quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Sem Lula, cenário eleitoral perde uma referência

A mais que provável inelegibilidade de Lula não desorganiza só a esquerda, chacoalha a paisagem geral que o establishment político e econômico vem tentando construir. A narrativa de vitaminar o centro para evitar a polarização eleitoral entre extremistas perdeu uma das pernas: Lula. E numa perna só é difícil ficar em pé. Claro que a eventual anabolização de Bolsonaro nas pesquisas pode reaquecer o mercado do salvacionismo centrista. Aguardemos.

Lula não era apenas o ponto focal de organização de seu campo político. Sua ausência revelará que ele organizava em algum grau todo o cenário. Aliás, vinha sendo seu papel desde que ultrapassou Brizola para ir ao segundo turno em 1989. Todas as eleições desde então giram em torno dele, direta ou indiretamente. Há quase 30 anos a disputa presidencial no Brasil é decidida num mano a mano entre Lula e o anti-Lula.

É possível, até provável, que essa lógica mostre resiliência lá na frente e a liderança do ex-presidente ocupe novamente o centro do palco, levando um nome ao 2º turno. Aí teríamos o duelo entre o candidato de um Lula inelegível, talvez preso, e a alternativa construída pelos adversários “para evitar a volta do PT”. Mas, se projetar esse futuro tem lógica, o momento político é de rearranjos. Sem Lula, todo mundo tem o direito de acreditar nas próprias chances.

Na esquerda, o jogo é algo delicado. Não ficaria bem para os concorrentes do PT passar a impressão de estarem se beneficiando do que denunciam como manobra golpista contra o ex-presidente. Mas a política é objetiva, e o vácuo nunca dura muito. A esperança do PT é a liderança de Lula reforçar-se na resistência à adversidade do momento. E assim recolocar as coisas em seu devido lugar: a continuidade da hegemonia petista.

No outro lado, a remoção do musculoso adversário vai induzir e estimular o “por que não eu?”. O PSDB é conhecido por sempre largar na eleição presidencial com a certeza da vitória. Mais ainda agora que o adversário líder nas pesquisas está sendo barrado pela Justiça. E é natural também que os demais na direita sintam-se estimulados pelo desgaste e pelas momentâneas dificuldades dos tucanos. E nada indica que o governo esteja fraquejando no projeto de ter candidato.

A atual etapa, portanto, será de luta interna em cada campo enquanto se aguarda o desfecho da novela judicial. E, como ela promete durar ainda um certo tanto, é improvável uma reorganização rápida do tabuleiro. Na esquerda, persistirá a tensão entre insistir com Lula e buscar outros caminhos. Na direita, não se enxerga um reagrupamento instantâneo em torno do nome tucano. Aliás, diferente das eleições recentes, essa convergência está longe de acontecer.

Cada um com sua crise, que também é uma oportunidade. Vai levar vantagem quem conseguir se apresentar antes e melhor ao eleitor com massa crítica para ganhar a eleição e governar. Não parece prudente, nesta eleição, esperar que a inércia crie fatos consumados e imponha hegemonias inevitáveis. Quem ficar só esperando corre o sério risco de perder o bonde.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Abre-se o espaço para um líder político rumo a 2019. E quem ganha com a saída de Lula da corrida

Lula está fora da candidatura presidencial. A chance de ele ser autorizado a participar é 1%. Os adversários trabalharão para que fique fora também da campanha. Se for preso, não poderá subir em palanques, articular apoios ou gravar. Será uma baixa de peso para seu campo, ao menos no curto prazo. Sem Lula na operação, cresce o risco (ou esperança) de dispersão.

Até 24 de janeiro, a esquerda vinha trabalhando a disputa eleitoral com parâmetros algo normais. Lula esticaria o enredo até quase o final, daí escolheria um estepe, os nomes alternativos teriam cada um sua votação, e se juntariam todos no segundo turno. Mas o ambiente da decisão do TRF-4 fez cair a ficha: usar padrões de normalidade em épocas anormais tem custo.

A novidade na conjuntura pós-TRF-4 é que a esquerda passou a compartilhar o principal problema da direita: a dificuldade de convergir rapidamente para um nome e ganhar massa crítica antes do outro campo. Quem junta massa crítica primeiro passa a exercer força gravitacional sobre possíveis dissidências do lado inimigo. Assim se ganham, e se perdem, as eleições.

Se antes o maior risco da esquerda era Lula ser definitivamente impugnado a menos de vinte dias da urna, quando a lei já não permite substituir, agora isso se inverteu. Lula está na prática inviabilizado eleitoralmente e não se vislumbra uma solução rápida de substituição. E a tática “Eleição sem Lula é fraude” será um ruído adicional na hora de vender um possível substituto.

Se a eleição estava mais ou menos desenhada de um lado, mas algo bagunçada do outro, agora a bagunça espalhou-se. E quem vai se dar bem no novo cenário? As pesquisas vão mostrar, mas é legítimo projetar que a vantagem estará com o nome que exibir capacidade de exercer liderança política. Se um líder sai, é razoável acreditar que haverá espaço para outro.

A rigor, até 24 de janeiro havia dois líderes: Lula e Bolsonaro, e não me refiro a líderes de pesquisa. Agora, só resta por enquanto um: Bolsonaro. Não é totalmente fora de propósito especular, inclusive, que o deputado ultraconservador herde um pedaço do espólio lulista. Assim como é possível Marina recolher uma fatia. Essa deve ser a configuração provisória imediata.

Que será chacoalhada se e quando aparecer um novo líder pela esquerda, ou um líder “por transferência”, e/ou quando e se surgir um desafiante musculoso para Bolsonaro na direita. Não precisa ser imediato. Mas os dois lados tampouco têm todo o tempo do mundo. E, de novo, quem chegar antes no riacho vai beber água limpa. Para isso terá de trabalhar. E já.

A demanda pelo líder cresce à medida que se frustram as expectativas de uma recuperação econômica vistosa. Disso dependeria a força gravitacional da continuidade. E o apelo eleitoral do “gestor”. Sem isso, a mudança prevalece. E a demanda por mudança anaboliza precisamente o cacife dos líderes, gente especializada em materializar a esperança de um bom futuro.

Assim, chegamos à hora em que a competência política separará os homens, ou as mulheres, dos meninos, ou meninas. No vácuo pós-TRF-4, largará na frente quem aparecer com uma solução que acenda antes a fagulha da esperança e, ao mesmo tempo, tenha os pés no chão da governabilidade. A configuração ótima. Mas sem o ótimo haverá sempre mercado para o bom.

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Debate-se muito sobre o próximo presidente, na ilusão de que chegando ao Planalto com a força do voto ele terá músculos para “fazer o que precisa ser feito”. Só que não. Prestar atenção na composição do próximo Congresso e em como vai evoluir até lá a relação entre o Judiciário e os demais poderes talvez seja tão importante quanto.

O principal risco político de 2019 não está na possível eleição de A ou B, mas na quase certa extrema dificuldade que B ou A terão para exercer o poder numa Brasília feudalizada e onde pululam centros alternativos de força, que só estão de acordo entre si na manutenção dos próprios privilégios. Uma democracia progressivamente disfuncional, tendente à paralisia.

Feliz 2018 a todos.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Boas intenções dos juízes pavimentam caminho da crise

Em “A Ditadura Encurralada”, Elio Gaspari conta quando Golbery do Couto e Silva concluiu que, de tanto mandar, a ditadura já não mandava mais nada. O então chefe da Casa Civil do presidente Ernesto Geisel saíra de uma reunião interministerial para decidir o reajuste dos preços cobrados pelos táxis em Curitiba. “Concentramos o poder de tal forma que produzimos um buraco negro, capaz de absorver qualquer energia.”

Gaspari relata também que, na época, o Ministério da Agricultura fez publicar no Diário Oficial o tamanho obrigatório das caixas em que deveriam ser comercializados os pepinos: 495 mmX 230 mm X 355 mm. Quem quisesse vender pepinos em caixas de outros tamanhos precisaria requerer licença à Pasta. Aqueles tempos eram mesmo estranhos.

Voltamos a 2018. Qual é a probabilidade de uma decisão do governo federal, sobre qualquer assunto, encontrar pela frente a antipatia ou a rejeição de pelo menos um juiz, de primeira ou outra Instância, e ser bloqueada? Não sou estatístico, mas deve beirar os 100%. Com a elevação do Judiciário a poder moderador da República, é o que vem acontecendo. Bem, mas diante dos problemas da política é preciso fortalecer o Judiciário, certo?

Se a história passada vale para alguma coisa, é razoável concluir que o excesso de protagonismo dos juízes provavelmente acabará produzindo mais fraqueza que força, empoderando (como se diz hoje em dia) os contravetores. O exercício sábio do poder costuma equilibrar situações em que é usado, com outras em que é economizado. Até porque, no popular, o poder segue a lógica do salame: a cada fatia degustada ele fica um pouco menor.

Claro que também aqui a culpa última é dos políticos. Lá atrás aprovaram uma Constituição árvore de Natal, cheia de princípios genéricos e lotada de mecanismos para proteger os mais variados “direitos adquiridos”. Com o tempo, a coisa só piorou: novos direitos vão sendo acrescentados e, junto com isso, institucionalizou-se a cultura do “perdi uma votação no Congresso, vou recorrer ao Supremo”.

O resultado é uma democracia crescentemente disfuncional, em que o eleitor é chamado de tempos em tempos para escolher governantes que conseguem governar cada vez menos, enquanto quem governa cada vez mais são pessoas que ocupam suas posições por concurso público, “notório saber” ou escolha política indireta. E como não precisam se submeter ao crivo do eleitor, adotam referências de nicho, como a “opinião pública” e as redes sociais.

De vez em quando os jornais fazem pesquisas para saber a opinião dos leitores sobre os mais diversos assuntos. É frequente que o resultado seja oposto ao encontrado quando se ouve uma amostra representativa de toda a população. É legítimo, portanto, suspeitar que essa parceria da “opinião pública” com instâncias de poder “não políticas” vá acabar produzindo uma política mais oligárquica do que a oligárquica política que se pretendeu combater.

Algum tempo atrás, dizia-se que a crise da democracia representativa poderia dar lugar a um sistema mais participativo. Mesmo na teoria, já tinha cheiro de engodo, pois uma característica da democracia dita participativa é que dela participa menos gente que da representativa. Ensaios assim costumam evoluir (sic) para algum tipo de ditadura de grupos de pressão. Essa regra não conhece exceção.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br