sábado, 26 de agosto de 2017

O nó da reforma política não está nos eleitos, está nos eleitores. E estes são mais difíceis de reformar.

Busca-se, pela enésima vez, o modelo político-eleitoral ótimo, que idealmente será alcançado por meio de uma reforma amplamente desejada. Mais uma vez, entretanto, a montanha parirá um rato. O motivo disso seria a resistência do sistema, supostamente maligno, a mudanças supostamente benignas. É a explicação óbvia. Convém desconfiar dela.

Não é tão difícil desenhar modelos “melhores” que o atual. Mas, melhores para quem? Um problema é a dispersão de objetivos, conforme as conveniências. Quem está no governo, ou acha que vai chegar lá, quer facilitar a governabilidade. Mas só para si próprio. Além disso, os papéis flutuam conforme a conjuntura momentânea de cada ator.

Há, por exemplo, uma maneira simples de dar ao presidente eleito maioria sólida na Câmara dos Deputados. Basta combinar alguma cláusula de barreira com o seguinte dispositivo: cada partido ou coligação elegeria em cada estado uma bancada, em lista aberta ou fechada, proporcional aos votos válidos recebidos ali pelo seu candidato à Presidência.

Aliás esse mecanismo poderia ser facilmente replicado para governadores e assembleias, e para prefeitos e câmaras.

A dispersão cairia dramaticamente. Se a lista fosse fechada, o custo da eleição de deputado ou vereador iria para perto de zero. Diversos objetivos dos reformistas seriam atingidos. Haveria inclusive mais legitimidade para algum semipresidencialismo, dada a conexão direta entre o voto para o executivo e a escolha dos parlamentares que aprovariam o gabinete.

Mas nada parecido com isso será implantado. Num sistema assim, o PT e aliados próximos fariam em 2018 no mínimo 40% da Câmara. Os aparentemente fanáticos da governabilidade do governo Temer sabem fazer conta, principalmente as de chegada. A governabilidade do próximo presidente é desejável, desde que ele tenha determinada agenda.

O nó da nova reforma política tem a ver com esse detalhe. A caçada atual pelo “bom sistema” é apenas cobertura para a busca de algum mecanismo que garanta o apoio da maioria do próximo Congresso à agenda deste governo. Agenda que, infelizmente para os proponentes, não tem apoio social suficiente para passar tranquila no Legislativo. Neste ou no próximo.

Essa tensão entre o que se gostaria de aprovar no Congresso e o que é possível, dada a correlação social de forças, é o caldo de cultura de uma farta mitologia. Um mito fascinante é o da renovação. Repete-se que o problema está na dificuldade de eleger pessoas novas, e portanto (sic) boas. É o contrário. Nossa Câmara tem uma das maiores taxas de renovação do mundo, perto de 50%. Na dos EUA costuma ser de 10%.

Com o voto distrital ou misto (distrital+lista), a taxa de renovação nas eleições para o Legislativo despencaria. É só olhar pelo mundo. Mas o distrital é apresentado como a melhor alternativa pelos mesmos que insistem na premência de renovar os quadros políticos, para que os maus deem lugar aos bons. E que por isso não aceitam o distritão.

Não perca seu tempo, caro leitor, procurando racionalidade nesse debate. O problema dos nossos reformistas é que em quase qualquer sistema a vontade da maioria acaba se infiltrando em algum grau na representação política. O nó do alto custo político das reformas liberais não está nos eleitos, mas nos eleitores. E esses são mais complicados de reformar.


Privatizar faz algum sentido quando é para abater dívida que custa mais do que a estatal entrega para o Tesouro. Ou para ter dinheiro para investir. Vender ativo para cobrir despesa corrente é ruim. Vendido determinado bem, a despesa continuará ali. Os mesmos empresários que pedem isso ao governo demitiriam o executivo que fizesse algo assim nas suas empresas.

O Brasil foi programado para quebrar. As despesas estão protegidas, especialmente as mais indefensáveis. Quando a receita cai, resta caçar fontes extraordinárias para fechar as contas. Se o Brasil não existisse precisaria ser inventado: o Estado quebrou nos três níveis, mas festeja-se a existência de uma lei de responsabilidade fiscal.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

A calmaria de hoje, e a tempestade que vem. E o risco de um Bonaparte frustrado para 2019

O curto prazo está equacionado. Michel Temer tem apoio suficiente no Congresso para não ser derrubado pela via que removeu dois dos antecessores. O médio prazo também: o governo buscará expedientes para levar a economia até 31 de dezembro de 2018. E com as medidas legislativas possíveis, dada a correlação das forças.

Já escrevi aqui, e talvez seja momento de repisar, que os problemas maiores aflorarão em 2019. E isso tornou-se mais provável em função dos fatos recentes. Que levaram o, um dia, ambiciosamente reformista governo Temer a recuar para o modo de sobrevivência. Isso aliviou a crise de curto prazo, e também tem tudo para torná-la crônica.

O Brasil da Nova República sustentava-se em alguns pilares. Entre eles: 1) respeito aos resultados eleitorais, 2) busca de soluções consensuais num Legislativo reconhecido como instância política legítima, 3) absorção da "sociedade civil” pela política convencional e 4) crença num longo período de desenvolvimento capitalista democrático e distributivista.

É fácil notar que esses alicerces colapsaram ou estão em vias de. Os motivos do colapso serão matéria para historiadores, mas é fato que a política e a economia entraram em desarranjo muito grave. Não se vê, nem se antevê, um consenso mínimo sobre como reorganizar ambas para voltarem a funcionar de um jeito aceitável a todos, ou à ampla maioria.

A falta de consenso mínimo reforça dois vetores aparentemente opostos: 1) uma apatia momentânea, estimulada pela ausência de resposta ao "que fazer?", e 2) uma profunda repulsa, represada e silenciosa, contra o status quo. O primeiro permite que a política viva hoje numa zona de calmaria. O segundo é a garantia de que alguma tempestade virá.

A calmaria também deriva de os diversos atores acreditarem na própria viabilidade eleitoral ano que vem. E de as estruturas políticas estarem mais preocupadas com a própria sobrevivência. E há a circunstância de inexistir, fora das franjas, alguém ponderável suficientemente zerado e "novo" para liderar uma rebelião contra o sistema.

Mas a ausência dos elementos subjetivos nunca é garantia absoluta. Então é preciso acompanhar a dinâmica, e com cuidado. Até porque o amadurecimento das condições objetivas pode forçar o surgimento das subjetivas. E de onde menos se espera. Vide Tsipras, Brexit, Trump e Macron. Chamar o cidadão e/ou o eleitor a manifestar-se é um risco.

O principal exercício prospectivo hoje é tentar entender como se dará a rebelião que virá. Ela pode ser, inclusive, uma revolta em busca de um Napoleão (o tio, não o sobrinho), alguém que ponha fim à desordem e à instabilidade. Nesse caso, a peculiaridade seria o Brasil ter recorrido ao velho para supostamente produzir o alardeado “novo".

Mas esse Napoleão chegará a Brasília com alta energia, só que com baixa capacidade de transformá-la em força de transformação, pois o paquidérmico Estado brasileiro está organizado para impedir qualquer mudança. É como uma Rússia czarista em que o czar não mandasse mais nada e reinasse só preocupado com o próprio pescoço.

Simples e errada

A impotência do Bonaparte será a senha para a crise de 2019. E, como para todo problema complexo aparece sempre uma solução simples e errada, propõe-se cortar o nó impondo um parlamentarismo já rejeitado duas vezes nas urnas. Em ambas, a maioria dos eleitores intuíram ser manobra para extirpar da política um dos últimos vetores de soberania popular. Bingo.

Quem paga a conta?

Depois de uma recessão só vista em tempos de guerra, a economia exibe alguma recuperação inercial e marginal. Que será insuficiente para fechar as duas maiores feridas da crise brasileira: o desemprego e o crescimento exponencial da dívida pública. Enquanto se debatem irrelevâncias, como o distritão, ninguém arrisca dizer como resolverá essas duas coisas.

Porque alguém terá de pagar a conta. Ainda que todos finjam que não.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

As dificuldades de cada um na disputa por 2018, em meio à acomodação geral na mediocridade

A consciência coletiva já entregou os pontos: o presente vai deixando de ter maior importância em outras esferas para além da judicial-policial, as atenções/esperanças orientam-se para 2018. Concluiu-se: o resto do governo Temer será dedicado e com razoável probabilidade de sucesso à sobrevivência. Assuntos menos importantes ficam para depois.

Se vai ser assim mesmo só os fatos dirão, e eles costumam ser além de teimosos surpreendentes, mas leva jeito. Haverá alguma mudança nas normas da previdência social, alguma mexida nas regras eleitorais, e só. O desafio de como crescer e gerar os empregos para absorver o trabalho, especialmente o jovem, ficará para depois de janeiro de 2019.

Se é que ficará. A acomodação na mediocridade parece tática, mas há o risco/sintoma de ser estratégica. Vide a convivência pacífica com resultados econômicos medianos, infraestrutura mediana, educação mediana, política mediana, cultura mediana. Faltam ambição e energia. Há alarido, mas prevalece a indiferença, prima do cansaço e do ceticismo.

Nesse teatro modorrento, as forças políticas estão orientadas para o próprio umbigo. O governo que sobreviveu anda às voltas com o desafio de estender-se além de 31 de dezembro de 2018. A utopia é a reeleição do presidente hoje impopular. Mas qualquer solução que garanta ao grupo um bom alojamento na esplanada será vista com simpatia. Por exemplo Doria.

Já o PSDB tem um problema novo. Como deslocar Bolsonaro? O senso comum diz que ele se desidratará sozinho, mas vai que não? De todo modo, o PSDB e/ou o temerismo poderão contar, como habitual, com a opinião pública para atingir o objetivo. Enquanto isso, o tucanismo quebra a cabeça para conter dissidências. Tarefa mais complexa hoje do que foi ontem.

O PT navega como um governo Temer de sinal trocado, concentrado na luta pela sobrevivência jurídica do líder. É um jeito de manter reunido o capital político, de Lula evitar a dispersão interna e externa, e de prevenir a contestação da sua liderança. E sempre há a hipótese, muito provável, de não aparecer nenhum concorrente de peso para o PT em seu campo.

São os três grandes vetores. Os demais orbitam em torno, na esperança de, finalmente, abrir-se o espaço definitivo para a novidade. Em comum com o velho, exibem a mesma fraqueza de visão sobre o futuro, sobre o que fazer com a economia, com a política, com os serviços públicos. Buscam beneficiar-se do cansaço. Mas também são vítimas dele e da indiferença.

Indiferença alimentada pelo fato de que o doente, a economia, mesmo à deriva, flutua. Parece pouco, mas para quem se via na UTI pode não ser.

Só barulho

A eventual implantação do “distritão" não alterará substancialmente a composição das bancadas eleitas para a Câmara dos Deputados. Parece mais uma moeda de troca para evitar o bloqueio dos pequenos partidos à proibição das coligações nas eleições proporcionais. Se for mesmo (ah, o eterno otimismo) um caminho para o distrital misto, pode valer a pena.

Judicialização

Onde está o problema? O financiamento empresarial foi proibido. Se todo o dinheiro para eleição passar pelo partido, como será distribuído aos candidatos da sigla aos legislativos? Com a lista aberta ou com o distritão, o igualitarismo não faz sentido. Vai depender portanto da vontade do dono de cada legenda. Tem tudo para dar errado. Certamente acabará na Justiça.

Blindagem

Os resultados na economia são medíocres, o produto mais vistoso da política econômica é a queda na arrecadação de impostos, o investimento público bate recordes negativos, enquanto as despesas de custeio não param de crescer, apesar da contenção do gasto decorrente dos juros dos títulos do Tesouro. Mas não se veem maiores críticas. Haja blindagem.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Três anos depois, a elite política blinda-se, com o apoio da elite econômica e sob a indiferença geral

O termo “histórico” anda banalizado, mas a vitória de Michel Temer na Câmara dos Deputados na quarta-feira foi histórica, sem aspas. Após três anos de Lava-Jato, o mundo da política conseguiu quebrar a lógica do último quarto de século, lógica que prevalecia desde o impeachment do presidente Fernando Collor.

Até 2 de agosto de 2017 a coisa funcionava assim: 1) dificuldades econômicas enfraqueciam um governo sem ampla base parlamentar, 2) apareciam acusações de corrupção, 3) a imprensa entrava em modo de militância, 4) a classe média ia para a rua, 4) produzia-se unanimidade de opinião pública, 5) o Congresso acompanhava e 6) o governo caía.

Por que não funcionou agora? 1) A Lava-Jato quer dizimar todas as facções, 2) isso induz solidariedade do universo político ao governo, 3) este encampa uma agenda popular para a elite, apesar de impopular nas massas, agenda que enfrentaria resistência numa eleição, 4) questões concorrenciais impedem a unanimidade na imprensa, 5) a inflação mergulhou.

Quem elege governos é o assim chamado povo, mas quem derruba governos são aparelhos estruturados, em geral controlados pela elite. O governante que impede o alinhamento desses aparelhos dificilmente cai, ainda mais quando consegue, pelo menos, a indiferença popular. E, no Brasil, se um governo controla a inflação tem meio caminho andado no último quesito.

As pesquisas mostram ampla rejeição ao presidente da República, mas uma coisa é achar que ele deve sair e outra coisa é decidir engajar-se num movimento pela sua deposição. “Movimento espontâneo” é história da carochinha. Para haver mobilização de massa é preciso ter quem a mobilize e ela estar propensa a mobilizar-se. Sem isso, nada feito.

Mas, e agora? Está tudo resolvido? Não. A guerra não acabou. O desfecho dela está dado, mas ela não acabou. Isso significa que haverá mais vítimas no universo político. E, principalmente, no empresarial. Se é verdade que o alto mundo da política está razoavelmente blindado, é fato também que a Lava-Jato mantém momentum e muita liberdade de ação.

A Lava-Jato reuniu um conjunto de informações que lhe dá combustível para voar por muito tempo. Então, a guerra entrará numa nova etapa, algo parecida com a crise de 2005/06: os fatos continuarão em fluxo contínuo, mas o efeito político imediato será relativo. Políticos morrerão? Sim. Mas a cadeia de comando do exército da política estará preservada.

A correlação de forças inocula estabilidade no poder. Quem pode derrubar o governo? A Lava-Jato. Que setor ponderável da política ou do empresariado está disposto a fortalecer a Lava-Jato ao ponto de ela reunir musculatura para derrubar o governo? Hoje, nenhum. De novo, só o imponderável pode mudar isso. Mas ele já andou aparecendo e não resolveu.

E as reformas?

A política pagará a dívida de sangue com a elite econômica e aprovará alguma reforma da previdência social, como der. Se não por emenda à Constituição, por outro meio. O governo tem hoje uma base firme em torno de 260 deputados e 50 senadores. Tentará ampliar isso, e colocará para votar o que for possível, de acordo com a força medida.

E a economia?

Tudo indica que a economia chegará a 2018 em situação medíocre. A submissão do Executivo ao Parlamento impedirá uma linha real de austeridade e a recessão de facto levará a sucessivas frustrações de receita. As providências ficarão em boa parte para o próximo governo, o que fará das medidas econômicas o eixo da campanha presidencial.

E a eleição?

Na esquerda, o nome será Lula ou um candidato de Lula, o que no final tende a convergir. Na direita, a vantagem hoje parece estar num eventual nome apoiado por Temer e pela ala temerista do PSDB, com a adesão do Democratas. No final, a disputa será esquerda x direita. A primeira sofrerá com o isolamento. A segunda, com o ônus da mediocridade econômica.