segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Agora acabou mesmo a campanha eleitoral, agora começa o governo, na real

As eleições para as mesas da Câmara dos Deputados e do Senado e a tragédia de Brumadinho (MG) marcam o ponto final do já mambembe período de graça do governo Jair Bolsonaro. Acabou a “fase de estudos". Agora a coisa é para valer.

Inícios de governo são como extensões da campanha. A nomeação e posse dos ministros, os primeiros pronunciamentos, os projetos, as esperanças. Talvez por isso se fale em “período de graça”. A campanha continua, mas um lado já está nocauteado e o outro ocupa o palanque sozinho.

É um período em que governo e governante não precisam necessariamente mostrar destreza operacional, o simples preenchimento dos espaços funciona bem como vetor de comunicação. Mesmo as polêmicas giram em torno de falas, assinaturas em papéis. Coisas assim, digamos, “virtuais”.

Mas isso agora é passado.

No Congresso, o governo precisará mostrar capacidade política. Em Brumadinho, capacidade operacional, e será também politicamente responsabilizado pelos desdobramentos jurídicos. Dizer que “vou acabar com a incompetência e a impunidade” dá voto, mas tem consequências.

O governo tem uma ampla base política potencial no Legislativo. O desafio está na palavrinha “potencial”. Como no futebol, não basta ter elenco. É preciso colocar para jogar. A nova comissão técnica não tem muita experiência em liderar aquela turma. Vejamos no que vai dar.

Mas desafio mesmo está em Brumadinho. A tragédia cruza três pontos decisivos da agenda bolsonarista: 1) libertar a força produtiva do capital, 2) privatizar estatais para torná-las mais eficientes e vantajosas para o conjunto da sociedade e 3) colocar criminosos na cadeia.

A conexão de Brumadinho com o item 1 é óbvia.

Sobre o item 3, o nomear Sérgio Moro ministro o governo ganhou musculatura no plano semiótico mas perdeu o clássico trunfo de manter distância das decisões do Judiciário. Pois no imaginário popular Moro é talvez o primeiro Ministro “da Justiça”, lato sensu. O povão quer que ele mande.

No caso do item 2, a tragédia de Brumadinho oferece uma nova oportunidade para a contranarrativa do “querem privatizar as estatais para o lucro ser o único objetivo dessas empresas, desprezando os direitos sociais e trabalhistas e a necessidade de defender o meio ambiente”.

O que estaria sendo dito se a tragédia tivesse sido responsabilidade da Petrobras? Só aplicar com sinal trocado. #FicaaDica

Detalhe: em Brumadinho há o vetor ambiental, mas também um relacionado à segurança no trabalho. Ao extinguir o Ministério do Trabalho Bolsonaro perdeu o personagem que poderia fazer o governo centralizar esse desdobramento. Tudo tem dois lados.

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Na eleição das mesas do Congresso o governo precisa (muito) que os novos presidentes tenham liderança, capacidade de diálogo e foco na agenda econômica. E couro grosso para não fazer do Legislativo uma biruta de aeroporto girando ao sabor das manchetes do dia.

O problema: o bolsonarismo é rebento da rejeição à política. O risco: um ou dois “bolsonaros para o Bolsonaro”.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

O subdesenvolvimento é mesmo uma obra

País é atrasado em pontos essenciais

O encontro de Davos este ano vai mais ou menos. O deslumbramento com a globalização anda em baixa. Nesse circo, somos um país que anda no arame: pelas declarações oficiais, o Brasil quer uma globalização sem globalismo, inserir o país na economia globalizada mas manter aqui dentro o centro das decisões. Espremido o discurso, é isso que fica.

Se o debate político e econômico não estivesse tão contaminado pela cegueira nascida do ódio –e há razões para estar assim–, alguém eventualmente poderia notar que a “globalização sem globalismo” da direita equivale exatamente à “inserção soberana” pregada pela esquerda. E que, por isso, ambas são ditas “ultrapassadas” pelos liberais de raiz.

Um problema pelo mundo é os liberais-raiz andarem meio sem prestígio depois da crise de 2008-09, a que ainda não acabou. Exuberante mesmo desde então só a concentração de renda. A novidade mais recente é a confirmação da desaceleração chinesa. Estava previsto, mas nem por isso machuca menos quem, como nós, vive de exportar primários e semi.

No Brasil a luta atual de ideias tem uma peculiaridade, pois o desastre da economia no último governo petista abriu a janela de oportunidade ao liberalismo. Nunca houve ambiente tão propício à difusão dele, o que se reflete na imprensa e mostrou vigor na eleição do ano passado. O Brasil decidiu dar uma chance para o capital dizer a que veio. Uma novidade.

Se na mitologia econômica de uns Zeus é planejamento e ativismo estatal, para outros basta deixar dinheiro na mão (ou no caixa) dos empresários e eles produzirão prosperidade. Está empiricamente demonstrado que o segredo é uma combinação ótima entre os 2 pólos, mas –de novo– pedir razão no atual ambiente político é perda de tempo.

O governo Bolsonaro fala, portanto, ao coração de quem 1) vê a pátria como última proteção contra o poder do capitalismo global de dissolver as fronteiras e as relações sociais estabelecidas e/ou 2) vê no capital a força capaz de libertar o país da sina de baixo crescimento, serviços públicos medíocres, impostos injustos e dos demais problemas nacionais crônicos.

São vetores contraditórios mas não necessariamente antagônicos. Há 2 casos de sucesso de países que conseguiram inserção global mantendo-se soberanos: os Estados Unidos da América (do Norte) e a República Popular da China. Aliás estão ambos agora em desconforto mútuo pois um descobriu que mantida a ordem das coisas o outro vai tomar a liderança.

O que há em comum entre China e EUA? Entre outros aspectos, 1) decidiram que enriquecer não é pecado, 2) fizeram a reforma agrária, base para um mercado interno pujante, 3) colocaram foco total na industrialização e 4) construíram sociedades em que a educação universal de boa qualidade ocupa posição estratégica, e daí podem falar em “meritocracia”.

Avalie você mesmo o estágio em que nos encontramos. Somos uma sociedade em que 1) o lucro continua sendo pecado, 2) a questão social no campo volta a ser caso de polícia, 3) o pensamento econômico dominante diz que indústria é bobagem e 4) educação é um apartheid social: escolas são bem melhores para os ricos e a classe média do que para os pobres.

Por um instante, leitor ou leitora, esqueça da guerrilha e do #blablabla nas redes sociais, e liste você também os itens que acha importantes para o Brasil passar a se desenvolver de maneira soberana e inserida nos mercados globais. Verá que estamos atrasados em todos os pontos essenciais. Enquanto isso, segue a mesmerização das massas, uma especialidade.

É a gloriosa obra do subdesenvolvimento.

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Publicado originalmente em www.poder360.com.br

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

A guerra ainda é dentro de cada bloco. E acendem-se os apetites no entorno do poder

O governo Jair Bolsonaro experimenta sua curva de aprendizagem. E faz isso na velocidade das redes sociais. Está tendo de aprender rapidinho, pois - como previsto - desta vez não se percebe um “período de graça”. Coisa que aliás parece mesmo ter saído de moda. Outra previsão que se realiza: o aperto da burocracia sobre o novo poder.

Em meio ao barulho, à fumaça e à gritaria da batalha, como avaliar o estado das coisas? O sinal mais útil é a consistência de cada exército. E, ao menos por enquanto, o da direita está completamente íntegro. Aliás, as disputas internas no bolsonarismo são um sintoma de ele não enxergar ameaças reais no horizonte.

Inclusive porque na esquerda também se nota a inclinação a aproveitar o interregno para algum ajuste de contas. A tática parece mais orientada por objetivos relacionados à busca de hegemonia no dito campo progressista, e menos por alguma vontade real de oferecer agora alternativas à maioria social e política criada em 2018.

Tudo isso é lógico. A guerra política costuma concentrar-se na disputa do poder disponível. E o poder à disposição para ser disputado hoje é o interno de cada bloco. Direita e esquerda trocam desaforos nas redes sociais, mas em cada uma a briga é pelo controle da própria tropa. “É a correlação de forças, estúpido.”

Quando a delação dos executivos da JBS explodiu no colo de Michel Temer, o mercado soluçou mas logo voltou ao voo de cruzeiro. Por uma razão simples: rapidamente ficou claro que se o presidente caísse assumiria alguém parecido. As alternativas disponíveis eram só duas: um temerismo com Temer ou um sem Temer.

O que é o primeiro gabinete Bolsonaro (na suposição de que todos os governos promovem reformas ministeriais)? Um amalgamado amplo, sob a hegemonia da direita “de raiz”. Agrupa o universo que deseja remover sem dó e sem medo todas as barreiras para a aceleração do capitalismo brasileiro, custe o que custar.

Daí que a principal tensão no bloco seja o recorrente “o que vão dizer da gente lá fora?", a preocupação com o impacto, no comércio exterior, da agenda sócio-ambiental e comportamental. É o mote central dos “liberais progressistas”, taticamente dizimados na urna mas sempre bem posicionados para a guerra cultural.

O destino do primeiro gabinete Bolsonaro decide-se na votação da reforma da Previdência, para o que as eleições das mesas do Congresso têm importância. Entretanto, se o bolsonarismo precisar recorrer no futuro aos serviços da “velha política” para buscar a meta central, receberá o apoio de quem hoje exige dele o apego à “nova”.

Daí se verá o renascer do realismo, que já aparece nas polêmicas da política externa. A vida é dura. Como conciliar a cruzada mundial pela democracia ocidental-cristã e a necessidade premente de mercados e investimentos? Na dúvida, o governo Bolsonaro tenta derrubar Nicolás Maduro enquanto a bancada do PSL faz amizade com Xi Jinping.

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Alguma ameaça real ao bolsonarismo? Já se nota a movimentação para tutelar o presidente recém-empossado. Coisa normal nas circunstâncias. As atribulações do primogênito são um problema crescente. Ainda estão longe do pai? Já ensejam o acender dos apetites por um “bolsonarismo com Bolsonaro e sem os Bolsonaros". É bom ficar de olho.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

A fisiologia do poder acaba se impondo. Com seus inevitáveis traços tribais

Não acredite na sinceridade do governante quando diz que a existência de uma oposição forte e a alternância são essenciais para as coisas andarem bem. É cascata. Todo líder deseja eliminar os oponentes ou cooptar (uma forma de eliminação), e perpetuar no poder ele e/ou o grupo.

Daí que, por exemplo, a higidez da assim chamada democracia representativa dependa não principalmente dos códigos escritos, mas de algum equilíbrio de forças. Se estiver suficientemente forte, o governante - qualquer um - dará, no popular, uma banana para os tais códigos.

E do que depende essa força? Principalmente da capacidade de impor o medo. Mas a eficácia da ameaça de punição será maior quanto mais apetitoso é o prêmio por se submeter. Por isso, no poder líderes cuidam de recompensar a tribo.

"Política não fisiológica” é um oxímoro. A política é o exercício da fisiologia que mantem vivo o organismo das relações de poder.

Se o primeiro ministério de Luiz Inácio Lula da Silva premiou essencialmente o PT, o gabinete inaugural de Jair Bolsonaro tampouco obedece, para espanto de alguns, a fantasia do “critério técnico”. Leis da natureza são teimosas.

A equipe do governo sustenta-se essencialmente em quatro partidos: o PEM (Partido da Economia de Mercado), o PM (Partido dos Militares), o POC (Partido do Olavo de Carvalho) e o PLJ (Partido da Lava Jato). Siglas que mesmo não registradas no TSE ajudaram a construir o desfecho eleitoral.

Há também tribos não tão contempladas quantitativamente, mas ainda assim essenciais. O PA (Partido do Agronegócio) e o PE (Partido dos Evangélicos). Na extrema periferia do sistema, políticos não “puros” mas sortudos, sobreviventes da caça à política.

As legendas informais têm as características dos seus irmãos formais. Têm chefes, regras internas, programa. E uma disciplina a seguir, e portanto a ser imposta. Se não se investe energia para manter o edifício organizado, a tendência natural é desorganizar.

Uma diferença aparente de Bolsonaro para Lula é que este só tinha, a rigor, um partido para premiar. Mas se a coisa for olhada mais de perto fica claro que não era bem assim. O PT organizou-se como um partido de tendências, e o presidente precisou/decidiu contemplá-las todas.

As melancias vão se ajeitando na carroceria do caminhão conforme os solavancos da estrada. Algumas frutas despedaçam-se, outras caem no caminho. Isso não é problema. Onde está o xis da questão? Na capacidade de o presidente mediar os conflitos para uma resultante boa.

Aí é que mora o perigo. Que solução Jair Bolsonaro providenciará para o conflito entre os evangélicos e o agronegócio (e outros ramos do empresariado) em torno da mudança ou não da embaixada em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém? Uma hora o presidente vai ter de resolver.

Como fazer os políticos votar uma reforma da previdência que possa ser vendida ao público como justa e ao mesmo tempo preservar, ao menos em parte, as condições privilegiadas dos segmentos da burocracia estatal decisivos para a eleição do atual presidente da República?

A lista só vai crescer com o passar do tempo. Um dia alguém disse que o presidente dos Estados Unidos talvez se achasse o sujeito mais poderoso da Terra, mas não passava mesmo era de um guarda de trânsito. Organizando um tráfego mais ou menos caótico, mas um guarda de trânsito.

E tudo feito de um jeito de que possa ser explicado.

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Solavancos são normais, mas a quantidade virou notícia neste início de governo. O primeiro impulso é dizer que as pessoas são incompetentes. Competência e incompetência são parâmetros algo subjetivos. Para objetivar, precisa complementar. Competência para fazer o quê?

Talvez o ruído esteja em outro lugar. Talvez as pessoas tenham sido escaladas não na melhor posição para cada uma delas. Faça você mesmo o teste. Simule um roque (o do xadrez) nas posições no Planalto. É uma simulação interessante. Em alguns casos, divertida.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Para a nova política externa, um velho princípio viria a calhar

A política externa do novo governo merece ser debatida para além do “oh, ela rompe com a tradição do Itamaraty!", que aliás é um argumento vazio. Romper com linhas estabelecidas não é bom ou ruim em si. É preciso saber se a ruptura atende o interesse nacional. Se ajuda o país a crescer, ficar mais justo e viver em paz com os vizinhos e o resto do mundo.

Outro argumento é que a guinada pode ser mal vista no exterior. Ora, um país não está obrigado a se submeter ao juízo - ou patrulhamento - externo para ser respeitado e valorizado, ou para ter um comércio exterior pujante. E o exemplo mais luminoso e imediato é a República Popular da China, como aliás lembrou em artigo recente o nosso novo chanceler.

Os chineses não precisaram se dobrar à “comunidade internacional”, ou viver pedindo desculpas, para chegar onde chegaram. A prioridade da China tem sido crescer aceleradamente. É a mais impressionante e maciça inclusão social da história. E isso tem subordinado as outras variáveis.

Agora que construíram uma superpotência muito respeitada, e temida, os chineses fazem os ajustes necessários para corrigir o rumo. Valorização do mercado interno e cuidado com as questões ambientais são dois pontos sensíveis nas novas políticas da China. Erguido o edifício, passa-se agora aos detalhes sobre como manter de pé, e melhorando a habitabilidade.

A disrupção pretendida na política externa brasileira ataca problemas concretos. O Brasil do século 21 tem semelhanças com a China... do século 19. Um país com dificuldade de identificar onde está seu interesse nacional. Uma nação espiritualmente (a China era também territorialmente) “ocupada” por vetores externos.

Não há no planeta quem se incomode tanto quanto o Brasil “com o que estão dizendo da gente lá fora”. Um elogio no The New York Times ou na The Economist produz frêmitos de prazer. Uma crítica é o atestado definitivo de estarmos errados. É bem mais fácil tirar um país da condição de colônia que arrancar a mentalidade colonial da alma de seu povo.

O governo quer mesmo corrigir isso? Então não há necessidade de inventar teorias extravagantes. Uma nova orientação pode perfeitamente basear-se em tópicos consagrados da cartilha das relações exteriores. O mais útil deles? Um que vem sendo bastante relativizado: a centralidade da autodeterminação das nações.

Incomoda-nos que se metam na nossa vida? Uma providência é moderar nossos impulsos quando queremos (ou nos empurram a) nos meter na vida dos outros. Façamos como a China. Se desejamos ter força em escala global, cuidemos em primeiro lugar de ter uma economia pujante, em vez de meter o bedelho no quintal alheio por razões políticas ou ideológicas.

Os chineses defendem seu sistema sem se dobrar a pressões externas. Também porque - e esse detalhe costuma ser convenientemente esquecido - a China faz tempo abandonou a exportação da sua arquitetura política. Os EUA não se preocupam com a penetração do comunismo chinês na América Latina. Preocupam-se com a concorrência dos capitais chineses.

O Brasil tem condições de construir internamente acordos majoritários sobre demarcação de terras indígenas, defesa dos ecossistemas, políticas de absorção de imigrantes, direitos humanos. Não precisamos que nos imponham o que fazer, ou o que não fazer. Nós saberemos o que é melhor para o Brasil. Façamos como a China, sejamos donos do nosso nariz.

Mas façamos direito. Recusemos também as pressões para ajudar a desestabilizar governos. Cuidemos de manter a América do Sul livre de militares de outros continentes e armas de destruição em massa. Resolvamos aqui mesmo as questões migratórias e de direitos humanos.

Tudo na vida tem dois lados. Não queremos que digam como deve ser nossa política? Façamos o mesmo quando outros tentam tirar a castanha (deles) do fogo com a mão do gato (nós).

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Fazer o simples. O arroz com feijão do governo Bolsonaro no curto prazo. E o da oposição.

Se você fosse chamado a opinar sobre os passos mais óbvios do governo e da oposição no curto prazo diria o quê? Eu diria que o governo:

1) Não pode se dar ao luxo de aparecer como derrotado na disputa das presidências da Câmara e do Senado. O presidente tem potencial maioria em cada uma das casas. Se a coisa desandar, antes de ser trágico será ridículo. O custo político de passar reformas vai subir exponencialmente. E será só o começo.

2) No que estiver ao alcance dele, o presidente precisa cuidar de se recuperar da nova cirurgia. A montagem do governo reuniu gente muito sedenta de protagonismo. Se com o presidente na ativa já se nota propensão centrífuga, sem ele por muito tempo seria forte o estímulo para exacerbar a confusão.

3) O governo precisa apresentar uma reforma da previdência que atenda o mercado e tenha viabilidade política. É possível no começo do governo aprovar alguma reforma da previdência crível ao mercado, mesmo sem distribuir cargos pelos partidos ou liberar verbas orçamentárias para as bases dos parlamentares. Lula fez isso em 2003.

4) Precisa mostrar alguma coordenação na comunicação. A comunicação oficial tem sido boa para manter a base social coesa e mobilizada, mas é também uma usina de pautas negativas. Não chega a ser problema maior no curto prazo, mas sempre cobra uma conta depois de certo tempo. Assim como no boxe, apanhar o tempo todo costuma ter consequências.

5) Precisa minimizar o ruído internacional. O governo brasileiro fala duro e parece subestimar o trabalho de explicar ao mundo por que sua política seria boa para o mundo. Segue a linha Trump. Vladimir Putin adotou a política do “big stick”. Xi Jinping apresenta os interesses da China como se fossem os do universo.

Já a oposição:

1) Não pode se deixar esmagar na composição das mesas da Câmara e do Senado. A repetição de 2015, que deu Eduardo Cunha e a exclusão do PT da mesa da Câmara, será um desastre. Também desastroso será a esquerda dar a impressão de estar associada ao bolsonarismo. O melhor para a oposição seriam composições institucionais nas duas casas.

2) Não pode se dispersar e perder a identidade na disputa das mesas do Congresso. Uma sucessão institucional permitiria à esquerda participar das mesas sem aparentar linha auxiliar do governo. Isso talvez não interesse ao governo. Mas os principais candidatos na Câmara e no Senado podem ter interesse nessa saída. Aliás, se o governo raciocinar talvez conclua que é bom para ele também.

3) Precisa ter proposta ou propostas alternativas para a reforma da previdência, com foco em setores privilegiados do Estado. A esquerda tem governadores desesperados por uma reforma da previdência que ajude a evitar a falência de seus estados. O governo vai explorar isso, então é preciso entrar no debate com alternativas.

4) Precisa elaborar crítica consistente e propor ações que se oponham à política externa e à política educacional do governo. Até agora a crítica a essas duas políticas resume-se ao “nossa, que absurdo”. Na educação, é preciso mostrar os caminhos para o ensino, especialmente o fundamental, melhorar muito e rapidamente.

5) Precisa de ideias sobre como enfrentar a crise da segurança pública. A atual doutrina de enfrentamento do crime desmoralizou-se porque não está funcionando. O governo elegeu-se também por ter ideias para resolver o problema. Quais são as ideias da oposição, além de continuar aplicando o que não está funcionando?

É como no futebol. Na dúvida, uma saída é tentar fazer o simples.

E você, acha o quê?

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Radicalização ideológica de Bolsonaro previne corrosão política enquanto a economia não reage

Todo poder político trabalha, antes de tudo, para perpetuar-se. Frases como “eles têm projeto de poder, nós temos projeto de país” servem para consumir papel e tinta (literais ou eletrônicos) mas não têm significado real no mundo da política. Um atributo notável de Jair Bolsonaro é a transparência: a alternância com a esquerda não está mesmo nos planos.

Era (e foi) esperado que esse apego viesse embalado como do mais alto interesse nacional. Tanto eficaz será a comunicação de qualquer líder e governo quanto mais o interesse particular for apresentado, e aceito, como interesse geral. Também por isso o governo Bolsonaro começou bem a disputa da comunicação. O “Brasil acima de tudo” continua funcionando.

Governar é decidir, e também saber comunicar a decisão. Quem pede moderação e conciliação no discurso bolsonarista pede que o novo regime abra mão de sua principal fonte de poder: a convicção popular, alimentada por anos, de que a solução para os principais problemas do país reside na eliminação de um pedaço da política. Ou da própria sociedade.

É esperado que os operadores encarregados de aprovar as coisas no Congresso peçam alívio no discurso. Também parece ser o sentimento dos estrategistas, quase todos militares. O problema? Quando propõem a conciliação, governos nascidos de batalhas políticas radicalizadas acabam passando a ideia de fraqueza. A última vítima disso foi Dilma Rousseff.

O poder é permanentemente rondado por quem deseja tomar o lugar. No caso de Jair Bolsonaro o perigo imediato não está na esquerda, isolada e por enquanto dividida. Vem da eleitoralmente pulverizada mas socialmente sempre influente direita não bolsonarista. É quem melhor personifica no Brasil o dito globalismo, besta-fera do bolsonarismo.

É uma corrente que está apenas à espera de as coisas começarem a dar errado para se apresentar como a solução à mão. Exemplos: 1) O PSDB oferecer-se para entrar no governo Collor, 2) o “ministério ético” do próprio Collor, 3) a nomeação de Fernando Henrique ministro da Fazenda de Itamar e 4) Dilma entregar a Michel Temer a articulação política na crise.

O único caso em que isso “deu certo” foi o terceiro, ao custo de Itamar abrir mão do poder real, concessão necessária para não ser derrubado. Na prática o governo Fernando Henrique Cardoso começou não em janeiro de 1995, mas em maio de 1993. Apesar das tentativas de manter viva a ideia de ter havido um governo Itamar Franco até o final de 1994.

Qual o desafio imediato de Bolsonaro? Inverter rapidamente as expectativas econômicas para impedir o surgimento de uma bolha de frustração que drene seu prestígio popular antes de o governo apresentar resultados. O instrumento à disposição é manter a luta ideológica bem aquecida e tentar despertar o chamado “instinto animal” do empresariado.

Jair Bolsonaro assume em condições bastante razoáveis. Inflação controlada, PIB em (lenta) recuperação, apoio maciço no empresariado e (potencialmente) no Congresso, imprensa ou favorável ou não radicalmente hostil, oposição entretida em disputas internas (coisa normal depois de derrota), Forças Armadas a favor e atuando como poder moderador.

Mas, como se diz, uma hora o governo precisará entregar a mercadoria. A economia precisa reagir, até porque a ideia é substituir progressivamente as proteções estatais ao povão por oportunidades que a economia privada oferecerá a esse povão. E quando esse despertar econômico é tentado mais pelo lado do investimento que do consumo o prêmio costuma demorar mais.

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Não há registro no Brasil de Congresso Nacional que tenha criado problemas para governos que largam com amplo apoio na elite. Fernando Collor tinha uma base formal estreitíssima e não teve a menor dificuldade para aprovar o enxugamento temporário de liquidez que quando ele caiu em desgraça se transformou no “sequestro da poupança". Recordar é viver.

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O governo Bolsonaro oferece uma grande oportunidade para o jornalismo. Acabou o tempo em que bastava se indignar e seguir a cartilha das causas pré-definidas como “do bem”. A coisa agora vai exigir mais sofisticação, pois o novo poder se apresenta com uma ideologia estruturada. Para criticar, antes de tudo é preciso entender o que outro está dizendo.

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Chegou 2019. E que moda voltou? A ideologia

(Ainda em férias, deu na veneta escrever)

O governo não é novo só nas forças que o compõem, mas também e principalmente na moldura do debate político. Que em boa medida deixará de ser só político. Bem-vindos ao admirável mundo novo da ideologia. Sobre ela, vale a tirada de Mark Twain quando erradamente anunciaram a morte dele: “The reports of my death were greatly exaggerated”.

Errará quem ligar o destino imediato do governo Jair Bolsonaro só à economia. O presidente da República cuida de construir em torno de si uma fortaleza ideológica. Quer não apenas "melhorar a vida das pessoas", mas resgatar e promover uma certa identidade nacional, entendida por ele como parte de um ocidente liberal-conservador-cristão-anticomunista.

Um paralelo pode ser buscado na Rússia de Vladimir Putin. Sua popularidade é algo inelástica à flutuação econômica. Ultimamente sofre um pouco com a reforma da previdência. Mas a base política dele atravessa bem este período de sanções desencadeadas pela anexação da Crimeia e pela suposta ingerência na eleição presidencial dos Estados Unidos.

Putin tem convencido os russos de ser o melhor líder para defender a Rússia contra as forças que tentam, diz, pela enésima vez escravizá-la a partir do oeste. Os russos lançaram Mikhail Gorbachev e Boris Yelstin nas lixeiras da história quando perceberam que dissolver a URSS não tinha aplacado o apetite ocidental, principalmente alemão, pelo que está a leste.

Donald Trump é bombardeado 24x7, pela oposição e pela ampla maioria da imprensa, e o funcionamento do sistema político americano depende de algum entendimento entre os dois partidos que contam. Complicado. Trump vem sobrevivendo enquanto a economia vai bem, mas também por manter mobilizada a base que o elegeu para fazer seu país “great again”.

O nacionalismo ajuda a explicar ainda por que Nicolás Maduro se segura, apesar da situação econômica. E a Revolução Cubana não mudou as cores da bandeira nacional de Cuba. São alguns regimes diferentes, sistemas econômicos diferentes. Em comum, o governo apresentar-se como (e convencer de que é) essencial para a defesa da soberania.

Na teoria será fácil para a oposição demolir as credencias nacionalistas de Bolsonaro, dada a afinidade dele com os Estados Unidos e com aliados firmes dos americanos, como Israel. Na prática vai ser mais desafiador, pois na narrativa hegemônica do nacionalismo de direita deste século 21 o dito globalismo faz o papel reservado ao Tio Sam no nacionalismo de esquerda.

E calhou de tanto Estados Unidos quanto Israel serem países que a seu modo resistem ao diktat globalista. Os americanos pelas razões econômicas conhecidas, os israelenses pelas razões de segurança mais conhecidas ainda. Então, aliar-se aos EUA e Israel pode sim ser apresentado como uma linha de resistência à dominação externa.

Mais: as amarras sócio-ambientais à expansão da agropecuária e do resto da economia nacional, restrições apaixonadamente defendidas pela esquerda, já ganharam na nossa psicologia o contorno de um Tratado de Versalhes. No governo, PT e aliados nunca enfrentaram para valer a discussão sobre essas formas de protecionismo contra o Brasil. E a conta chegou.

O nacionalismo de Bolsonaro tem uma ampla agenda comportamental e sócio-ambiental, cujo debate, ele parece supor, lhe garantirá a gordura para atravessar um período de prováveis sacrifícios econômicos. Eis por que não bastará à oposição tratar das justiças ou das injustiças sociais embutidas na plataforma bolsonarista. O papo ficou mais sofisticado.

A disputa política vai adquirir (já adquiriu) contornos ideológicos. Enquanto a academia e os intelectuais ficam no ai-ui do “que absurdo é ser nacionalista em pleno século 21”, Bolsonaro enfuna as velas. Já a oposição, quando finalmente superar as dores da derrota eleitoral, precisará cuidar de convencer que a esquerda é mais patriótica que a direita.

Como aliás foi a disputa ideológica aqui ao longo de todo o século 20. O que parecia ter acabado, mas não acabou.

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“Marxismo cultural” é expressão que vai continuar causando ampla polêmica. E qualquer um pode participar da peleja, mesmo sem ter a menor ideia do que é marxismo, muito menos o “cultural”. Na política e no futebol, você não precisa entender do assunto para ter opinião.

Graciliano Ramos, Candido Portinari, Tarsila do Amaral, Jorge Amado, Oduvaldo Vianna (pai e filho), Glauber Rocha, Dias Gomes, Paulinho da Viola, João Saldanha. Todos um dia passaram pelo Partido Comunista. Era um marxismo cultural (sem aspas) de primeira, e genuinamente nacional.

Ótimo 2019 a todos.