As medidas de isolamento e afastamento sociais são apontadas
desde o começo da ação do SARS-CoV-2 como essenciais para, como se diz, achatar
as curvas de infecção e mortes pelo novo coronavírus.
O objetivo desejado, e totalmente legítimo, é evitar o colapso
do sistema hospitalar.
Mas o achatamento tem efeito sobre os dois eixos, o horizontal
(x) e o vertical (y). Se empurram para baixo o y máximo, jogam para adiante os
valores de x onde o y ainda é significativo. O já célebre gráfico abaixo (clique nele para ampliar), um
hit desde o começo da pandemia, explica bem:
Outro gráfico, agora obtido a partir de dados colhidos na
vida real (clique na imagem para ampliar), mostra que as iniciativas para achatar a curva por aqui talvez
tenham mesmo alcançado algum sucesso. Comparado com os países mais em evidência
na pandemia, o Brasil parece ter reduzido a inclinação da curva na sua etapa
ascendente:
A fonte é o hotsite do Financial Times especializado na Covid-19, e as curvas representam a média móvel dos sete dias mais
recentes de novas mortes registradas diariamente. O que é, atenção!, diferente
de mortes diárias.
Mas todo sucesso tem um preço, um efeito colateral. O nosso é
as medidas de isolamento já estarem de língua de fora, perdendo o fôlego,
enquanto a curva ainda sobe.
Outro efeito colateral: a bagunça política, sem par no
planeta, impediu que a curva achatasse o tanto que podia.
Como o Brasil não é um país nórdico, nem uma Nova Zelândia,
não dá para estender indefinidamente o isolamento à espera de a curva começar a
descer.
Ou talvez desse, desde que o governo e a opinião pública estivessem
verdadeiramente dispostos a sustentar a economia (imprimir dinheiro, fazer
dívida) até a curva embicar para baixo.
Tem gente boa que defende fazer assim, mas a hegemonia
intelectual está do outro lado. Por isso, vivemos um período de certa loucura,
em que se defende simultaneamente 1) o lockdown “até a vitória final” e 2)
manter a aversão à expansão ilimitada do gasto público.
O que só seria possível se amplas camadas da população
estivessem dispostas a ficar sem ter o que comer à espera de o vírus ser finalmente
neutralizado. Improvável.
Então a vida impõe-se. As atividades vão voltando pouco a
pouco de modo irrefreado e na prática caótico, enquanto os governantes se escondem atrás de marquetagens disfarçadas de “critério científico” para justificar a volta nestas circunstâncias, só para
não admitir que estão sendo atropelados pelos acontecimentos.
Havia opções, claro. Uma era bloquear geograficamente a
expansão do vírus desde muito antes de este espalhar. Fechar o país, e no país
fechar as cidades e regiões em que aparecessem casos.
Vem dando certo em Hubei, e no resto da China. Mas agora é engenharia de obra
feita. Ninguém com poder decisório propôs isso a tempo.
E vamos pagar por esse lapso não apenas em mortes. Pagaremos
também em um prolongamento do sofrer econômico. Que é função direta da falta de confiança do público. Confiança que anda em baixa e assim ficará por um bom tempo.
Também porque a descoordenação e os conflitos na política
levam o cidadão e a cidadã com um mínimo de bom senso a puxar o freio de mão
nas despesas, pessoais e empresariais.