sexta-feira, 29 de junho de 2018

O cenário para os pré-candidatos na véspera da largada. E a possibilidade de decidir no 1o. turno

É razoável duvidar de pesquisas eleitorais. Mais razoável ainda é acreditar em todas. Melhor dizendo, acreditar no que todas têm em comum. Se, por exemplo, três pesquisas têm um intervalo de confiança de 95%, então a probabilidade de o dado comum entre elas estar errado é 0,05 elevado ao cubo. Ou seja, há 99% de chance de a coisa estar certa.

O que dizem todas as pesquisas? Que Lula tem perto de 30%, Bolsonaro pelo menos 15%, Marina, Alckmin e Ciro entre 5 e 10% e Álvaro Dias pouco menos de 5%. Os demais orbitam em torno de 1%. Sim, há as pesquisas sem Lula. Elas são hoje apenas parcialmente relevantes porque o voto lulista sem Lula não tenderá à dispersão. Se acontecer, será surpresa.

Quanto Lula transferirá a um candidato? Segundo o Datafolha, praticamente tudo, entre os que votariam com certeza e os que poderiam votar. Segundo a única pesquisa registrada que vem medindo o efeito real do apoio de Lula, a do Ipespe, um eventual candidato Haddad partiria de dois dígitos, em empate técnico com Marina na vice-liderança, atrás de Bolsonaro.

Ou seja, como já dito aqui, 1) o PT depende principalmente de si para chegar ao segundo turno. Mas, 2) precisará de uma execução excelente em pouco tempo, e muito provavelmente sob intenso fogo dos adversários e da opinião pública antipetista. Uma coisa é o potencial de transferência do voto lulista. Outra coisa é transformar esse potencial em voto na urna.

Do lado oposto, Alckmin está num patamar bastante abaixo do que historicamente um tucano tinha nesta época em eleições passadas, mas não sofre ameaça real de nenhum nome “de centro”. Uma incógnita vem de Álvaro Dias, que até agora não avançou no desafio de acumular tempo de TV minimamente razoável, para ter mais chance de sobreviver após agosto.

Um problema sério de Alckmin, detectado pela mesma pesquisa Ipespe, é a pouca atração que a pré-candidatura do tucano exerce sobre eleitores de outros candidatos. É a segunda opção de pouca gente. Alckmin também 1) depende principalmente de si, mas 2) precisa de execução excelente. Precisa principalmente evitar que os partidos de seu campo desgarrem.

Bolsonaro tem mostrado resiliência, mas num patamar perigoso. Se por hipótese um terço do eleitorado decidir pelo não voto, os 15% dele seriam 23% dos votos válidos. Nesse degrau, está arriscado a sofrer uma onda “centrista” no primeiro turno. Não se deve subestimar o esforço que o establishment fará para colocar um dos dele, ou um confiável, na decisão.

Marina está posicionada para surfar nessa onda, mas precisa que as alternativas “centristas” mais palatáveis à elite naufraguem. Assim como Bolsonaro, ela não depende principalmente de si. O mesmo se dá com Ciro. Se ele não for o “candidato de Lula”, precisará de uma execução insuficiente da transferência dos votos lulistas para o novo nome do PT.

As recentes eleições extras no Amazonas e Tocantins mostraram um não voto crescente, tendendo a metade do eleitorado. É pouco provável que esse patamar se repita na presidencial, mas não é absurdo imaginar, nas circunstâncias, um não voto de um terço. Num quadro assim, um candidato com 33% mais um dos votos levaria a eleição no primeiro turno. #FicaaDica.

Variáveis a monitorar:

1) A transferência de votos de Lula para o novo nome do PT,

2) se Bolsonaro, além de não cair, consegue mais uns pontos,

3) como ficará a repartição de tempo de TV entre Alckmin, Ciro e Dias

4) a tendência ao não voto,

5) se a economia traz alguma boa notícia para vitaminar o continuísmo e

6) a #LavaJato

Sobre a última variável, há os efeitos da #LavaJato sobre cada candidato. E há a anabolização do não voto, ou do voto em outsiders. Como o único outsider de raiz é Bolsonaro, ele seria um beneficiário certo da repulsa aos políticos e do desejo de limpar as Cavalariças de Áugias.

Precisa ver se ele tem vocação para Hércules. Pois é improvável que os adversários assistam passivamente à caminhada do capitão.

quinta-feira, 28 de junho de 2018

A judicialização da política acontece aqui e nos EUA. Isso deveria fazer pensar

Ou seja, a fragmentação partidária aqui não explica tudo

E isso relativiza o papel salvacionista da reforma política


Vamos começar pela Suprema Corte do Estados Unidos, a SCOTUS em inglês. Lá aconteceu o seguinte: o juiz Anthony Kennedy decidiu aposentar-se (a cadeira é vitalícia) e a saída dele abre a possibilidade de o Partido Republicano consolidar uma maioria de 5 a 4 radicalmente conservadora. Hoje a correlação de forças já é um pouco essa, mas o conservador Kennedy vinha sendo flexível em alguns pontos, como por exemplo o casamento gay.

Supremas cortes são sempre importantes, mas a judicialização da política nos Estados Unidos transformou a SCOTUS na instância de resolução das principais divergências políticas. Estes dias mesmo, o tribunal validou decisões de política imigratória do Presidente Donald Trump, restrições à entrada nos EUA de cidadãos de alguns países de maioria muçulmana. As decisões tinham sido contestadas e bloqueadas por juízes de primeira instância.

Volta e meia culpa-se a pulverização partidária no Brasil pela dificuldade de construir maiorias eficazes no Congresso Nacional. Os impasses paralisantes do nosso Legislativo vêm sendo um fato, e o resultado é um Supremo Tribunal Federal empoderado. Na real, hoje os deputados e senadores servem mesmo é para destinar recursos orçamentários a suas bases. Decidir sobre os grandes temas nacionais? Isso passou a ser atribuição do STF.

Ora, aqui a explicação habitual enfrenta um problema. O Brasil deve ter uma das mais fragmentadas representações parlamentares do planeta. Já os Estados Unidos têm um bipartidarismo impermeável. O sistema de dois partidos hegemônicos claudica na Alemanha, no Reino Unido, na França, na Itália. Mas entre os americanos ele está firme como uma rocha, continua inexistindo possibilidade realista de fazer política fora dos dois grandes.

Uma velha piada conta que o sujeito procura alguma coisa no canto iluminado do salão, quando o amigo pergunta o que ele está procurando.

- Meu relógio.
- Você perdeu aqui?
- Não, perdi naquele outro canto.
- E por que você está procurando aqui?
- Porque ali onde perdi está escuro.

A piada é do tempo em que celular não tinha lanterna, mas mesmo assim serve. Talvez o Brasil esteja procurando a solução no lugar errado. É razoável reformar o sistema político para reduzir o número de partidos a uma quantidade racional? Sim. Isso vai ajudar a formar facilmente maiorias capazes de fazer rodar uma agenda qualquer com coerência interna? Muito provavelmente não. Pois talvez o foco do problema não esteja na política, mas na sociedade.

A política está dividida em campos dificilmente conciliáveis menos porque os partidos se dividem assim e mais pela violenta polarização social, que se acirrou muito após a crise financeira de 2008-09. E que se aprofunda em cada país conforme o tempo passa, o horizonte de prosperidade parece inalcançável e cai exponencialmente a possibilidade de convivência pacífica dos opostos. Como resolver então no terreno da democracia? Quem souber que se apresente.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 25 de junho de 2018

O que muda e o que continua igual nas armas de comunicação na guerra eleitoral este ano?

Não é recomendável um título de análise de conjuntura acabar em ponto de interrogação. Textos assim devem responder a perguntas do leitor, e não perguntar esperando que ele responda. Mas o tema desta semana abre espaço à heterodoxia. Pois permanece a dúvida sobre como os canais de informação vão ajudar a moldar a opinião do eleitorado este ano.

A fórmula suficiente costuma ser aproveitar o tempo de rádio e TV para inicialmente “apresentar propostas”, e logo partir para desconstruir o inimigo, estampando manchetes de jornal e capas de revista difamatórias. Os principais ativos? 1) A capacidade de fazer produzir material jornalístico favorável e 2) uma vantagem decisiva no tempo de tela.

Este último critério é o que aliás orienta as alianças, graças à original fórmula que permite no Brasil aos partidos negociar seu espaço no rádio e TV quando não lançam candidato. Há muito debate sobre as composições regionais, mas elas nunca foram decisivas, pelo menos desde que a regra eleitoral decidiu desvincular as coligações nacionais das estaduais.

É convencional supor que a fórmula “tempo de TV + jornalismo favorável” vá continuar tendo papel fundamental este ano. Todos os estudos mostram, por exemplo, que as disputas nas redes sociais giram no mais das vezes em torno de notícias produzidas pelo jornalismo profissional. É um sistema de comensalismo, como se vê nos oceanos entre tubarões e rêmoras.

Some-se o fato de ter surgido entre nós um sistema de fact-checking deformado, voltado unicamente para fiscalizar, aferir e denunciar o que dizem os políticos ou os veículos jornalísticos de explícita orientação político-partidária. Inexiste um fact-checking do jornalismo profissional, ele está blindado, com a exceção dos raros veículos que mantêm ombusman.

Eis o principal passivo de Bolsonaro, Marina e Ciro. Quando o jogo começar para valer, estarão em desvantagem nos dois quesitos. Nenhum tem a simpatia do establishment ou alianças expressivas. Ciro ainda tenta fechar esta última fenda, mas as perspectivas não são as melhores. E nenhum dos três tem enraizamento social estruturado. Como exibe por exemplo o PT.

Mas, e se houver uma alteração dessa lógica? E se o eleitorado de Bolsonaro continuar resistindo num universo fechado e impermeável às tentativas de desconstrução? E se nem todo o esforço do establishment puder alavancar Alckmin, Doria ou Meirelles? E se Marina mostrar musculatura num cenário de enfraquecimento extremo da capacidade hegemônica da elite?

As experiências recentes são contraditórias. As eleições fora de época no Amazonas e Tocantins vêm confirmando a notável resistência dos candidatos chamados tradicionais, graças também ao aumento exponencial da massa de eleitores que simplesmente não votam em ninguém. Quando o protesto se dispersa no não voto, as máquinas costumam prevalecer.

Mas as pesquisas presidenciais estão congeladas. Lula resistiu à avalanche de noticiário negativo. Bolsonaro segue impávido. Marina também, apesar da pouquíssima exposição. Ciro sobrevive e até desperta algum entusiasmo no centrismo angustiado pela falta de nomes mais mais musculosos vindos da direita. No popular, o centrismo está se agarrando até em fio desencapado.

As experiências internacionais de disrupção e de emergência do novo mostram que isso é mais possível quando o sistema é flexível. No Brasil, Obama jamais derrotaria Hillary dentro do partido, muito menos Trump poderia fazer o que fez com o Grand Old Party. Nem Macron teria os instrumentos para ganhar a presidencial e formar maioria parlamentar.

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E seguem as conversas sobre a possível troca de Geraldo Alckmin por João Doria. Este seria um candidato mais capaz de disputar com Bolsonaro o eleitorado de direita, por vestir naturalmente o figurino. E representaria o passo natural de um bloco político que vai assumindo um perfil cada vez menos social-democrata e mais liberal-conservador.

Mas Alckmin é o presidente do principal partido desse bloco, e só sai se desistir. Nunca se viu isso na política brasileira. E se trocar Alckmin por Doria o PSDB arrisca perder as duas eleições principais este ano: no Brasil e em São Paulo. Com idas e vindas, os quadros tucanos estão nos cargos em São Paulo desde o governo Montoro, há 35 anos.

Seria um risco e tanto.

quinta-feira, 21 de junho de 2018

O Brasil está atolado num jogo de perde-perde

Faltam forças para impor a saída
Tendência é continuar ladeira abaixo

Diz o velho e batido ditado que não se faz omelete sem antes quebrar os ovos. Outra verdade, tão antiga e batida quanto essa: ninguém descobriu ainda como retroagir o ovo cozido, ou frito, ao antigo estado cru. A ação da temperatura sobre a clara e a gema é implacável. E quanto mais cedo a pessoa se conforma menos tempo perderá tentando a impossível façanha. Melhor deixar o desafio para os cientistas. Quem sabe um dia eles conseguem?

Vale para a culinária e vale para a política. Aqui e ali, intelectuais das diversas extrações do liberalismo descobrem, consternados, que a maioria da população brasileira não acredita na necessidade de reformar a Previdência, implantar o teto dos gastos estatais, combater os privilégios das corporações, públicas e privadas, ou dar mais liberdade para o capital. Basta atacar com força a corrupção e o dinheiro vai aparecer.

Esse mesmo senso comum considera também que o melhor remédio contra a corrupção é prender o maior número possível de políticos pelo maior tempo possível. E se as leis atrapalham, ignorem-se, ou “reinterpretem-se”, as leis. Aplique-se aos políticos, portanto, a velha máxima machista, hoje felizmente extirpada das práticas sociais aceitáveis: mesmo que a Justiça não saiba exatamente por que está batendo, eles com certeza sabem por que estão apanhando.

É desperdício de tempo discutir agora quem seria o principal responsável por termos chegado a esse ponto. Se são os políticos, que consolidaram em três décadas um sistema programado para apodrecer. Ou se é a aliança saprófita entre as corporações e a opinião pública, aliança que se alimenta dos tecidos apodrecidos da política para ganhar força e arrebatar o poder moderador da República. Mais útil é olhar os fatos: o país está atolado num jogo de perde-perde.

O Brasil passou a acreditar que destruir o sistema político e instalar a insegurança jurídica disseminada é um preço razoável a pagar para liquidar a corrupção, e a partir daí eliminar o foco infeccioso responsável pela septicemia nacional. Mas o jogo é de perde-perde, pois o processo não cria um mecanismo viável para reconstruir a política a partir das cinzas, e portanto inexiste uma maneira de sair dessa a partir de algum consenso social.

Há duas saídas grosso modo para situações assim: conciliação ou, desculpem, porrada. E como parece não haver força para impor agora nenhuma das duas, mais provável é continuarmos deslizando lentamente ladeira abaixo, até que uma das opções reúna massa crítica. Quanto tempo vai levar, aí já é adivinhação para pitonisas. Uma única certeza: não vai ser em janeiro de 2019. Apesar de o bonapartismo caminhar amplamente favorito na corrida presidencial

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 18 de junho de 2018

A hora de executar. Os candidatos que só dependem de si. E os que precisam do tropeço alheio

Há seis pré-candidatos à Presidência da República que passam ou roçam o patamar arbitrário de 5% nas pesquisas. Jair Bolsonaro, Marina Silva, Geraldo Alckmin, Ciro Gomes, Álvaro Dias e o “candidato do Lula”. Arbitrário porque nada impede um outro nome de arrancar para o segundo turno. Mas o quadro atual é esse, e dele vamos partir.

É possível separar os seis nomes em dois grupos. No primeiro está quem depende essencialmente de si para chegar à rodada final. Estão aqui o “candidato do Lula" e Geraldo Alckmin. Os outros quatro precisam que pelo menos um destes dois erre o suficiente para abrir uma vaga na grande decisão, no mano a mano de 28 de outubro.

A probabilidade de alguém decidir a parada em 7 de outubro não é zero, mas quase. Seis nomes com 5% ou mais fazem uma decisão no primeiro turno estar no terreno da imponderabilidade. Cuidado porém. Como já dito aqui algumas vezes, uma característica do imprevisível é ele ser difícil de prever. Na dispersão atual, se alguém ganha massa crítica pode disparar.

Geraldo Alckmin só depende de si. Ele veste bem a camisa do centro, a mais nova ficção ideológica, hoje hegemônica no universo das narrativas. Eleição não é disputa de fatos, é braço de ferro de histórias. Só quem pode ameaçar Alckmin imediatamente em seu campo é Álvaro Dias, que está atrás. Se o tucano resiste até o início da TV fica em boa situação.

Álvaro Dias precisa que Alckmin não escape, para tentar, quem sabe?, partir de um empate técnico na largada da TV. E daí produzir uma onda. Dias tem sobre os tucanos a vantagem de poder discursar a favor da Lava Jato e não precisar se explicar. Em debates, será uma vantagem e tanto. Mas falta a ele por enquanto tempo de tela. Ter alianças. É seu maior desafio agora.

Já Marina Silva precisa que tudo dê errado para Alckmin e Dias. Precisa que continue a dispersão do centro para a direita e que Bolsonaro não perca substância. Daí a ex-senadora pode tentar atrair o voto útil da direita não bolsonarista na véspera de 7 de outubro. E se conseguir passar ao segundo turno levará com ela o atributo da alta votabilidade.

E Bolsonaro? Seu desempenho até agora é inelástico. Para ir ao segundo turno precisa se manter, o que parece não tão difícil assim, mas também que nenhum dos concorrentes “de centro” cole nele. Porque quem colar pode desencadear uma corrida pelo voto útil, certamente com amplo apoio do establishment, imprensa incluída nisso. #FicaaDica.

Do outro lado da quadra, quem só depende de si é o PT. Mesmo correndo sozinho terá tempo de TV razoável. Se fechar com PCdoB e principalmente PSB ganha mais musculatura e passa um cadeado no Nordeste. As pesquisas dizem que Lula transfere quase tudo, mas mesmo que se dê um desconto o quadro ainda permite razoável otimismo aos petistas.

Para Ciro a coisa é um pouco mais complicada. Ele está bem agora, mas precisa ou ser o “candidato do Lula” ou torcer para que dê errado a operação político-eleitoral de transferir os votos de Lula, e aí herdar o patrimônio. Depender do erro alheio é arriscado. Ciro também corre o risco do isolamento, lipoaspirado de um lado por Alckmin e do outro pelo PT.

A hora é menos de planejar e mais de executar. E quem for melhor nisso agora vai ficar bem na foto.

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Uma novidade na eleição parece ser a movimentação de pedaços do autodenominado centro por um assim chamado pacto democrático. Pactos pela democracia são comuns, mas este agora ensaiado sofre do mesmo problema estrutural que injetou fragilidade na distensão do presidente Ernesto Geisel e na abertura do presidente João Figueiredo.

Ambos imaginaram um pacto democrático no qual o regime mantivesse a prerrogativa de escolher quem teria ou não o direito de participar do pacto. Difícil de executar com sucesso. Em geral, pactos desse tipo só funcionam quando todo mundo está convidado para a mesa. Foi assim em Moncloa (Espanha) e na Aliança Democrática (Brasil). #FicaoutraDica.

Do jeito que a coisa vai, qualquer um eleito este ano encontrará em 2019 uma oposição concentrada prioritariamente em derrubar o governo. Por enquanto, é o pacto que está no radar.

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Trump e Kim mostram que realismo é um santo remédio

Todos querem manutenção do status quo
Fórmula serve para outros casos

Se as duas temporadas de Fauda no Netflix ajudam a entender melhor o conflito entre Israel e os palestinos, quem quer saber mais da Guerra da Coreia precisa ver The Battle of Chosin (A Batalha de Chosin), documentário no mesmo serviço de streaming. Numa era em que as pessoas têm, e dão, opinião sobre tudo, é útil conhecer sobre o que se opina.

Na represa de Chosin, o exército americano que se deslocava já na Coreia do Norte rumo à fronteira da China é contido e tem de se retirar num inverno duríssimo e sob o fogo de tropas chinesas vindas em socorro do aliado. O resto da história está nos livros: os soldados do Tio Sam recuaram até o paralelo 38 e o fim da guerra recompôs o status quo de antes dela.

A Guerra da Coreia (1950-53) começou com o Norte invadindo o Sul, tentando reunificar sob o comando do avô de Kim Jong-un, o comunista Kim II-sung, a península dividida entre Moscou e Washington ao final da Segunda Guerra. A vitória parecia ao alcance de Pyongyang quando os EUA, sob a bandeira da ONU, conseguiram desembarcar no único bolsão ainda a salvo.

Aí os americanos passaram a empurrar de volta, e atravessaram a fronteira original no paralelo 38. Quando a vitória e a consequente ocupação militar da Coreia do Norte pareciam ao alcance, a China cruzou a divisa e quem teve de recuar foram os EUA. E o estado de guerra permanece até hoje entre Norte e Sul porque ambos os lados desconfiam que o outro quer eliminá-lo.

Do que depende então a paz na península coreana? Da aceitação estratégica do status quo. É o tipo de problema comum nas relações internacionais. A solução técnica é relativamente simples, pois os intelectuais já dissecaram todo o leque de alternativas. Mas nada acontece se não houver um alinhamento dos astros políticos. O que em geral é bem menos simples de conseguir.

Um acordo definitivo de paz na península coreana está mais próximo do que nunca desde a guerra, porque interessa a todo mundo ali. A capacidade militar norte-coreana eleva demais o custo, material e humano, de um projeto de conquista bélica pelos Estados Unidos e Coreia da Sul. E sempre tem a China do outro lado da fronteira para reequilibrar o jogo.

Pelos mesmos motivos, apenas vistos ao contrário, a reunificação do país sob a ação militar e a liderança de Pyongyang é inviável. Então está criado o ambiente ideal para uma solução, já que nenhum dos lados conseguirá impor na marra sua vontade. Por esse acordo, a Coreia do Norte deixa de ser uma ameaça e recebe em troca compromissos de segurança e prosperidade.

Uma paz definitiva entre Norte e Sul encaixa-se hoje nos planos do Norte, do Sul, da China, da Rússia e do Japão. A opção dos Estados Unidos seria continuar a pressionar pelo “regime change”, mas Washington parece cada vez menos disposta a gastar dinheiro com essas coisas, desde que naturalmente os interesses americanos sejam preservados.

Claro que tudo pode desandar, mas as forças centrípetas aqui são poderosíssimas. Claro que tem o “risco-Líbia”, os norte-coreanos aceitarem a desnuclearização e se darem mal lá na frente. Mas a diferença entre os dois casos é definitiva: quando veio a intervenção da Otan, Gadafi não tinha do outro lado da fronteira um aliado estratégico como a China no qual se apoiar.

Há alguma continuidade entre as visões de Donald Trump e Barack Obama. Ambos foram eleitos presidentes dos Estados Unidos num tempo em que os eleitores dali já estão meio fartos de pagar a conta, em dinheiro e vidas, do papel de polícia do mundo. A diferença é que Obama adotou uma linha de apaziguamento, enquanto Trump prefere o velho “Si vis pacem para bellum”.

Se queres a paz prepara-te para a guerra. Mostra força decisiva e traz o adversário para a mesa de negociação. Talvez o mundo esteja diante de uma oportunidade única para resolver velhas e duras pendências. Os americanos não se metem (muito) na vida do sujeito e o sujeito concorda com um status quo que não confronte decisivamente os interesses americanos.

Realismo, amigos, realismo. Dá para resolver assim o problema entre Israel e os palestinos, acabar com o isolamento do Irã e até desfazer o nó venezuelano. Reconhecer a realidade dos fatos costuma ser mesmo um santo remédio. Vale para a vida pessoal, familiar, profissional. E vale muito para as relações internacionais. #FicaaDica.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Pensamentos sobre o Datafolha. No que a prisão atrapalha Lula. E no que o ajuda a ser o kingmaker

O Datafolha deste domingo confirma que vem diminuindo o voto espontâneo em Lula. Pesquisas devem ser olhadas no conjunto, reduz a chance de errar a análise, mas essa erosão é consistente com a realidade. É provável que a ficha esteja caindo na parte lulista do eleitorado. A chance de Lula concorrer até o fim e chegar elegível à urna é hoje residual.

Os demais dados na pesquisa não são ruins, ou são bons, para o ainda pré-candidato do PT. Ele recolhe entre 57 e 60% dos votos válidos num segundo turno contra Bolsonaro, Marina ou Alckmin. É o desempenho clássico de um petista entre 2002 e 2010. Em 2014 Aécio Neves apertou dramaticamente a margem, mas ela parece estar em recomposição.

E 47% dizem que votam com certeza (30%) ou admitem votar (17%) num nome indicado por Lula, caso não possa concorrer. Aqui os números mantêm consistência: por volta de 30% é a intenção de voto em Lula no primeiro turno, e 47% é uma ordem de grandeza compatível com o desempenho dele no segundo turno, que oscila de 46 a 49%.

51% dizem que não votam de jeito nenhum no candidato de Lula, mas para o anti-Lula ser competitivo num segundo turno precisará atrair com grande força o eleitor que hoje pensa em não ir votar, ou escolher branco ou nulo. Se o desafio do PT é fazer o lulista votar num outro nome, o problema dos adversários é trazer com força o voto inútil anti-PT e antilulista.

Outra constatação é inexistir herdeiro natural, ou inercial, do voto de Lula. Sem alternativa eleitoral explícita e apoiada pelo ex-presidente, a tendência é dispersar, com a maioria indo para o voto inútil. Por enquanto, os números não autorizam otimismo a quem imagina impor uma solução a Lula e ao PT. Ambos ainda jogam com as brancas no tabuleiro eleitoral.

Em síntese, estamos a menos de quatro meses do primeiro turno e Lula mantém o protagonismo, mesmo preso. A cadeia desidratou apenas marginalmente sua liderança, e ele permanece, como se diz em inglês, o principal kingmaker, fazedor de rei, da eleição. Em parte pela própria força, em parte pela frustração com o governo nascido do impeachment.

A cadeia impõe sofrimento pessoal a Lula. Mas política e eleitoralmente os efeitos são contraditórios. Preso, ele não pode fazer comícios, participar de debates ou entrevistas. Tampouco oferece aos adversários a oportunidade de o perseguirem nas aparições externas e questionarem-no diretamente em debates. E tira do jornalismo a chance de apertá-lo em entrevistas.

Se Lula está excluído da campanha eleitoral no mundo exterior, também está momentaneamente protegido da exposição direta aos ataques adversários e aos naturais questionamentos da imprensa. E quem permanece em campanha não é um Lula de carne e osso, mas a memória de seu governo. Que leva vantagem em relação aos demais governos.

Claro que isso não pode ser indefinidamente esticado. Uma hora, o “candidato do Lula” vai ter de aparecer, e começará a apanhar. E a substituição precisará ser a tempo de poder comunicar e convencer o eleitor lulista. A execução não vai ser fácil. Mas por enquanto a resultante ajuda o PT: Lula está protegido e também protege o possível sucessor.

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Na outra metade do campo, o quadro está à espera do final da Copa do Mundo, do início da campanha e dos debates entre os candidatos na TV. A principal variável a monitorar é a resiliência de Jair Bolsonaro, que será mais testada quanto menos alianças, e portanto menos tempo de TV, ele conseguir reunir antes da largada oficial do primeiro turno.

A esta altura, parece bem enfraquecida a hipótese de Bolsonaro desidratar naturalmente. Seu eleitor tem uma lógica parecida com o de Lula: é ideologicamente identificado com o líder e disposto a relevar seus defeitos. Mas será um erro desprezar a hipótese de, alguma hora, o establishment tentar de tudo para levar um nome “de centro” para a decisão.

quinta-feira, 7 de junho de 2018

Centro excludente é uma contradição em termos

Problema não está só na economia
Não se concilia polarizando

É preciso olhar com mais atenção para as origens da anemia do autonomeado centro. Um motivo conhecido é o econômico. Esta retomada, além de lenta, baseia-se principalmente nas exportações e nos ganhos de produtividade. Ou seja, produzir mais com o mesmo tanto de gente, ou até menos. E pagando menos. Isso não oferece melhores perspectivas imediatas para a massa que desceu na escala social durante a brutal recessão.

Mas será só isso mesmo? Reduzir o problema à economia explica tudo? Se é verdade que a economia determina em última instância a política, o “em última instância” não está aí só de enfeite. É preciso atenção às mediações. E para ver o que vai dando errado até agora vale lembrar do que deu certo antes, e buscar as diferenças. Para ficar apenas na história do Brasil, alternativas centristas só tiveram sucesso quando foram politicamente inclusivas.

O principal partido do dito centro é o PSDB. Bem, o PSDB relatou e fez aprovar no Congresso uma reforma trabalhista que, entre outras coisas, cortou a principal fonte de recursos das entidades sindicais dos trabalhadores. E o prejuízo maior ficou para os sindicatos, federações, confederações e centrais que vinham apoiando o PSDB na eterna disputa contra o PT. Não se faz omelete sem quebrar ovos, mas quebrar principalmente os próprios ovos é estranho.

O atual líder do PSDB na Câmara apresentou um projeto de lei para permitir que trabalhadores rurais sejam remunerados com alojamento e comida. Pode haver algum exagero nas muitas denúncias Brasil afora de trabalho em condições análogas à escravidão. E há. Mas uma coisa definitivamente análoga à escravidão é pagar o trabalhador rural com casa e comida. As histórias sobre o vale-barracão estão aí para ninguém esquecer.

São apenas 2 exemplos, e seria até injusto reduzir a constatação ao PSDB. Na largada do governo Michel Temer, a elite política que apoiara o impeachment de Dilma Rousseff foi arrastada pela elite empresarial e pela opinião pública ao agora ou nunca, ao tudo ou nada. Aproveitar a impopularidade do novo presidente para fazer o que, segundo as duas, precisava ser feito. Esqueceram de um detalhe: poderiam pegar impopularidade por contágio.

Sem falar na circunstância particular de o atual centrismo brasileiro ser entusiasta da prisão e inelegibilidade de Lula. Os 2 políticos ditos centristas mais bem-sucedidos entre nós foram Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves. Ambos passaram a vida tentando não queimar pontes com os adversários, procurando trazê-los para perto. Juscelino até demais, quando apoiou a eleição de Castello Branco depois da deposição de João Goulart. Exagerou na dose.

Mas o dito centro não exclui só à esquerda. Também poda à direita, ao apresentar o bolsonarismo como risco às instituições democráticas, o que na prática significa eliminar essa força entre as alternativas aceitáveis num processo eleitoral. Não discuto aqui o mérito do argumento, mas a consequência dele junto à base bolsonarista. É mais ou menos a mesma de carimbar na esquerda o bolivarianismo, ou o risco da venezuelização.

Centro na política é só um ponto geométrico. Não tem dimensão própria. Para ganhar materialidade, precisa reunir pedaços da direita e da esquerda, e absorver pontos programáticos de uns e outros. Mas é pensamento mágico achar que vai roubar o discurso de outros e uns. Não basta juntar ideias. Tem de juntar gente, e para isso tem de saber aceitar o diferente e distribuir poder. Não existe centrismo viável sem forte inteligência emocional, sem alteridade. #FicaaDica.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 4 de junho de 2018

A fratura entre a direita liberal e a base social antipetista injeta incerteza na sucessão

A greve dos caminhoneiros foi uma batalha entre o governo e a base social dos grupos que sustentam o governo. Quando a esquerda quis entrar, parando a Petrobras, percebeu não ter convite para a festa. O Planalto, mesmo enfraquecido no limite da sobrevivência, arrancou do TST medidas brutais, e os petroleiros recuaram para não serem esmagados.

A esquerda não conseguiu nem ser coadjuvante do drama, e por razões sabidas. Está social e politicamente isolada desde as mobilizações anti-Dilma. Lula lidera as pesquisas com um terço da preferência mas nos outros dois terços o antipetismo viceja. E os movimentos sociais da esquerda têm sido incapazes de colocar na rua gente além deles mesmos.

Mas a esquerda mantém possibilidade de ganhar em outubro, e a greve dos caminhoneiros mostrou por quê. O movimento expôs a fratura entre a direita liberal e a base social alimentada ao longo de anos pelo antipetismo. São dois indivíduos que habitam universos distintos, com representações mentais diferentes, e crescente dificuldade de intercomunicação.

Num universo, aumentar diariamente, ou quase, os combustíveis justifica-se para alavancar a lucratividade da Petrobras e remunerar bem os acionistas. Para evitar o populismo. Independente das consequências. No outro, quebra-se a cabeça para descobrir um jeito de trabalhar, lucrar, progredir ou pelo menos sobreviver num ambiente assim.

Vamos a um exercício de marketing eleitoral básico. Debate presidencial. O candidato do centro defende a política de preços da Petrobras, fala da Venezuela, etc. Daí o adversário pergunta: “Bem, se você defende que a gasolina e o diesel aumentem todo dia, defende também que as passagens de ônibus aumentem todo dia? Pois os ônibus rodam com esse combustível".

A esquerda está mergulhada em suas próprias confusões, entre elas a ilusão de que a prisão de Lula oferece a oportunidade de uma disputa interna pela hegemonia. Mas tem chance de voltar ao Planalto, pois a direita liberal está crescentemente desconectada da realidade. E outro sintoma disso é ela ter regredido à ideia de que a questão social é caso de polícia.

Regrediram cem anos em três, voltaram à República Velha. Reduziram a maciça parada de caminhoneiros a locaute de empresários. Nas análises mais delirantes, advertem que estivemos à beira de um golpe contra as “instituições democráticas”. Seria só maluquice inócua se não embutisse uma lógica perigosa, diante dos quase 90% da população que apoiaram a greve.

Olha aí uma janela de oportunidade para Bolsonaro. Seu desafio é romper a barreira dos 20%. O Lula da direita tem eleitorado fiel, mas parece estancado. Com alguns ajustes de discurso, tem possibilidade real de virar digerível aos eleitores que abominam o PT e a esquerda mas resistem ao papel de ratos de laboratório no experimento ultraliberal.

Novidade? Não. Basta ver o que vai pelo mundo. Os liberais e social-democratas perdem terreno aceleradamente para o nacionalismo de direita e, em escala menor, para a esquerda clássica. Eleição após eleição o quadro se repete. O eleitor médio está em busca de proteção estatal. Quem tiver essa mercadoria para oferecer leva vantagem. Quem não, sinto muito.

É bom prestar atenção aos fatos, mesmo que eles soem desagradáveis. A rejeição a Lula e ao PT declina. Assim como a resistência a Bolsonaro. O eleitor quer liberdade econômica, mas também ser protegido dela. É contra a intolerância, mas quer segurança. Prefere a democracia, mas uma em que a política seja permeável ao povo, e não uma ditadura da opinião pública.

A fratura exposta entre a superestrutura política e intelectual do liberalismo brasileiro e esse eleitor médio é o que injeta incerteza na sucessão presidencial. Estamos a cinco meses da decisão e não sabemos nem direito quem serão mesmo os candidatos. Isso não é obra do acaso. A greve dos caminhoneiros mostrou para quem quis enxergar.

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O STF ressuscitar a possibilidade de reimplantar o parlamentarismo sem plebiscito mostra que no Brasil tudo tem limite, menos a insensatez.