforma tributária, mas acordaremos no dia seguinte e o problema imediato estará igual a quando fomos dormir: como escapar do atoleiro da mediocridade?<br><br>
Onde estamos, sabemos. O Ministério da Fazenda precisa buscar alguma disciplina fiscal, para mostrar ao mercado que a política econômica é confiável. O Congresso Nacional persegue firmemente a execução de suas emendas, o combustível para eleger prefeitos e vereadores que farão campanha para suas excelências dali a dois anos. E o Planalto não abre mão de gastar e investir.<br><br>
O resultado prático é a agenda econômica ter girado neste terminal 2023 quase apenas em torno de mais arrecadação para o governo federal. Segundo o pensamento hegemônico na Brasília de agora, se o governo investir, vai estimular o investimento privado. Claro que ao útil une-se o agradável: governos com capacidade de investimento, e, portanto, de impulsionar negócios, têm mais bala na agulha para atrair apoios políticos, na sociedade e no Congresso.<br><br>
Vai funcionar? Ainda é cedo, mas desde sempre falta uma perna na estratégia governamental. E o investimento privado? O que o governo tem feito para estimulá-lo, além da fé em que ele virá a reboque do Estado? É notável que, em seu primeiro ano no terceiro mandato, Luiz Inácio Lula da Silva não tenha repetido o que costumava fazer nos dois primeiros: o maior ausente em suas agendas, viagens e preocupações parece ser o capital.<br><br>
Juro alto e cenário de provável aumento de impostos não chega a ser propriamente um estímulo ao investimento.<br><br>
Lula é célebre pela convicção de que o consumo puxa o investimento, e portanto deve se preocupar mais com o primeiro que com o segundo. Daí a firmeza em redistribuir renda por meio do Estado e a energia dispendida em buscar aumentar a arrecadação de impostos, também para turbinar políticas públicas, Não é uma linha que costume alavancar saltos no crescimento e desenvolvimento, mas também nisso Lula é beneficiado pelo <i>zeitgeist</i>.<br><br>
Crescimento e desenvolvimento saíram de moda por aqui.<br><br>
E tem um fator adicional. Sergio Massa faz um segundo turno competitivo na Argentina, mesmo tendo sido o ministro da Fazenda de uma economia longe de brilhante, ao contrário. Ali o “é a economia, estúpido” precisa ser visto de um ângulo mais sofisticado que o habitual. Para manter-se no poder, atender bem a clientela é sempre um recurso prudente quando não se consegue proporcionar prosperidade à sociedade em geral.<br><br>
Pois para ganhar uma eleição em segundo turno bastam 50% mais um dos votos válidos.<br><br>
O ótimo é inimigo do bom, e Lula parece buscar, antes de tudo, manter a maioria que o elegeu, enquanto constrói com cargos e verbas um colchão protetor no Legislativo, sempre uma fonte potencial de problemas. Por enquanto, já que a progressiva corrosão na popularidade caminha bem devagar, a operação está rodando a contento.
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-31087919272277755012023-10-28T14:33:00.004-03:002023-10-28T15:02:18.489-03:00Piora econômica, melhora política. E o dano auto-infligidoA tonificação da base parlamentar vem num momento bastante conveniente para o governo, e não apenas pela necessidade política de finalmente aprovar projetos relativos à economia que se arrastam pela tramitação legislativa. A consolidação da base acontece quando a popularidade governamental, apesar de ainda no azul, começa a dar algum sinal de sofrimento.<br><br>
Nada grave por enquanto, mas segue o esgotamento progressivo da boa vontade de uma parte do eleitorado que não votou em Luiz Inácio Lula da Silva. Um pedaço da explicação é a economia: os dados de confiança não são animadores, e há consenso de que o futuro imediato não será brilhante. O reossificar da polarização ideológica também ajuda.<br><br>
Sobre a economia, a zona de sombra continua sendo como o governo imagina aumentar o apetite de investimento empresarial privado se o eixo organizador das ações oficialistas é o aumento da arrecadação tributária, já que o Planalto não quer nem ouvir falar em conter gastos. É um mistério desde a posse, ou desde antes.<br><br>
Lula em seu terceiro mandato decidiu apostar no caráter indutor do investimento estatal. Tem lógica, mas o espírito animal do capitalista tem vida própria. Chama a atenção uma diferença entre este Lula e os anteriores: não se nota a ambição de seduzir a classe, não se veem iniciativas de aproximação, de articulação, de sinergia. Nenhum regalo. Nada.<br><br>
Num ponto, os fatos, sempre teimosos, estão com Lula: o mercado já precificou faz tempo algum déficit primário, e não faz sentido o governo continuar correndo atrás da meta zero. Mas um detalhe é inescapável: quem definiu esse alvo foi o próprio governo. Dano auto-infligido. Mais um exemplo do cuidado que se deve ter ao definir metas. É como criar jacaré na piscina de casa.<br><br>
No começo é bonitinho, só alegria, só se ouvem os aplausos. Depois…<br><br>
Como dito, as nuvens cinzentas na economia encontram o governo num momento político bastante confortável. O presidencialismo de coalizão com o Judiciário segue firme, e a maioria da maioria de direita no Congresso Nacional já se acomoda nos últimos vagões da composição presidencial do governo de esquerda.<br><br>
Não chega a ser uma primeira classe, mas é melhor do que ser deixado na estação.<br><br>
Mais: se a boa vontade do eleitor não lulista sofre, a boa vontade dos mecanismos de formação de opinião parece razoavelmente intocada. Haverá algum muxoxo a respeito da política fiscal, porém nada que seriamente atrapalhe a coesão da frente ampla. Lula sabe que é baixíssimo, no curto prazo, o custo informacional de “confrontar o mercado”.<br><br>
Pois os companheiros de viagem “de centro” não têm no momento alternativa. Claro que tudo muda se a economia enveredar por dificuldades maiores, mas por enquanto a situação parece controlada. E, se o peronista renovador não-kirchnerista Sergio Massa ganhar a eleição argentina, estará reforçado que não é só “a economia, estúpido".<br><br>
Outro aspecto que ajuda Lula é o Brasil finalmente deixar a presidência do Conselho de Segurança da ONU. Oportunidade de voltar o foco da comunicação para o mercado político interno.
<p style="text-align: center;">*<br /></p>
Leia a análise da semana passada: "<a href="http://www.alon.jor.br/2023/10/o-impasse-nao-esta-no-conselho-de.html" target="_blank">O impasse não está no Conselho de Segurança</a>"Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-885754285199938932023-10-21T15:40:00.001-03:002023-10-21T15:40:11.666-03:00O impasse não está no Conselho de SegurançaNa narrativa estabelecida por estas bandas, o Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas vive impasses por dois motivos: 1) a baixa representatividade e 2) o poder de veto das principais nações vencedoras da Segunda Guerra Mundial.<br><br>
É um pensamento baseado, além da inércia, em certo idealismo filosófico. Na vida real, o CS só consegue decidir quando há consenso entre os países que, reunidos, têm força material para fazer cumprir as decisões do CS. Simples assim.<br><br>
Tivesse o CS mais representatividade, e uma vez abolido o poder de veto, ele se transformaria numa miniatura da Assembleia Geral, capaz de decidir a respeito de qualquer tema, mas cujas decisões não têm nenhum rebatimento na vida prática.<br><br>
Com o tempo, teria o fim da Liga das Nações, criada após a Primeira Guerra e morta de morte morrida, fermentada no período em que se criaram as condições para a Segunda.<br><br>
E o principal efeito prático de seu desaparecimento, além da economia de recursos, seria o fim das reportagens em que “a ONU” acha alguma coisa, no mais das vezes a opinião individual de algum feliz funcionário da instituição subitamente revestido de “autoridade” pela imperiosa necessidade de uma manchete.<br><br>
Os debates no CS sobre a guerra desencadeada pelo Hamas contra Israel foram sintomáticos. Israel deseja a eliminação da ameaça militar representada pelo grupo. O outro lado naturalmente prefere que o atual ciclo de hostilidades se conclua com uma vitória política e militar da principal facção islâmica dos palestinos. Vitória que seria obtida se Israel precisasse aceitar o novo <i>statu quo</i> no terreno.<br><br>
Tivesse o Hamas limitado sua ação militar à tomada temporária de posições do exército israelense e à captura de prisioneiros militares, a proposta de um imediato cessar-fogo estaria mais respaldada moral e politicamente. Mas a chacina de civis em 7 de outubro, com seu ritual de barbaridades, ao buscar um segundo objetivo, acabou dificultando a saída tradicional de pausa nas hostilidades.<br><br>
A chacina pegou mal. Aqui no Brasil, os levantamentos de opinião pública convergem nesse sentido,<br><br>
A chacina está perfeitamente encaixada na linha do Hamas de riscar Israel do mapa, também por meio da depopulação judaica. Se Israel não restabelecer a contenção ao redor de Gaza, essa meta do terrorismo terá avançado na região sul do país. E servirá de estímulo a que avance também no norte, pela ação do Hezbollah.<br><br>
A proposta brasileira no CS, temporariamente presidido pelo Brasil, tinha o objetivo de abordar algumas questões humanitárias e permitiu ao governo brasileiro posicionar-se como vetor da busca de soluções pacíficas e negociadas para graves conflitos que ameaçam a paz mundial. Nesse aspecto teve utilidade, apesar de derrotada no CS.<br><br>
Resta, porém, o problema prático: como estabelecer uma paz duradoura na região, respeitadas as aspirações nacionais de cada lado e de aliados e apoiadores. Uma solução possível passa por todos reconhecerem o direito do adversário à autodeterminação. No momento, esse cenário parece mais distante. As ações do Hamas parecem ter reavivado as brasas do unilateralismo anti-Israel. Era certamente um dos objetivos da ação.<br><br>
As grandes potências poderiam, se assim desejassem, impor um acordo duradouro. O problema é elas viverem um momento de rearranjo belicoso na correlação de forças, e há pouco estímulo a que busquem soluções negociadas. E só elas têm força para tal. Enquanto isso, segue a guerra.
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-69657676215977739482023-10-07T16:21:00.005-03:002023-10-07T21:25:39.267-03:00O que pode desandar a maioneseOs últimos movimentos começaram a evidenciar tensões no desenho institucional montado para a governabilidade neste terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Pois, aparentemente, o Congresso Nacional, especialmente o Senado, começa a incomodar-se com o papel subalterno a ele destinado no script.<br /><br />
Na teoria, o equilíbrio estaria garantido pelo “presidencialismo de coalizão com o Judiciário”, com a oposição isolada e acossada nos terrenos político, judicial e informacional. E com um Legislativo anestesiado e domesticado pela liberação de recursos para os parlamentares e suas bases. Nesse desenho, a combinação de coesão e consenso garantiria a paz política ao Executivo.<br /><br />
O que está, no momento, tendendo a desandar a maionese? Em primeiro lugar, um jacobinismo jurídico vindo do Supremo Tribunal Federal e de seu ímpeto de revolucionar a sociedade, sob a bandeira “iluminista”. Há um certo consenso superestrutural favorável a essa “revolução pelo alto”, mas falta-lhe apoio social aritmético.<br /><br />
A correlação aritmética de forças sociais está mais bem expressa no Legislativo. Onde a maioria, disposta do centro para a direita, precisa manter um olho no peixe e outro no gato. Dinheiro para o reduto eleitoral traz votos, mas não se pode correr o risco de perder o discurso, sob a ameaça de ver vicejar alternativas políticas em sua própria base.<br /><br />
O risco cresce na medida em que, e este é o segundo ponto de atenção, a oposição política ao governo Lula mantém força no eleitorado, como mostram todos os levantamentos. Daqui a um ano está marcado novo escrutínio nas prefeituras, o degrau habitual para a eleição geral de dali a dois anos. Não é raro no Brasil o eleitorado surpreender os consensos de cúpula.<br /><br />
O que, e este é o terceiro ponto, costuma depender em grande medida da economia. Mas é preciso algum cuidado, pois a associação pode não ser mecânica, e nem sempre os razoáveis números macroeconômicos são garantia de paz social e política. Brasília hoje parece viver um certo alheamento, um certo descasamento simbólico com o resto do país.<br /><br />
O governo está em posição favorável para equacionar o desafio, mas é preciso ver como lidará com a realidade da correlação de forças. Se vai confiar na premissa de que o desenho atual lhe permite, e ao STF, ampla liberdade programática, ou se vai procurar adaptar os objetivos aos recursos reais disponíveis.<br /><br />
E se vai buscar uma estratégia de acumulação de forças num prazo algo mais longo, acumulação que necessariamente passaria pelas próximas eleições, locais e gerais.<br /><br /><div style="text-align: center;">*</div><br />
O Brasil é um país distante, até pela geografia, dos grandes conflitos político-militares pelo planeta. Estes não costumam ter efeito decisivo nas movimentações políticas internas. Mas é bom ficar de olho, visto a deterioração acelerada dos arranjos produzidos no pós-2a. Guerra Mundial e no pós-Guerra Fria.Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-91930474942704062572023-09-30T12:41:00.011-03:002023-09-30T13:05:50.598-03:00Decifra-me ou te devoroHá uma contradição entre os números trazidos por alguns levantamentos estatísticos de opinião e os principais dados objetivos da economia. Nestes, as projeções do Produto Interno Bruto (PIB) melhoram, a taxa de desemprego arrefece, e a renda sobe; naqueles, uma parte do eleitorado de Jair Bolsonaro em 2022 que antes dava um crédito de confiança ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva tende a se deslocar do “regular” para o "ruim+péssimo".<br><br>
Verdade que de vez em quando os números da macroeconomia não dão conta de dissecar a realidade do povão na luta diária pela sobrevivência. Talvez a retomada da alta nos preços dos combustíveis esteja sacando da conta de popularidade. O certo é que o paradoxo apontado no parágrafo anterior merece uma explicação, e isso exigirá algum detalhamento nas pesquisas. Até porque os efeitos políticos serão inevitáveis se a deterioração persistir e aprofundar-se.<br><br>
E nem sempre a economia, macro ou micro, explica tudo, apesar do mito do “é a economia, estúpido”. A derrota de Bolsonaro ano passado deveria ajudar a valorizar os aspectos subjetivos na análise. E eles fazem desconfiar de que talvez haja uma assimetria entre como o poder se enxerga e como é visto por parcela crescente da população. Os eventos em torno da posse do novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) deveriam ser objeto relevante desse olhar.<br><br>
Para o hoje poder e a membrana informativa que o envolve, foi uma celebração da democracia. É possível que fora da bolha a percepção tenha sido diferente, reforçando que hoje Brasília é uma festa sem regras ou controles e que as decisões andam concentradas numa esfera inacessível ao eleitor: o Judiciário. Talvez essa parcela não veja com tanta naturalidade o fato de cada presidente que assume no STF ter, na prática, um “programa de governo”.<br><br>
Especialmente quando o objetivo é reformar a sociedade de cima para baixo, à força, numa modalidade contemporânea e supostamente sanitizada de “despotismo esclarecido”, caminho encontrado pelo Iluminismo séculos atrás para exercer influência em países europeus autocráticos. Mas no Brasil o eleitor vai à urna a cada dois anos, uma diferença não desprezível. Ainda mais quando a atividade socialmente legitimada de oposição tende a ser canalizada, por falta de outros espaços, para as eleições.<br><br>
É nessas situações que a eleição costuma trazer mais surpresas.<br><br>
O aspecto positivo, para o poder: enquanto a massa não negativar nas expectativas econômicas, enquanto o fusível não queimar, dá para ir tocando sem maiores sobressaltos, a não ser os endógenos, resultantes da pura disputa de entre facções do bloco histórico. Em 2013, apenas como exemplo, o fundamento da insatisfação não eram mesmo os vinte centavos, foi o fechamento da boca do jacaré, a inflação tendendo para cima e o PIB para baixo.<br><br>
Sobre a economia, o patinho feio entre os dados positivos vem sendo a formação bruta de capital fixo. O governo tem um plano para alavancar o investimento público e das estatais, mas precisa encontrar o caminho para estimular o investimento privado, sem o que a conta não fecha. Essa é a variável ainda não desvendada da equação econômica. E a evidência de que o foco em Brasília é aumentar impostos não chega a ser um estímulo para o capital.
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-34693753609317013982023-09-23T11:59:00.007-03:002023-09-23T12:49:12.517-03:00A gangorra e o ventoO andamento das colaborações referentes ao 8 de janeiro exige alguma cautela na interpretação, mas as versões trazidas até agora não autorizam muito otimismo sobre provar o envolvimento institucional necessário para caracterizar uma tentativa concreta de golpe de Estado. Houve em toda a transição pós-eleitoral, e isso já se sabia, um desejo de virada de mesa. E houve os acontecimentos daquele domingo. A dificuldade, até agora, está em conectar os dois fatos.<br><br>
Seria um golpe de Estado sem o Exército ou contra o Exército. Complicado.<br><br>
Mas, como em toda investigação revestida de forte componente político, aguardar é prudente. Um exemplo é a Lava Jato, que levou anos para construir o arcabouço condenatório almejado pelos seus condutores. Ali, métodos heterodoxos buscaram redesenhar um disseminado sistema de caixa dois eleitoral, com elementos de corrupção política, como se fosse o inverso. Ao final, as forçações de barra acabaram facilitando o desabamento do castelo de areia.<br><br>
E os que ontem caçavam hoje são caçados.<br><br>
Mas seria também precipitado debitar o fim inglório da Lava Jato e seus personagens às heterodoxias. A Lava Jato morreu, e os líderes dela estão em retirada ou em fuga, porque mudou a correlação de forças políticas e sociais. Os equívocos de Jair Bolsonaro na presidência foram centrais para a divisão do bloco histórico que o elegera em 2018. Na gangorra da política, quando um dos lados desce, o outro sobe. Quem matou a Lava Jato não foi o Telegram.<br><br>
Agora, o cenário guarda alguma semelhança com o período 2014-18.<br><br>
A Lava Jato pôde avançar sem maior resistência porque o sistema de freios e contrapesos estava bem relativizado. Aqui e ali, vozes isoladas pediam a observância do devido processo legal e questionavam a terra arrasada empresarial, mas era só um registro. No mais, um alinhamento quase perfeito (quem não impulsionava, recolhia-se a uma conveniente passividade, muitas vezes em nome do “republicanismo") de vetores facilitou a vida de Curitiba.<br><br>
Na teoria, numa democracia como a nossa, o sistema de freios e contrapesos garante por si próprio que todos os núcleos de poder sofram alguma limitação para prevalecer sobre os demais. Na prática, a experiência brasileira comprova mais uma vez que depende. Se Executivo, Legislativo, Judiciário, imprensa e sociedade civil estão alinhados, ainda que algum ou mais de um deles esteja neutralizado, o mecanismo engasga. E, no limite, uma hora deixa de funcionar.<br><br>
Como resolver? Difícil. A exemplo da guerra, na política os exércitos avançam até alcançar os objetivos ou enfrentar resistência que imponha mudança de cenário. Esta pode resultar de dificuldades econômicas, mas regimes políticos sobrevivem a isso quando há coesão nos grupos dominantes. Coesão que sempre é imposta por uma mistura de coerção e consenso. Até aqui, o governo Luiz Inácio Lula da Silva vai bem na aplicação da primeira e na construção do segundo.<br><br>
Onde está a dúvida? O lavajatismo e seu produto político-eleitoral, o bolsonarismo, talvez tenham acreditado que poderiam eliminar o petismo só por meio da coerção. Se ambos tivessem compreendido que sua hegemonia seria mais estável e duradoura caso trabalhassem para absorver no sistema um petismo minoritário, porẽm legitimador, é possível que não estivessem enredados nas atuais dificuldades. Mas o “se” não joga e jamais saberemos.<br><br>
Hoje, o vento venta no sentido da criminalização da direita, como um dia ventou para criminalizar a esquerda. Qual será a resultante?
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-23938938463246316602023-09-16T15:29:00.016-03:002023-09-16T16:00:51.008-03:00A vontade de comer. E a fomeA aproximação entre o governo, que na campanha eleitoral atacava o “orçamento secreto”, e o “centrão”, principal beneficiário daquela modalidade de execução orçamentária, é um movimento obrigatório para ambas as partes, se olhado pelo ângulo da lógica política.<br><br>
Verdade que parte daquela verba agora é impositiva - e que só isso já garante a suas excelências do Parlamento um belo colchão para suprir as bases municipais. Mas há mais espaço a ocupar, até porque o “orçamento secreto” diminuiu, mas continua bem vivo, e não existe vácuo na política. E o governo também se mostra disposto a abrir espaços na máquina.<br><br>
Seria, entretanto, um erro reduzir a isso a atratividade do governismo.<br><br>
O escudo oficialista é particularmente útil quando a atividade de oposição embute risco crescente. Essa proteção sempre foi uma variável a considerar com cuidado em Brasília, mas a nova cultura política e policial confere-lhe papel especialmente relevante, judicial e social.<br><br>
E o governo? Por que precisa tanto da aliança? A razão primeira é a de sempre: solidificar a base parlamentar para aprovar projetos e reduzir o potencial de desestabilização. Mas qual a razão do afã, num cenário em que Jair Bolsonaro e os dele estão institucionalmente acossados e isolados?<br><br>
No primeiro mandato, Luiz Inácio Lula da Silva só fez a primeira reforma ministerial decorrido um ano de governo.<br><br>
Mas agora a sustentação social da administração petista não é tão confortável quanto costumava ser naqueles primeiros e hoje distantes, e não apenas no tempo, oito anos. E a coesão política da frente ampla é relativamente frágil.<br><br>
Só o antibolsonarismo e a sede governista mantêm aglutinada a coalizão que deu a vitória a Lula por estreita margem.<br><br>
O que não chega a ser obrigatoriamente fatal no tempo, pois o governo sempre terá seus atrativos, e o bolsonarismo leva jeito, assim como o petismo, de corrente social e política resiliente, com potencial para resistir aos percalços do líder, ainda que com algum sofrimento.<br><br>
O antibolsonarismo está servindo e ainda vai servir de escada para muita gente. Como um dia foram o antimalufismo, o antipetismo (ainda é), o antichaguismo, o anticarlismo etc.<br><br>
Aliás, governo e “centrão” podem agradecer a Bolsonaro as atuais negociações entre ambos não serem alvo das clássicas acusações de “fisiologismo” e “toma lá, dá cá” nos mecanismos tradicionais de difusão informativa. Com o inevitável assédio jornalístico dessas horas.<br><br>
Mas cautela e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém, até por Lula enfrentar resistência sólida dentro da sua frente ampla a dois pilares programáticos da administração: 1) a política externa e 2) a política econômica.<br><br>
Parte socialmente influente dos que elegeram e apoiam Lula contra Bolsonaro opõe-se decididamente à política exterior de defesa da multipolaridade e prioridade aos Brics. Pedem, em oposição, um alinhamento estreito ao Ocidente político.<br><br>
É um viés particularmente acentuado na cobertura jornalística.<br><br>
O governo americano ser do Partido Democrata e promover uma agenda ambiental e comportamental-identitária alinhada com as correntes hegemônicas do dito progressismo brasileiro cria um ambiente especialmente favorável a essas pressões.<br><br>
O governo do PT tampouco tem apoio relevante nos setores não-petistas da frente ampla de 2022 a seu propósito de equacionar o desafio fiscal por meio do aumento da carga tributária, que à luz das novas regras precisará ser substancial.<br><br>
Nesse desenho, o apoio do “centrão” é estratégico, pois, dentro de certos limites, trata-se de um agrupamento bem mais voltado para a ocupação de espaços do que interessado em debates programáticos. Mesmo em assuntos de política econômica.<br><br>
No passado, a direita ou centro-direita parlamentar até era mais permeável a pressões empresariais. Mas o fim das contribuições eleitorais de CNPJs limita exponencialmente esse fator. Hoje, quem tem dinheiro legal de verdade para sustentar projetos eleitorais são o governo, com o orçamento e as estatais, e os (donos de) partidos políticos, com os fundos partidário e eleitoral.<br><br>
Como diz o batido porém útil chavão, a aliança entre o governo do PT e o “centrão” pode parecer o casamento do jacaré com a cobra d’água, mas é apenas a junção da fome com a vontade de comer.
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-41918050803024688522023-09-02T09:16:00.003-03:002023-09-02T09:18:08.821-03:00Vento a favorO bom resultado do PIB do segundo trimestre tem uma fonte primária: a combinação de inflação em queda com mercado de trabalho e programas sociais sustentados. Daí o consumo das famílias a puxar a atividade. Acrescente-se ainda um efeito inercial do final da pandemia. A variável incômoda? Para o mercado, é a projeção de um quadro fiscal deficitário no próximo ano, mas mesmo isso está em precificação pelos agentes econômicos.<br><br>
O debate sobre zerar o déficit vai quente, mas os cenários financeiros mais realistas já absorveram algum grau de frouxidão fiscal. Até porque sempre haverá o Banco Central autônomo para, se necessário, apertar a corda ou soltar menos que o previsto.<br><br>
Essa combinação entre um governo concentrado em gastar e um BC ortodoxo vai produzindo, portanto, resultado neste curto prazo. Um problema? Os investimentos não habitam patamar propriamente brilhante, o que é a outra face do consumo em alta. Mas no curto prazo essa variável tem efeito apenas relativo para uma administração em busca da estabilidade política.<br><br>
O fôlego na economia reforça a mão de cartas do governo nas negociações para a ampliação da base parlamentar, numa moldura que já vinha favorável por razões políticas propriamente ditas, em particular a inteligente recusa do Congresso Nacional a ficar isolado contra o que se chama, com algum grau de humor, de presidencialismo de coalizão com o Judiciário.<br><br>
Nunca se deve subestimar o instinto de sobrevivência dos políticos.<br><br>
Essa “coesão no conflito” projeta um segundo semestre de votações com tudo para ser tranquilas ao oficialismo, ainda que nos micromomentos aconteçam turbulências e ruídos, um alarido que sempre acaba por se dissipar na hora H. Até por o governo contar com sólido respaldo nos mecanismos ditos formadores de opinião pública.<br><br>
O que tem funcionado como amortecedor eficaz de potenciais crises.<br><br>
Um exemplo são as Comissões Parlamentares de Inquérito. Que, de instrumentos para a fiscalização do poder, transformaram-se em ferramentas para acossar a oposição. Esta, aliás, vem aprendendo uma lição preciosa. Denuncismo sem apoio da imprensa e do Judiciário é tiro que pode, e costuma, sair pela culatra.<br><br>
Especialmente quando a própria oposição está encalacrada numa agenda policial-criminal.<br><br>
Outro movimento que se inicia é a dança antecipatória da disputa municipal, quando os partidos constituirão as bases materiais para as eleições gerais dali a dois anos. Aliás, a tensão entre o lulismo raiz e o neolulismo do chamado centrão orienta-se também pela disputa de posições na máquina estatal federal favoráveis à produção de poder municipal.<br><br>
Uma incógnita sobre 2024 é se o PT conseguirá romper a barreira nas cidades, pois, apesar de ter estado 14 anos no poder federal, nunca conseguiu capilarizar essa força nos municípios. Também porque as amplas alianças que precisa costurar em Brasília para sobreviver acabam alimentando adversários do partido na base da sociedade.Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-47083783115670776432023-08-26T15:35:00.005-03:002023-08-27T11:44:09.718-03:00A política externa anda no arame. E uma dúvida sobre a guerra do VietnãA reunião dos Brics em Joanesburgo expôs as tensões a que a política exterior brasileira se submete nesta época de desglobalização e repolarização, no palco que combina cooperação e luta entre as nações. O saldo final foi bastante positivo para o Brasil, pela expansão do bloco e pelo reequilíbrio, por aqui, entre as crescentes pressões externas e internas neoatlantistas e o desejável alinhamento com as nações que trabalham pela multipolaridade.<br><br>
A desglobalização tem razões objetivas. A primeira e mais importante delas: num mundo onde a cooperação entre países, blocos e regiões prevaleça sobre a competição, permitindo assim um desenvolvimento razoavelmente pacifico das economias, os países de maior população tendem a deslocar os demais no protagonismo. O melhor exemplo tem sido a China, mas vale também prestar atenção ao novo papel da Índia.<br><br>
Quem observa o eixo organizador da política planetária deste último século e meio não se surpreende, portanto, com a tendência predominante hoje nas políticas dos Estados Unidos e de sócios minoritários: isolar China e Rússia, neutralizar Índia e Brasil, enquanto tentam recuperar ou manter a influência na África, influência que declinou com a descolonização do pós-guerra, mas encontrou uma nova janela de oportunidade com o colapso da União Soviética.<br><br>
O colapso do momento é outro, da “coexistência pacífica, competição pacífica”, vislumbradas no pós-Guerra Fria, embaladas pelo sonho do “fim da História” e agora rudemente despertadas pelo som dos canhões na Ucrânia e pelo crescente ranger de dentes no estreito de Taiwan. Isso enquanto se espera o desencadear de mais um conflito, agora no Sahel das populações miseráveis que vivem sobre enormes depósitos de minerais estratégicos.<br><br>
Um cenário assim traz desafios crescentes para o Brasil persistir em sua política exterior tradicional das últimas décadas: estabilizar boas relações com os Estados Unidos e Europa, enquanto desloca agressivamente a política comercial para mercados emergentes, alguns deles hoje não apenas importadores, mas crescentemente exportadores dos capitais aqui necessários para sustentar nossa taxa de investimento. Do que dependem os empregos.<br><br>
Pois estes segundos parceiros não querem mais só fazer negócios, querem ter voz.<br><br>
E acreditar que os capitais americanos e europeus virão correndo para cá em retribuição a um certo nosso bom-mocismo ESG é tese ainda a comprovar, ainda mais quando um argumento central do “derisking” e “decoupling” atlantistas em relação à China é levar empregos de volta para a Europa e os Estados Unidos, e não trocar a dependência industrial da Ásia por outra qualquer.<br><br>
O governo Luiz Inácio lula da Silva enfrenta ainda outra dificuldade, a crescente penetração ideológica atlantista na direita (em que sempre foi predominante), no dito centro e na própria esquerda, especialmente quando nos Estados Unidos e Europa predominam governos que contemplam a agenda sócio-comportamental-ambiental hoje influente nas correntes progressistas.<br><br>
Como exercício retórico, é legítimo questionar quem da esquerda brasileira apoiaria que lado se a Guerra do Vietnã fosse hoje. Algum palpite?
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-65301546221915414712023-08-19T12:07:00.005-03:002023-08-19T12:36:42.070-03:00O presidencialismo que resiste à coalizãoO sistema eleitoral brasileiro produz amiúde um cenário contraditório, resultado de certo paradoxo: enquanto a eleição presidencial costuma produzir entre duas ou quatro candidaturas que atingem massa crítica, a disputa para o Congresso Nacional sempre resulta num quadro pulverizado.<br><br>
A cláusula de desempenho promete resolver o problema no médio e no longo prazos, mas será preciso ver se, quando o remédio finalmente funcionar, o paciente ainda estará vivo.<br><br>
Haveria como corrigir. A cura radical poderia vir de um voto em lista fechada nos estados, acabando, ao mesmo tempo, com a desproporção entre as representações estaduais na Câmara dos Deputados. Ou então implantando o voto distrital misto, com uma certa reserva (talvez 20%) para as listas fechadas.<br><br>
Se se quisesse aplicar um remédio imediato que não demandasse grandes quóruns legislativos, seria simples: calcular em cada estado as bancadas de deputados federais não mais a partir dos votos dados aos parlamentares e às legendas para a Câmara, mas dos votos dados aos postulantes à Presidência.<br><br>
Por analogia, as cadeiras nas assembleias seriam calculadas a partir dos votos para governador. E a composição das câmaras municipais respeitaria o desempenho dos candidatos a prefeito.<br><br>
Essa simples alteração obrigaria os partidos a fundir-se ou formar federações em torno de candidatos viáveis e garantiria que a vontade popular, expressa na eleição majoritária com muito mais nitidez que na proporcional, se traduzisse em possibilidade real de governar.<br><br>
Mas há um consórcio bem azeitado que resiste a qualquer mudança substantiva.<br><br>
É tipo o casamento do jacaré com a cobra d’água: junta as legendas cuja única razão de existir é a intermediação de recursos orçamentários e as correntes bem-pensantes que desfrutam prestígio na elite e na superestrutura intelectual-ideológica, mas raramente são correspondidas pelo eleitor.<br><br>
E o curioso é que as segundas formalmente desprezam as primeiras pelo “fisiologismo”, termo que só é temporariamente aposentado quando o segundo grupo precisa apoiar algum governo que represente o “mal menor”. E passa a repaginar como “articulação política” o que sempre tratou derrogatoriamente.<br><br>
É natural e humano que essas janelas de oportunidade aticem o apetite das legendas antes chamadas de fisiológicas, pela momentânea eliminação, ou ao menos redução, do custo reputacional implicado no que normalmente seria xingado como “toma lá, dá cá”. É onde estamos.<br><br>
Ainda mais quando se nota o azeitamento da relação entre o Planalto e o Judiciário, o que faz suas excelências do Congresso olharem com cuidado redobrado para a possibilidade de aninhar-se sob as asas do Executivo.<br><br>
Mas aqui quem me lê poderia fazer uma pergunta: afinal, por que o Executivo precisa fazer tantas concessões?<br><br>
No mínimo, para garantir que não se formarão massas críticas em torno de possíveis impeachments. E para evitar, ou ao menos controlar, comissões parlamentares de inquérito. Agora mesmo, uma competente articulação política (vou usar a expressão benigna) emasculou ou virou do avesso CPIs originalmente anti-Planalto.<br><br>
E tem também o “apoio às reformas”. Seria o caso de estudar como e por que governos, um atrás do outro, decidem ter uma agenda legislativa que demanda expressivas maiorias, apenas para, ao fim e ao cabo, e a um custo altíssimo, colher mudanças legais de efeito apenas relativo.<br><br>
Verdade que isso faz parte da estranha propensão brasileira a, simultaneamente, orar no altar da Constituição de 88 e diariamente revogá-la pela enxurrada de emendas congressuais e decisões do Supremo Tribunal Federal. O que talvez merecesse um estudo de especialistas na relação entre política e psicanálise.<br><br>
É nesse ponto que se acha o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Para ter governabilidade (outra expressão bonita que se impõe ao governante que não quer virar um Luís XVI), precisa abrir espaço a políticos que nada têm a ver com o que se decidiu na eleição, ou até se opuseram ao que acabou prevalecendo na urna.<br><br>
É natural que resista, ainda que vá ter de ceder. Aliás, governar o Brasil tem sido um pouco isso. Uns chamam de “presidencialismo de coalizão”. Que carrega, dialeticamente, em si seu contrário. O que governantes brasileiros mais fazem, no que gastam talvez a maior parte do seu precioso tempo, é resistir ao Frankenstein.
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-83192922448557865302023-08-11T08:55:00.003-03:002023-08-11T08:57:47.433-03:00Lula, Fausto e a esfinge do petróleoA tática de Luiz Inácio Lula da Silva no intrincado xadrez do clima parece clara. Segue a receita tradicional: bater bumbo para a narrativa do momento, buscar articulações que ampliem a superfície política de contato, reduzindo assim a pressão exercida sobre o Brasil pelas forças externas, e, entrementes, ir tocando a vida de acordo com as necessidades práticas, preenchendo o tempo com ataques continuados aos adversários políticos do momento.<br><br>
Posto que a realidade material nunca consegue ficar circunscrita aos discursos, alguma hora os fatos terão, porém, de se impor. Logo o governo brasileiro terá de decidir a autorização ou não para explorar o petróleo na foz do Amazonas. E autorizar trará necessariamente custo reputacional para um presidente empenhado em se apresentar como liderança planetária nos assuntos do momento, entre os quais brilha o clima.<br><br>
E tem pelo menos outro nó aí. A reindustrialização, agora repaginada como neoindustrialização (também para reduzir a área de atrito com os antidesenvolvimentistas), ocupa lugar central nos planos governamentais, sem ela vai ser difícil reduzir estruturalmente as altas taxas de desemprego. O PIB projetado é bom, mas a beleza dos números deve-se na maior parte ao agronegócio, cuja vocação não é empregar. Serviços e indústria comem poeira.<br><br>
Qual é a real, então? Não haverá reindustrialização sem energia barata. Aliás, encarecimento da energia causa desindustrialização. Que o diga a Alemanha. E, posto que o preço nunca está imune à lei da oferta e da demanda, fica claro que é ficção reindustrializar sem energia abundante. O papel e o Power Point aceitam tudo, mas alguma hora governos têm de entregar o que projetaram para o futuro.<br><br>
Pois se há algo certo sobre o futuro é que ele sempre chega.<br><br>
O Brasil tem um dos perfis energéticos mais limpos, graças principalmente às hidrelétricas. Mas o potencial hídrico ainda inexplorado concentra-se na Amazônia, a construção das barragens ali enfrenta oposição cerrada. Ah, há também o etanol, mas a cana sofre a concorrência dos alimentos pela área plantada. Um desafio adicional para o país que aceitou o dogma de, também para ajudar a salvar o planeta, congelar a fronteira agrícola.<br><br>
As energias eólica e solar vêm em franca expansão, mas não deixam de ter impacto sócio-ambiental. Seus custos estão caindo rapidamente, mas a oferta nem de longe será capaz de atender a demanda imediata. O mesmo vale para a energia nuclear. Ou o Brasil acelera a exploração de petróleo e gás, ou a reindustrialização acelerada continuará confinada aos discursos e às apresentações.<br><br>
É provável que, com o tempo, as soluções pragmáticas acabem se impondo, e o presidente sempre terá à mão o argumento de, afinal, estarmos um período de transição energética, daí precisarmos usar todas as fontes disponíveis. Mas Lula neste tema não joga em casa, não tem com ele a torcida incondicional dos mecanismos construtores de opinião pública nem a simpatia da arbitragem.<br><br>
Mais um detalhe. Em 2014, a acusação de que adversários parariam a exploração do pré-sal e privilegiariam as energias limpas foi decisiva na reeleição de Dilma Rousseff. Agora, Mefistófeles aparentemente veio acertar a fatura. A ver se Lula, como Fausto, consegue escapar de ter de pagar toda a conta.
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-55687286836338117812023-08-04T21:23:00.002-03:002023-08-04T21:25:02.914-03:00O Senado anda inquieto?Todo governo enfrenta oposição, pois sempre haverá alguém excluído do poder. Mesmo quando a oposição é garroteada na superestrutura, o vetor oposicionista encontra caminhos alternativos para infiltrar-se no edifício institucional. Mais: quando os espaços oposicionistas estão bloqueados, ou quase, na esfera formal, a tendência é o oposicionismo surgir de dentro do bloco do poder, ainda que aparente ser um oposicionismo oficialista, melhorista.<br><br>
A equação de governabilidade de Luiz Inácio Lula da Silva anda bem desenhada e já transita do papel para a vida material. O presidente reconcentra poder num duplo movimento: 1) o presidencialismo de coalizão com o Judiciário; e 2) um acordo operacional com a Câmara dos Deputados por meio da execução orçamentária. Nesse segundo pilar, os arrufos recentes devem ser entendidos apenas como o que são: parte da dança do acasalamento.<br><br>
Mas o Congresso Nacional é majoritariamente de direita, especialmente a Câmara, e o governo Lula precisa satisfazer a sua base progressista com alguma mercadoria da agenda social-liberal, entendido esse “liberal” na acepção norte-americana da palavra. O caminho natural é dividir a operação política em dois: 1) uma maioria congressual para evitar sobressaltos e aprovar a pauta econômica; e 2) passar a boiada da agenda progressista por meio do STF.<br><br>
No primeiro item, a dupla Lula-Fernando Haddad encontra uma avenida aberta, pois o consenso entre os assim chamados formadores de opinião aproxima-se do visto no Plano Real e nas duas administrações de Fernando Henrique Cardoso, quando, aliás, a esquerda reclamava da interdição de qualquer debate. Um sintoma agora foi a resistência virulenta contra a nomeação do presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.<br><br>
Algum desavisado que notasse a temperatura da refrega poderia imaginar que se estava decidindo quem seria o ministro da Fazenda ou o presidente do Banco Central.<br><br>
A perturbação desta semana apareceu no segundo vetor. A ideia é o governo surfar no legiferante Supremo Tribunal Federal e esperar que seja aprovado ali o que seria surpresa se encontrasse guarida no Legislativo conservador. Mas nesta semana algo pareceu não ter sido combinado com os russos, pois o presidente do Senado chiou contra o início da deliberação do STF sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo.<br><br>
Alguma hora algum graúdo no Congresso chiaria mesmo, também porque ali os eventuais candidatos a presidir a instituição dependem do voto dos pares. Não há uma linha de sucessão natural, como no Supremo. No passado, havia o acordo tácito de a maior bancada indicar o presidente da Casa, mas na Câmara isso acabou definitivamente quando Severino Cavalcanti se elegeu em 2005. No Senado, quando Davi Alcolumbre faturou a parada em 2019.<br><br>
Com Jair Bolsonaro na mira de Alexandre de Moraes e a chapa esquentando sob os pés do grupo político do ex-presidente e de alguns preeminentes na sua base social, a oposição está um tanto neutralizada, ao menos momentaneamente. Vamos observar para ver como navega o agora transatlântico lotado da base institucional do governo. Há espaço, portanto, para o governo protagonizar os próximos capítulos.
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-61586736193018329162023-07-29T09:21:00.002-03:002023-07-29T09:47:53.294-03:00O feitiço do tempo No país cuja política se desenha como seguidos e incontáveis “dias da marmota” (o filme <i>cult</i> tem três décadas e aqui recebeu o título de “Feitiço do Tempo”), entramos agora naquele segundo período dos governos, quando eles se ocupam de “formar a base”.<br><br>
Cooptar, com verbas e cargos, parlamentares em número suficiente não apenas para aprovar leis ou emendas constitucionais. Mas também, e talvez principalmente, para blindar o governo de, ou nas, comissões parlamentares de inquérito e para bloquear processos de impeachment.<br><br>
Todo governo por aqui começa navegando em mar razoavelmente de almirante, contemplando em primeiro lugar os mais fiéis e dedicados e, dali a alguns meses, acorda cercado pelos hunos. E a negociação começa.<br><br>
Quando os participantes desse jogo recorrente têm sorte,e quando os mecanismos que se enxergam formadores da opinião pública estão contemplados, política e programaticamente, o debate gira em torno do que se chama de “governabilidade”.<br><br>
Quando não, os jogadores são obrigados a encarar um campo encharcado, às vezes impraticável, sob a chuva de acusações de "fisiologismo", “toma lá dá cá”, e submetidos aos caçadores ferozes de casos de corrupção que, no mais das vezes, lá na frente dão em nada.<br><br>
O espectro de Jair Bolsonaro e do bolsonarismo vem ajudando Luiz Inácio Lula da Silva a navegar nessas águas, pois toda negociação política destes dias acaba legitimando-se pela necessidade declarada de isolar o ex-presidente e os dele.<br><br>
O que tampouco chega a ser novidade, basta recordar que alguns anos atrás a besta-fera eram Lula e o petismo, e eram moídos pela mesma engrenagem. A diferença é que Lula aproveita melhor as circunstâncias e facilita a operação de costura da rede de proteção de seu poder.<br><br>
Até por ter mais experiência no <i>métier</i>. Lula domina as técnicas de negociação política e, <a href="http://www.alon.jor.br/2023/07/a-volta-do-moderador.html" target="_blank">como dito aqui no artigo anterior</a>, aproveita a necessidade de ampliar a base, e supostamente distribuir poder, para concentrar poder.<br><br>
Um dos mecanismos clássicos de concentração de poder é ter aliados em variedade e quantidade suficiente para não depender de nenhum deles isoladamente.<br><br>
Dada a estreitíssima diferença de votos no segundo turno, é humano que cada apoiador de Lula ano passado se olhe no espelho e se veja como o elemento decisivo da vitória do petista. E é natural que o presidente tente aplicar o maior deságio possível nessas faturas.<br><br>
Se o objetivo do político é manter e ampliar poder, e a regra não tem exceção, não será prudente para o mais que provável candidato à reeleição chegar a 2026 totalmente dependente de um ou outro personagem que, do mesmo jeito que cruzou o rio, pode facilmente fazer o caminho de volta.<br><br>
Daí que Lula busque ampliar a base por aposição, agregando bolsonaristas eleitorais, mas também evite a excessiva e inconveniente, para ele, anabolização dos núcleos internos potencialmente concorrentes. É o que se está vendo nestes dias de feitiço do tempo.
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-86490580132003728002023-07-22T17:53:00.005-03:002023-07-22T18:02:35.274-03:00A volta do moderadorPassados quase sete meses de presidência, Luiz Inácio Lula da Silva vai reconcentrando poder no Executivo com um método paradoxal apenas na aparência: essa reconcentração se dá sob a aparência de desconcentração.<br><br>
O presidente aceita a dança e até oferece espaços para colher fidelidades. E, assim, vai reconstruindo o poder moderador, abolido formalmente com a República, mas informalmente presente ao longo deste quase século e meio de republicanismo.<br><br>
Poder cujo esvaziamento tem estado na base das crises que chacoalharam o país ao longo da década passada, com a prevalência de elementos centrífugos sobre os centrípetos.<br><br>
Do que resultou uma multiplicação de centros de mando com boa autonomia em Brasília.<br><br>
Jair Messias Bolsonaro conseguiu ter sucesso na sedução do Congresso Nacional, numa relação custo-benefício até melhor que a de Lula. Pois bastaram-lhe as emendas parlamentares, enquanto o petista precisa retroceder para a concessão generosa de cargos que evidentemente preferiria manter para os seus.<br><br>
Mas o indivíduo não faz a história apenas com base em desejos, a realização deles está limitada às circunstâncias.<br><br>
Bolsonaro hipertrofiou as emendas parlamentares e, no final, o lero-lero em torno de “acabar com o orçamento secreto” não apenas manteve o caráter “secreto” de parte gorda do orçamento, mas também reduziu o poder dos presidentes das Casas, ao aumentar consideravelmente o volume de emendas de execução obrigatória.<br><br>
Ampliando assim a margem de potencial independência do parlamentar em relação ao presidente da respectiva Casa e ao próprio governo. Ou seja, o preço político de formar uma base aumentou.<br><br>
Para dificultar um pouco mais, as inclinações ideológicas do governo e do Legislativo opõem-se em algum grau. É menos natural um deputado ou senador de direita apoiar Lula do que era apoiar Bolsonaro. E isso tem um custo.<br><br>
Daí o presidente ter de retroagir ao modelo pleno da “velha política”. Nessa operação, Lula leva duas vantagens sobre Bolsonaro.<br><br>
A primeira: o atual ocupante do Planalto, ao contrário do anterior, não está em guerra aberta contra as condições objetivas e a correlação de forças. Vai comendo pelas beiradas ou, como dizia Leonel de Moura Brizola, costeando o alambrado.<br><br>
A segunda: o discurso udenista que inferniza a vida dos presidentes desde José Sarney anda fora de moda. Os atores e condutores tradicionais desse estilo teatral andam algo recolhidos, por 1) simples simpatia ou adesão ao novo establishment ou 2) não querer ser acusados de enfraquecer a democracia e ajudar o golpismo.<br><br>
Assim, um período que começou como presidencialismo de coalizão com o Judiciário e em tensão com o Legislativo vai retomando a inércia da Nova República. E em condições até mais favoráveis ao poder, dada a crescente tolerância intelectual e social à restrição de certos direitos e prerrogativas previstos formalmente na Carta que a redemocratização de 1984-85 produziu.<br><br>
A estabilidade desse azeitamento do arcabouço institucional costumeiro da política brasileira depende de o Executivo entregar resultados perceptíveis ao povão. Lula tem se empenhado em retomar programas de resultado setorial, o que sempre ajuda, mas é preciso prestar atenção aos grandes números.<br><br>
A inflação vem caindo, mas a atividade começa a mostrar algum sofrimento. As previsões para o PIB melhoram, mas com base quase unicamente no crescimento explosivo do agro. Indústria e serviços, que geram mais emprego, continuam com projeções medíocres.
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1537032277746596190.post-32316384561608226592023-07-15T13:49:00.021-03:002023-07-15T15:50:47.748-03:00Nem sempre é a economiaA prevalência da economia sobre as demais variáveis numa eleição cristalizou-se na literatura a partir do “É a economia, estúpido”. Atribui-se a James Carville, na campanha em que seu assessorado e desafiante, William Jefferson Clinton, derrotou o incumbente, George Herbert Walker Bush (pai), na disputa presidencial americana em 1992. É dogma desde então.<br><br>
E faz mesmo algum sentido, dado que as grandes maiorias movem-se na política por fatores conectados à vida material. Daí as pesquisas eleitorais e de avaliação de governo buscarem sempre saber se o entrevistado está melhorando de vida, tem esperança de melhorar de vida, acha que o país e a economia estão no caminho certo etc.<br><br>
Mas, se a economia responde pelas tendências mais estruturantes do eleitorado, seria um erro subestimar os fatores subjetivos. São conhecidas as situações em que o incumbente mal avaliado na gestão derrota um desafiante. Caso clássico é a vitória de Mário Covas sobre Paulo Maluf em 1998 na disputa do governo de São Paulo.<br><br>
Uma campanha anticorrupção extremamente agressiva permitiu ao tucano virar no segundo turno uma corrida que tinha tudo para perder.<br><br>
Há situações em que o líder se impõe mesmo quando as coisas não vão bem, e por uma razão simples: ele acaba sendo visto como o mais apetrechado para conduzir o barco a um futuro melhor ou então como quem melhor pode liderar o grupo na busca da sobrevivência. Em guerras, é bastante comum.<br><br>
E no Brasil? A última eleição presidencial foi paradigmática quanto aos aspectos subjetivos. A economia vinha se recuperando ao longo do ano. O desemprego já caía desde meados do ano anterior, e a inflação começou a recuar no final da primeira metade de 2022. Efeitos também da normalização econômica do final da pandemia.<br><br>
A economia manteve Bolsonaro competitivo na corrida, mas ele acabou perdendo. Por pouco, mas perdeu. E há um quase consenso de que os tais aspectos subjetivos foram decisivos para a derrota dele. Dois em particular: 1) a atitude negativa diante das medidas contra a Covid-19, especialmente o antivacinismo; e 2) o combate ao voto eletrônico.<br><br>
Bolsonaro ficou dois pontos percentuais atrás de Luiz Inácio Lula da Silva, especialmente por ter recuado de maneira significativa no Sudeste em relação a quatro anos antes. No Nordeste, no essencial, o PT teve em 2022 o desempenho que tivera em 2018. Uma hipótese bem razoável é os fatores subjetivos terem ajudado essa lipoaspiração “sudestina” de Bolsonaro.<br><br>
O desempenho da economia concentra as atenções agora quando se trata de prospectar a política para 2026. Mas, num país dividido quase ao meio, talvez seja prudente levar também em conta a luta ideológica, simbólica e de valores. Entendê-la é essencial para medir em algum grau a sensação e a convicção de pertencimento, saber de que tribo alguém sente que faz parte.<br><br>Pode não ser o combustível da maioria dos eleitores, mas eventualmente é o motor daquela minoria que, indo para um lado ou outro, decide a eleição.
Unknownnoreply@blogger.com0