segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Tensão entre nacionalismo e globalismo é neutra, pois ambos os lados da política vivem a contradição

O futuro governo Bolsonaro coloca-se contra o globalismo, definido por ele como a exigência de subordinação das nações a instâncias supranacionais dominadas por vetores fora do alcance do processo político de cada país. O termo não deve ser confundido com “globalização”, que é o novo nome de velhos fenômenos, bem descritos há um século por Rudolf Hilferding.

As duas coisas estão relacionadas, mas não são a mesma coisa. A essência do antiglobalismo, quando podado de seus aspectos patológico-conspiratórios, é o “aqui mandamos nós”. Associa-se ao chamado “populismo de direita”. Até pelo menos a passagem do milênio era o contrário: quem levantava a bandeira da luta contra a globalização era a esquerda.

Em algum momento isso mudou, e a esquerda passou a defender uma globalização “de face humana”, e portanto passou a tecer amizade com instâncias que poderiam impor essa “humanização”. A globalização “humana” é outra tese descendente de ideias já com um século nas costas, e que quando nasceram provocaram igual polêmica. Lavoisier tinha mesmo razão.

O pilar central da política externa do governo Bolsonaro promete ser o bilateralismo. No quarto de século de hegemonia tucano-petista foi o multilateralismo. Era visto como o caminho natural de um país desejoso de ser potência, mas que só tinha o soft power para pôr na mesa. E o Brasil deu gás ao multilateralismo, para estar em turma na hora das confusões.

O problema -para a esquerda- é aquele mundo do pós-Guerra Fria estar saindo de cena. E a realidade anda mais com a cara do pré-Primeira Guerra. Velhas potências ameaçadas de decadência e incomodadas com a ascensão de novas. Na boa? Situações assim não se resolvem em fóruns internacionais. Um bom exemplo são os movimentos dos Estados Unidos.

Pareceu maluquice quando Donald Trump abriu guerra, ao mesmo tempo, com o Nafta, a China, a União Europeia e os acordos do clima. Dois anos e muito bate-boca depois, Canadá e México toparam refazer o Nafta, a China topou to buy american e a UE topou gastar mais com sua defesa. E os acordos do clima -eu aposto- vão ser revistos para facilitar o desenvolvimento.

Os críticos do bolsonarismo dizem, com razão, que é um risco o Brasil agir como os Estados Unidos, pois o Brasil não é os Estados Unidos. Contra esse argumento, o novo regime desloca-se para virar forte aliado de Washington, esperando usar a força do amigo quando o bicho pegar. É arriscado, mas o caso Khashoggi mostra que Trump valoriza os amigos. E os negócios.

O novo governo diz que está defendendo os interesses do Brasil quando se aproxima dos Estados Unidos. Isso poderá ser medido em resultados. Vamos aguardar. Mas por enquanto o argumento dificulta a vida dos críticos. Inclusive porque os mesmos críticos vêm de políticas que pareciam subordinar os interesses nacionais do Brasil ao tal globalismo hoje estigmatizado.

Em miúdos, o bolsonarismo está algo blindado das acusações de entreguismo porque a esquerda vem aceitando há algum tempo a caracterização ideológica de que nacionalismo é algo ruim. Se é fácil caricaturar Bolsonaro quando bate continência para John Bolton, mais difícil é dizer-se nacionalista e atacá-lo quando critica o Acordo de Paris.

Se será complicado para Bolsonaro rodar simultaneamente os pratos da soberania e do ultraliberalismo, tampouco será simples para a oposição atacar o pró-americanismo do novo regime e ao mesmo tempo fazer coro à necessidade de o Brasil seguir caninamente as diretrizes da globalização “humana”. Enquanto ficar assim, esse jogo não sai do zero a zero.

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Esta semana lanço o "Brasil em capítulos: um olhar sobre a politica, do impeachment à eleição de 2018". Reúne todos os meus textos do período. Espero você num dos eventos de lançamento:

4/12, 18h30, na Livraria da Vila em São Paulo, Rua Fradique Coutinho 915

5/12, 19h, na Livraria da Travessa no Rio, Av Visconde de Pirajá 572

6/12,19h, na Livraria Leitura em Brasília, Shopping Pier 21 Asa Sul


Obrigado pela audiência em 2018. E até 2019, se Deus quiser.

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Jogando para a plateia?

O bolsonarismo curtirá se o STF não se meter
nos assuntos caros à agenda bolsonarista


No debate político em terras brasileiras, a objetividade perdeu-se como cachorro que cai do caminhão da mudança. Esta semana o Supremo Tribunal Federal avançou para ajudar o presidente eleito a retomar o poder moderador. E recebeu uma batelada de críticas vindas... dos eleitores do presidente eleito!

O STF está a ponto de decidir que as atribuições exclusivas do presidente, segundo a Constituição, continuam sendo exclusivas do ocupante do Planalto. Vai reafirmar que o presidente pode indultar condenados pela Justiça como bem entender. Vale para o tema específico, mas dá pistas também de um critério geral.

A eleição mostrou que o Brasil está cansado da desordem. Um dos focos da bagunça é cada instituição de Estado atribuir-se os poderes que bem entende, reescrevendo ou reinterpretando a Carta conforme convém. Um “processo constituinte” deformado e caótico, que paralisa. Freios e contrapesos tão bons que não se consegue governar.

A racionalidade política virou mesmo um bem escasso no Brasil. O bolsonarismo das redes está furioso porque o STF vai abrir mão de se meter no caso do indulto. Se raciocinassem, notariam que isso é bom para o novo regime. Pelo simples motivo de que este tem, vejam só!, a presidência da República e a maioria do Congresso.

Quem ganha se Judiciário e Ministério Público aceitarem que o Congresso faz as leis e o Executivo governa? O governo e a maioria do Congresso. Quem tem interesse em estender a mecânica em vigor, na qual o MP e a Justiça se estabeleceram como concentradores de todos os poderes da República Federativa do Brasil?

É o óbvio ululante rodrigueano. Coisa que anda fora de moda. Mas vamos tentar pensar. O que será melhor para o bolsonarismo? Que temas como aborto, legalização das drogas, meio ambiente, demarcação de terras indígenas e porte de armas sejam decididos pelo Legislativo, em parceria com o governo, ou pela dupla Justiça-MP?

Hoje, os ministros-ativistas do STF são aplaudidos nas ruas porque ignoram os dispositivos legais e constitucionais que, segundo o pensamento médio, “atrapalham a luta contra a corrupção". Mas onde passa um boi passa a boiada. Já se sabe, desde os “Versos íntimos”, que o beijo, amigo, é a véspera do escarro. #FicaaDica.

E Jair Bolsonaro? Ele disse que se o STF confirmasse o indulto de Michel Temer, seria o último. Depois ajustou, dizendo que seria o último tão generoso. Ganhará dinheiro quem apostar que, uma vez no leme, o presidente ajustará ainda mais. Como já mudou em outras teses, quando fica claro que a ideia original mais atrapalha que ajuda.

Mas talvez haja um motivo para Bolsonaro chatear-se. Talvez ele esteja lendo a decisão do STF como a reafirmação de que o tribunal tem a ultima palavra, mesmo quando for para decidir que não quer ter. Meio circular, mas paciência. Presidente pode muito, mas não pode tudo. Ou talvez Bolsonaro esteja apenas jogando para a plateia.

Vida que segue. O Brasil parece convencido de que encarcerar em massa e enfrentamento militar do crime vão resolver problemas como a corrupção e a falta de segurança. Neste momento político, isso ajudou e está ajudando uns. Mais adiante, quando os custos e os resultados ficarem mais nítidos, o vento talvez mude. No México mudou.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

“Escola sem partido” traz risco para o governo e é oportunidade para a oposição

Certas ideias infiltram-se no debate público cheias de lógica, apenas para fracassar mais adiante, por total inviabilidade. E esse percurso não é neutro, costuma lançar na coluna de perdedor quem nelas investiu capital político. Foi assim com o “controle social da mídia" proposto pelo PT. Pinta ser assim com o “escola sem partido” anabolizado pelo bolsonarismo.

O PT passou década e meia no governo falando no “controle social da mídia”, e colheu só desgaste. Não conseguiu implantar qualquer tipo de controle, mas deu gás às teses de que o objetivo último do partido é acabar com a liberdade de imprensa, como praticada em países como o nosso. Não foi só por isso, claro, mas também por isso deu no que deu.

O “escola sem partido” ensaia ser para o bolsonarismo um ponto focal de organização política e intelectual dos adversários, que agora terão a vantagem de desfraldar a bandeira da liberdade. Uma vantagem e tanto. Outra notícia boa para a oposição: ao contrário do PT e seu “controle social da mídia”, talvez haja votos para passar a coisa no Congresso Nacional.

Pois o desgaste que o novo governo vai colher com o debate parlamentar do “escola sem partido” nem se compara à corrosão que sofrerá com as tentativas de implantar na vida real, se virar lei. Em primeiro lugar, por oferecer ao STF a oportunidade de manifestar mais uma vez seu poder, e agora como guardião das liberdades e garantias fundamentais da Constituição.

Mas não só. Melhor ainda será, para a oposição, se o STF deixar passar. Aí a guerra se espalhará pelas escolas e universidades, e assim ganhará amplo espaço na imprensa. E vai ser uma guerra perpétua, pois, como no “controle social da mídia” do petismo, inexiste em projetos como o “escola sem partido” qualquer possibilidade de adotar parâmetros objetivos.

Como medir a “doutrinação” aceitável na difusão das ideias? Boa sorte a quem tentar descobrir. Um monarquista empedernido se revoltará contra a tese de as revoluções francesa e americana terem sido saltos adiante no processo civilizatório. Um socialista clássico se rebelará contra a tentativa de enquadrar o socialismo na categoria de “totalitarismo". E então?

E quando o debate passa a ser sobre religião? Uma escola vinculada a determinada crença tem todo o direito de dizer aos alunos que o critério de certo e errado, de verdade e mentira, foi estabelecido pelos textos sagrados dela. E também de informar que dúvidas sobre a atualidade das regras devem ser dirimidas com representantes da respectiva hierarquia religiosa.

Mas se, por exemplo, escolas católicas devem poder ensinar aos alunos que Jesus Cristo foi o Messias, as judaicas também devem poder contestar que não. E as de fé islâmica devem ter toda a liberdade de defender que Jesus foi apenas um profeta, e não filho de Deus, ou Deus. E se os pais não concordarem? Ou explicam em casa que não é bem assim ou trocam de escola.

“E nas escolas públicas?” Bem, aí só há duas possibilidades: 1) ou cada professor tem liberdade para ensinar ou 2) estabelece-se uma ideologia oficial. São os dois sistemas conhecidos. Toda tentativa de achar um terceiro fracassou. O “escola sem partido” só seria viável no segundo. E seria um desafio brabo num planeta digitalizado e interconectado em tempo real.

Radicalizar na agenda dita “comportamental” vai ser tentação, na impossibilidade de apresentar resultados econômicos instantâneos. Será uma maneira de manter coesa e energizada a base social do bolsonarismo, pois talvez as circunstâncias da economia obriguem a recuos nas agendas da política externa e ambiental. Mas também vai ser oxigênio para a oposição.

Assim será com o “escola sem partido”. Se o governo for esperto, dá um jeito de dizer que está fazendo e ao mesmo tempo desidrata a coisa até a irrelevância. Deixa pra lá. Mas talvez falte ao ideologicamente coeso governo bolsonarista, todo imbuído do sentido de missão, o passarinho na gaiola na mina de carvão. O que quando morre dá o sinal de perigo.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

A oposição está dividida. Mas o que isso importa para o governo Bolsonaro?

A oposição ao governo que vem aí em 2019 está por enquanto dividida. O PT saiu da eleição inteiro mas emagrecido e isolado, o que parece se refletir nos primeiros movimentos pela formação de blocos na Câmara e no Senado. Já o resto da oposição leva jeito de ter como único ponto de convergência a recusa ao PT continuar liderando o chamado “campo progressista".

Claro que se deve dar o desconto às chamadas flores do recesso. Assuntos que pipocam na imprensa quando as instituições da capital estão em férias. O jornalismo não pode simplesmente dizer “caro leitor (ou espectador), não há nada de importante acontecendo, voltaremos quando houver notícia". Padaria e jornalismo precisam oferecer sempre produtos frescos.

Mas a divisão do espectro oposicionista não é só flor de recesso. As dificuldades políticas e jurídicas do PT estimulam apetites, e é do jogo. E 2022 está logo ali. Para ambos os lados. O presidente eleito diz que não pode afundar, pois o Brasil afundaria junto. O que ele quer dizer aos aliados: “se vocês não me apoiarem nós podemos perder a próxima eleição".

Depois de três décadas e tanto no sereno, a última coisa que passa pela cabeça da direita é devolver o governo à esquerda -e é natural que apresente essa possibilidade como uma antevisão do apocalipse. Já na esquerda, as pedras no caminho, tanto do novo governo quanto do PT, estimulam naturalmente a frase que todo político pronuncia com igual facilidade: “por que não eu"?

O que será melhor para Bolsonaro? Uma oposição unida ou dividida? O senso comum manda cravar a alternativa “b”. É aritmético. Mas cuidado: o senso comum e a aritmética são úteis para resolver quase todo tipo de problema, só não são suficientes quando se trata de solucionar os enroscos mais importantes. #FicaaDica.

Nos anos 1970, a esquerda brasileira estava dividida sobre como combater os governos militares: pela via armada ou pela chamada via política, ou pacífica. Bem, depois de liquidar as guerrilhas urbanas e rurais o regime foi com tudo para eliminar a esquerda que recebia o apelido de “reformista”. Na época, aliás, ainda era pejorativo ser chamado assim.

Os grupos guerrilheiros ameaçavam o establishment político-militar nascido em 1964, claro. Mas a participação ativa dos comunistas no MDB, então único partido de oposição, também incomodava. Daí por que o poder não estacionou quando liquidou as guerrilhas. Apenas partiu para uma nova etapa de combate, na qual eliminou, literalmente, boa parte da direção do PCB.

Não comparo as situações, apenas a lógica que comanda os personagens. Até porque a guerra é a continuação da política por outros meios, sabe-se bem. Há mais exemplos. Tancredo Neves criou um partido mais moderado que o MDB na entrada dos anos 80. Mas teve de voltar ao PMDB quando o governo militar mudou as regras eleitorais exatamente para dificultar a vida dos... moderados!

Governos não gostam de oposições. Porque o objetivo fundamental de todo governo é continuar, e a meta central de toda oposição é tomar o lugar de quem está no governo. E governos incomodam-se quando dependem de uma oposição moderada para formar maiorias. Nenhum governo gosta de depender da oposição. Pois a mão que afaga é a mesma que apedreja.

Ainda mais quando o governo tem fortes propósitos ideológicos, como parece ser o caso. As metas são ambiciosas. Além de retomar o crescimento econômico e o emprego, pretende-se promover uma ruptura cultural. E não apenas conter os chamados movimentos sociais, mas esmagá-los. Que utilidade terá nesse caso para o governo uma oposição de esquerda moderada? Pouca.

Bolsonaro enfrentará oposição social cerrada, que naturalmente resultará em oposição política cerrada. Precisará portanto de uma maioria congressual fiel, e num ambiente em que negociar à moda antiga com os partidos perdeu o pouco de legitimidade que tinha na opinião pública. Por isso prefere reunir forças com base em interesses econômicos e culturais.

Se vai funcionar é outra história. Mas parece que ele vai pagar para ver, num primeiro momento. E isso significa continuar polarizando. O que deixa por enquanto pouco espaço para a conciliação. Que talvez venha quando, e se, o governo perder musculatura. Por enquanto, será mesmo Fla x Flu.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

sábado, 17 de novembro de 2018

A disputa não é por ideologias, é sobre o que fazer no cenário global de ascensão da China

Em agosto, quando a eleição começava a esquentar, veio ao Brasil o secretário (lá ministro chama assim) de Defesa dos Estados Unidos, Jim Mattis. Por que a visita? Parte do esforço de Washington para conter a expansão da influência chinesa. Isso não é suposição, ou dedução: ele mesmo fez questão de afirmar.

No governo de Donald Trump, a contenção da China ombreia com a contenção do Islã político na lista de prioridades em política externa. E há dois séculos os EUA olham as terras do Alasca a Ushuaia pelas lentes da Doutrina Monroe, “América para os americanos”. A conclusão é imediata.

Na teoria, os “americanos” de Monroe não são só os do norte, mas todos os habitantes entre o Estreito de Behring e o Canal de Beagle. Na prática, dada a brutal desproporção entre os Estados Unidos e os vizinhos, a doutrina reserva o território à influência norte-americana, excluindo da denominação o Canadá e o México.

É esperado portanto que em períodos de disputa aberta da hegemonia Washington aperte o torniquete por aqui. Foi assim nas pressões sobre Getúlio Vargas na Segunda Guerra e na deposição de João Goulart, acontecimento que aliás só é explicável no contexto da Guerra Fria deles contra a União Soviética.

No front externo, Bolsonaro precisaria absorver ao menos em parte a sabedoria de Getúlio. O único erro que o líder da Revolução de 30 não podia correr na Segunda Guerra era terminar encaixotado do lado errado da história. E não cometeu. Pendulou, mas alinhou-se aos vitoriosos a tempo, e com ganhos materiais para o Brasil.

Nações com capacidade limitada de projeção de poder, hard ou soft, precisam de governantes com frieza, cinismo e inteligência para pendular sem arriscar o pescoço, o deles e o do país, e timing para alinhar no lado e momento certos. Assim é também quando se olha a disputa agora de hegemonia entre Estados Unidos e China.

A China é o contendor mais formidável que os EUA já tiveram, se não globalmente ao menos por aqui. Apenas para pegar os últimos cem anos, nem alemães nem soviéticos tinham em escala parecida as duas mercadorias que os chineses têm em abundância e oferecem aos países da América do Sul: capitais e mercados.

O principal nó da política dos EUA para as Américas é desejar reduzir a influência chinesa aqui quando, ao mesmo tempo, Trump impulsiona ali o buy american and hire american. Resta o quê? Os laços civilizatórios que unem os americanos do norte, do centro e do sul. E principalmente a força militar.

É visível que os Estados Unidos estão empenhados em fortalecer e impulsionar governos amigos na região. Mas há o detalhe: numa era em que os países sul-americanos mantêm eleições periódicas, o esforço americano para conter o soft power do dinheiro e do mercado chineses só se pagará se trouxer resultados aqui.

Pode-se gostar ou não do que escreve o novo chanceler, Ernesto Araújo, a respeito do papel de Trump na defesa do que chama de Ocidente. Lá na frente, entretanto, a política externa do governo Bolsonaro será julgada pelos resultados materiais que o Brasil vai colher da aproximação com a Casa Branca.

O presidente eleito tem o direito de desconfiar da penetração maciça de capitais chineses no Brasil. Mas precisará apresentar alternativas. Precisará mostrar que sua política externa abriu mercados a atraiu capitais para impulsionar o avanço das empresas brasileiras e melhorar a vida dos trabalhadores brasileiros.

Ao fim e ao cabo, o que o novo chanceler escreveu em seus artigos e seu blog ficará apenas para análise dos historiadores e dos acadêmicos. Porque, como dizem os americanos, at the end of the day os resultados materiais serão o parâmetro para saber se a política externa da dupla Bolsonaro-Araújo deu certo ou errado.

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Alinhamento aos EUA: o prêmio e o risco

Sempre é bom recordar que “os EUA
não têm amigos nem inimigos, têm interesses”


O futuro chanceler é alguém 100% alinhado politicamente com o presidente eleito, e não há surpresa nisso. É natural que o Itamaraty implemente uma política externa coerente com a linha geral de governo. E quem dá a linha é o chefe do governo. Ou sua coalizão, quando o primeiro precisa ceder poder para a segunda.

Um aspecto humorístico sobre a futura gestão são os seguidos e compungidos apelos agora para que se faça um estelionato eleitoral de proporções. Bolsonaro elegeu-se prometendo condução econômica ultraliberal, dureza contra o crime, guerra total contra a oposição e política externa pró-ocidental. E até agora não há novidades.

Aí vêm os “apelos à razão", na linha Perry White. Talvez por má-consciência. Pedem que Bolsonaro se desloque “ao centro". Talvez ele entenda esse conselho como vindo do “amigo da onça”, já que o centrismo foi varrido do mapa na eleição. Não. O foco do bolsonarismo nesta véspera de tomar formalmente o poder é “energizar a base".

E se seguir o exemplo de Donald Trump, a referência explícita do novo chanceler, Bolsonaro continuará fazendo isso depois de 1o. de janeiro. Manterá mobilizado e coeso o núcleo duro do seu eleitorado. O contrário do que fez Dilma Rousseff após a reeleição. Sabe-se como o governo Dilma terminou. Então talvez faça sentido.

Tudo é bonito nos dois meses entre a vitória eleitoral e a realidade árida de governo. Ainda mais se a sorte ajuda. No debate sobre a política externa, agora, ela está ajudando. Os “apelos à razão” do fantasmagórico centrismo apenas reforçam os argumentos da política exterior do novo regime saído da urna.

O ponto central dos que criticam o que chamam de voluntarismo da anunciada nova política externa é o Brasil não ter densidade comercial, diplomática ou militar para simplesmente fazer o que dá na telha. Um exemplo é o suposto risco de perda de mercados para nossos produtos agropecuários, em particular a carne.

Ora, se a premissa é verdadeira, se o Brasil sozinho não tem força para movimentar-se de acordo com os próprios desejos, então, vejam só, faz sentido alinhar-se a alguém com peso específico suficiente para, digamos, dar-nos proteção. E os Estados Unidos da América são o único player do hemisfério com essa mercadoria para entregar.

Uma alternativa, ainda que precária, seria apoiar-se nas instituições plurinacionais regionais. O problema: elas estão em frangalhos. Pode-se discutir por que se chegou a isso, mas os fatos são os fatos. A Unasul (União das Nações da América do Sul) e o CDS (Conselho de Defesa Sul-Americano), por exemplo, não contam mais.

Outra opção seria pedir que a influência russa e chinesa, parceiros de Brics, contrabalançasse a hegemonia norte-americana. Será? O Brasil não é prêmio tão apetitoso para os russos abrirem agora uma nova pendência com os EUA. E a projeção de poder chinesa por aqui é na base do “soft power” do dinheiro. Não pretendem entrar em dividida.

Engenharia de obra feita é fácil, mas talvez se o governo do PT tivesse seguido uma linha mais getulista (equilibrar-se no arame para atravessar o despenhadeiro), como faz por exemplo o governo de esquerda do Uruguai, talvez o desfecho tivesse sido outro. Nunca saberemos. E agora a melodia mudou. E muito.

O risco maior do alinhamento bolsonarista com Washington é o parceiro deixar de entregar a mercadoria, se convier. Leopoldo Galtieri aprendeu a lição nas Malvinas, e pagou um preço alto. Ao invadir as ilhas, ele provavelmente esquecera que os americanos “não têm amigos nem inimigos, têm interesses" (DULLES, John Foster).

#FicaaDica.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

A administração da política vai ser complicada, também porque “as instituições estão funcionando”

O novo presidente encontrará algumas condições boas. A economia ensaia uma recuperação, devagar mas recuperação. O desemprego também declina, ainda que muito lentamente (suspeita-se que 10% de taxa de desemprego tenha virado estrutural). O apoio empresarial e militar é maciço. A imprensa fará algum barulho, e só. A oposição vem isolada e dividida.

Há constrangimentos? O principal é a situação fiscal, especialmente de estados e municípios. Mas quanto mais gente um problema ameaça, maior o estímulo para encontrar saídas. Há também as expectativas difíceis de realizar, como na segurança pública. Uma vantagem: as pesquisas disponíveis mostram que a população não espera soluções instantâneas.

O nó mais difícil vem, é claro, da política. Bolsonaro tem amplo apoio potencial no Congresso, pelo menos 60% da Câmara e Senado. O risco? Está na palavrinha “potencial”. Apoio programático genérico e difuso não resolve. A sustentação política de qualquer governo precisa ser organizada, colocada para rodar e administrada na sintonia fina. E 24x7 por todo o mandato.

Nisso, as condições que ele encontra são notavelmente piores que as dos antecessores. Depois de três décadas de demonização da política parlamentar, e de quatro anos de blitzkrieg, “a sociedade” concluiu que governante bom não divide poder com ninguém. E que oferecer posições governamentais por apoio no Congresso é crime passível de pena de morte política.

Apesar de as pesquisas mostrarem certa preferência majoritária pela democracia, as últimas eleições revelaram uma interpretação peculiar do que deva ser essa “democracia”, na tradução prática: eleger diretamente alguém com poderes quase ditatoriais. Infelizmente, para quem pede isso, e desculpem o chavão, “as instituições estão funcionando".

E as instituições funcionaram a pleno vapor esta semana em Brasília. Judiciário e Senado acertaram-se para este último aprovar um belo reajuste (ou reposição) salarial para os ministros do Supremo Tribunal Federal e o procurador-geral da República. Ah, sim, os ministros prometeram que, recebido o aumento, vão reanalisar agora os critérios do auxílio-moradia. Aguardemos.

Há muito tempo (está nos arquivos) previu-se que 1) as eleições tinham boa chance de dar num Bonaparte e, 2) chegando em Brasília, ele se defrontaria com a cobra de muitas cabeças de uma burocracia estatal empoderada após quatro anos de ofensiva de procuradores, juízes, auditores, policiais etc contra o alardeado principal problema do país: a corrupção dos políticos.

Em tempos normais, o reajuste do STF seria bloqueado no Congresso, se fosse a vontade do presidente. Mas qual é o estímulo hoje a que o Legislativo seja solidário com o Executivo? E qual é o estímulo a que o Congresso recuse uma reivindicação da Justiça? Zero e zero. Desculpe citar de novo o velho Eça, mas as consequências teimam em vir depois.

Vamos ver como Bolsonaro desata o nó. O primeiro movimento-chave será dar um jeito de não perder na disputa das presidências da Câmara e Senado. Não precisa necessariamente ganhar, apenas não pode se dar ao luxo de perder. Sem o comando das casas, desintermediar a relação com os parlamentares vira bumerangue, pois os líderes estarão na tocaia.

O segundo movimento? Aproveitar a largada para avançar na agenda. Mas, com o tempo, ou o governo se abre ou vai perder velocidade. Agenda legislativa ambiciosa é bonita na campanha eleitoral, nos elogios em editoriais, nos discursos e artigos. Na vida real, o custo é o governante depender mais dos representantes do povo, e dos estados, no parlamento.

Nas condições atuais, ou Bolsonaro acerta-se com o Congresso alguma hora ou há o risco razoável de acabar atolando. Ou então lipoaspira a agenda. Mas isso teria forte impacto negativo no eleitorado bolsonarista, nas elites e no povão. Nos EUA, Trump só continua a navegar porque mantém reunida sua base em torno da agenda nacionalista e conservadora.

Óbvio que há sempre a opção de acreditar na mobilização popular para impor as coisas a um Congresso cercado. Veremos até quando o governo resistirá à tentação, até quando terá paciência com as instituições que “estão funcionando".

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

O “governo técnico” e o “presidencialismo de coerção”: as novas fantasias do imaginário político brasileiro

Todo governo é político, ainda que negue
Confiar no medo que a polícia põe nos políticos é arriscado


Algumas coisas foram mesmo novidade nesta eleição. A vitória de um candidato com pouco tempo formal no horário eleitoral, a larga supremacia da direita sobre a esquerda no segundo turno, o livre trânsito para as ideias liberais, o fim da vergonha de defender a ditadura militar. Não faltaram novidades.

Entretanto, outras anunciadas originalidades ainda precisam ser mais bem verificadas. Bolsonaro não foi o candidato de um partido pequeno, o PSL. O partido informal que o elegeu foi superparrudo, agregando ampla coalizão empresarial, religiosa e militar. E congressual. Esta foi a eleição das cristianizações.

Outra tese cuja repetição exaustiva infelizmente não chega a ser uma demonstração: as redes sociais teriam suplantado a mídia clássica. As redes foram sim vetor fortíssimo de mobilização, mas não há ainda qualquer prova de que os eleitores tenham formado convicção principalmente pelo material que receberam no whatsapp.

Por falar em repetição, outra tese bem martelada é que Bolsonaro está montando um gabinete sem olhos nos partidos. Não é fato. Estão e estarão bem representados no governo o PBR (Partido da Bancada Ruralista), o PLJ (Partido da Lava-Jato), o PMR (Partido dos Militares da Reserva) e o PEMAL (Partido da Economia Mais Liberal). Pelo menos.

Legendas não registradas no TSE, mas e daí? Quem ajuda a eleger ajuda a governar. A realidade não é refém dos cartórios. Por isso, o ministério Bolsonaro talvez seja o mais político de tempos recentes, na acepção da palavra. Claro que falta coordenar isso com o Congresso. Mas, como diria o Marcelo Adnet imitando o Geraldo Alckmin, dá pra fazer.

Pode resultar errado? Claro. Não há originalidade em apostar que as coisas darão errado entre nós. Mas é preciso esperar. Inclusive porque o Congresso brigar com o governo novo em folha nunca é inteligente. E, como se aprende em Brasília, aqui não tem bobo. Se tem algum bobo, deve ter ficado em alguma suplência, e olha lá.

Outra hipótese cuja inteligência ainda está por demonstrar é que os políticos vão aderir ao governo por medo de serem perseguidos pelo novo ministro da Justiça, Sergio Moro. Antes de tudo: quase metade dos eleitos ao Congresso não estavam ali nos últimos quatro anos. E a maioria dos reeleitos vêm atravessando ilesos a fogueira repressiva.

É ingenuidade achar que o ministro da Justiça vai mandar no Ministério Público, ou mesmo nas investigações da Polícia Federal. E mais ingenuidade ainda achar que Moro vai arriscar seu capital político operando o cargo pela lógica da impunidade seletiva. A lógica do “vota comigo que eu te protejo". Não faz sentido, para ele ou para o Planalto.

E como votar os assuntos de interesse do governo? Vamos aguardar. O governo será popular na largada e terá o orçamento. E mesmo isso pode ficar algo congelado no começo. No primeiro ano, 2003, Lula deixou para executar emendas parlamentares bem no final, quando o Congresso já tinha aprovado coisas importantes para o presidente.

Tudo pode dar errado, principalmente com o passar do tempo, mas é bom não colocar a carroça na frente dos bois.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Desafios respectivos do novo governo e da nova oposição: atacar o déficit e buscar uma identidade

O primeiro desafio do futuro governo Bolsonaro é dar sinais de que vai enfrentar rapidamente o déficit primário, no qual o governo Temer vem sendo recordista. Seria uma luz não apenas para as finanças, mas também para o mundo político. Mostraria que Paulo Guedes não é um fusível do presidente para os primeiros tempos, que a aliança entre ambos tem consistência.

Quando se escreve “enfrentar”, não se leia “resolver”. O que as forças bolsonaristas na sociedade, especialmente nas camadas mais bem postas, esperam não é um milagre de Natal nas finanças públicas, mas a indicação clara de o trem ter saído da estação. O andamento da reforma da previdência social será o sinal de que a composição finalmente passou a rodar.

Qualquer governo mexeria na previdência, e este vai mexer. Ela tem dois problemas fundamentais: 1) o aumento da expectativa de vida e 2) o paraíso previdenciário particular dos servidores públicos, com destaque para as chamadas “carreiras de Estado”. Dois vespeiros. O primeiro é bolir com o povão. O segundo é cutucar um núcleo duro do bolsonarismo.

O ideal para Bolsonaro seria resolver isso antes de receber a faixa. Uma reforma da previdência que ao menos clareasse o caminho para os próximos anos. O problema menor: associar-se ao impopular Temer na empreitada. O risco maior: e se tentar e perder? Um pavor de governos novos é nascerem velhos. O presidente certamente não vai, no popular, querer pagar o mico.

Então a tática repousará na aritmética. Para o governo eleito, trata-se apenas de contar votos. E governos novinhos em folha têm gás para juntar gente no Congresso Nacional. A moeda-padrão das negociações políticas ainda não se desvalorizou. A promessa e o compromisso ainda estão com a credibilidade intacta. Ainda não foram corroídos pela inflação da vida real.

Além do mais, o governo tem um amplo estoque potencial de votos congressuais maduros, apenas esperando pela colheita. O PSL exibe só meia centena de deputados, mas o bolsonarismo lato sensu pode facilmente reivindicar três quintos da Câmara. E conta também com a boa vontade de um pedaço da oposição ansioso para exibir uma atitude, digamos assim, construtiva.

O projeto político de reconstrução do holograma centrista está nítido: “apoio crítico” ao governo na agenda liberalizante e oposição cerrada nas políticas anti-identitárias, nas iniciativas ambientais e nas medidas ultrarrepressivas para combater a criminalidade. É o programa de um bloco que tentará se apresentar moderado, distinto da oposição de esquerda.

Esta também anda dividida, dada a disposição de uma parte de buscar caminhos que a libertem da subordinação ao PT. Por enquanto, a iniciativa parece ter alguma musculatura parlamentar. Um problema dela é o PT ter conseguido segurar seus votos na campanha eleitoral. Outro problema é como fazer “oposição construtiva de esquerda” a um governo Bolsonaro.

São elucubrações. Os fatos da vida costumam ser um santo remédio. Quando janeiro chegar, as forças políticas e sociais precisarão escolher entre duas opções: apoiar o governo ou opor-se a ele. O “centro” precisará de remédio para urticária pois se descobrirá colado ao bolsonarismo. E a esquerda não petista acordará do porre deitada na cama ao lado do PT.

E não é bom depender da estupidez alheia. É ilusão acreditar que o bolsonarismo vai assistir quieto à articulação de uma direita aguada e palatável a quem, tendo ajudado a vencer o PT, precisa agora de algo mais moderno para sair à rua. E é, desculpem, burrice achar que PT e PSOL vão se deixar isolar sem explorar politicamente o colaboracionismo dos rivais.

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Depois de um passo à frente, dois passos atrás. Nesta primavera (ou outono, conforme a preferência) de “rearenização”, é curioso notar o ressurgimento também da velha diferença entre oposição “autêntica” e “moderada". Os adeptos desta última lembram sempre que quem brigou mesmo foram os primeiros mas quem levou no final, com Tancredo, foram os segundos. Será?

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Acabou o mimimi

Perspectiva de “choque de capitalismo"
Plano inicial de voo sem políticos e sem luvas de pelica


Que a eleição deste ano selou o colapso da Nova República já se disse. Mas esse colapso ensaia ser mais amplo. Parece ter fim também o pilar central das políticas econômico-sociais pós-redemocratização: a ideia de promover inclusão social principalmente pelo redistributivismo via Estado.

As políticas sociais não vão acabar, mas sairão de moda. O pensamento econômico-social estruturante do novo regime é nítido: só mais capitalismo, e com menos amarras, será capaz de promover crescimento e prosperidade, inclusive para os mais pobres. Se vai funcionar, ou até quando, é outra história.

Na teoria, serão uma linha e uma agenda do agrado do mundo empresarial. Mas atenção: O “choque de capitalismo”, para funcionar, terá de atacar cartórios e benesses que sustentam o status quo na economia brasileira há décadas, ou há séculos. Aqui, como Fernando Collor na largada, talvez Jair Bolsonaro deixe a direita indignada.

Mas Collor não disse só isso, disse também que deixaria a esquerda perplexa. Acho que agora não vai acontecer, pois até as franjas mais moderadas da esquerda começam a perceber a disposição de combate e o plano estratégico do adversário. Vem aí um período de sofrimento operacional para a nova oposição.

Até porque o novo regime não perece muito preocupado com certas formalidades que estiveram em moda nas três últimas décadas, quando jogar o jogo democrático-parlamentar-institucional era visto como valor pela opinião pública e pela sociedade. Agora, o jogo mudou: a única regra é “não se faz omelete sem quebrar os ovos”.

O plano de voo inicial parece seguir dois “sem”. Sem políticos e sem luvas de pelica, que no jargão das hoje célebres redes sociais é o “sem mimimi". Vai dar certo? Dependerá essencialmente da economia, onde as perspectivas não são tão cinzentas, já que vivemos um início de recuperação, até certo ponto inevitável depois da recessão de 2015/16.

E a esquerda? Vai enfrentar um período operacionalmente difícil mas politicamente promissor. Também porque no novo regime, apesar dos muitos militares influentes, parece que ninguém leu Sun Tzu. Quando você não deixa uma saída para o inimigo ele vai multiplicar as próprias forças e a disposição de combate, para sobreviver.

*

Para já ir adotando a novilíngua dos novos tempos, as reclamações contra a nomeação de Sergio Moro para a Justiça serão recebidas como mimimi. Mais uma evidência de que certas formalidades e salamaleques da hoje velha Nova República deixaram de ter serventia e repousam no arquivo à espera apenas de algum historiador curioso.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Oportunidade de uma hegemonia estável na direita. E um olhar sobre as tendências do futuro.

2022 está mais visível a partir de 2018 do que 2018 visto de 2014. Naquele final de ano Dilma Rousseff fora reeleita e Aécio Neves era o principal líder da oposição e candidato natural ao Planalto. Mas havia uma crise econômica e uma LavaJato no caminho. Depois Dilma foi deposta, e não se elegeu ao Senado agora por Minas. Aécio teve de recuar para a Câmara.

Se não houver surpresas (como é perigosa essa premissa!), Jair Bolsonaro será candidato à reeleição sem desafiantes sérios na direita. Se houver surpresa, o nome virá do bolsonarismo. Podendo vir até da nova sublegenda bolsonarista, o PSDB. Os tucanos foram a Fênix do segundo turno, ao custo de mandar ao arquivo as últimas veleidades “de centro". Mas sobreviveram.

Bolsonaro não tem desafiantes na direita porque a velha guarda do bloco foi aposentada ou jogada às traças, e porque as novas estrelas podem todas concorrer à reeleição em 2022. Caso dos governadores de SP, RJ, MG e GO. Eis por que o novo presidente terá muita dificuldade se quiser acabar com a reeleição para já. Desarrumaria demais a coisa na base natural dele.

Vai saber... No Brasil nem o passado é previsível. Azar de quem vive de fazer previsão. Mas uma tem grande chance de emplacar: a opinião pública vai ser tomada por movimentações sobre uma oposição de centro ao bolsonarismo. Assunto que ocupará tempo e espaço até que sua anemia seja finalmente constatada. Não que isso vá impedir a continuação do sonho.

Acontecerá também na esquerda. Surgirão estímulos para alternativas não petistas. Se o PSB tivesse vencido em SP seria o pivô disso, e Márcio França estaria a caminho de disputar a vaga com Ciro Gomes. Mas perdeu. E Ciro? Dinamitadas as pontes, dependerá da condensação de um antipetismo de esquerda. Não parece muito promissor. Até porque o PT estará na oposição.

Mas vai saber... Hoje o centrismo anda em baixa pelo mundo. A última vítima desse declínio parece ser Angela Merkel, que se debate para continuar agarrada a um poder a caminho de lhe escapar. A crise de 2008/09 vem produzindo coisas parecidas com as trazidas pela sua velha parenta de 1929. Não que o desfecho vá ser o mesmo. Mas também é bom ficar de olho.

Para já, é provável que um bolsonarismo neoempoderado tente reduzir a influência do petismo no Nordeste. Por ser governo tem uma chance. Mas é erro achar que o Nordeste votou com o PT apenas por governismo. Aliás o PT nem governo mais é. O novo regime precisará de políticas concretas contra a pobreza e a desigualdade regional. Vai conseguir fazer sem dinheiro?

Também é provável que a esquerda cresça no Sul/Sudeste, graças inclusive a certos aspectos culturais algo caricaturais do bolsonarismo, e das características do caminho econômico proposto. A não ser que se consiga trazer crescimento econômico com forte criação de empregos de qualidade. Não tem sido a tradição por aqui nas últimas décadas. Mas quem sabe?

O certo é que uma hora o circo da agenda dita comportamental não mais será suficiente, e precisará aparecer o pão, lato sensu. O novo governo receberá uma camadinha de tolerância, mas ainda está por ser medido quanto ela durará. O bolsonarismo vai manter agregada sua base no curto prazo estigmatizando a esquerda, mas uma hora isso não mais bastará.

E tem a política externa. A tendência é uma melhor coordenação entre o Itamaraty e o Departamento de Estado, mas é ingenuidade achar que a atual orientação é responsabilidade do PT. Ela vem desde pelo menos os governos militares, e sobreviveu intocada a todo tipo de alternância após a redemocratização. A disrupção ali vai enfrentar resistência institucional.

É preciso saber quais as vantagens comerciais e outras econômicas que a Casa Branca está disposta a oferecer a Bolsonaro em troca de um maior alinhamento do Planalto. Bom estar atento, para saber disso, às eleições parlamentares ali mês que vem. Se elas reconfirmarem o poder de Donald Trump será um cenário. Mas e se não?

E nunca é prudente subestimar o nacionalismo entre nós. Ele anda meio démodé por causa do desgaste do petismo e da renovada atratividade de uma direita liberal. Mas o nacionalismo está por aí à espera das dificuldades da vida real. Esperando o “novo Brasil” encontrar seu primeiro inverno. Cuja chegada aliás é a única previsão com 100% de probabilidade de acerto.

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Para entender as (não) alianças do PT no segundo turno

Bolsonaro quer “varrer” o PT da política
Seria burrice. Mas outros pretendem beneficiar-se


O PT praticamente não conseguiu alianças no segundo turno. Se as urnas confirmarem as pesquisas, nem que aproximadamente, terá acontecido o seguinte: os votos de Ciro, Marina e Boulos terão ido inercial e majoritariamente para Haddad; os dos demais candidatos, espontânea e principalmente para Bolsonaro.

Aliás, mesmo que as urnas tragam uma virada do PT, ela acontecerá pela força gravitacional própria do petismo. A ideia de uma ampla “frente democrática” contra o bolsonarismo ficou no papel e nas declarações dos políticos. Simplesmente não aconteceu. Para usar uma expressão de Roberto Schwarz, foi uma ideia fora de lugar.

Por algumas razões. Uma delas: o bloco reunido pelo candidato do PSL nunca foi o inimigo principal da maioria das demais supostas “forças progressistas” em condição de disputar de fato a base social popular com o petismo; Lula e o PT sempre foram o adversário a derrotar. Pois as dificuldades de ambos acenderam ambições de hegemonia.

Nos anos 80 o PT beneficiou-se em algum grau por ter obtido sua legalização ainda no regime militar. As siglas históricas da esquerda só conseguiriam após a redemocratização. Não só nem principalmente por isso, mas também por isso, o PT acabou tendo certa vantagem na disputa da liderança em seu campo. Não tem bonzinho na política.

Para além da esquerda, há motivos históricos mais estruturais para uma “frente democrática” ser ideia fora de lugar. Um é a obsolescência final da premissa de haver um empresariado brasileiro ponderável disposto a alianças nacionalistas com o objetivo da coquista de mercados e influência globais, ou ao menos regionais. Um tema para outro texto.

Teorias à parte, o fato é que este segundo turno assiste às forças não petistas, da esquerda e do autodenominado centro, sentadas na arquibancada comendo pipoca, tomando refrigerante e aguardando o desfecho. Bolsonaro, inteligente, ofereceu nesta última semana mais um estímulo, declarou que seu plano é varrer o PT da política.

Se é inteligente dizer, talvez não seja tão inteligente assim fazer. Se Bolsonaro de fato ganhar, que vantagem haverá em trocar um adversário conhecido e sujeito a um potencial longo isolamento, o PT, por um desconhecido e reciclado? Talvez um “centro” liberal mais moderninho, ou uma esquerda reciclada e em nova embalagem.

Seria, desculpem, burrice. Mas a burrice também faz parte do jogo.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

A hora parece ser de alternância. Mas de que alternância? Do que o país está querendo se livrar?

A revolta contra a corrupção tem servido de combustível para as macroalternâncias de poder no Brasil do último mais de meio século. Em 1964 a intervenção militar anunciava-se com o objetivo de eliminar a subversão e a corrupção. Em 1985 repudiou-se a corrupção ligada à falta de democracia. Agora rejeita-se a corrupção associada à reprodução da política.

Mas é preciso algum cuidado na análise porque a troca de guarda, que atingiu especialmente o lado direito do espectro político, não teve como característica alavancar personagens que fizeram da luta anticorrupção o vetor principal de sua trajetória recente. A onda de degolas e esmagamentos, ao contrário, pegou muitos nomes das hostes anticorrupção.

Um detalhe curioso deste segundo turno é o ainda pouco impacto que acusações e revelações de irregularidades têm tido sobre o desempenho de alguns candidatos-surpresa, lançados ao palco pelo tsunami bolsonarista do final do primeiro turno. Há algum desgaste aqui e ali, mas nada que, por enquanto, tenha produzido onda em sentido contrário.

2018 é diferente de 1964 na metodologia: em vez de um golpe, eleições. Mas na essência ambas as situações são antagônicas a 1985: busca-se a ordem imposta pela autoridade, em vez de enxergar no modorrento jogo político democrático a saída para os impasses da economia e da vida cotidiana. A Nova República colapsa não apenas nos atores, mas na ideia em si.

Daí que o tsunami tenha trazido à praia não principalmente uma leva de combatentes da corrupção, mas uma onda de personagens simbólicos e de currículo ligado à imposição de autoridade, inclusive com o uso da violência. O próprio Bolsonaro é o exemplo mais nítido: o que em eleições anteriores seria visto como defeito hoje é louvado, ou ao menos tolerado.

Ainda falta uma semana para o segundo turno, mas se não vier outra surpresa fechar-se-á o ciclo da alternância. Não com o PT, e aliás o governo nem é mais do PT, mas com o sistema (re)inaugurado em 1985, onze anos depois de a Aliança Renovadora Nacional, a governista Arena, ter sido esmagada na urna pelo oposicionista Movimento Democrático Brasileiro.

Aliás o então regime só sobreviveu mais uma década a 1974 por causa de mudanças legislativas impostas para evitar alternância no poder. O casuísmo mais exuberante foi o Pacote de Abril de 1977. De um certo ângulo, a derrota eleitoral de 1974 foi o início do fim do ciclo. E, a rigor, a eleição deste ano é a primeira grande onda contra aquela de quase meio século atrás.

Na aritmética a Câmara tem três dezenas de siglas e o Senado duas dezenas. Na política os agrupamentos que tranquilamente fariam parte de uma “Arena” conquistaram de longe maiorias nas duas casas. O que corresponderia ao velho MDB (não o de agora) foi absorvido pela “rearenização". E a oposição a essa maioria está circunscrita à esquerda.

Em 1974 o maremoto antigovernista foi provocado principalmente pela decepção com a economia. O milagre econômico passara, a inflação estava de volta. E a população, claro, castigou o governo. Mas o governo tinha recursos para não cair, e com o tempo o eleitorado acabou trocando o regime. Com as acusações de corrupção de sempre turbinando a coisa.

Agora, depois de uma recessão de tempos de guerra nos governos Dilma e Temer em 2015/16, o eleitor foi à urna pela mudança. Varreu o autodenominado centro, talvez a representação mais paradigmática da Nova República. E circunscreveu a esquerda a um cercadinho. Para a alternância “da ordem”, escolheu o produto que estava disponível. Uma Arena do século 21.

Qual é o problema? Os governos que a Arena apoiava tinham à disposição forças praticamente ilimitadas para impor seu diktat. Em 2019 a ordem eleita deverá ser imposta por meio dos mecanismos constitucionais democráticos da Constituição de 1988, a que já cansou. Um eventual novo governo de direita, que parece provável, estará circunscrito a isso.

Pelo menos num primeiro momento, ou até a coisa ameaçar atolar. Uma característica da alternância de agora é a emergência de múltiplos entes estatais empoderados pelas ações contra a corrupção. Já escrevi aqui que o próximo movimento do novo Executivo deverá ser a (re)imposição do seu Poder Moderador. Tem número no Congresso para isso. Mas não basta.

Reescrevendo o Garrincha, vai ter de combinar com alguns russos.

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Como as acusações de financiamento ilegal da distribuição maciça de fake news batem na eleição

É improvável que a suspeita/acusação de caixa 2 empresarial para distribuição em massa de mensagens e fake news favoráveis à campanha de Jair Bolsonaro influa decisivamente no resultado da eleição daqui a pouco mais de uma semana. Principalmente se prosseguir a atitude de distanciamento dos veículos concorrentes do que trouxe a reportagem, a Folha de S.Paulo.

Mas é provável que, caso confirmada a vitória do candidato do PSL, o caso acabe pairando sobre a nova Presidência da República como ameaça jurídico-política potencial. A primeira reação dos advogados da campanha foi sintomática. Mais ou menos na linha de “sendo ou não verdade, não temos nada a ver com isso". Ou seja, uma linha essencialmente preventiva.

Desde a proibição do financiamento empresarial de campanhas supunha-se que esta eleição veria o crescimento da possibilidade de caixa 2. Mas era uma suposição. A confirmação do delito trazido na reportagem colocará o Judiciário em sinuca de bico: tomar providências, que teriam de ser drásticas, ou simplesmente deixar para lá para não interferir na escolha popular?

Governos podem sobreviver bastante bem a denúncias cabeludas, como FHC na compra de votos para aprovar a reeleição, ou cair lá na frente por coisas feitas antes mesmo de o eleitor ir à urna, como Nixon em Watergate. Depende do quê? De duas coisas: gordura para queimar na sociedade e um belo colchão de apoio no Congresso Nacional.

A formação da base congressual custará menos para Bolsonaro que para Haddad. A ampla maioria dos parlamentares eleitos terão bem menos dificuldade de explicar ao eleitor por que apoiam um governo do PSL do que para dizer por que sustentam uma administração petista. Pelo menos dois terços do Congresso colocam-se do dito centro para a direita.

Caso confirmem-se as pesquisas e ele suba a rampa do Planalto no Ano Novo, Bolsonaro deve contar com boas facilidades no Congresso num primeiro momento. Recorde-se que até Fernando Collor, sem quase nenhuma base própria, conseguiu inicialmente aprovar tudo o que quis. Inclusive o chamado “sequestro da poupança” para combater a superinflação.

Os problemas virão com o tempo. Na França, por exemplo, após uma largada fulgurante, Emmanuel Macron sofre com índices de rejeição comparáveis aos de seu impopular antecessor. Queda de popularidade não é inevitável. Vladimir Putin que o diga. Mas é sempre a aposta mais provável, ainda mais em países com graves problemas econômico-sociais.

Aí um eventual processo de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão poderá complicar o momentum governamental no Congresso, onde deverá estar em pleno esforço para aprovação de medidas estratégicas, como a imposição de idade mínima para aposentadoria e a unificação das regras de previdência para trabalhadores da iniciativa privada e do Estado.

Dada a atual correlação de forças políticas amplamente favorável ao bolsonarismo, é possível até que o novo poder consiga abafar e abortar o caso. Se não conseguir, a coisa ficará como uma espada pendente sobre sua cabeça. E as corporações estatais terão esse forte argumento adicional para dissuadir o novo governo de tentar atacar seus privilégios.

Pois será pouco provável que, caso não consiga matar o assunto no nascedouro, o bolsonarismo vá ter forças para enfrentar o Ministério Público e o Judiciário. Sem contar o custo político de impedir, já na largada, a formação de Comissões Parlamentares de Inquérito no Congresso Nacional. Como ficará nesse caso a promessa de “por fim ao toma-lá-dá-cá"?

Já para a provável futura oposição, o achado jornalístico, se minimamente confirmado, será o suficiente para contestar a legitimidade e a legalidade do novo poder. Será um ponto de apoio para a campanha interna e externa de desestabilização do que eventualmente chamarão de “regime bolsonarista”. O terreno na imprensa mundial já está arado.

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De todas as coisas que esta eleição vem mostrando como ultrapassadas, talvez a mais démodé seja a ideia da possibilidade de uma “frente democrática”. É prima-irmã da ilusão de haver um “centro” político, a ser disputado pela direita e pela esquerda. Ficção pura.

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Publicado originalmente em www.poder360.com.br

sábado, 13 de outubro de 2018

A natural superioridade e irrefutabilidade do que não aconteceu. Porque jamais poderá ser verificado

Um bom método para prevalecer no debate político é tomar como premissa algo que nunca poderá ser verificado, e portanto jamais será derrubado com argumentos factuais. O “se” não joga no futebol, mas na política costuma ter grande utilidade. “Se vocês tivessem feito tudo do jeito que eu disse para fazerem garanto que o resultado seria muito diferente.”

1) Uma alternativa moderada teria mais chance contra Bolsonaro

A tese é atraente, por um ângulo cartesiano. Se a esquerda estivesse apoiando o chamado centro, somar-se-iam os votos de ambos e a direita estaria em apuros. Um problema: esse tipo de candidato ou vem sendo amplamente rejeitado ou no mínimo enfrenta gigantesca resistência do eleitor de Norte a Sul. Vide Anastasia (MG), Paes (RJ) e Rollemberg (DF).

2) O PT teria mais chance se tivesse apoiado Ciro

Pode ser que sim. Mas também pode ser que Bolsonaro tivesse sido eleito no primeiro turno. Isso só não aconteceu porque o PT reteve praticamente todo o eleitorado dele. Quem pode garantir que o petismo transferiria 100% dos votos “Haddad é Lula” para Ciro, sendo que Ciro sempre fez questão de manter uma distância regulamentar, hostil até, do PT e de Lula?

3) Se Dilma não tivesse sido derrubada, o PSDB estaria muito bem

Também pode ser. Mas o PT já demonstrara desde 2006 que com a caneta sabe ganhar eleição presidencial. O PSDB foi prejudicado pela identificação com o governo Temer. Mas suas maiores dificuldades decorrem da #LavaJato e da fadiga de material, isto em São Paulo. No que os dois vetores estariam enfraquecidos se Dilma ainda estivesse sentada na cadeira?

4) Doria teria mais chance que Alckmin de ganhar a eleição

Esta até eu já escrevi. E teria mesmo, pois Doria é quase um Bolsonaro dos Jardins. Mas quando Doria se preparava para entrar na pista Bolsonaro já completara várias voltas. E Doria para presidente precisaria carregar o “fardo PSDB”, algo que claramente se transformou de ativo em passivo. E se Doria fosse tão competitivo não estaria sofrendo tanto agora em SP.

5) Márcio França é a prova da viabilidade do dito centro

Será? São Paulo é exceção. Como em 2012, quando a vitória de Haddad na prefeitura da capital mascarou o declínio do PT. E França vem tendo sorte, algo essencial. O nome mais bolsonarista, Doria, está de breque de mão puxado porque deixou a prefeitura. Mas segurou votos suficientes para impedir o arranque de um bolsonarismo puro, como no RJ e em Minas.

6) Alckmin errou ao atacar Bolsonaro. Deveria ter atacado só o PT

Antes da facada, as críticas de Alckmin a Bolsonaro vinham ajudando a elevar a rejeição ao nome do PSL. A tática parecia funcionar. Funcionaria o suficiente para tornar Bolsonaro alcançável pelo tucano? Ninguém pode garantir, pois dia 6 de setembro teve a facada. E o capitão ganhou duas semanas de trégua. O imprevisível é mesmo muito difícil de prever.

7) Ciro deveria ter aceitado a vice de Lula

Até porque seria imensa a pressão, interna e externa, sobre a direção do PT para que Ciro virasse candidato na saída de Lula. Mas e se desse errado? E se Ciro não aceitasse ser vice de Haddad, renunciasse e abrisse uma crise no lançamento da candidatura petista? Provavelmente, sabe-se agora, Bolsonaro teria caminho livre para ganhar no primeiro turno.

8) O dito centro deveria ter se unificado em torno de um único nome

A dispersão em várias candidaturas foi mesmo um problema, mas o voto útil na reta final do primeiro turno mostrou que o eleitor (dos dois lados) tinha como resolver a coisa. Se tivesse havido (olha aí o “se”, de novo) um candidato simultaneamente “de centro” e antiestablishment saberíamos agora da viabilidade dele. Mas Huck correu da raia e ficaremos sem saber.

9) Se o voto fosse impresso Bolsonaro teria sido eleito no primeiro turno

É a prova mais viva de que contra certos argumentos os fatos não valem nada. E se você continua achando o inverso, que contra fatos não há argumentos, lamento informar que hoje em dia você está por fora.

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Um olhar sobre o cenário pós primeiro turno. E a contradição entre o frentismo e a narrativa.

1) Finalmente acabou a Nova República

O primeiro turno fechou a era da Nova República, inaugurada em 1985. Os dois pilares básicos dela finalmente ruíram: o governo dos políticos e a política no governo. O frentismo centrista neste segundo turno é exigido do PT apenas como gesto de capitulação final. Pois não se exige o mesmo do nome do PSL. O vetor dominante agora é antifrentista. A hora é dos bonapartes.

2) Próximo movimento será o Executivo retomar o Poder Moderador

O Brasil já teve um bocado de Constituições, mas nunca deixou de ter um Poder Moderador, como o imposto desde D. Pedro I. Quando Executivo e Congresso foram para o ralo nos acontecimentos recentes a coisa escorreu para o Judiciário e as Forças Armadas. Se o novo presidente quiser governar mesmo, não ser só um figurante, vai ter de retomar esse poder.

3) Narrativas têm consequências. Frentismo? Difícil

Os criadores da narrativa da “ameaça dos extremos” tiveram mais sucesso na difusão da tese na imprensa do que entre os eleitores. Mesmo com a ideia maciçamente martelada na campanha. Mas se poucos dias atrás o sujeito dizia que PT e Bolsonaro eram ameaças iguais, como explicar agora a necessidade de se aliar a um para derrotar o outro? Complexo.

4) O tsunami pegou em cheio quem estava na praia

Se você tem o poder de provocar um terremoto, não é prudente esperar na praia pelo tsunami. O terremoto começou em 2013 e ganhou intensidade em 2015/16. Agora veio a onda, que atingiu muita gente, mas principalmente quem está no governo central. Quem havia sido empurrado para a montanha, mesmo contra a vontade, teve mais chance de sobreviver.

5) Engenharia de obra feita é fácil. E pode ser útil de vez em quando

O “se” não joga. E depois de a coisa acontecer é fácil falar. Mas se o nome do PSDB fosse de direita raiz, e não nutella, é razoável supor que seria mais competitivo e as bancadas não sofreriam tanto. Retrospectivamente, foi errado Alckmin acreditar na teoria do “candidato de centro”, e foi errado Dória não se apresentar para a disputa política aberta dentro do partido.

6) O apreço pela democracia detectado nas pesquisas é duvidoso

As pesquisas garantem que o brasileiro adora a democracia. Mas talvez não se tenha explicado direito aos pesquisados o que é “democracia”. Qual seria o resultado se se perguntasse algo como “você acha aceitável o governo oferecer cargos aos partidos para eles apoiarem o governo, inclusive no Congresso?" Eu tenho um palpite sobre a resposta.

7) Quem quiser ser candidato em 22 tem de começar já

O debate “TV x redes sociais” ainda corre, e sem que haja evidências definitivas a sustentar as opiniões definitivas. Mas uma coisa é certa. Se a campanha eleitoral de 2018 foi longa, a de 2022 será mais longa ainda. Na real, o segundo turno deste ano já é em certa medida um ensaio para daqui a quatro anos. Quem chegar antes no córrego vai beber água limpa.

8) É possível a guerra política contornar a agenda econômica

Mesmo antes da eleição já se nota alguma convergência nas agendas econômicas, como era previsível -e foi previsto. Mas a guerra política terá combustível de sobra na agenda não econômica. Ensaia-se um cenário tipo Trump. Uma quase guerra civil em assuntos não econômicos mas a economia contornando a confusão, pelo menos até certo ponto.

9) As pessoas falam mal das pesquisas mas continuam obcecadas por elas neste segundo turno.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Troca de guarda na direita em ascensão. Esquerda sobrevivendo, mas “no osso”.

1) Direita tem melhor resultado eleitoral desde a redemocratização

O primeiro turno fechou uma época e abriu outra nova para a direita. A liderança do bloco mudou de mãos. O liberalismo e o conservadorismo não estão mais sob o jugo dos liberais progressistas e dos social-democratas ditos de centro. Se Bolsonaro vencer daqui a três semanas (e o caminho para ele parece bem mais simples que para Haddad), isso estará sacramentado.

2) Esquerda tradicional recuou “para o osso”, mas sobreviveu

O PT recuou em todas as regiões e só manteve a liderança, e de aliados, no Nordeste. Quatro anos de LavaJato e a perda do poder tiveram efeito sensível. Mas o PT conseguiu manter-se inquestionável no comando de seu campo político e evitou uma catástrofe que abrisse campo a alternativas em seu bloco. Ciro foi neutralizado e Marina, pulverizada.

3) Tendência de renovação confirma-se

Especialmente no Sudeste, a maior região em população e sempre mais visível para o foco jornalístico, o vento renovador sopra mais forte. Também porque os principais alvos da LavaJato do dito centro para a direita concentram-se na região. Se perder em São Paulo e Minas, o PSDB arrisca-se a desaparecer como polo hegemônico da política nacional.

4) Mas os fatores de continuidade e inércia estão bem presentes

A renovação na Câmara foi ligeiramente maior que a metade da Casa, não tão longe assim da tradição. O vento soprou mais forte no Senado. Mas na Câmara três das quatro maiores bancadas são as clássicas. A taxa de reeleição ou eleição de aliados dos governadores caminha para 100% ou quase no Nordeste. O Sudeste é importante, mas o Brasil não é só São Paulo, Rio e Minas.

5) Ter mantido a base social coesa traz um custo político para o PT

O partido decidiu fechar espaço para alternativas à esquerda e compareceu à eleição mais “puro”. Com isso, Haddad conseguiu votação na faixa de índices "duros” de preferência pelo PT. Foi o suficiente para ir adiante. Não se faz omelete sem quebrar ovos. Mas agora o petismo tenta achar um jeito de arrastar não-petistas sem perder substância na esquerda. Complexo.

6) As equações regionais no segundo turno serão heterodoxas

Márcio França foi de Alckmin até agora e precisa de Paulo Skaf e do PT para enfrentar João Doria. Mas Skaf é Bolsonaro. E Dória também, e com mais entusiasmo ainda pelo capitão. No Rio, Eduardo Paes precisa de apoio da esquerda para ter alguma chance, só que é candidato pelo Democratas. Em MG, o tucano Anastasia não ganha a eleição sem um empurrão do PT. Etc.

7) Articulação da base parlamentar vai exigir mágica

Serão duas dezenas de partidos no Senado e três dezenas na Câmara. Se para Haddad a missão será hercúlea, mesmo para Bolsonaro ela estará longe de ser simples. É provável que dos dois lados do espectro haja algum esforço de formação de blocos, o que poderá ajudar. Mas convém não confiar muito na docilidade de um Congresso de sobreviventes e neófitos.

8) As pesquisas foram bem, num cenário muito desafiador

Bolsonaro teve 34% do total do eleitorado. Haddad, 21%. Ciro, 9%. Mais ou menos o detectado pelas pesquisas. As diferenças no voto válido parecem dever-se mais ao fato de o não voto ter dobrado para os 30% verificado na urna. Os americanos contornam esse desvio porque pesquisam também o universo dos “likely voters”, não só os “registered voters".

9) O PT enfrenta uma batalha morro acima no segundo turno. As pesquisas vão mostrar o ângulo do aclive

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

O que não aconteceu e o que aconteceu, até agora, do que foi previsto para esta eleição

1) Não se comprovou por enquanto a força do chamado lulismo

Haddad chegou facilmente ao patamar de 20% e vem mostrando neste primeiro turno boa dificuldade para chegar aos 30% que as pesquisas apontam ser o estoque de eleitores dispostos a votar com certeza num candidato apoiado pelo ex-presidente Lula.

2) Comprovou-se a força do PT

Todas as pesquisas apontam que o partido tem a preferência de pelo menos 20% do eleitorado. Era previsível, e foi previsto, que um candidato do PT teria caminho relativamente livre para chegar a isso. E de fato chegou. O PT é a única força eleitoral clássica expressiva que consegue nesta eleição evitar o desmoronamento de sua base de apoio.

3) Não se comprovou a essencialidade do tempo de TV

Dos candidatos com desempenho satisfatório neste primeiro turno, Bolsonaro, Haddad e Ciro, dois não tiveram tempo de TV expressivo. Um candidato que desempenha muito abaixo da sua “votabilidade”, Alckmin, teve a fatia mais generosa do horário eleitoral compulsório.

4) Comprovou-se a essencialidade do tempo de TV

O principal fator que impede, por enquanto, uma vitória de Bolsonaro no primeiro turno é o PT reter seus 20% de share. Para isso, foi essencial uma comunicação maciça que alavancasse rapidamente Haddad e evitasse o avanço de predadores sobre o eleitorado petista. Só foi possível com o significativo tempo de TV.

5) Não se comprovou a viabilidade de um “centro"

O “centro” era só a tentativa de uma embalagem moderada para o antipetismo. Quando a coisa apertou, foi para a direita sem maiores dificuldades. Faça-se justiça a Alckmin: ele comprou a ideia e teve uma comunicação para buscar o eleitor “de centro”. Como este era uma miragem, o tucano vai ter poucos votos.

6) Comprovou-se que existem direita e esquerda

Ao contrário das frequentes teses a respeito, a divisão entre direita e esquerda não acabou. Se houver segundo turno, a partição ficará ainda mais nítida. Metade do país vota com a esquerda contra a direita e a outra metade com a direita contra a esquerda. Vai ganhar a eleição, agora ou daqui a três semanas, quem for mais capaz de fazer sua base votar.

7) Não se comprovou que esta eleição poderia assistir a um debate mais qualificado

Existia a esperança de que depois de mais um assim chamado “estelionato eleitoral”, em 2014, houvesse alguma evolução civilizatória do debate nas eleições deste ano. De novo, só se discutiram as pesquisas e quem ataca quem. No Brasil, quando se trata de questões civilizatórias, os pessimistas sempre tendem a ter alguma razão. Basta esperar tempo suficiente.

8) Comprovou-se que empresas de pesquisa falarem mal umas das outras é arriscado

Pesquisas erram, por isso têm “margem de erro". E também acertam, e por isso as pessoas importam-se com elas. Evitar falar mal de uma pesquisa ajuda a evitar também que se passe vergonha quando teu resultado se aproxima do resultado da pesquisa que tu criticaste. Porque nas pesquisas, como nos demais aspectos da vida, nunca se sabe o dia de amanhã.

9) Comprovar-se-á o velho ditado de que da mineração, de cabeça de juiz e de urna nunca se sabe exatamente o que vai sair, mesmo que as pesquisas e os estudos ofereçam bons elementos para as previsões

sábado, 29 de setembro de 2018

As pesquisas a uma semana da eleição. E hipóteses para as dificuldades do “centro”

As pessoas que se apaixonam pela política, ou por um lado nas disputas políticas, mantêm a partir daí uma relação igualmente passional com as pesquisas eleitorais: amam as boas para os seus candidatos e odeiam as não tão boas, ou ruins. Amiúde escorregam para a irracionalidade: “eu vejo outra coisa nas ruas.” Será que andaram em ruas suficientes?

A probabilidade de “n” pesquisas com intervalo de confiança de 95% cada estarem igualmente erradas num resultado comum a todas elas é 0,05 elevado à enésima potência. Ou seja, algo que três ou mais pesquisas mostram igual está pertíssimo da verdade. E é razoável então partir dessa premissa para analisar, por exemplo, a sucessão presidencial no Brasil.

Hoje Bolsonaro tem em torno de 30%. Haddad, entre 20 e 25%. Ciro e Alckmin, por volta de 10%. E Marina, uns 5%. Amoêdo, Meirelles e Álvaro ficam entre 2 e 3%, e os demais vêm depois. Bolsonaro está, portanto, a dois dígitos de liquidar a fatura no primeiro turno. Pela aritmética não é tão longe assim, mas pela política está virando uma boa distância.

Onde pescar? Os três candidatos “de centro” do terceiro pelotão já vão bem desidratados. O eleitor médio de Ciro e Marina não tem viés bolsonarista. Sobram os indecisos e Alckmin. Os indecisos nas pesquisas já são poucos. E aí vem o principal abacaxi de Bolsonaro: mesmo em situação complicada, Alckmin está lutando pela sobrevivência política, e tem recursos para lutar.

E o “voto útil” anti-PT? A peculiaridade é haver dois ou três deles disputando esse mercado. Um é a aposta em Bolsonaro decidir tudo no dia 7. Outro é a tentativa de levar Ciro ou Alckmin para o segundo turno, movimento impulsionado pela dúvida sobre a capacidade de Bolsonaro dar-se bem num mano a mano com o petismo.

O “voto útil” mais nítido até agora é o que lipoaspira Marina, joga Boulos na categoria de “outros” e corrói Ciro: o voto deles, ou potencialmente deles, migrando para Haddad. Que parece também estar atraindo um pedaço do antipetismo, dos que começam a considerar o nome do PT um mal menor diante da opção bolsonarista. É vital para o capitão estancar essa fuga.

Uma projeção interessante para avaliar a probabilidade de a coisa resolver dia 7 é olhar os cenários de segundo turno. Se alguém com chances no primeiro turno tem larga vantagem sobre adversários nas simulações de segundo, é razoável concluir que enfrentará menos resistência a arrancar os votos necessários num sprint até domingo. O contrário também é verdade.

Agora é aguardar, e ficar de olho no imprevisível. Um foco de imprevisibilidade são os movimentos policiais-judiciais, que vêm criando fatos políticos em série nos estados. É inédito em eleições brasileiras. Outra variável é a taxa de agressividade. Um eventual segundo turno transcorrerá em altas temperaturas e fortes manifestações de rua. Começou hoje.

*

O dito centro parece a caminho de ficar fora do segundo turno. Os possíveis motivos foram rascunhados aqui num artigo de junho deste ano, “Centro excludente é uma contradição em termos”. O primeiro: o governo é “de centro” e está pessimamente avaliado. A recuperação econômica é lenta e sem impacto real na taxa de emprego, por enquanto.

O segundo: as experiências “de centro” exitosas costumam ser politicamente inclusivas, nunca excludentes. A ideia de opor-se à radicalização só faz sentido quando se acena com a conciliação. Um centro hostil ao que chama de extremos é uma contradição em termos porque perde a capacidade de ganhar massa crítica atraindo gente dos dois lados.

Tancredo Neves pavimentou seu caminho juntando gente, não fazendo uma lista de quem estava a priori fora de seu projeto. O centro não existe por si, é apenas um ponto médio, um lugar geométrico. Para ganhar massa, precisa ter força de atração. Mas na política a capacidade de atrair não depende só de conseguir intimidar. É preciso saber seduzir.

Daí a dificuldade de constituir uma frente antipetista “de centro”. Ou um antibolsonarismo “de centro". Ou algo que tente fazer as duas coisas. O ponto médio nestas eleições está vazio à espera de quem consiga dialogar com o outro lado. Talvez seja uma das chaves para a vitória no hoje provável segundo turno.

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

O tempo das previsões sobre o fim dos tempos. Os governos possíveis. E o foco da futura crise

Parece que a eleição, como costuma acontecer, entrou na fase das previsões sobre o fim dos tempos, na linha de “o mundo vai acabar se eu não ganhar”. Faz parte. É um recurso sempre à disposição de quem começa a sentir o hálito desagradável da derrota. Um momento perigoso, porque o risco de a racionalidade ir para o brejo testa seus pontos máximos.

É também a hora em que a paixão política e sua coleção de emoções extremas fazem as pessoas esquecerem de um fato corriqueiro: passada a eleição, os mesmos políticos que nos advertem sobre a catástrofe que se avizinha, caso o adversário ganhe, estarão confabulando com o adversário para dividir o poder e tocar adiante pelos próximos quatro anos. #FicaaDica.

Verdade que há exceções, e será sempre prudente deixar espaço para a possibilidade de darem as caras. O período 2015-18 tem sido uma exceção. Mas talvez o retorno obtido pelos que preferiram continuar a disputa eleitoral por outros meios depois de fechada a urna funcione como desestímulo a repetir a experiência. Quem sabe?

Um exercício útil para controlar os impulsos é tentar raciocinar sobre os governos possíveis. No caso brasileiro, há apenas dois. 1) O de Bolsonaro (ou Alckmin, em caso de virada) com o chamado centrão e o MDB ou 2) o de Haddad com Ciro (ou de Ciro com Haddad), e mais o dito centrão e o MDB. A única dúvida é quem liderará o MDB. Se a turma de Temer ou a de Renan.

Eis uma razão por que haverá pouco espaço para guinadas bruscas em política econômica. Um presidente com pouca base própria e que gerar instabilidade entrará imediatamente na zona de risco de queda. Se bem que os principais postulantes já se precaveram, indicando vices que um eventual impeachment faria trocar apenas seis por meia dúzia. Inteligente.

Outro estímulo para a estabilidade no curto prazo, e talvez o mais importante, será a necessidade de o presidente agora eleito acender uma luz no fim do túnel, a luz dos investimentos e da volta do emprego. Essa é a única boa notícia capaz de contrabalançar as ruins: austeridade e reforma da previdência. E investimento depende de capital.

Voltando ao catastrofismo, ele parece ser a arma que sobrou ao autonomeado centro para tentar ir ao segundo turno. Se vai funcionar, só os números saberão. A tarefa parece hercúlea: a maioria do eleitorado até agora não dá sinais de sensibilizar-se com as advertências de que a democracia estará em perigo no caso de vitória de Bolsonaro ou do PT.

Nem mesmo o eleitor dos grupos mais bem situados em renda e instrução parece dar muita bola à tese. Quer mesmo é evitar a volta do PT. E se a ideia de o centro ter mais condições de bater o petismo num segundo turno tem lógica, o problema, de novo, são os números. Não há evidência estatística de que seja verdade. O que tira fôlego do argumento.

Voltando aos possíveis governos, e pelas razões listadas, é provável que a agenda de curto prazo em 2019 seja minimalista e gradualista, mas progressiva. O teto de gastos não será simplesmente revogado, mas revisto. A idade mínima para aposentadorias virá, mas gradualmente e negociada. Onde estariam as diferenças? No sentido da reforma tributária.

Sim, haverá turbulência política. No caso de vitória do PT, por exemplo, a principal preocupação dos adversários não é a possível repetição de erros, mas o fato de o petismo saber agora o que não fazer, se não quiser ser novamente derrubado. Por isso, nessa hipótese, o tempo estará jogando a favor do governo. O que desestimulará eventuais conciliações.

Não há entretanto qualquer sinal de disrupção iminente. Inclusive por uma razão curiosa: a interpretação entre nós do que sejam a Constituição e “a lei” anda tão flexibilizada que tem espaço para todo mundo jogar o jogo “dentro da lei”. Reduz-se assim a possibilidade de a defesa da legalidade ser o pretexto para a ruptura da legalidade. Ao contrário de outros tempos.

Esse é o curto prazo. Conforme crescer a evidência da necessidade de uma nova Constituinte, as temperaturas voltarão a subir. Parece não haver no horizonte consenso sobre quem escreveria a nova Carta. Os constituintes do STF? Os notáveis do general Mourão? Constituintes eleitos pelo povo? Um Congresso cercado? Eis uma boa aposta para o foco da futura crise.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Tempo de TV é importante, sim

Horário eleitoral impulsionou Haddad
Exposição de Bolsonaro foi maciça


As dificuldades de Geraldo Alckmin permitem a conclusão de que não é tão importante assim um grande tempo no horário eleitoral compulsório no rádio e TV. É uma conclusão imediata, lógica e errada. O horário eleitoral e o tempo de TV continuam sendo fundamentais. Dois fatos comprovam.

Um é a subida exponencial de Fernando Haddad, que uma semana apenas após ser oficializado candidato de Lula e do PT já bate em 20% dos votos. Tal velocidade só vem sendo possível pela muito rápida propagação da mensagem de que Haddad é “o candidato do Lula” para fazer “o Brasil feliz de novo”.

E essa ideia não atingiria tanta gente tão rapidamente se fosse só por Facebook, Twitter, Instagram. Foram a TV e o rádio. As redes sociais públicas e privadas ajudaram a propagar a mensagem, inclusive os materiais distribuídos pelo horário eleitoral. Mas sem o rádio e a TV a ascensão haddadista não seria tão aguda.

O outro fato é a resiliência de Jair Bolsonaro. O candidato do PSL teve, com a facada, um “tempo de TV” brutal. Se for calculado, deve ser de longe o maior de todos. E seu “programa eleitoral” foi de alto impacto. Ele de camiseta amarela “Meu partido é o Brasil”, carregado pela multidão e sobrevivendo a uma facada perpetrada por um oponente.

Antes do atentado de Juiz de Fora, a imagem de Bolsonaro vinha em erosão, medida pelo aumento da rejeição. Graças à campanha negativa no horário eleitoral. Contra o que ele não tinha recursos para resistir. Quando a onda negativa teve de parar e veio o tsunami de exposição positiva, as curvas imediatamente fletiram a favor dele.

Mas por que então Alckmin está sofrendo, mesmo com o latifúndio radiofônico e televisivo? Bem, se o tucano ainda tem alguma esperança de reagir, esse é o recurso de que dispõe. Outra coisa: exposição em meios de comunicação de massa é necessário, mas está longe de ser suficiente. Tempo de TV não substitui a política.

O eleitorado tucano vem sendo há anos seduzido por um discurso muito à direita do “PSDB raiz”. E ficou vulnerável à captura por concorrentes externos. Porque Alckmin encaixa mal na nova narrativa. Ela tem mais a ver com João Doria. Nunca saberemos com certeza o que teria sido a campanha “Doria presidente”. Mas dá para intuir.

O PT estaria arriscado a algo semelhante se tivesse deixado seu eleitorado exposto. Provavelmente Guilherme Boulos não estaria dando traço. Ou Ciro Gomes resistiria melhor. Ah sim, e há uma diferença importante entre petistas e tucanos: é mais fácil o PT deslocar-se à esquerda do que o PSDB apresentar-se como abertamente de direita.

E um detalhe importante: o tempo de TV dos presidenciáveis está muito espremido numa floresta de mensagens políticas de candidatos a outros cargos. Para impactar o eleitor, a ideia tem de ser simples e direta. Talvez o PT e Bolsonaro tenham decifrado até agora melhor essa equação.

Mas ainda restam duas semanas.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Quem foi bem no Jornal Nacional. O que é “ir bem” no JN. Qual é o propósito dos debates e entrevistas

Parâmetros úteis para responder às questões do título encontram-se num texto de outubro de 2012 de George Friedman, da agência americana Stratfor, The Purpose of Presidential Debates. Corria então muito quente a disputa pela Casa Branca entre o candidato à reeleição, Barack Obama, e o desafiante republicano, Mitt Romney.

Entrevista de candidato a presidente para o Jornal Nacional, da TV Globo, não é formalmente um debate, mas há poucas coisas mais semelhantes a um autêntico debate que candidato a presidente sendo entrevistado na bancada do JN. Não há ali propriamente uma relação jornalista-entrevistado. Há uma disputa aberta pelo poder.

O sujeito tem de ir no JN porque não pode abrir mão da enorme audiência do telejornal. Mas inexiste mesmo almoço grátis, e o preço a pagar é considerável. Corre o risco de ser feito em pedaços por entrevistadores/debatedores sem a menor disposição de serem convencidos de nada, independente dos argumentos que o convidado possa apresentar.

Não seria mais razoável deixar o entrevistado falar com alguma liberdade e expor suas ideias para melhorar o país? Bem, para isso dir-se-á que existe o horário eleitoral compulsório na tv e rádio abertos. E a verdade é que o dia a dia do poder parece mais com uma entrevista no JN que com o desfile de belezinhas dos programas eleitorais.

Gostar ou não da maneira como os entrevistadores/debatedores apertam os candidatos é só questão de gosto. Eu preferiria que houvesse mais tentativas de xeques-mates no mérito, e um pouco menos de exibição de músculos. Aliás, na política, o excesso de halterofilismo costuma ser sintoma de pouco treino para jogar xadrez. Mas é coisa que dá para corrigir.

Num debate eleitoral ou numa entrevista como a do JN, a única coisa importante, para o candidato, é defender sua capacidade de liderar, em primeiro lugar a própria tribo. Ele está ali num duelo, e não pode se deixar matar, ou mesmo permitir que seja ferido com gravidade. Se puder dar uma estocada decisiva e abater o adversário, melhor ainda.

Talvez a principal qualidade exigida do líder político seja não errar -ou errar pouco- quando precisa decidir rápido e sob imensa pressão. Nesse aspecto, Ciro, Bolsonaro e Haddad foram os melhores. Até por serem, os três, personagens dotados da necessária autossuficiência para confrontar essa mesma característica da dupla de entrevistadores.

Autossuficiência e capacidade de agarrar-se às próprias narrativas. A narrativa é a boia do líder político na tempestade. E é também a boia que ele atira aos liderados para se salvar junto com ele. Quem não consegue contar uma história sobre si fica à mercê da história que os adversários contarão. Numa entrevista coletiva, num debate ou numa mesa de bar.

Só ingênuos ou desavisados esperam que um político chegue no JN e diga “puxa, vocês têm razão, eu errei mesmo; obrigado pela dica, da próxima vez vou tentar acertar”. E só desavisados e ingênuos acreditam que os entrevistadores estão ali numa atitude construtiva para oferecer oportunidade real ao entrevistado de expor argumentos. #FicaaDica.

*

Havia dúvidas sobre se daria tempo de outro candidato petista trazer para ele rapidamente votos que seriam de Lula, se este pudesse concorrer. Mas o tempo na política não é rígido. Parece mais com o tempo de Einstein que com o de Newton. Quanto mais perto da eleição, menos tempo vc precisa para difundir eficazmente uma informação.

*

Uma peculiaridade este ano é o fim do oligopólio das pesquisas eleitorais. Certos veículos da imprensa recusam noticiar pesquisas que não as contratadas por eles. É um direito. Mas aí têm dificuldade de explicar possíveis repercussões de pesquisas que não disseram quais são.

O Conselheiro Acácio, sempre útil. As consequências vêm sempre depois.

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Agora ficou parecido com 1989

Outsider lidera, PSDB busca espaço
PT e PDT disputam o segundo lugar


Dizia-se que a presidencial de 2018 repetiria 1989, pelo alto número de candidatos com alguma musculatura. Está acontecendo, por enquanto. Mas a semelhança, pelo menos neste momento, vai além. Como então, um outsider de direita lidera e PT e PDT disputam o segundo lugar, que dá uma vaga na final, se houver segundo turno.

Três décadas atrás eram Collor, Lula e Brizola. Hoje são Bolsonaro, Haddad e Ciro. Claro que tem uma diferença. Alckmin é hoje mais competitivo do que eram então Ulysses, Covas, Aureliano e Afif. Sem esquecer de Maluf. Mas agora, como naquela época, o dito “centro” desperta dúvidas sobre sua capacidade de quebrar a polarização.

Em comum aos dois momentos, um certo cansaço com o establishment político. Naquele tempo, decorrente principalmente da decepção com os resultados econômicos da Nova República, que sucedera os governos militares. Hoje, nascido da revolta diante da retração econômica, revolta multiplicada pelos escândalos.

Interessante que agora, como ali, a “renovação” vem pela mão de políticos experientes. Collor era de família tradicional na política e tinha transitado pelo Legislativo e Executivo. Brizola, nem falar. Lula já disputara o governo paulista e fora constituinte. A política não estava desprestigiada. Desgastada mesmo, só a aliança que elegera Tancredo.

Bolsonaro é um veterano do Congresso, Ciro já foi de tudo, inclusive disputou duas vezes o Planalto. E Haddad é Lula. E Alckmin, que tinha sido prefeito, deputado, tem sala no Palácio dos Bandeirantes faz um quarto de século, praticamente sem interrupção. Aliás Alckmin parece ser um Covas desta eleição. Pelas qualidades e pelos problemas.

Covas tentou de tudo para quebrar a lógica Collor x “Brizula”. Seu momento mais criativo foi quanto lançou a ideia do “choque de capitalismo” necessário no Brasil. O establishment entusiasmou-se, mas o povão nunca pensou seriamente em desembarcar do navio comandado pelo "caçador de marajás” que vinha das Alagoas.

Parece ser um pouco o problema de Alckmin. Seu posicionamento encaixa-se bem numa equação racional, ele tem tudo para atrair um público que demanda estabilidade, pacificação e equilíbrio, mas até o momento vem sentindo dificuldade de arrastar votos para essa lógica. O que dificulta a agregação da elite em torno de seu nome.

Mas a corrida está verde ainda. Como evoluirá a saúde de Bolsonaro? Haddad conseguirá votos lulistas suficientes para enfraquecer Ciro decisivamente? Marina parará de cair? Alckmin conseguirá uns pontos adicionais para entusiasmar seu campo e ganhar massa crítica? Amoêdo, Álvaro e Meirelles resistirão ao voto útil?

Aguardam-se os próximos capítulos.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Uma facada como tiro de largada. Um tempo perdido. E os caminhos para o segundo turno.

A facada em Jair Bolsonaro foi um tiro. Ou melhor, dois. Foi um tiro na linha de comunicação do antibolsonarismo “de centro", ao transformar instantaneamente o violento em vítima de violência. E foi também o tiro de largada de fato da corrida presidencial. O antes de quinta-feira pode tranquilamente ser mandado ao arquivo.

Ganham o próprio Bolsonaro e o PT. O capitão ganha um ambiente favorável a pelo menos estancar o aumento da rejeição, quando não a reverter a curva. E o PT, que sorte!, ao fim e ao cabo não ficou mesmo atrasado por causa da tática bifronte Lula e/ou Haddad. Está em tempo, se finalmente decidir nesta segunda a dúvida entre casar ou comprar uma bicicleta.

Na opinião pública do centro para a direita, o ajuste mental e do verbo vem sendo rápido. O discurso sobre a necessidade de evitar os extremos é substituído pela esperança de que o próprio Bolsonaro se apresente como candidato centrista. E a campanha do PSL já percebeu: de quinta para sexta a postura mudou. Saiu de campo o radicalismo, entrou a fofura.

É uma manobra inteligente para evitar que o “centro de raiz” tente agora deslocar o bolsonarismo voltando a se apresentar como alternativa “racional”. Bolsonaro e os seus fazem a flexão de Lula em 2002. Se vai funcionar é outra história, mas estão empenhados. A suave entrevista de sexta do General Mourão bastou para quem quis entender.

Já para o candidato original do “centro de raiz”, Alckmin, o momento é de reencontrar uma picada ao segundo turno. A de antes estava clara: aumentar a rejeição a Bolsonaro agora, para lá na frente ocupar o terreno. Artilharia pesada agora, para mais adiante mandar a cavalaria e a infantaria tomarem um território já afofado pelo bombardeio.

Isso inviabilizou-se porque a artilharia pesada tem de parar, há o risco de sair pela culatra. E fazer o quê? Concentrar-se no propositivismo? Atacar o PT para tentar ir à final contra Bolsonaro? Apresentar-se como o pacificador do país, o que vai evitar a guerra fratricida, esse iceberg cuja ponta viu-se na mineira/carioca Juiz de Fora na quinta-feira?

Tudo terá um custo. Tentar concentrar-se em tirar o PT da final é arriscado, o petismo parece entrincheirado. Uma opção seria acreditar que o PT se dividirá na campanha, mas é duvidoso demais depender disso. Enquanto o petismo tem chance de ganhar a eleição - e ela existe - dificilmente vai mergulhar numa guerra interna. Se perder, isso está contratado para depois.

Ciro vai bem, diante dos parcos recursos disponíveis. Vem numa ascensão suave, especialmente no lulismo menos petista. É preciso ver o limite disso. O candidato do PDT ainda precisa de muita musculatura adicional para sonhar com ir a 28 de outubro. Já Marina parece num momento difícil da corrida. O “centro” anda cada vez mais congestionado.

Um problema adicional para Alckmin é esse congestionamento. Além do tucano e de Marina, já há pelo pelo menos três outros nomes com alguma presença nas pesquisas: Amoêdo, Álvaro Dias e agora Meirelles, que começa a dar as caras, pois está aproveitando bem seu decente tempo na propaganda eleitoral compulsória no rádio e na tevê.

É possível que na hora da decisão haja algum tipo de voto útil nesse campo, mas os nervos precisarão estar fortes até lá. Pois mais de um nome sobe. Voto útil em quem? É uma pressão que também vai aparecer na esquerda, se Haddad estiver precisando dos votos de Ciro, ou este dos votos do PT para ir à decisão.

O primeiro turno tem tudo para ir quente até o final, com uma definição nos últimos dias, horas, ou mesmo na urna. O bolsonarismo sonha com uma vitória em primeiro turno, o que ainda não está no radar. O tucanismo, com um “despertar de centro". O PT, com fazer a disputa da civilização contra a barbárie, ou do governo Lula contra o governo Temer.

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As pesquisas eleitorais têm andado razoavelmente em linha. Mesmo que alguns números divirjam, as tendências apontadas por elas tem coincidido no essencial. Mais uma prova de que é desperdício de tempo e energia umas ficarem falando mal das outras. Na era da big data, já deveriam ter aprendido que se erra menos com muita informação que com pouca.

Existe mesmo uma “transferência de votos"?

O político é dono do eleitor?
Ou o eleitor é dono do político?


Com o início do horário eleitoral compulsório na TV aberta e no rádio, aumenta a ansiedade para saber quem se mexe e quem não. Ou quem se mexe mais ou menos. E se é para cima ou para baixo. Esse costuma ser um período nervoso nas campanhas. Ainda mais agora, com a corrida encurtada, acertar ou errar na comunicação de largada é estratégico. E as próximas pesquisas vão dizer quem errou e quem acertou.

Mas, cuidado: a coisa ainda está muito no começo e o tempo que resta é suficiente para reverter tendências. Vamos recordar 2014. Aécio Neves assumiu a vice-liderança a abocanhou a vaga no 2º turno nos últimos três a dois dias antes da urna. E agora as opções à disposição do eleitor são mais variadas do que quatro anos atrás. Há mais produtos disponíveis na gôndola para quem quiser trocar a mercadoria que já está no carrinho.

As duas variáveis amplamente monitoradas nesta disputa são:

1) a chamada “transferência de votos” de Lula para Fernando Haddad;

2) se Alckmin consegue uma transfusão de eleitores de Jair Bolsonaro, graças também à massacrante disparidade de recursos em favor do tucano.

É razoável supor que a rejeição a Bolsonaro vai aumentar. Resta acompanhar se a perda, mesmo marginal, dar-se-á em benefício do ex-governador paulista.

Mas, e a “transferência” petista? É esperado algum crescimento imediato de Haddad. Seu principal fator limitante é o desconhecimento. À medida que vai ficando mais conhecido, subirá.

Também porque não há motivo sério para o eleitor petista deixar de votar nele. E o PT tem uma fatia própria do eleitorado. E tem Lula, que anda tão resiliente quanto Bolsonaro. O eleitor “duro” de cada um não está nem aí para o que dizem dele os adversários.

Isso pode ser facilmente medido pela decisão de voto. O petismo e o bolsonarismo ostentam os índices mais altos. Talvez porque esta eleição seja a busca por uma liderança política.

A ideia de que o país precisaria mais de gestores que de políticos saiu rapidamente da moda depois de fazer algum sucesso quando a antipolítica andava em alta, uns dois anos atrás. Vamos ver o que trarão os resultados finais, mas aquele discurso parece ter perdido mesmo tração.

É tentador, para os petistas, acreditar que Lula e o PT retomam força eleitoral porque o eleitor se convenceu de que as acusações contra ambos se mostraram vazias. É mais provável que a recuperação do petismo decorra, principalmente, da convicção de o país estar sendo conduzido de maneira errada e para o lado errado. E, por isso, entre um quinto e um terço do eleitorado inclinam-se a dar uma nova oportunidade ao partido.

Também por isso, talvez seja um erro conceitual falar em “transferência dos votos de Lula”. Não há propriamente uma transferência, e os votos não são “de Lula”. Lula e o PT, assim como Alckmin e o PSDB, assim como Bolsonaro, Ciro, Marina e outros, são produtos na gôndola para o eleitor escolher conforme a necessidade do momento. O eleitor não é propriedade do político. É mais razoável compreender que o político é mercadoria à disposição do eleitor.

Verdade que há um processo de “peronização” de Lula, mas isso está longe de ser o principal. Qual seria a taxa de “transferência” se Lula recomendasse o voto em Alckmin? Ou mesmo em Meirelles, que foi ministro de Lula, mas hoje é completamente identificado com o governo Temer? Provavelmente baixa. Muito baixa. Bem mais baixa do que certamente vai acontecer com Haddad.

Currículo tem importância, apoios têm importância, programa de governo tem alguma importância, mas cada uma dessas coisas só adquire maior significado se ajudar a compor uma linha geral, um sentido geral. Uma ideia geral que ilumine o horizonte desejado. O petismo e o bolsonarismo já conseguiram desenhar essa ideia. Os demais ainda têm tempo, mas não podem demorar muito.

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Publicado originalmente em www.poder360.com.br

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

O mercado está nervoso. E daí? O novo governo precisará de paz com os empresários

O mercado financeiro anda nervoso por não saber, ou não conseguir prever com razoável margem, o desfecho da sucessão presidencial. Ou por achar que o eventual eleito pode ser tentado a heterodoxias, pois os resultados imediatos da ortodoxia não têm sido bons. Ou por acreditar que o ungido não terá potência para arrancar do pântano e ganhar velocidade.

O nervosismo do mercado nasce da incerteza sobre se 1) o Brasil vai eleger um presidente comprometido com privatizações, desregulamentação e austeridade fiscal; e se, mesmo nesse caso, 2) ele terá força para fazer valer no Congresso seu programa de governo. Junte-se a isso o quadro internacional, e o dólar continua subindo a ladeira.

Um argumento de certo peso contra o programa econômico perseguido por Michel Temer é não ter sido aprovado na urna. Bem, desta vez, caso a eleição produza um presidente de direita, da tonalidade que for, o público estará sabendo do que se trata. Todos os nomes desse campo estão comprometidos com a ponte para o futuro temerista.

Mas infelizmente ainda não apareceu o candidato ideal. Um que simultaneamente defenda a tríade liberal listada mais acima, tenha muitos votos e projete um ambiente de governabilidade estável. Geraldo Alckmin vai bem no primeiro e no terceiro quesitos. Jair Bolsonaro nos dois primeiros. O mercado torce para que o tucano aproveite bem a TV.

Outro complicador são as circunstâncias do PT. O partido precisou pender à esquerda para segurar seu mercado eleitoral, e a operação vem tendo sucesso pelo ângulo político. Não se veem dissensões sérias internas nem desafiantes viáveis externos. Mas não existe almoço grátis, e o petismo manter-se competitivo aguça as naturais inquietações do capital.

E tem também Marina e Ciro. Ela já faz tempo procura cercar-se de economistas de currículo liberal. Há anos ela oferece previsibilidade na economia. É o que vem faltando a ele projetar. Mas talvez não possa ser diferente no caso do pedetista: ele precisa de votos dos dois lados, precisa de alguma ambiguidade se quiser ter chance de passar ao segundo turno.

O mercado está nervoso? Sim, mas e daí? Se o leitor ou leitora deixar as idiossincrasias de lado, verá que a resposta é “e daí nada". Seja quem for o próximo presidente, ele enfrentará constrangimentos orçamentários e políticos que reduzirão a um mínimo sua margem de manobra na economia. Com qualquer resultado, pouca coisa vai mudar, ao menos no curto prazo.

O eleito assumirá com uma preocupação ultraprioritária: criar empregos. Precisará estimular fortemente os investimentos. Para isso, terá de se entender com o empresariado. Ou seja, não vai abrir o mandato arrumando confusão e gerando incerteza. Ao contrário, vai procurar evitar turbulências e inocular otimismo. Até para influir mais no Congresso.

O próximo presidente trará notícias ruins. Corte de gastos, reforma da previdência. Precisará compensar com notícias boas. E a única notícia realmente boa no Brasil de 2019 será que o emprego voltou. Mas se é o trabalho que acrescenta valor à mercadoria, quem cria, ou destrói, postos de trabalho é o capital. Uma verdade contra a qual nunca é inteligente brigar.

Cada um compra e/ou vende dólar na hora que quiser, mas os espertos venderão na turbulência e recomprarão quando o ambiente se desanuviar, lá por novembro e dezembro. E os mais espertos ainda? Estes ocuparão o tempo até lá bolando ou desengavetando projetos que o novo governo possa apresentar como boas notícias para a criação de empregos. #FicaaDica.

E tem outro detalhe: seja qual for o governo, tudo precisará ser negociado com o Congresso, que já se sabe mais ou menos como será.

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As entrevistas com candidatos têm parecido menos entrevista e mais debate eleitoral. O jornalista coloca-se na posição de adversário político do entrevistado. Mas tudo na vida tem dois lados. Quem está acostumado a bater, de repente percebe que também pode ser alvo. Talvez seja inevitável, mas não deixa de ser uma novidade, essa volta do cipó de aroeira.

Não conhece a expressão “a volta do cipó de aroeira"?

Taí ->

https://youtu.be/EGyb11knYYo