O cenário político pós-eleição coloca ao presidente eleito o duplo desafio: articular uma maioria parlamentar no Congresso conservador para governar sem sobressaltos, e combinar isso com uma política de governadores (não confundir com a expressão da República Velha) que garanta estabilidade federativa, fator importante também para estabilizar o Legislativo. E isso num ambiente político-partidário nacional cindido. Não será trivial.
Nem sempre a lógica prevalece, mas se der a lógica o presidente eleito precisará enveredar, pelas razões expostas, por um caminho mais aglutinativo que divisivo. Um fator trabalha a favor dessa tendência: a necessidade de sobrevivência política. Mas outro fator trabalha contra: apesar da frente ampla inorgânica que se agrupou em torno do vencedor, em termos orgânico-partidários a aliança que o sustentou é essencialmente puro-sangue.
Essa necessidade de convergir a um ponto médio num ambiente conflagrado imporá certamente limitações a mudanças bruscas de política econômica, e também desaconselhará radicalizar, por exemplo, a agenda dita identitária. Se, novamente, der a lógica, o governo deverá buscar soluções programáticas centrípetas e não centrífugas. A começar do ponto nevrálgico imediato: a eleição para as presidências do Congresso.
Mais que ganhar as disputas pelo comando da Câmara dos Deputados e do Senado, o fundamental para o governo é não ser derrotado. O ideal será ter comandantes nas Casas alinhados com o Planalto, mas será preciso acompanhar para ver o risco que o novo governo estará disposto a correr nessas batalhas iniciais.
Alon Feuerwerker
jornalista e analista político
bio -> https://pt.wikipedia.org/wiki/alon_feuerwerker
domingo, 30 de outubro de 2022
sábado, 22 de outubro de 2022
Cenários da governabilidade
A semana final da corrida pelo Palácio do Planalto aponta um ligeiríssimo favoritismo de Luiz Inácio Lula da Silva, sujeito, porém, a duas incertezas, que teoricamente equilibram a balança para Jair Bolsonaro neste epílogo: 1) a maior e, principalmente, mais ativa mobilização da direita; e 2) a aparente maior fluidez da campanha do incumbente na hora decisiva.
Bolsonaro enfrenta batalha morro acima, pois ficou atrás no primeiro turno e ainda por cima viu os dois excluídos da decisão que tiveram voto apoiarem o ponteiro da primeira etapa. Mas é recomendável alguma cautela, pois as pesquisas que menos se distanciaram do resultado três semanas atrás, as espontâneas com o desconto de possíveis taxas de abstenção, mostram todas um cenário de empate técnico.
A única razoável certeza sobre a eleição do próximo domingo é alguém chegar na frente na apuração e reivindicar a vitória, e é também razoável supor alguma resistência dos derrotados, ainda que somente no terreno judicial. Mas quem ganhar deverá acabar sendo diplomado e tomará posse na passagem do ano, quando se defrontará com o enigma tradicional dos vitoriosos na urna: a governabilidade.
Para Jair Bolsonaro ela estará mais à mão, dada a maioria expressiva conseguida pela direita nas duas casas do Congresso. Se o Supremo Tribunal Federal (STF) não encasquetar com a atual operação política das emendas de relator ao orçamento, e com a provável recondução de Arthur Lira à presidência da Câmara, teríamos a simples continuidade do modelo em vigor.
No qual o Parlamento goza de grande autonomia para alavancar os mecanismos de reprodução do poder dos seus integrantes e, em troca, oferece, se não um alinhamento, uma cooperação ativa com o Executivo.
E se, como apontam as pesquisas, der Lula? A crer nos discursos (sempre um risco na análise política), o petista quer retomar o controle absoluto sobre a execução das emendas parlamentares para retirar poder da cúpula do Congresso e “reenquadrar”o Legislativo. O que teoricamente exigiria a contrapartida clássica: abrir espaço a que os partidos governistas (e neogovernistas) ocupem a Esplanada.
O PT pode também tentar outra fórmula, mais arriscada, mas nem um pouco improvável: aliar-se à maioria do STF, herança do período Lula-Dilma Rousseff, para, numa formulação eufemística, reduzir a esfera de autonomia do Legislativo. Isso seria facilitado se o Planalto lulista conseguisse colocar aliados firmes no comando da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Em caso de mudança de guarda, o mais provável será uma combinação dessas duas operações, com o objetivo de retomar para o Executivo o poder moderador. A variável em aberto é quanto o STF, atual árbitro político da República, admitirá a perda de espaço. Um palpite é que a aliança entre Planalto e Judiciário será mais fácil quão mais saliente for a força do bolsonarismo batido nas urnas.
E se der Bolsonaro? Aí é provável que vejamos uma aliança estratégica (a palavra da moda) do Executivo com o Legislativo para, em linguagem popular, cortar as asinhas do Judiciário, ainda que “dentro das quatro linhas”.
Bolsonaro enfrenta batalha morro acima, pois ficou atrás no primeiro turno e ainda por cima viu os dois excluídos da decisão que tiveram voto apoiarem o ponteiro da primeira etapa. Mas é recomendável alguma cautela, pois as pesquisas que menos se distanciaram do resultado três semanas atrás, as espontâneas com o desconto de possíveis taxas de abstenção, mostram todas um cenário de empate técnico.
A única razoável certeza sobre a eleição do próximo domingo é alguém chegar na frente na apuração e reivindicar a vitória, e é também razoável supor alguma resistência dos derrotados, ainda que somente no terreno judicial. Mas quem ganhar deverá acabar sendo diplomado e tomará posse na passagem do ano, quando se defrontará com o enigma tradicional dos vitoriosos na urna: a governabilidade.
Para Jair Bolsonaro ela estará mais à mão, dada a maioria expressiva conseguida pela direita nas duas casas do Congresso. Se o Supremo Tribunal Federal (STF) não encasquetar com a atual operação política das emendas de relator ao orçamento, e com a provável recondução de Arthur Lira à presidência da Câmara, teríamos a simples continuidade do modelo em vigor.
No qual o Parlamento goza de grande autonomia para alavancar os mecanismos de reprodução do poder dos seus integrantes e, em troca, oferece, se não um alinhamento, uma cooperação ativa com o Executivo.
E se, como apontam as pesquisas, der Lula? A crer nos discursos (sempre um risco na análise política), o petista quer retomar o controle absoluto sobre a execução das emendas parlamentares para retirar poder da cúpula do Congresso e “reenquadrar”o Legislativo. O que teoricamente exigiria a contrapartida clássica: abrir espaço a que os partidos governistas (e neogovernistas) ocupem a Esplanada.
O PT pode também tentar outra fórmula, mais arriscada, mas nem um pouco improvável: aliar-se à maioria do STF, herança do período Lula-Dilma Rousseff, para, numa formulação eufemística, reduzir a esfera de autonomia do Legislativo. Isso seria facilitado se o Planalto lulista conseguisse colocar aliados firmes no comando da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Em caso de mudança de guarda, o mais provável será uma combinação dessas duas operações, com o objetivo de retomar para o Executivo o poder moderador. A variável em aberto é quanto o STF, atual árbitro político da República, admitirá a perda de espaço. Um palpite é que a aliança entre Planalto e Judiciário será mais fácil quão mais saliente for a força do bolsonarismo batido nas urnas.
E se der Bolsonaro? Aí é provável que vejamos uma aliança estratégica (a palavra da moda) do Executivo com o Legislativo para, em linguagem popular, cortar as asinhas do Judiciário, ainda que “dentro das quatro linhas”.
sexta-feira, 21 de outubro de 2022
A raiz da nossa polarização
Eleições podem ser lidas como disputas tribais. Com uma característica: em vez de tribos inteiras entrarem em guerra, seus líderes enfrentam-se num duelo mortal, poupando da morte os liderados do perdedor. Aos quais fica reservado o “benefício” da escravidão, em modalidades mais ou menos explícitas. Ou, numa hipótese benigna, lhes é oferecida a paz honrosa. Este segundo caso costuma frequentar mesmo é o universo da ficção.
Em eleições, a disputa final entre os chefes tribais acontece nas urnas. E os debates? Acabaram institucionalizando-se como lutas preliminares, para medir dois atributos essenciais: 1) a capacidade de manter o equilíbrio e reagir de modo eficaz sob pressão; e 2) a capacidade de fazer o integrante da tribo sentir orgulho e confiança quando avalia a força do chefe. E as duas variáveis estão longe de ser independentes.
Em resumo, a tribo só quer saber se o chefe será capaz de trazer a vitória.
Daí a platitude de reclamar que “infelizmente, o debate não trouxe propostas”.
Quem quiser propostas deve procurar na internet ou nos comitês dos candidatos os tradicionais documentos redigidos para esse fim, no mais das vezes repletos de intenções que não se realizarão, pois infelizmente as circunstâncias impedirão. Frustração que será digerida pelos integrantes da tribo conforme contemplados com o butim produto da vitória. Uma consequência conhecida é a tradicional pouca disposição de largar o bem-bom só porque o programa não foi aplicado.
Pois o problema só passa a incomodar quando a não aplicação do programa traz riscos à perpetuação da tribo nos espaços de poder.
Voltando aos debates, está claro que os dois finalistas da corrida presidencial saíram do primeiro duelo na Band com sua liderança preservada na tribo. Enfrentaram atribulações, mas foram capazes de criar situações incômodas para o adversário. Vamos ver como será no próximo e decisivo encontro.
Um mistério: depois de tanto tempo para se preparar, é intrigante que Luiz Inácio Lula da Silva ainda não tenha uma resposta azeitada sobre a Lava Jato, e Jair Bolsonaro tampouco tenha uma resposta azeitada sobre a Covid.
O futuro duelo final entre Lula e Bolsonaro neste 2022 está a merecer o batido qualificativo de "histórico". A vitória do capitão em 2018 representou a “libertação” das massas de direita “escravizadas” desde 1985 pelos líderes da Nova República. Para essas massas, é intolerável imaginar a volta a um passado recente, quando se era governado por uma facção dos “novarrepublicanos”, e a única opção era votar noutra facção do mesmo veio histórico.
Para a “frente ampla”, não basta derrotar Bolsonaro. A missão é recolocar o gênio dentro da garrafa, tanger as massas bolsonaristas de volta para o cercadinho. Removendo definitivamente o risco de abrir espaço para uma eventual futura nova liderança que reivindique o comando do campo derrotado pela Aliança Democrática quase quatro décadas atrás.
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Publicado na revista Veja de 26 de outubro de 2022, edição nº 2.808
Em eleições, a disputa final entre os chefes tribais acontece nas urnas. E os debates? Acabaram institucionalizando-se como lutas preliminares, para medir dois atributos essenciais: 1) a capacidade de manter o equilíbrio e reagir de modo eficaz sob pressão; e 2) a capacidade de fazer o integrante da tribo sentir orgulho e confiança quando avalia a força do chefe. E as duas variáveis estão longe de ser independentes.
Em resumo, a tribo só quer saber se o chefe será capaz de trazer a vitória.
Daí a platitude de reclamar que “infelizmente, o debate não trouxe propostas”.
Quem quiser propostas deve procurar na internet ou nos comitês dos candidatos os tradicionais documentos redigidos para esse fim, no mais das vezes repletos de intenções que não se realizarão, pois infelizmente as circunstâncias impedirão. Frustração que será digerida pelos integrantes da tribo conforme contemplados com o butim produto da vitória. Uma consequência conhecida é a tradicional pouca disposição de largar o bem-bom só porque o programa não foi aplicado.
Pois o problema só passa a incomodar quando a não aplicação do programa traz riscos à perpetuação da tribo nos espaços de poder.
Voltando aos debates, está claro que os dois finalistas da corrida presidencial saíram do primeiro duelo na Band com sua liderança preservada na tribo. Enfrentaram atribulações, mas foram capazes de criar situações incômodas para o adversário. Vamos ver como será no próximo e decisivo encontro.
Um mistério: depois de tanto tempo para se preparar, é intrigante que Luiz Inácio Lula da Silva ainda não tenha uma resposta azeitada sobre a Lava Jato, e Jair Bolsonaro tampouco tenha uma resposta azeitada sobre a Covid.
O futuro duelo final entre Lula e Bolsonaro neste 2022 está a merecer o batido qualificativo de "histórico". A vitória do capitão em 2018 representou a “libertação” das massas de direita “escravizadas” desde 1985 pelos líderes da Nova República. Para essas massas, é intolerável imaginar a volta a um passado recente, quando se era governado por uma facção dos “novarrepublicanos”, e a única opção era votar noutra facção do mesmo veio histórico.
Para a “frente ampla”, não basta derrotar Bolsonaro. A missão é recolocar o gênio dentro da garrafa, tanger as massas bolsonaristas de volta para o cercadinho. Removendo definitivamente o risco de abrir espaço para uma eventual futura nova liderança que reivindique o comando do campo derrotado pela Aliança Democrática quase quatro décadas atrás.
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Publicado na revista Veja de 26 de outubro de 2022, edição nº 2.808
sábado, 15 de outubro de 2022
O erro central (na análise) das pesquisas - e o empate do momento
Escrevi aqui em 13 de agosto deste ano, mês e meio antes da eleição presidencial: “Há um detalhe delicado nas pesquisas eleitorais: a diferença entre o não voto (brancos, nulos e abstenção) que será verificado na urna e os que, em pesquisas estimuladas, não escolhem nenhum candidato quando a lista é apresentada. No dia da eleição, o não voto tem rondado os 30%, mas nas pesquisas estimuladas esse contingente é apenas um terço disso. Cerca de 20% dos pesquisados indicam candidato na estimulada mas provavelmente não votarão em ninguém”.
Ou nem sairão de casa para votar, deveria ter acrescentado.
Não deu outra. Em todas as pesquisas estimuladas, o não voto em candidatos oscilou entre 5% e 10%, mas na urna as abstenções mais brancos e nulos somaram cerca de 25%. Não seria problema se essa “quebra” fosse proporcionalmente distribuída pelos postulantes. Mas não foi. Entre a pesquisa e a urna, Luiz Inácio Lula da Silva “perdeu” cerca de 10 pontos percentuais das suas intenções de voto (fez 37%), perdeu mais que o triplo de Jair Bolsonaro (fez 33%).
Ou seja, as pesquisas chegaram bem mais perto de acertar o que Bolsonaro teria, e superestimaram fortemente a votação que Lula teria. Exatamente porque o efeito da diferença entre o não voto (em candidatos) nas pesquisas e na eleição esteve muito longe de ser igual para os dois líderes. Como também já se sabia, o eleitor de Bolsonaro estava mais mobilizado e motivado para votar - e também está mais concentrado em grupos sociais que votam mais.
Todo esse prolegômeno é para dizer que a imprudência analítica parece repetir-se neste segundo turno. As pesquisas sugerem uma diferença entre Lula e Bolsonaro rondando os cinco pontos percentuais. Acontece que o não voto volta a cravar o padrão clássico dos levantamentos estimulados, fica entre um terço e um quarto do que será na eleição. E, de novo, a análise corre sério risco ao supor que a “quebra” afetará proporcionalmente os finalistas.
Há, é claro, o argumento de que são apenas dois os concorrentes e por isso o risco de errar é menor. Talvez. Mas e se a abstenção continuar afetando mais Lula que Bolsonaro? Nesse caso, seria prudente dar um desconto na diferença apurada de intenção de voto. Há ensaios para saber que desconto nos aproximará mais do resultado lá adiante. Com o tempo, estaremos mais azeitados no cálculo dos prováveis votantes ("likely voters"), mas por enquanto engatinhamos.
No cenário atual, qualquer desconto na diferença entre Lula e Bolsonaro leva a uma situação de empate técnico. Há dois outros empates visíveis que reforçam essa hipótese: a equalização 1) do ótimo+bom com o péssimo+ruim nas avaliações de governo; e 2) entre as rejeições de Bolsonaro e Lula. Governantes sempre reduzem a rejeição na campanha. Com o Jair demorou, pareceu que não aconteceria, mas está acontecendo.
A eleição entra na última quinzena ensaiando uma zona de empate, e é razoável supor que a decisão se dará na margem. Com a participação luxuosa de São Paulo e Minas Gerais. Mas o que deve decidir é outra variável. A liderança de Lula sobre Bolsonaro vinha durante meses ancorada na diferença de cerca de dez pontos entre a rejeição de um e de outro. Isso virou fumaça. Quem conseguir abrir vantagem nesse quesito nos próximos quinze dias estará com a mão na taça.
Ou nem sairão de casa para votar, deveria ter acrescentado.
Não deu outra. Em todas as pesquisas estimuladas, o não voto em candidatos oscilou entre 5% e 10%, mas na urna as abstenções mais brancos e nulos somaram cerca de 25%. Não seria problema se essa “quebra” fosse proporcionalmente distribuída pelos postulantes. Mas não foi. Entre a pesquisa e a urna, Luiz Inácio Lula da Silva “perdeu” cerca de 10 pontos percentuais das suas intenções de voto (fez 37%), perdeu mais que o triplo de Jair Bolsonaro (fez 33%).
Ou seja, as pesquisas chegaram bem mais perto de acertar o que Bolsonaro teria, e superestimaram fortemente a votação que Lula teria. Exatamente porque o efeito da diferença entre o não voto (em candidatos) nas pesquisas e na eleição esteve muito longe de ser igual para os dois líderes. Como também já se sabia, o eleitor de Bolsonaro estava mais mobilizado e motivado para votar - e também está mais concentrado em grupos sociais que votam mais.
Todo esse prolegômeno é para dizer que a imprudência analítica parece repetir-se neste segundo turno. As pesquisas sugerem uma diferença entre Lula e Bolsonaro rondando os cinco pontos percentuais. Acontece que o não voto volta a cravar o padrão clássico dos levantamentos estimulados, fica entre um terço e um quarto do que será na eleição. E, de novo, a análise corre sério risco ao supor que a “quebra” afetará proporcionalmente os finalistas.
Há, é claro, o argumento de que são apenas dois os concorrentes e por isso o risco de errar é menor. Talvez. Mas e se a abstenção continuar afetando mais Lula que Bolsonaro? Nesse caso, seria prudente dar um desconto na diferença apurada de intenção de voto. Há ensaios para saber que desconto nos aproximará mais do resultado lá adiante. Com o tempo, estaremos mais azeitados no cálculo dos prováveis votantes ("likely voters"), mas por enquanto engatinhamos.
No cenário atual, qualquer desconto na diferença entre Lula e Bolsonaro leva a uma situação de empate técnico. Há dois outros empates visíveis que reforçam essa hipótese: a equalização 1) do ótimo+bom com o péssimo+ruim nas avaliações de governo; e 2) entre as rejeições de Bolsonaro e Lula. Governantes sempre reduzem a rejeição na campanha. Com o Jair demorou, pareceu que não aconteceria, mas está acontecendo.
A eleição entra na última quinzena ensaiando uma zona de empate, e é razoável supor que a decisão se dará na margem. Com a participação luxuosa de São Paulo e Minas Gerais. Mas o que deve decidir é outra variável. A liderança de Lula sobre Bolsonaro vinha durante meses ancorada na diferença de cerca de dez pontos entre a rejeição de um e de outro. Isso virou fumaça. Quem conseguir abrir vantagem nesse quesito nos próximos quinze dias estará com a mão na taça.
sábado, 8 de outubro de 2022
A bicicleta de academia e as beiradas do poder
Já existe ao menos uma certeza após o primeiro turno da eleição presidencial: o renovado e vitaminado conservadorismo do Congresso Nacional atuaria como freio à elevação das temperaturas programáticas num eventual Planalto de Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo que o governo consiga formar uma base parlamentar, e não seria tão difícil, o caráter dessa base acabaria servindo de contrapeso a possíveis impulsos maximalistas da coalizão original em torno do PT.
Também porque o “centro democrático”, dizimado na eleição, enxerga na necessidade petista da frente ampla a oportunidade única de arrancar uma vitória política dos dentes da acachapante derrota eleitoral sofrida no primeiro turno. Faltaram-lhe votos para entrar no jogo como gente grande (quase tivemos um segundo turno no primeiro), mas sobra-lhe influência para colocar limites a que a política real reflita a aritmética crua das urnas.
Também porque o “centro democrático”, dizimado na eleição, enxerga na necessidade petista da frente ampla a oportunidade única de arrancar uma vitória política dos dentes da acachapante derrota eleitoral sofrida no primeiro turno. Faltaram-lhe votos para entrar no jogo como gente grande (quase tivemos um segundo turno no primeiro), mas sobra-lhe influência para colocar limites a que a política real reflita a aritmética crua das urnas.
E os movimentos recentes expressam com nitidez a excelente relação custo-benefício das (poucas) concessões necessárias para passar uma borracha no passado.
Se Jair Bolsonaro virar o jogo e vencer, é razoável supor que as coisas continuarão mais ou menos na trilha atual. Executivo e Legislativo alinhados, com a orquestra parlamentar regida pelo atual presidente da Câmara (talvez venha a enfrentar agora alguma concorrência do novo/velho presidente do Senado). Mas em boa medida travados por um STF crescentemente ativista e por um TCU idem, ambos com bons operadores na opinião pública.
Talvez o Senado mais bolsonarista que o atual mude um pouco as coisas a partir de fevereiro, mas seria precipitado garantir desde já uma mudança qualitativa. E é prudente aguardar para ver exatamente quem serão os dois novos integrantes do STF, para as vagas do ministro e da ministra que saem. A política também vai rodar um pouco por aí.
E se der Lula? Como ficará a governabilidade? A inércia levará a alguma acomodação com o Congresso, especialmente se o presidente da República conseguir vencer a disputa pelo comando da Câmara dos Deputados. E sempre estará aberta a janela de oportunidade para a tentação de dar um gás adicional ao Supremo, e aliar-se aos ministros do lado oposto da Praça dos Três Poderes para enquadrar a turma do centro (da praça).
Uma única certeza: seja quem for o vencedor, a reconcentração de poder no Executivo continuará na ordem do dia. É a tarefa de reedificar o que foi demolido nas crises que tragaram o governo Dilma Rousseff e transformaram Michel Temer num pato manco prematuro. Sem o poder moderador oficioso do Executivo, a política brasileira continuará como aquelas bicicletas de academia: o sujeito pedala, cansa-se, sua, mas não sai do lugar.
Um erro político de Jair Bolsonaro foi tentar levar essa parada no grito, sem fazer direito a conta de quantas divisões tinha para a empreitada. Acabou tomando o contra-ataque. Chega à eleição forte, mas enfrentando uma frente ampla de opositores. Talvez o temperamento e a autoconfiança do capitão o tenham impelido a isso. Lula, raposa velha, sabe que em Brasília a acumulação de poder não é corrida, é caminhada. Aqui, come-se pelas beiradas.
Se Jair Bolsonaro virar o jogo e vencer, é razoável supor que as coisas continuarão mais ou menos na trilha atual. Executivo e Legislativo alinhados, com a orquestra parlamentar regida pelo atual presidente da Câmara (talvez venha a enfrentar agora alguma concorrência do novo/velho presidente do Senado). Mas em boa medida travados por um STF crescentemente ativista e por um TCU idem, ambos com bons operadores na opinião pública.
Talvez o Senado mais bolsonarista que o atual mude um pouco as coisas a partir de fevereiro, mas seria precipitado garantir desde já uma mudança qualitativa. E é prudente aguardar para ver exatamente quem serão os dois novos integrantes do STF, para as vagas do ministro e da ministra que saem. A política também vai rodar um pouco por aí.
E se der Lula? Como ficará a governabilidade? A inércia levará a alguma acomodação com o Congresso, especialmente se o presidente da República conseguir vencer a disputa pelo comando da Câmara dos Deputados. E sempre estará aberta a janela de oportunidade para a tentação de dar um gás adicional ao Supremo, e aliar-se aos ministros do lado oposto da Praça dos Três Poderes para enquadrar a turma do centro (da praça).
Uma única certeza: seja quem for o vencedor, a reconcentração de poder no Executivo continuará na ordem do dia. É a tarefa de reedificar o que foi demolido nas crises que tragaram o governo Dilma Rousseff e transformaram Michel Temer num pato manco prematuro. Sem o poder moderador oficioso do Executivo, a política brasileira continuará como aquelas bicicletas de academia: o sujeito pedala, cansa-se, sua, mas não sai do lugar.
Um erro político de Jair Bolsonaro foi tentar levar essa parada no grito, sem fazer direito a conta de quantas divisões tinha para a empreitada. Acabou tomando o contra-ataque. Chega à eleição forte, mas enfrentando uma frente ampla de opositores. Talvez o temperamento e a autoconfiança do capitão o tenham impelido a isso. Lula, raposa velha, sabe que em Brasília a acumulação de poder não é corrida, é caminhada. Aqui, come-se pelas beiradas.
sexta-feira, 7 de outubro de 2022
Maioria política e maioria eleitoral
Os números são os números. Luiz Inácio Lula da Silva chegou na frente no primeiro turno da eleição presidencial e ficou perto de concluir a fatura. Mas no Congresso Nacional manteve-se, reforçada, a maioria esmagadora do centro para a direita. E, com exceção de quatro estados onde o PT já é governo (no Ceará informalmente), o desempenho da esquerda regionalmente não foi bom.
Como olhar esse paradoxo? Por que a esquerda lidera na majoritária nacional e enfrenta dificuldades nos demais níveis? Entre as possíveis explicações, uma parece imediata: a vantagem numérica de Lula na corrida federal até o momento decorre não propriamente de uma inclinação do eleitorado à esquerda, mas de dois outros fatores: 1) a memória da prosperidade nos governos Lula e, principalmente, 2) a rejeição pessoal a Jair Bolsonaro.
O presidente tenta enfraquecer o primeiro ponto estimulando a recordação das dificuldades econômicas surgidas no período Dilma Rousseff. Mas isso vem tendo um efeito apenas relativo, pois o PT tem operado com sucesso a separação entre os períodos Lula e Dilma. Ela ficou com o passivo, enquanto ele preservou o ativo eleitoral.
O flanco algo vulnerável da maioria numérica lulista é o segundo, a rejeição a Bolsonaro.
Se Bolsonaro conseguir relativizar sua rejeição no juízo do eleitor, e elevar a de Lula, pode fazer até eleitores do petista no primeiro turno concluírem que, apesar de não gostarem da figura do presidente, talvez valha a pena mantê-lo, pois afinal a economia está melhorando. É esse vaso comunicante que pode levar alguns eleitores de Lula no primeiro turno a mudar de lado. É raro e difícil de conseguir, mas vamos lembrar do que aconteceu em 2006.
Na aritmética, Lula está perto de levar a taça, mas eleição está mais para o tênis, ou o vôlei, do que para o futebol. Não basta esperar o tempo passar e administrar a vantagem, você tem de fechar o jogo. O que falta para Lula fechar o jogo? Evitar que Bolsonaro transforme a maioria política do centro para a direita em maioria eleitoral no segundo turno. Não parece tão difícil assim, mas não está tão fácil quanto indicam os números tomados pelo valor de face.
O risco para Bolsonaro está em Ciro e Simone garantirem a Lula uma transferência de votos suficiente para impedir que Bolsonaro transforme a maioria política em maioria eleitoral. O risco para Lula está em a esmagadora maioria política de Bolsonaro nas demais regiões, especialmente no Sudeste, acabar se transformando em uma maioria eleitoral capaz de neutralizar a resiliente vantagem do petista no Nordeste.
Pois no Nordeste Lula parece estar quase no teto, mais que Bolsonaro no Sudeste.
Alianças políticas costumam ser fundamentais em segundo turno, mas é preciso um certo cuidado para não as reduzir a alianças partidárias ou com candidatos derrotados no primeiro turno. Há muito tempo a política deixou de ser monopólio dos partidos.
Como olhar esse paradoxo? Por que a esquerda lidera na majoritária nacional e enfrenta dificuldades nos demais níveis? Entre as possíveis explicações, uma parece imediata: a vantagem numérica de Lula na corrida federal até o momento decorre não propriamente de uma inclinação do eleitorado à esquerda, mas de dois outros fatores: 1) a memória da prosperidade nos governos Lula e, principalmente, 2) a rejeição pessoal a Jair Bolsonaro.
O presidente tenta enfraquecer o primeiro ponto estimulando a recordação das dificuldades econômicas surgidas no período Dilma Rousseff. Mas isso vem tendo um efeito apenas relativo, pois o PT tem operado com sucesso a separação entre os períodos Lula e Dilma. Ela ficou com o passivo, enquanto ele preservou o ativo eleitoral.
O flanco algo vulnerável da maioria numérica lulista é o segundo, a rejeição a Bolsonaro.
Se Bolsonaro conseguir relativizar sua rejeição no juízo do eleitor, e elevar a de Lula, pode fazer até eleitores do petista no primeiro turno concluírem que, apesar de não gostarem da figura do presidente, talvez valha a pena mantê-lo, pois afinal a economia está melhorando. É esse vaso comunicante que pode levar alguns eleitores de Lula no primeiro turno a mudar de lado. É raro e difícil de conseguir, mas vamos lembrar do que aconteceu em 2006.
Na aritmética, Lula está perto de levar a taça, mas eleição está mais para o tênis, ou o vôlei, do que para o futebol. Não basta esperar o tempo passar e administrar a vantagem, você tem de fechar o jogo. O que falta para Lula fechar o jogo? Evitar que Bolsonaro transforme a maioria política do centro para a direita em maioria eleitoral no segundo turno. Não parece tão difícil assim, mas não está tão fácil quanto indicam os números tomados pelo valor de face.
O risco para Bolsonaro está em Ciro e Simone garantirem a Lula uma transferência de votos suficiente para impedir que Bolsonaro transforme a maioria política em maioria eleitoral. O risco para Lula está em a esmagadora maioria política de Bolsonaro nas demais regiões, especialmente no Sudeste, acabar se transformando em uma maioria eleitoral capaz de neutralizar a resiliente vantagem do petista no Nordeste.
Pois no Nordeste Lula parece estar quase no teto, mais que Bolsonaro no Sudeste.
Alianças políticas costumam ser fundamentais em segundo turno, mas é preciso um certo cuidado para não as reduzir a alianças partidárias ou com candidatos derrotados no primeiro turno. Há muito tempo a política deixou de ser monopólio dos partidos.
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Publicado na revista Veja de 12 de outubro de 2022, edição nº 2.806
Publicado na revista Veja de 12 de outubro de 2022, edição nº 2.806
segunda-feira, 3 de outubro de 2022
Rumo ao segundo turno
O presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foram ao segundo turno com uma diferença de cerca de cinco pontos percentuais entre eles, por volta de metade da diferença no voto válido apontada pela última pesquisa BTG-FSB uma semana antes da eleição.
Assim, Lula fechou a rodada inicial com os votos válidos previstos, mas Bolsonaro desempenhou significativamente acima, resultado que se deve principalmente a um melhor desempenho no Sudeste, especialmente em São Paulo. Que, com segundo turno para governador, será um palco decisivo em 30 de outubro.
Os outros dois grandes estoques de voto no Sudeste decidiram a parada já neste domingo. Os dois governadores eleitos de Minas Gerais e Rio de Janeiro serão cabos eleitorais importantes no segundo turno.
O presidente da República enfrenta alguns desafios no segundo turno. Um deles é o fato de os candidatos com algum voto que não se classificaram para a decisão tenderem a apoiar o candidato do PT. Mas, com quatro semanas de campanha e boas notícias na economia, é hoje uma disputa completamente em aberto, com 50/50 de chances.
Assim, Lula fechou a rodada inicial com os votos válidos previstos, mas Bolsonaro desempenhou significativamente acima, resultado que se deve principalmente a um melhor desempenho no Sudeste, especialmente em São Paulo. Que, com segundo turno para governador, será um palco decisivo em 30 de outubro.
Os outros dois grandes estoques de voto no Sudeste decidiram a parada já neste domingo. Os dois governadores eleitos de Minas Gerais e Rio de Janeiro serão cabos eleitorais importantes no segundo turno.
O presidente da República enfrenta alguns desafios no segundo turno. Um deles é o fato de os candidatos com algum voto que não se classificaram para a decisão tenderem a apoiar o candidato do PT. Mas, com quatro semanas de campanha e boas notícias na economia, é hoje uma disputa completamente em aberto, com 50/50 de chances.
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