sábado, 26 de março de 2022

Os partidos vão contar?

A caminho do fechamento da janela de trocas partidárias, quem mais vem se beneficiando na migração de deputados são as legendas que devem dar sustentação a Jair Bolsonaro na corrida para a reeleição: o partido dele, PL, mais o Progressistas e o Republicanos. Normal. Governos sempre têm capacidade de atrair políticos, e a isso se soma o fato de o presidente ter chegado competitivo a esta etapa do processo.

Candidatos à reeleição no Parlamento beneficiam-se da proximidade com o governo, mesmo que a recente anabolização das emendas dos congressistas ao Orçamento Geral da União tenha injetado boa dose de autonomia na vida de deputados e senadores. O Estado no Brasil tem ubiquidade, e influir nas decisões do poder sempre ajuda a alavancar trajetórias políticas e a dar-lhes sustentação no tempo.

Mas qual será o peso real das estruturas partidárias na eleição presidencial? Em tese, relativo. É bem mais provável que o eleitor escolha um parlamentar por este apoiar o candidato a presidente do que decidir votar em alguém para o Planalto porque o deputado ou o prefeito pediram ou mandaram. O voto é secreto. A escolha do candidato a presidente é a esfera de decisão política em que o eleitor costuma exercitar sua independência em maior grau.

Mas estruturas partidárias importam. Mesmo em 2018, quando Jair Bolsonaro se elegeu por uma microlegenda, por todo o país os partidos e políticos do campo que vai do centro à direita, pegando inclusive franjas à esquerda, conectaram-se na composição do hoje presidente. Não houve alianças formais, mas realizaram-se alianças políticas na vida real. Que costumam pesar bem mais na hora do vamos ver.

E há agora em 2022 a particularidade de um presidente candidato à reeleição não ter como colar no papel de outsider. Precisará de tempo de televisão e rádio para defender seu governo. Claro que as redes sociais são um campo decisivo da luta, mas não se deve subestimar o efeito do rádio e da televisão.

Depois da facada de 6 de setembro, Jair Bolsonaro teve 15 dias de exposição positiva quase 24 horas no ar. É um erro achar que a televisão e o rádio não tiveram influência na eleição de 2018.

Pelas contas de hoje, e sabendo que o tempo de televisão e rádio é calculado segundo o tamanho das bancadas eleitas para a Câmara em 2018, Luiz Inácio Lula da Silva e Bolsonaro já garantiram cerca de 20% cada um. Se os muitos nomes do espaço intermediário se juntassem, também garantiriam uma fatia considerável do bolo. Mas até o momento não há sinais. Convém, entretanto, esperar, a eleição está longe ainda.

*

E por falar em centro, está realmente em curso uma articulação ampla para tentar que todos renunciem em favor de um só. O nome do momento é Eduardo Leite. Mas até Luiz Henrique Mandetta pode voltar a ter algum papel. A operação não é fácil, mas tampouco impossível. A decisão, a acontecer, ficaria a cargo dos presidentes dos partidos envolvidos. O que contornaria eventuais resistências em uma ou outra legenda.

sexta-feira, 25 de março de 2022

A vaga em disputa

As possibilidades eleitorais de Jair Bolsonaro estão bastante vinculadas à sensibilidade popular sobre a economia. Qual é risco principal para o presidente? Um repique inflacionário provocado pelos efeitos globais da crise russo-ucraniana. Isso levaria o Banco Central a um reaperto na política monetária e chegaríamos às eleições com a atividade em provável retração ou estagnação.

E com a possibilidade real de uma combinação momentânea de pasmaceira econômica e forte pressão nos preços. Um cenário ideal para quem está na oposição e representa a mudança.

Seria menos complicado para Bolsonaro se ele tivesse gordura eleitoral para queimar. Não é o caso. Hoje, quem pode se dar ao luxo é Luiz Inácio Lula da Silva, cujo principal oxigênio é o “no tempo dele eu vivia melhor”. O que tampouco teria o mesmo impacto caso o atual presidente estivesse mais bem apetrechado para argumentar que enfrentou, e ainda vem enfrentando, mais de dois anos de pandemia e agora uma guerra na Europa com repercussão planetária.

Perto disso a crise de 2008/09 foi, agora sim, uma marolinha.

Bolsonaro está até o momento contido no eleitorado mais fiel, suficiente para levá-lo ao segundo turno mas não para ganhar. Um eleitor oscilante, que certo dia votou no PT e em 2018 mudou de ideia, anda aparentemente tentado a fazer o caminho de volta. A dúvida é o que levaria esse voto a reverter a tendência momentânea e reafirmar a opção adotada em 2018. É a pergunta, como se diz, de um milhão.

Se Bolsonaro deixar a pressão dos preços dos combustíveis correr livre, com a óbvia repercussão inflacionária, estará concretando a estrada para Lula. Verdade que as pesquisas mostram um eleitor dividido quanto à responsabilidade pela alta na gasolina e no diesel, mas não importa: governos existem para resolver problemas, os criados por ele próprio ou por terceiros. Se o time tem dificuldades, a culpa será sempre do treinador.

Vamos ver como o presidente se sai. Lula continua tentando abocanhar ex-adversários e trazer de volta quem um dia foi aliado e deixou de ser. A favor da tática, as dificuldades do incumbente. Mas, como este não está fora da disputa e ainda por cima detém o governo, não é tão simples assim. Os profissionais da política, inclusive o próprio Lula, têm plena consciência de um jogo ainda sendo jogado.

E os demais? Continuam presos à armadilha de acreditar que há um largo contingente de votos “nem Lula, nem Bolsonaro”. Todas as pesquisas mostram que essa fatia gira em torno de 15%, mas quando a fé é forte os fatos objetivos enfrentam alguma dificuldade para prevalecer. O resultado prático é que a terceira via, ao insistir na tática, deixa aberto para o presidente o caminho de apresentar-se como o único e autêntico “anti-Lula”.

Pois a vaga em disputa para ir ao segundo turno não é a do “nem-nem”, é a dos que não querem a volta do ex-presidente. A chance de um terceiro está em provar que se sairá melhor que Bolsonaro no mano a mano com Lula.

====================

Publicado na revista Veja de 30 de março de 2022, edição nº 2.782

domingo, 20 de março de 2022

Duas táticas

As pesquisas são uma referência para monitorar como anda a campanha eleitoral. Mas existem outras variáveis. Uma delas, importante, é o evoluir da coesão e atratividade dos campos políticos. Naturalmente, quanto mais coeso e gravitacionalmente poderoso seu campo, mais você projeta expectativa de poder. E o inverso é tão verdadeiro quanto.

Um bom exemplo aconteceu em 2018. Toda a tática petista para o segundo turno baseava-se na suposição de que, contra Jair Bolsonaro, reunir-se-iam maciçamente as forças políticas que vertebraram a Nova República. Não funcionou. O desejo de impedir a volta do PT ao poder foi mais forte que a rejeição a um candidato identificado com o regime de 1964.

Ou seja, a coesão do assim chamado “campo democrático” esteve abaixo do necessário para derrotar o bem coeso, na época, “campo antipetista”.

E qual a situação hoje? Não é novidade que, aparentemente, estejamos vivendo um “segundo turno no primeiro”.

É definitivo? Ainda não. É cedo. Eventualmente, um terceiro nome pode reunir o apoio dos demais “terceiristas” ou agrupar por gravidade o eleitorado “nem Lula, nem Bolsonaro”. Que hoje, numa hipótese otimista, gira entre 15% e 20%. Se um terceiro chegar nesse patamar, o jogo fica mais aberto. Mas por enquanto está fechado.

Em situações de “segundo turno no primeiro”, é senso comum que a guerra se dá em torno de uma disputa de rejeições. Mas não é só isso. Na teoria, cada polo precisa ter a habilidade de não deixar erodir o apoio firme, enquanto suaviza o discurso e o programa e acena a potenciais aliados oscilantes com a expectativa de poder.

É interessante notar que no momento as metodologias de Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro têm características muito próprias.

Lula trabalha exatamente com base no livro-texto. Atraiu Geraldo Alckmin para a vice e, nessa operação, trouxe o apoio do PSB. E está trabalhando para trazer o PSD. Está ampliando. Bolsonaro parece apostar na consolidação de um núcleo duro com PL, Progressistas e Republicanos. E a partir de uma sólida base partidária e ideológica tentar desconstruir Lula.

O que vai prevalecer? A linha mais militantemente “pura” do atual presidente, combinada com o poder do cargo, ou o neofrentismo petista? Na aritmética, a segunda opção parece mais atraente. Mas a política nem sempre é principalmente aritmética. De vez em quando, forças numericamente inferiores concentram o fogo no ponto vulnerável do adversário e vencem.

O forte de Lula é o apelo a esquecer as diferenças em nome do desejo de tirar Bolsonaro. Até que ponto isso vai reunir o antibolsonarismo sem que o ex-presidente tenha de explicitar concessões programáticas? Pois Bolsonaro, além do antipetismo, aparentemente vai liderar um bloco mais coeso no plano programático.

Quem vai ter mais força gravitacional na hora decisiva? Vai depender essencialmente de como andará a rejeição a Bolsonaro? A linha petista parece basear-se principalmente nisso. Faz sentido, como em outros momentos (por exemplo Tancredo Neves em 1985), mas não deixa de ser arriscado. Depender excessivamente dos erros do adversário nunca é bom.

Ainda que sempre seja possível dar uma mão, na propaganda, para piorar a imagem do oponente.


sábado, 12 de março de 2022

Uma barreira não trivial

A cada eleição vem o desafio de tentar projetar qual será o fator decisivo para o eleitor. Desde a vitória de William Jefferson Clinton na corrida à Casa Branca, em 1992, o senso comum adotou o “é a economia, estúpido” celebrizado pela marquetagem dele. A economia, os empregos, a inflação seriam os vetores-chave para o eleitor oscilante definir em quem vai votar. Mas é sempre bom ter um pé atrás com o senso comum. Mesmo que seja para, ao final, concordar com ele. Sempre é bom dar uma olhada nas demais variáveis.

E a Covid-19? Desde a eclosão da beligerância armada na Ucrânia, ela desapareceu da tela das preocupações da opinião pública. Mas os números são objetivos, e teimosos. Neste momento, a média móvel diária de mortes nos últimos sete dias está na casa dos quinhentos. A de casos, em cinquenta mil. Das outras vezes em que bateu nesses patamares nos dois anos da pandemia adotaram-se, ou já estavam em vigor, medidas duras. Desta vez, a regra é o liberou geral, o abandono completo das providências sanitárias.

Inclusive do uso das máscaras. Qual a racionalidade de abolir o uso de máscaras quando morrem quinhentos por dia de Covid-19?

Deve haver alguma explicação científica, mas não é disso que se trata. Se, eventualmente, as curvas continuarem elevadas ali no desfecho da campanha eleitoral, e se o liberou geral continuar a regra, como o eleitor vai reagir? Qual argumento ele vai aceitar melhor? Que o que tinha de ser feito, especialmente a vacinação, foi feito e que o negócio é tocar a vida ou que as providências draconianas adotadas nos dois anos anteriores foram exageradas, como certamente argumentará o presidente e candidato à reeleição?

E qual será o peso da agenda conservadora e das questões relacionadas à segurança pública? Aqui eu arriscaria dizer que ambas vão ser relativamente menos importantes que quatro anos antes. No primeiro caso, é sensível que o conservadorismo arrefeceu em escala global, e no Brasil perdeu parte da substância de anos atrás. Perdeu “momentum”. No segundo, as pesquisas são unânimes ao apontar que saúde, inflação e empregos ganharam peso nas preocupações do eleitor. Efeitos da Covid-19 e das consequências.

Mas e se a tese de James Carville, o estrategista de Clinton em 92, estiver novamente certa? E se for “a economia, estúpido”?

Como previsto, esta passagem de ano está assistindo a uma recuperação, lenta mas recuperação, da atividade e do emprego, e as projeções de mercado apontam para um menor aquecimento dos preços, decorrente da política monetária. Qual será o impacto inflacionário do aumento no custo dos combustíveis decorrente da crise internacional? Como o BC vai reagir? Corremos o risco de abortar a recuperação e chegar à eleição com a economia patinando?

Todas as pesquisas mostram Jair Bolsonaro competitivo para outubro, indicam que a luta da terceira via para tirar o presidente do segundo turno é batalha morro acima. Mas os desafios, especialmente na economia, que o governo tem pela frente nestes meses não são triviais. O principal deles: como minimizar o impacto da crise planetária sobre a vida material dos brasileiros sem perder a marca de “defensor e protetor dos mecanismos do livre mercado”?

E tem a pauta da corrupção. Ela parece meio fora de moda. Mas vai saber...

sexta-feira, 11 de março de 2022

O resultado está aí

O Brasil está em plena “janela partidária”, em que o político pode trocar de agremiação sem perder o mandato. Há desta vez uma peculiaridade: o prazo para formar as federações partidárias, nacionalmente verticalizadas e vinculantes, ultrapassa a data-limite para as filiações com vista à próxima eleição. O político se filia ao partido e está sujeito a, mais na frente, descobrir que entrou numa coalizão estável de quatro anos e com a qual não concorda.

É apenas mais um detalhe estranho nos mecanismos de uma fidelidade partidária já meio fantasmagórica. Pois vale para mandatos proporcionais (vereadores, deputados) mas não para cargos decorrentes de escolha majoritária (prefeito, governador, senador, presidente). O “argumento” é que neste segundo lote o político não depende dos demais para se eleger. Argumentos úteis são o que não falta na folclórica política brasileira.

Principalmente quando o Judiciário precisa, ou quer, abrir exceções. Pois ninguém é de ferro.

Por falar em tribunais, a recente decisão do Supremo ao homologar a frondosa anabolização do fundo eleitoral sugere uma reacomodação do “sistema”. De repente, a explosão das verbas públicas para partidos e candidatos deixou de provocar indignação, e no novo clima os ministros sentiram-se confortáveis para declarar alto e bom som que seria um absurdo o Judiciário meter-se excessivamente nos assuntos da alçada do Legislativo.

Sim, é isso mesmo que você acabou de ler.

Se conectarmos os dois pontos abordados acima, notar-se-á que o cofre cheio para campanhas eleitorais não deixa de ser, ao menos na teoria, um belo fator de atração de quadros na janela de trocas. O financiamento empresarial está proibido, o privado só rende uns caraminguás, então quem tem mais dinheiro público para investir na eleição tem mais argumentos para atrair gente boa de voto. Também aqui funcionam as leis de mercado.

Na política, a pergunta-chave sempre é “quem detém o poder?”. Os anos recentes assistiram à profusão de leis e decisões judiciais supostamente inspiradas pela vontade de aperfeiçoar a democracia. E qual é a resultante? Uma estrutura orgânico-monetária controlada de modo absolutista pelos presidentes de partido, figuras abarrotadas de dinheiro proveniente dos impostos, mas que não precisam prestar contas políticas a ninguém.

Pois a montanha de recursos para as legendas não vem acompanhada de exigências relacionadas à democracia interna. Não precisam fazer prévias para escolher candidatos. Podem ficar a vida inteira no cargo. Podem ir tocando o partido só com base em comissões provisórias, sem diretórios. Podem manter a estrutura partidária na coleira indicando apaniguados para os cargos-chave. E podem decidir que candidatos recebem mais dinheiro.

Eu dizia que cada escândalo dos últimos anos foi uma janela de oportunidade para todo tipo de gênio propor mais uma fornada de leis e regimentos para “aperfeiçoar o modelo”. Foi também a deixa para juízes legislarem, “devido à omissão do Legislativo”. O resultado está aí.


====================

Publicado na revista Veja de 16 de março de 2022, edição nº 2.780

sábado, 5 de março de 2022

O primeiro obstáculo

Há três momentos-chave neste processo eleitoral brasileiro: 1) a janela de trocas partidárias e o prazo de filiação, 2) as convenções e 3) a eleição propriamente dita. Pode haver um quarto, o segundo turno. E um requisito fundamental é o candidato chegar com expectativa de poder a cada uma dessas barreiras, para ganhar impulso ou, no mínimo, evitar a lipoaspiração, a cristianização.

Por fortuna ou virtù, ou um pouco das duas, Jair Bolsonaro alcança o primeiro obstáculo transmitindo a sensação de estar se recuperando nas pesquisas. A intensidade dessa recuperação e a própria existência dela podem ser debatidas, mas na política vale a percepção. E a percepção disseminada neste momento é o presidente não ser carta fora do baralho para outubro. Algo decisivo para contrabalançar pressões centrífugas.

E para atrair gente às legendas que apoiam Bolsonaro.

As razões da recuperação – ou da percepção de recuperação – são essencialmente três: 1) uma tendência recente leve, porém contínua, de retomada dos empregos, 2) a estabilização do novo patamar de programas sociais e 3) a normalização da Covid-19. Começando por este ponto, as mortes pelo SARS-CoV-2 ainda se contam em centenas ao dia, mas o clima é de liberou geral. O não-Carnaval deve ter sido o canto de cisne da “cultura do lockdown”.

A regularização das atividades impulsiona a economia e os empregos, tudo turbinado por mais dinheiro no bolso dos pobres que recebem o Auxílio Brasil. Claro que a grande massa do Auxílio Emergencial ficou fora do programa, mas, aparentemente, a expansão do mercado de trabalho vem oferecendo uma “porta de entrada”. A soma de vetores dá um respiro ao presidente da República.

A percepção de competitividade de Bolsonaro no mano a mano com o hoje favorito Luiz Inácio Lula da Silva não chega a ser um problema imediato para este, mas é um problemão para a terceira via, pois esta depende de dois fatores: 1) uma confluência em torno de alguém e 2) a degradação da expectativa de poder do incumbente. Pois seria um raio em céu azul algum “terceirista” tirar Lula da parada.

Vai ser necessário acompanhar como transcorre a janela das trocas partidárias, depois ver que partidos formarão federações, as coligações estáveis por quatro anos e nacionalmente verticalizadas e vinculantes. Daí iremos ao segundo momento crítico, as convenções que definirão candidatos e apoios. Quatro anos atrás esse aspecto de coligações e apoios contou pouco. Será que o fenômeno vai se repetir?

Para tanto, precisaria aparecer um novo outsider. O mais bem ou menos mal posicionado é André Janones, que por enquanto não mostra tração. E o sistema político saiu do estado de ruína de 2018. E há na cadeira no Planalto um presidente candidato à reeleição, com a caneta na mão, e que precisa de tempo de televisão e rádio para mostrar o que fez e por que deve merecer mais quatro anos.