segunda-feira, 25 de setembro de 2017

O principal problema de um Bonaparte militar seria a falta da estratégia de saída. Porque não tem mesmo uma

Diz a velha piada que revolução é o golpe que deu certo, e golpe é a revolução que deu errado. A antifascista Revolução dos Cravos em Portugal foi um golpe militar clássico. Idem nossa inicialmente liberal Revolução de 30. A “Intentona Comunista” de 1935 foi uma tentativa revolucionária militar derrotada, e portanto explicada até hoje como aventura golpista.

O assim denominado golpe de 64 foi inicialmente descrito como revolução anticomunista. O partido revolucionário eram as Forças Armadas. Os sucessivos presidentes militares foram escolhidos pelo partido. Melhor dizendo, pelo chefe da legenda, que às vezes considerava o sentimento e o movimento das bases. Como em todo partido, a escolha não era tranquila.

Tudo isso está bem detalhado na literatura disponível. Que mostra também a sabedoria dos nossos militares, ao terem percebido desde o começo que aquilo não seria para sempre. Aí vieram a descompressão, a distensão, a abertura. No fim, a caserna perdeu o controle da situação política em 1984/85 mas pôde voltar ao quartel organizadamente e sem maiores baixas.

Aquela estratégia de saída está na base da força e do prestígio hoje das FFAA, uma das instituições nacionais mais admiradas, senão a mais, pela população. Daí o terreno fértil para, apesar dos antecedentes, ecoar aqui e ali a ideia de que só a intervenção delas desfará o nó da nossa crise, em seus aspectos políticos, econômicos e, por que não?, morais.

Apesar do frenesi, isso está bem longe de acontecer de fato. A memória do processo de 64 ainda cobra uma fatura pesada dos quartéis. A convicção democrática entre nós ainda é razoavelmente forte. Algo assim enfrentaria também rejeição global. E, principalmente, porque uma intervenção militar não tem estratégia de saída viável ou visível.

Uma hipotética tomada do poder pelos militares poderia desdobrar-se em dois cenários: 1) a rápida devolução do poder aos civis, depois de uma “faxina moral”, ou 2) as FFAA tomarem para si o enfrentamento dos impasses nacionais. Qualquer um com a cabeça no lugar percebe o elevado risco, para elas, embutido em cada um dos dois possíveis caminhos.

São dois pântanos. Se as FFAA tomam o poder e dali a alguns meses devolvem a civis democraticamente eleitos, como garantir que estes não serão exatamente os que se queria remover? Quem faria a lista dos inelegíveis? Com base em que normas? Ou o “comando militar revolucionário” revogaria a legislação que o atrapalhasse, e imporia outra?

E o expurgo se daria só no plano federal ou desceria para os estados e municípios? E quem entraria no lugar dos expurgados? Os suplentes? Interventores militares? Civis nomeados pela “revolução ética”, após uma junta decidir que o sujeito está moralmente habilitado a desempenhar função pública? Vamos falar sério. Não parece minimamente operacional.

O segundo pântano é mais inimaginável ainda. Não dá para vislumbrar generais e coronéis tratando de resolver assuntos como a reforma da Previdência, a crise fiscal de estados e municípios, a reforma política, o financiamento da saúde e da educação diante da necessidade de cumprir o teto de gastos, o pavoroso déficit primário da União.

Claro que sempre seria possível convocar civis para tocar o serviço. Mas o poder político seria dos militares, e estes precisariam assumir em última instância a responsabilidade de descascar os espinhosos e ácidos abacaxis. Isso sem terem sido eleitos para tanto, e em plena era da internet, quando o controle da informação exige uma ditadura estatal absoluta.

Claro que tudo pode acontecer, mas a lógica ainda tem algum papel na análise. O bloqueio institucional e a pulverização do poder político em feudos impermeáveis à soberania popular são excelentes caldos de cultura para o bonapartismo, como já registrado algumas vezes aqui. Mas continua sendo mais provável que o Bonaparte venha da urna e não do quartel.

60/40

Quando tomados os votos válidos, as pesquisas mostram Lula batendo todos os adversários no segundo turno por algo em torno de 60% a 40%. Foi a divisão clássica do eleitorado entre 2002 e, digamos, 2013. Mas dificilmente Lula será candidato, e vai ser preciso esperar para ver se outro nome da esquerda consegue chegar ao 2o. turno, e reunir o rebanho na decisão.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

No Brasil da autocracia pulverizada, a situação é de normalidade institucional ou de bloqueio institucional?

O senso comum informa que o Brasil vive situação de normalidade, com as instituições em pleno funcionamento, capacitadas a desfazer os nós da economia e da política. Uma prova seria o papel apenas marginal dos apelos pela ruptura, que aparecem principalmente à direita, nos chamados residuais à intervenção militar.

O senso comum ajuda a resolver quase todos os problemas. Por causa desse “quase”, também aqui convém fazer a saudável pergunta: "e se não?". E se não estivermos navegando para um desfecho protocolar, a alternância eleitoral no poder e a assunção de um governo com força congressual e social suficientes para aplicar seu programa? Qualquer que seja.

Liberdade e democracia estão de algum modo conectadas, mas não se confundem. A primeira é medida pela amplitude das possibilidades do indivíduo e dos grupos de indivíduos diante da coerção estatal necessária para manter funcionando o organismo social. A segunda é medida pela influência real da vontade política da coletividade nas decisões estatais.

A sustentabilidade política é alguma função do alinhamento das duas variáveis. Democracias com bom grau de liberdade são mais estáveis. Assim como autocracias com baixas taxas de liberdade. Observa-se que nas crises das autocracias o aumento do grau de liberdade, muitas vezes produzido pelo próprio regime, acelera a desestabilização.

Tecnicamente, a situação brasileira é de um bom grau de liberdade convivendo com taxas declinantes de democracia. A afirmação pode parecer chocante, mas é verificável. O poder estatal escorre dos organismos diretamente eleitos pela sociedade, Executivo e Legislativo, para um mosaico de entes burocráticos ou privados que passam a concentrá-lo.

Não há como a população eleger os integrantes do Ministério Público, os delegados e agentes da Polícia Federal, os membros do Judiciário, os líderes vocais empresariais, os comandantes e operadores da imprensa. Ao lado de grupos burocráticos menos relevantes, eles hoje concentram o poder de definir a agenda e decidir quem e como é “democrático” reprimir.

Essa “autocracia pulverizada” não é sustentável no tempo se precisa agir por meio de entes estatais sujeitos ao escrutínio popular num ambiente de razoável liberdade. Basta verificar a paralisia progressiva do Executivo e do Legislativo, imprensados entre a necessidade de obedecer ao “governo de fato” e o desejo de reproduzir seu próprio poder, mesmo anêmico, nas eleições.

Uma saída seria algum sistema de voto capaz de produzir maioria legislativa clara e alinhada com o desejo da maioria do eleitorado. Um Congresso com força para reduzir o desalinhamento entre os graus de liberdade e de democracia. Mas isso enfrenta a oposição combinada do poder real dos sem-voto e da corporação política interessada só em sobreviver.

Se nada for feito, 2019 trará um presidente cercado de altas expectativas, mas dotado de baixa capacidade resolutiva. E de quem se exigirá que imponha ao Congresso uma agenda a que este vai resistir, se ela não tiver tido respaldo eleitoral. E isso em meio a uma recuperação econômica apenas medíocre e à continuada degradação dos orçamentos públicos.

E há a contradição entre a agenda e os privilégios dos agentes burocrático-estatais, que ajudam a manter o Executivo e o Legislativo na defensiva, o que é essencial para fazer avançar a agenda. Se a primeira missão de um Bonaparte aqui seria enquadrar o poder derivado do voto, a segunda seria dar um jeito na cobra de múltiplas cabeças da burocracia estatal e aliados.

Do jeito que vai a coisa, os apelos por um Bonaparte só tendem a crescer.

*

A tática petista derivada de considerar a Lava-Jato seu inimigo principal, por ameaçar a elegibilidade de Lula, pode ao fim resultar na sobrevivência do principal adversário político, a aliança PSDB-PMDB, e, paradoxalmente, na inelegibilidade só de Lula. É para onde aponta a conjuntura.

Errar na definição do inimigo principal costuma levar ao desastre.

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

As perguntas, respostas e probabilidades para projetar o essencial do futuro próximo do Brasil

1) Michel Temer terminará o mandato em 31 de dezembro de 2018 ou antes?

A chance de Rodrigo Maia decidir desencadear o impedimento do presidente da República por crime de responsabilidade é baixa neste momento. Em torno de 10%. As acusações derivadas da delação dos colaboradores da J&F não são facilmente caracterizáveis como tal. E a recente turbulência na colaboração deles dá mais motivos de prudência ao presidente da Câmara.

A probabilidade de a Câmara dos Deputados autorizar um processo contra o presidente por crime comum é ascendente, mas continua baixa (20%). Há muita especulação sobre o conteúdo da colaboração de Lúcio Funaro, assim como em torno de eventuais colaborações de Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima, mas elas precisariam trazer o assim chamado smoking gun contra Temer.

O presidente continua beneficiando-se da agenda. Quem elege presidente é o povo, mas quem derruba é a elite. Esta não tem motivo de queixa contra Temer. A economia ensaia alguma recuperação e o Planalto impulsiona agressivamente as privatizações e concessões. Se o #ForaTemer da esquerda é apenas ritual, do outro lado do campo ele desperta entusiasmo zero.

Problema para um fragilizado Temer é a dúvida sobre sua força para continuar a avançar reformas liberais. Mas não há certeza de que um temerismo sem ele, eventualmente liderado por Maia, possa acelerar ou trazer musculatura para, por exemplo, a reforma da Previdência. Nenhuma ruptura está 100% garantida contra a instabilidade subsequente.

2) Se Temer sair, qual é o risco para a agenda da sua coalizão?

Muito baixo. Só não é zero porque a política cultiva o imponderável. Mas, se a probabilidade de Temer não concluir o mantado é de 30%, a chance de a agenda, sem ele, ser substituída por alguma modalidade de nacional-estatal-desenvolvimentismo está em torno de 5%. Ou seja, tende a zero. Até por não haver no momento alternativa, sequer em construção.

3) Lula conseguirá ser candidato a presidente?

Cada vez menos provável. Hoje o número está em torno de 30%. A bateria de denúncias do MPF e a maciça propagação jornalística vão criando um ambiente de condenação política antecipada. A inércia empurra Lula para a inelegibilidade, até por não haver um movimento musculoso em contraposição. A iniciativa está com os adversários.

4) Qual é o espaço real para um outsider em 2018?

O aparente estancamento da piora econômica e, principalmente, a baixa inflação ajudam a manter em estado potencial a aversão aos políticos. Continuam relativas as chances dos outsiders autênticos (em torno de 20%). Mas elas podem crescer num cenário de terra arrasada.

Principalmente se Lula não puder mesmo se candidatar. Não há nenhum personagem relevante suficientemente desembaraçado de problemas para poder decolar com leveza. O que melhor caracteriza o grid para 2018 são as âncoras dos atuais pré-concorrentes.

5) Qual é a margem de segurança destas projeções?

É mais provável que elas estejam certas (70%). Mas não é desprezível (30%) a probabilidade de um terremoto político. Os sismógrafos precisam estar ligados e monitorados. Nunca na história brasileira a autoridade do poder esteve tão debilitada. A impressão é que só não há uma ruptura por não haver candidatos com massa crítica para liderá-la. Por enquanto.

Até a semana que vem. Ou a qualquer momento, se o fato novo decisivo, ou algo que dê essa impressão, resolver finalmente dar as caras.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

2018 é uma oportunidade para o desconhecido, e uma oportunidade tão grande quanto para o conhecido

Mantém-se a dúvida sobre o vetor que dominará a eleição presidencial. Uma possibilidade, depois de cinco anos de desgaste acelerado da política, é a emergência do novo. Isso é mais visível por enquanto na direita, com Bolsonaro e Doria em momentânea superposição ideológica. Na esquerda, se Lula não concorrer, o PT estará credenciado a usar a carta.

Vale a pena um exercício prospectivo. A direita poderá fundir dois elementos: o novo e o antipetismo. Sustentam a narrativa a ruína econômica do governo Dilma e a rejeição ao PT produzida por mais de quatro anos de Lava-Jato. É um capital propagandístico não desprezível, e seria a escolha protocolar de largada de um candidato conservador.

E na esquerda? As circunstâncias deram vida a uma improbabilidade. Nenhum partido ou grupo nem ensaiou ocupar o espaço de renovação progressista. Veio então uma nova chamada ao próprio PT, que colhe alento depois da borrasca. O tempo passa, mas os demais atores do seu campo continuam a depender do que Lula vai fazer ou deixar de fazer.

Na narrativa óbvia da esquerda, a bonança dos anos Lula servirá de vacina contra a má lembrança de Dilma2. E sempre estará à mão a possibilidade de pintar o adversário com as cores do fascismo. Um #antifa brasileiro tem base, também porque nos anos recentes estruturou-se uma direita sem medo de parecer de direita. E há também a ubiquidade da Lava-Jato.

E a carta da economia? Vai em retomada modesta. O situacionismo dirá que o governo Temer salvou o Brasil do desastre petista. A oposição dirá que se trata de voo de galinha, e que é preciso uma política econômica desenvolvimentista-distributivista para produzir prosperidade real às massas e alavancar o mercado interno.

Tudo razoavelmente previsível, mas, e se não? O palco está montado mais uma vez para o habitual teatro de mistificações. Mas, e se de repente abrir-se uma janela para o debate competentemente abortado pela vitoriosa campanha petista de 2014? E se os candidatos precisarem finalmente dizer como vão enfrentar os impasses nacionais?

Um método na análise é olhar para a hipótese contrária ao que parece totalmente provável. É provável que 2018 traga de novo teatralidades vazias, a demonização, a fuga da realidade. Mas nunca o país esteve tão maduro para uma dose de racionalidade fria. Inclusive porque o longo circo de horrores destes anos servirá de antídoto ao uso gratuito da emoção.

O que emocionaria o distinto público em 2018? Difícil vislumbrar. Num ambiente de ceticismo, desilusão e algum conforto econômico, talvez seja possível exigir que os candidatos digam o que farão com a previdência social, com as estatais, com o salário mínimo, com o meio ambiente, com a indústria nacional, com os problemas políticos dos vizinhos sul-americanos…

2018 é uma oportunidade para o desconhecido, e uma oportunidade tão grande quanto para o conhecido. Se este apresentar consistência programática. Por isso convém prestar atenção no velho, em meio ao consenso de que ele não será competitivo. Não é possível enganar todos todo o tempo, já se disse um dia.

Carne no angu

Vem aí mais um round do #FicaTemer x #ForaTemer. O cenário de momento indica vitória do primeiro, a um custo político mais substancial. Sempre será prudente entretanto observar o andamento. A alternativa Rodrigo Maia ainda não é sólida, mas está à mão. É a variável a monitorar. Se os movimentos ficarem mais pronunciados, tem carne debaixo do angu.

Importância relativa

O #ForaxFica é assunto para os políticos, para quem se interessa um tanto a mais pela política ou está profissionalmente ligado ao universo dela. No resto, nota-se a indiferença. Seja quem for o presidente até 2018, a orientação governamental será esta, idem a base parlamentar. E a agenda vai conforme a correlação de forças. Que não mudou desde o impeachment.