sábado, 18 de novembro de 2023

Protagonismo, só com realismo

A iniciativa de apresentar-se como mediador do conflito em Gaza, desencadeado pelos massacres, chacinas e sequestros promovidos pelo Hamas no sul de Israel em 7 de outubro, lançou novamente luz sobre um ponto de estrangulamento da política externa brasileira nos governos Luiz Inácio Lula da Silva: a contradição entre o desejo de protagonismo e a capacidade real de projetar poder.

A diplomacia tem, sim, certa autonomia relativa, que em última instância é sustentada pela força econômica e militar do país. O Brasil é jogador destacado na economia mundial, principalmente pela exportação de commodities, mas sua capacidade militar está voltada para proteger o território nacional e é limitada, até por não haver ameaças regionais reais à nossa soberania.

Só dois jogadores globais têm cartas e objetivos locais imediatos para estar na mesa militar desse conflito: Estados Unidos e Rússia. E mesmo esta segunda vem jogando com grande cautela, desejosa de manter o governo de Bashar al-Assad e a presença estratégica russa na Síria, que, além do mais, dá a Moscou seu único porto mediterrâneo.

Outra porta de entrada para o pano verde da mesa seria aparecer com uma solução original, capaz de ser aceita por todos os contendores. O que no conflito entre o Jordão e o Mediterrâneo é um pouco difícil, pois ali não faltam ideias e propostas. Falta uma saída que possa ser aceita por ambos os lados, e para sempre.

A solução de dois estados enfrenta uma dificuldade preliminar: a ideia de conquistar a soberania em todo o território é hegemônica hoje na política e na sociedade palestinas. Daí a força do Hamas. Também por isso, uma solução de dois estados que não traga a renúncia definitiva dos palestinos às terras do estado judeu jamais será aceita pelos israelenses.

Israel só aceitará um estado palestino que seja desmilitarizado e militarmente neutro, além de reprogramado para abandonar a ideia de riscar Israel do mapa. No passado, os governos nacionalistas do Egito e da Síria, com seus exércitos poderosos, alimentavam nos árabes o sonho impossível “from the river to the sea”. Hoje, é o Irã dos aiatolás quem joga lenha na fogueira da ambição.

A conflagração interna em Israel a partir da reforma judicial proposta pelo governo de Benjamin Netanyahu deve ter alimentado no Hamas a esperança de catalisar a implosão, pelas contradições internas, do que chamam pejorativamente de “entidade sionista”, a senha para enfatizar que Israel não deve existir.

Claramente erraram na análise de conjuntura. Entre outros equívocos, por reavivar na memória dos judeus, em Israel e na diáspora, a ameaça existencial.

O Brasil não tem força militar para impor, nem ao menos induzir, uma solução ali. Poderá cumprir um papel se começar a cultivar o ambiente para uma solução realista, que implicaria alguma renúncia de ambas as partes. Terá a coragem necessária? Fora isso, ficará atolado na retórica e sempre baterá num muro invisível. Pior, ajudará a intoxicar ainda mais a sociedade e a política por aqui.

sábado, 11 de novembro de 2023

Uma ausência nas agendas de Lula

A desaceleração começa a entrar, pouco a pouco, no debate econômico, pauta introduzida pelo próprio governo, enquanto o Legislativo está debruçado sobre iniciativas que só farão diferença, se fizerem, num futuro distante. Logo logo, as manchetes gritarão que se aprovou a reforma tributária, mas acordaremos no dia seguinte e o problema imediato estará igual a quando fomos dormir: como escapar do atoleiro da mediocridade?

Onde estamos, sabemos. O Ministério da Fazenda precisa buscar alguma disciplina fiscal, para mostrar ao mercado que a política econômica é confiável. O Congresso Nacional persegue firmemente a execução de suas emendas, o combustível para eleger prefeitos e vereadores que farão campanha para suas excelências dali a dois anos. E o Planalto não abre mão de gastar e investir.

O resultado prático é a agenda econômica ter girado neste terminal 2023 quase apenas em torno de mais arrecadação para o governo federal. Segundo o pensamento hegemônico na Brasília de agora, se o governo investir, vai estimular o investimento privado. Claro que ao útil une-se o agradável: governos com capacidade de investimento, e, portanto, de impulsionar negócios, têm mais bala na agulha para atrair apoios políticos, na sociedade e no Congresso.

Vai funcionar? Ainda é cedo, mas desde sempre falta uma perna na estratégia governamental. E o investimento privado? O que o governo tem feito para estimulá-lo, além da fé em que ele virá a reboque do Estado? É notável que, em seu primeiro ano no terceiro mandato, Luiz Inácio Lula da Silva não tenha repetido o que costumava fazer nos dois primeiros: o maior ausente em suas agendas, viagens e preocupações parece ser o capital.

Juro alto e cenário de provável aumento de impostos não chega a ser propriamente um estímulo ao investimento.

Lula é célebre pela convicção de que o consumo puxa o investimento, e portanto deve se preocupar mais com o primeiro que com o segundo. Daí a firmeza em redistribuir renda por meio do Estado e a energia dispendida em buscar aumentar a arrecadação de impostos, também para turbinar políticas públicas, Não é uma linha que costume alavancar saltos no crescimento e desenvolvimento, mas também nisso Lula é beneficiado pelo zeitgeist.

Crescimento e desenvolvimento saíram de moda por aqui.

E tem um fator adicional. Sergio Massa faz um segundo turno competitivo na Argentina, mesmo tendo sido o ministro da Fazenda de uma economia longe de brilhante, ao contrário. Ali o “é a economia, estúpido” precisa ser visto de um ângulo mais sofisticado que o habitual. Para manter-se no poder, atender bem a clientela é sempre um recurso prudente quando não se consegue proporcionar prosperidade à sociedade em geral.

Pois para ganhar uma eleição em segundo turno bastam 50% mais um dos votos válidos.

O ótimo é inimigo do bom, e Lula parece buscar, antes de tudo, manter a maioria que o elegeu, enquanto constrói com cargos e verbas um colchão protetor no Legislativo, sempre uma fonte potencial de problemas. Por enquanto, já que a progressiva corrosão na popularidade caminha bem devagar, a operação está rodando a contento.