segunda-feira, 24 de abril de 2017

2018 acena para o confronto entre o candidato de Lula e o candidato de Temer

As estrelas do noticiário são a Lava-Jato e a votação das reformas austero-liberais no Congresso. Mas a ansiedade é sobre uma ainda coadjuvante na cobertura: a eleição de 2018. Ela vai definir se o Brasil penderá decisivamente para a consolidação de uma política econômica mais privatista ou se o breve período Temer terá sido apenas um soluço.

Há, na essência, dois caminhos para o desenvolvimento: ou o Estado recua e acredita-se que mais dinheiro no caixa das empresas resultará em mais vontade de os capitalistas investirem, ou o Estado avança sobre a poupança dos empresários e toma a si a missão de fazer investimentos que tragam bons números de crescimento e emprego.

Na vida real, a resultante é sempre uma combinação desses dois vetores, restando apenas a dúvida sobre qual prevalece. E a realidade costuma ser mais surpreendente que as leituras ideológicas: o governo Dilma investiu fortemente na primeira orientação, renunciando a receitas na esperança de ver a retomada nascer de um setor privado oxigenado.

Como se sabe, deu errado, e Dilma colheu uma desastrosa combinação de estagnação econômica, desequilíbrio fiscal e inflação. O caldo de cultura ideal para sua derrubada. Ofereceu-se a oportunidade e os adversários aproveitaram. Assim é a política. Vale a regra de Trasímaco: os apelos são aos princípios e aos ideais, mas no final chora menos quem pode mais.

E a vida segue. O governo nascido do impeachment, se tem a chance de ouro de emplacar um roteiro que as eleições vêm derrotando desde 2002, tem também um problema: ou a agenda do temerismo oferece resultados apetitosos para as massas, ou a eleição de 2018 abrirá a janela de oportunidade para a ressurreição de seu antípoda.

O lado hoje no poder sempre poderá argumentar que a dose do remédio foi insuficiente, mas o cidadão comum não costuma engolir com facilidade esse apelo de governos impopulares. A regra diz que eleitores satisfeitos votam pela continuidade e eleitores insatisfeitos votam pela mudança. E nisso, invariavelmente, a economia tem um papel central.

O debate político tem produzido muita espuma em torno da corrupção e do cansaço com os políticos tradicionais. São elementos a considerar, mas é improvável que venham a ser decisivos em 2018. O mais certo é que na reta final a polarização se cristalize entre os dois campos de sempre, com suas visões opostas sobre o caminho do crescimento.

O bloco à esquerda terá seu fardo a carregar: os resultados negativos do governo Dilma. Mas Lula não é Dilma. E o adversário poderá até aparecer com a face do "novo", mas não terá como deixar de contabilizar a herança da administração Temer. No final, a tendência é que seja a disputa entre o candidato de Lula e o candidato de Temer.

Pode até ser Lula contra Temer, ou cada um com seu "novo", "o que não apareceu na Lava-Jato". Depende de o petista poder concorrer, de Temer entregar uma economia menos agonizante e de incógnitas políticas, como quem será o nome do PSDB. Tudo é relevante, mas na hora do vamos ver o que contará será se se vota na situação ou na oposição.

Seria bom se as pesquisas, tão raras ultimamente, trouxessem a resposta a isto: "No caso de irem ao segundo turno um nome apoiado pelo presidente Temer e um apoiado pelo ex-presidente Lula, você votaria no primeiro, no segundo, depende do candidato, em nenhum dos dois ou é indiferente?"

É o número que eu gostaria de monitorar.

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Políticos são seres treinados na leitura fria da realidade. Mas a realidade é contraditória. Enquanto a opinião pública stricto sensu acena com algum alívio se apoiarem a agenda Temer, o assim chamado povão resiste bravamente a comprar o peixe das reformas. E há um problema adicional: o alívio é acenado a muitos, mas só está sendo entregue a poucos.

Isso atrapalha o ritmo das votações. Na política, entregar o prometido é a única coisa que conta. O governo tem feito a parte dele, entregando as verbas e os cargos. Mas não é suficiente. O PT e aliados têm conseguido consolidar a narrativa de que um governo ilegítimo tenta retirar direitos da população, especialmente dos trabalhadores.

Na prática, o que se oferece aos políticos é que votem contra o sentimento popular e continuem sendo execrados, inclusive pelos que exigiram que votassem a favor das reformas. Pode dar certo, mas não é trivial.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Nova República colapsa em câmera lenta e não há saída visível, por enquanto

Diz a teoria que rupturas políticas costumam acontecer quando as elites não conseguem mais mandar como antes, por causa principalmente do esgotamento de sua capacidade hegemônica e irreversíveis desarranjos internos, e as massas não conseguem mais viver como antes, por causa da deterioração insuportável das condições materiais de existência.

A teoria funcionou bastante bem no Brasil do século 20. A crise de 29 e o continuísmo da "república do café com leite" deram em 1930. A inflação pós-jusceliniana e as fraturas partidárias para a sucessão de Jango deram em 1964. A estagflação de Geisel-Figueiredo e a aderência desesperada do "grupo palaciano" ao poder deram na Nova República.

Agora, o Brasil assiste ao colapso da Nova República. O diagnóstico pode parecer extremo, mas é isto mesmo: implodem o arcabouço político-institucional inscrito na Constituição de 1988 e o sistema econômico por ela consolidado, com o Estado brasileiro no papel de vaca leiteira supostamente inesgotável para os de baixo e, principalmente, os de cima.

Mas o colapso é em câmera lenta, pois os ajustes ortodoxos da dupla Levy-Meireles conseguiram produzir uma recessão que, finalmente, faz a inflação mergulhar. Evita-se assim uma degradação da renda capaz de empurrar o homem e a mulher comuns para a ação direta contra o poder enfraquecido. Pois, na política, por muito menos a rua já explodiu no passado.

Outro amortecedor é o amplo espectro do déficit de legitimidade dos políticos. Não sobrou quase ninguém com relevância e massa crítica para chamar as multidões à rua contra o que aí está. No máximo, mobiliza-se para resistir às reformas austero-liberais que o governo Temer precisa passar no Congresso Nacional para ter razão de existir e assim sobreviver até 2018.

E é curioso notar que o déficit dramático de legitimidade do Executivo e do Legislativo não impede a opinião pública stricto sensu de exigir que estes mesmos poderes imponham ao país reformas previdenciária e trabalhista amplamente rejeitadas pela população. Na política, os rugidos pela ética devem ser sempre filtrados para efeito de análise.

Aliás, este Congresso votar essas coisas é uma fagulha com potencial para colocar fogo no mato seco, já que Brasília começa a entrar no período anual de estiagem. Mas o incêndio, por enquanto, é só possibilidade teórica. O pensamento convencional aponta para o outro lado: a pressão das elites sobre o Congresso debilitado e a apatia popular abrem caminho para a aprovação das reformas.

Esse é o diagnóstico de curto prazo. No médio e longo prazos, o colapso da Nova República imporá a busca de uma nova institucionalidade. O que exigirá um novo processo constituinte. O assunto já pipoca. O Supremo Tribunal Federal já opera, em escala crescente, como assembleia constituinte informal.

O desejável será que isso aconteça de modo democrático, mas o caminho não parece ser consensual. Na direita, nota-se mais uma vez a preferência pela ascensão de um caudilho liberal. Na esquerda, além do sofrimento e desgaste de seus símbolos, percebe-se a preferência por limitar a luta política à resistência econômica e deixar a disputa pelo poder para 2018.

A queda de uns pelo caudilhismo liberal e de outros pelo economicismo que faça reinstalar Lula, ou um candidato de Lula, na presidência, tudo a ser decidido nas urnas de 2018, explica a tendência de Temer cumprir o mandato até o final. Vetores poderosíssimos podem produzir situações de equilíbrio, quando opostos.

Produzem equilíbrio momentâneo, mas não estabilidade duradoura. É ilusão acreditar que um presidente saído das urnas de 2018 chegue no ano seguinte em Brasília com força para impor ao país, com um murro na mesa, o edifício que vai se erguer sobre os escombros da Nova República. Pois aqui encontrará, fortes, os que ocuparam o vazio de poder entre 2013 e 2018.

Daí que, na ausência de uma transição política até lá, a verdadeira crise já esteja contratada para 2019. Nas circunstâncias que se desenham, é improvável que os perdedores entendam ter sido derrotados numa disputa justa. E a falta de um processo constitucional mutuamente aceito, ao contrário de 1946 e 1987-88, será mais lenha na fogueira.

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O impacto é grande, mas ainda se trata de uma empresa, ainda que líder, e de um setor. A erupção das delações da Odebrecht não é o começo do fim da Lava-Jato. Provavelmente não seja nem o fim do começo. Há muita torcida para que acabe, mas falta quem entre em campo para jogar o jogo.

segunda-feira, 10 de abril de 2017

TSE oferece a janela, mas desafios seguem aí. E uma lembrança da Revolução Praieira

O previsto stand by da cassação da chapa Dilma-Temer no TSE não apenas mostrou que, ao contrário da antecessora, o presidente mantém musculatura institucional. Mais importante: abriu nova janela de oportunidade para o bloco social-político no poder. Que agora precisa voltar a exibir desempenho em duas frentes: o Congresso e a economia.

O governo lê rapidamente a nova conjuntura (uma diferença importante desta administração para a caída) e trata de movimentar as peças na reforma da previdência social. Sem dizer assim, diz ao Congresso: "Aprovem qualquer reforma, mas aprovem uma reforma. É a carne que precisamos jogar aos leões do mercado financeiro para chegar até 2018".

O Planalto certamente notou nos últimos dias que enquanto rodar o software da austeridade terá apoio na opinião pública stricto sensu para agarrar-se ao poder e "fazer o que deve ser feito". A irrupção de vozes antes jacobinas e agora a pedir "equilíbrio" e atenção ao "interesse nacional" mostra que se a polícia está nas manchetes é a política quem está no leme.

A janela de oportunidade não significa porém que os problemas estejam equacionados. Eles continuam ali, inquietos. O governo ganhou mais um prazo para enfrentá-los, mas se não entregar a mercadoria o processo do TSE poderá ser rapidamente descongelado, a depender da conveniência. E aí é preciso novamente atenção às variáveis decisivas.

A mais importante é o humor do Congresso, que vem se deteriorando, com seguidos tropeços da situação e sucessos pontuais da oposição. O governo precisa urgentemente dar alguma demonstração de força. Especialmente na Câmara dos Deputados, onde faz tempo não alcança os 308 votos necessários para PEC, apesar de a base estar, na teoria, em torno de 400.

Contra, joga o fato de as eleições andarem muito próximas, o que eleva o custo político de apoiar um governo impopular. A favor, o Planalto contará, como é tradicional, com a boa vontade dos jacobinos da opinião pública stricto sensu para, quando é o caso, aceitar os métodos tradicionais de reaglutinação da base parlamentar e "fazer o que deve ser feito".

Sem contar que num cenário intensamente proibicionista e, portanto, de extrema dificuldade de financiamento eleitoral, o peso da assim chamada máquina cresce bastante. O que aumenta o poder de atração dos governos. Com destaque para o federal. Se ainda fossem necessários exemplos, é mais um de que de boas intenções continua cheio o inferno.

O segundo desafio do governo é exibir sinais e sintomas de que a anunciada retomada econômica é real. Não há analista a prever recuperação rápida do emprego e da renda, mas há algum sinal de que os negócios respiram. Um deles são os números da indústria automobilística, ancorados na exportação. Mas os dados da conjuntura ainda são contraditórios.

Joga a favor: a anunciada disposição do Banco Central de derrubar o juro básico mais rapidamente. Joga contra: a ainda cautela de investidores diante não apenas do curto prazo político, mas do pós-2018. Afinal, se o stand by no TSE clareia por enquanto o caminho até lá, não há clareza de expectativa de poder futuro compromissado com o programa em vigor.

O quadro tucano começa a delinear-se, é verdade, em torno da dupla Alckmin-Dória. Mas não será natural que Temer e seu seu grupo aguardem passivamente a tomada definitiva do poder absoluto pelo PSDB. Talvez o núcleo palaciano precise conformar-se no futuro com a volta ao papel de coadjuvante, mas lutará para não chegar a isso.

Do outro lado, resta a dúvida sobre a elegibilidade de Lula. Há esperança no campo hoje dominante de que sem ele crescem as chances de vitória em 2018. É uma hipótese, mas para checá-la seriam necessárias pesquisas sobre o potencial de voto e de rejeição de um "candidato de Lula". Como se sabe, é arriscado acreditar que eleições podem ser decididas antes da urna.

Em mais uma lição de política, os que torcem pela inelegibilidade judicialmente imposta a Lula no Brasil costumam protestar contra o mesmo tipo de inelegibilidade quando aplicada aos principais líderes da oposição na Venezuela. E a mesma lógica comanda aqui o campo oposto, com sinal trocado.

O que apenas reforça, pela enésima vez, o valor de raciocinar por conta própria. Algo sempre útil no esforço para estar na posição confortável das duas disponíveis nos famosos versos dos tempos da Revolução Praieira: "Quem viver em Pernambuco, há de estar desenganado; ou há de ser Cavalcanti, ou há de ser cavalgado".

segunda-feira, 3 de abril de 2017

O governo está pronto para sobreviver na mediocridade até 2018. Será suficiente?

Em certo momento da fritura de Dilma Rousseff, o então vice Michel Temer decretou: se a popularidade dela permanecesse na casa de um dígito seria difícil chegar ao fim do mandato. Havia uma sutileza no diagnóstico: o problema não era só a reprovação, era a combinação de baixa aprovação e muito tempo restante de governo, mais de três anos.

A constatação da sutileza vem agora, quando o próprio Temer chega, em números redondos, aos patamares negativos da titular caída, como mostrou o Ibope. E o raciocínio sofre um pequeno ajuste. Se falta tão pouco para a eleição, vale precipitar outra ruptura? "Será que o país aguentaria?", perguntam. E não deixa de ser uma questão relevante.

Sobre o país aguentar ou não, todos têm direito a opinar. E é razoável, e humano, cada ator da luta pelo poder apresentar-se como única opção ao desastre. Faz parte do teatro da política. Para saber se a administração atual terá destino igual ou diferente da deposta, é preciso porém tentar fugir do subjetivismo, analisar concretamente a situação concreta.

Existe opção? Até cair, o último governo do PT viveu em estado de imponderabilidade durante mais de um ano, pois não havia alternativa com massa crítica para deslocá-lo. Quando o PSDB decidiu embarcar definitivamente na canoa de Temer, a nova e esmagadora correlação de forças precipitou uma ruptura tranquila.

Hoje não há, nem em formação, aliança política alternativa com densidade para deslocar o poder antes da eleição de 2018. Existe um movimento embrionário de realinhamento eleitoral, com o PT e Lula recuperando alguma força de atração. O #ForaTemer é, até agora, uma tática de desgaste, não se transformou ainda em palavra de ordem.

Existem mecanismos? Dilma precisou enfrentar o impeachment numa Câmara dos Deputados hostil e comandada por quem ao longo do processo virou inimigo. Temer vem perdendo substância na Câmara, as votações recentes mostram isso, mas a corrosão tem sido lenta e ele mantém a maioria. E Rodrigo Maia é um aliado bem amarrado ao leme da embarcação.

O processo no TSE tem ritmo próprio, lento. E manobras protelatórias são tão mais viáveis quanto menor a pressão contra. E nem o PT pressiona pela cassação, inclusive porque é complicado para os petistas pedir a condenação de uma chapa que foi encabeçada por eles próprios. E um governo cambaleante melhora as perspectivas eleitorais da oposição.

E a opinião pública? A agenda Temer é um ativo junto ao establishment. Bastará acompanhar, por exemplo, o andamento da PEC da previdência. Não haverá escândalo quando o governo operar intensamente cargos e verbas para passar alguma coisa da controvertida reforma. Quando convém, vê-se com naturalidade a quebra dos ovos para fazer o omelete.

Um problema é a falta de resultados mais animadores na economia. Mas sempre se poderá argumentar que a economia só não está melhor pela falta de mais reformas. Depois da previdência virá a trabalhista, ou outra qualquer. O reformismo frustrado tem sido o bode expiatório preferido de nossos governos, e este não deixará passar a oportunidade.

As variáveis mostram um Brasil organizado para chegar mediocremente a 2018, num cenário de desarranjo institucional e semiparalisia, mas com o governo ainda vivo e lutando para sobreviver, e por alguma influência depois. Uma "sarneyzação" sem hiperinflação. No já distante 1989, deu em urnas bem pulverizadas.

Aquele cenário resultou também do excesso de líderes nacionais com prestígio e força para competir, ainda que o vencedor final tenha sido um outsider legítimo, Fernando Collor. Agora, não há abundância. Ao contrário. Não se deve descartar uma polarização precoce, com candidatos no papel de Cavalo de Troia ou de El Cid Campeador.

O que pode desestabilizar? A Lava-Jato tem ajudado a impulsionar a agenda Temer. Políticos procuram mostrar serviço em troca de alguma simpatia do establishment. Mas o retorno sobre esse investimento vem decepcionando. E a Lava-Jato enfrenta resistência ascendente. E a aproximação da urna aumenta o custo de apoiar um presidente impopular.

E há sempre a possibilidade de aparecer o fato novo e imprevisível que catalisa a desestabilização. Situações de imponderabilidade têm disso. Aqui não há muito a especular. Uma característica do imprevisível é a dificuldade de prever o dito cujo. É bom, entretanto, prestar sempre atenção em seus sinais. Especialmente no estado de espírito popular, que anda volátil.