segunda-feira, 30 de maio de 2016

Lava-Jato chacoalha o governo interino, mas Temer mantém vantagem estratégica

A largada do presidente interino é contraditória. 1) Demonstrou força política ao aprovar no Congresso permissão para um megadeficit de 170 bilhões. 2) Sua embrionária administração foi chacoalhada pelo recrudescimento da Lava-Jato.

O governo provisório tem também dificuldades na guerra da comunicação. O PT e Dilma Rousseff, agora livres da tarefa em que não vinham bem (governar), lutam no terreno que dominam: a construção da narrativa. Repetem as quatro eleições vitoriosas. Atribuem ao adversário os piores defeitos, para imobilizá-lo e tentar vencer na disputa de rejeições.

Temer entra em desvantagem nesse campo porque seu governo não tem torcida. O regulamento (Constituição) favorece. Ele tem um time forte (Congresso, ministério, equipe econômica). Mas as arquibancadas dividem-se entre a oposição e a indiferença, que os escândalos trabalham para transformar em má-vontade.

É nesse caldo de cultura que Lula e o PT tentam mexer o Senado. Propõem um pacto para reinstalar Dilma e convocar eleições. A tese tem potencial para produzir perturbação. Se um punhado de senadores pró-impeachment aderir, podem faltar votos contra a presidente na decisão final.

A execução disso não seria entretanto trivial.

Será preciso saber se o Senado aceitará recolocar Dilma fiando-se num contrato futuro de resgate incerto. Uma emenda constitucional para antecipar a eleição de presidente precisaria de três quintos em duas votações em cada Casa. Livre da espada do impeachment, é possível que o governo reinstalado não fizesse muita força a favor da PEC, usando a caneta para anabolizar-se.

Seria preferível então aprovar a PEC antes da votação final do impeachment, para dar as garantias aos em dúvida. Mas aí aparece outro problema: quem estaria no Planalto na ocasião seria Temer. E dificilmente a proposta avançaria sem apoio dele.

Supondo que o interino se enfraqueça ao ponto de precisar aceitar a amputação do próprio mandato, restar-lhe-á sempre a opção de ele próprio patrocinar a coisa. Com a condição de ficar no cargo até a eleição extraordinária. Para evitar que o PT vá às urnas comandando a máquina federal. A própria base governista aprovaria então primeiro a PEC e depois o fim definitivo de Dilma.

É improvável que a administração interina se atrapalhe na articulação política, tendo a caneta e beneficiada pelo fantasma do “Volta Dilma”. Especialmente depois que o PT guinou à esquerda para reagrupar a base social e manter a hegemonia no seu bloco histórico.

Sem contar ainda que a coisa toda precisaria da chancela do STF.

Apesar da Lava-Jato e do cerco petista. Temer mantém portanto a vantagem estratégica. Os riscos: 1) A Lava-Jato atingi-lo. 2) Uma rebelião popular ou no Congresso contra as medidas econômicas.

Nessas circunstâncias, porém, mais provável seria o Tribunal Superior Eleitoral aparecer para cortar o nó górdio.

Claro que sempre resta a opção de o campo político de Temer simplesmente implodir e Dilma voltar por inércia. Mas no momento essa probabilidade gira em torno de 1%.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Semana mostra se Congresso aprovará o orçamento para finalizar o impeachment

  • Governo pede autorização para gastar até decisão final do Senado
  • PT quer reinventar-se como simbiose entre Podemos/Syriza e PSUV
  • Tensão com presidente do Senado é foco de instabilidade

    O principal objetivo de todo governo provisório é perenizar-se. E todo governo é provisório em algum grau. Monarcas absolutos querem deixar herdeiros e perpetuar a dinastia. Primeiros-ministros no parlamentarismo querem reeleger-se indefinidamente. Presidentes no presidencialismo idem, quando a lei deixa. Quando não, querem mudá-la, ou emplacar o sucessor.

    Michel Temer organizou o governo provisório com o objetivo de torná-lo definitivo. Para tanto, o interino precisa 1) mostrar capacidade de operar a economia em meio à tragédia fiscal e 2) mostrar que tem maioria no Congresso para executar a operação econômica. Afinal, Dilma Rousseff está bem ali, no Alvorada, à espera de qualquer escorregão.

    O barco do temerismo chacoalha bastante nos primeiros dias de viagem, mas é preciso observar se isso causará rombos no casco da base congressual. A tripulação parece empenhada em chegar ao porto seguro da votação final no Senado, para afastar Dilma definitivamente.

    As muitas idas e vindas iniciais precisarão ser avaliadas pelo critério da resultante política. Qual delas fará o governo provisório perder substância na sociedade (onde é apenas tolerado) ou no Congresso? Qual delas aumentará a probabilidade de o Senado não confirmar a deposição da presidente eleita?

    Temer fez dois movimentos na largada. Distribuiu o governo para todos os partidos e grupos que podem ajudá-lo nesta etapa e pediu ao Congresso autorização para um déficit orçamentário que permita ao Executivo governar. Ou seja, gastar para cumprir compromissos políticos e para estancar a debacle econômica. Austeridade? Só depois.

    A estratégia tenta neutralizar o ponto principal da argumentação petista, de que o temerismo veio para implantar políticas austeras, e portanto antipopulares. O plano petista parece ser a sua reinvenção como um Podemos/Syriza, um partido antiausteridade. Se não houver correpondência na realidade imediata, o petismo corre o risco de ficar, pelo menos por um tempo, falando para si mesmo e seus satélites.

    Outro pilar do projeto de reinvenção do PT também pode acabar ajudando o governo provisório. Uma pitada de PSUV. O partido parece ter concluído que errou ao não tentar ampliar decisivamente sua influência sobre o Estado -incluídas a Justiça e as Forças Armadas- e sobre a chamada comunicação social. Quem não concorda com esse objetivo, tenderá no curto prazo a continuar tolerando Temer.

    Essa é a teoria. A vida real recomeça agora, quando o Congresso precisa votar a revisão do Orçamento da União. Será a primeira prova prática da capacidade operacional da nova articulação política. Será a oportunidade de verificar quantos dos votos pró-impeachment na Câmara e no Senado são também votos pró-estabilização do governo Temer.

    O Planalto parece ter alguma margem de segurança para os passos iniciais no Congresso. Mas há focos potenciais de problemas. Um é o duplo nó górdio da Presidência da Câmara dos Deputados, os problemas com Eduardo Cunha e seu vice, hoje interino. Outro é a tensão entre Cunha e o estratégico presidente do Senado, Renan Calheiros.

    Só os fatos dirão se esses pontos de instabilidade serão suficientes para fazer desandar a receita. Em tempos normais, o Executivo teria força para moderar conflitos no Poder vizinho. Em tempos normais.

    Outro ponto de atenção é a disputa no plano internacional entre o governo deposto e o provisório, em busca de reconhecimento. Se a resistência a Temer ficou até agora circunscrita, os grandes jogadores globais (EUA, China) parecem preferir esperar pela decisão definitiva do Senado. E indicam que trabalharão com quem prevalecer no final.

    Probabilidades: Governo Temer com maioria absoluta (pelo menos metade mais um dos votos) na Câmara dos Deputados e no Senado 75%. Dilma definitivamente afastada 85%. Temer cassado pelo TSE 10%.

    Prestar atenção:

  • Votações no Congresso
  • Novidades nas delações premiadas da Lava-Jato
  • Projeções econômicas após a montagem da nova equipe
  • segunda-feira, 16 de maio de 2016

    Força da coalizão no Congresso define sucesso ou fracasso do governo Temer

    • Guerra será vencida ou perdida no Legislativo
    • Governos só constroem maioria quando estão fortes
    • Reforçamos a aposta no gradualismo neste início

    Os ministérios econômicos e o Itamaraty receberam as maiores atenções nas horas iniciais de governo Michel Temer. Os primeiros, pela óbvia ansiedade a respeito do futuro. A chancelaria, pela oportunidade de protagonismo aberta com as manifestações de vizinhos sobre o impeachment.

    Conforme o gravitacional tempo político vai assentando a poeira, fica evidente que a guerra será vencida ou perdida por dois generais: Geddel Vieira Lima e Eliseu Padilha. De nada adiantará o novo governo desfilar as "propostas certas" na economia se não tiver votos para aprovar.

    O país colhe os frutos envenenados de décadas de mistificação. "Dinheiro tem, falta é vontade política", martelava o PT na oposição. "Não precisa aumentar imposto, se estancar a corrupção o dinheiro aparece", passou a pregar o antipetismo nesta última década e meia.

    O governo Dilma caiu porque só sobreviveria se admitisse que, infelizmente, o dinheiro acabou. E se conseguisse atrair a esquerda congressual, PT à frente, para as necessárias medidas de austeridade. A presidente hoje no ostracismo provisório até tentou, acenou sobre a Previdência e a CPMF.

    Em certo momento -um dia os historiadores dirão quando e como foi- o PT decidiu preferir a derrota heróica a fazer concessões estratégicas que poderiam manter aberta a possibilidade de vitória. Certamente ajudou na decisão a experiência do período Joaquim Levy.

    Ao aplicar o receituário que atribuíra aos adversários -e que eles aplicariam em algum grau estivessem vencido a eleição-, Dilma colheu não os aplausos deles. Colheu a ofensiva do impeachment. Em vez de apoiarem, aproveitaram a fraqueza nascida da austeridade para derrubar o governo.

    Um erro assim nasce do economicismo vulgar. Se a economia determina a política em algum grau, é a política que decide a guerra. Governos que têm maioria política sobrevivem. Se não têm, morrem. E maiorias políticas constroem-se no dia a dia, e a partir de posições de força.

    Fernando Henrique Cardoso sobreviveu à desvalorização cambial de 1999 porque formou uma base forte desde o Real em 1994. Lula navegou na tempestade e chegou ao porto porque fez isso em 2003/04, na esteira da subida ao poder.

    A hora de Temer construir ou não maioria política é agora. Mais importante que desenhar um plano maravilhoso é mostrar ter votos para aprovar algo na direção desejada. Também nesses casos o ótimo costuma ser inimigo do bom. Para que o trem chegue ao destino ele precisa começar a andar.

    Se o Congresso começa a votar (e aprovar) as propostas do novo governo, reforça o ambiente de "página virada". Se atola na largada, reabre a crise. Por isso, reforçamos a avaliação de que este início será marcado pelo gradualismo. Na direção desejada, mas com um programa realista.

    Uma largada mais "morna" ajudaria também no front externo, para neutralizar ao menos em parte a narrativa de que o governo anterior foi removido para que se promova um ataque frontal aos direitos sociais conquistados na última décadas.

    Mas sempre é bom deixar uma janela para o imponderável. Como mostrou o presidente interino da Câmara dos Deputados na véspera da decisão do Senado, o imponderável nunca é só uma abstração.

    Probabilidades: Governo Temer largar com maioria absoluta na Câmara dos Deputados e no Senado 75%. Dilma ser definitivamente afastada 85%. Temer ser cassado pelo TSE 10%.

    Prestar atenção:

    • Destino da Presidência (interina) da Câmara dos Deputados
    • Fatos novos da Lava-Jato contra apoiadores de Temer
    • Projeções de índices feitas pelos atores econômicos

    Alon Feuerwerker alon.feuerwerker@fsb.com.br
    +55 61 8161-9394 (cel + whatsapp) / +55 61 3051-5464 (trab)

    segunda-feira, 9 de maio de 2016

    Forte tendência a acomodar marcará ambiente político na largada de Temer

    • Oposição fraca, establishment e eleição municipal jogam a favor
    • Se formar base ampla, governo terá vantagem na sucessão da Câmara

    Há dois tipos de governo: 1) no que o político quer entrar e 2) do que ele busca sair. Este é exceção. O político sai de um governo porque vislumbrou a possibilidade de entrar em outro. Políticos sempre trabalham para ser do governo. Quando estão na oposição não é desejo, é circunstância.

    Não compreender a utilidade dessa regra simples foi um problema grave de Dilma Rousseff. A presidente acabou no pior dos mundos: supostamente loteou o governo -e era atacada pelo loteamento-, mas nunca aceitou dividir poder. Nunca soube tirar pleno proveito das forças centrípetas. Até que um dia sucumbiu às centrífugas.

    Já a embrionária administração Michel Temer deve ser mais profissional na condução. Há a cantilena habitual por um gabinete "de notáveis", ou"técnico". Mas os novos operadores políticos têm larga experiência e será surpresa se caírem na mesma esparrela. Há uma única certeza sobre governos "técnicos" ou "de notáveis": eles estão a caminho de cair.

    Um dos itens da nossa mitologia política é que o "presidencialismo decoalizão" brasileiro é intrinsecamente inviável se não houver uma reforma partidária-eleitoral. A realidade é mais simples. Governo que tem base parlamentar sobrevive. Se não tem, morre. Ou na eleição vindoura, quando consegue vegetar até lá, ou antes.

    Eis a equação da gestão Temer -que só não existirá se o imponderável agir: precisa de maioria no Congresso para transmitir a empresários e trabalhadores, a investidores e consumidores, que tem votos em número suficiente para aprovar medidas de estabilização, um dia, da proporção da dívida pública sobre o produto interno. Enquanto o universo da ideologia torce o nariz para a suposta baixa qualidade da representação parlamentar, os responsáveis pela vida real só querem saber se o novo governo terá força para votar medidas necessárias diante do colapso do mundo de fantasia em que o país viveu.

    Uma variável nova, à luz do que decidiu o Supremo Tribunal Federal, é quem conduzirá a Câmara dos Deputados depois do impedimento provisório mas por tempo indeterminado do presidente Eduardo Cunha. O período recente foi didático sobre o efeito de um conflito da Casa com o Planalto.

    Mas é razoável supor que se o novo governo está construindo uma base ampla ela será útil para evitar a ascensão de um adversário. Ainda que a circunstância embuta o risco de o aliado, uma vez vice-presidente de fato da República, passar a mirar no titular. Um Temer para o Temer.

    Apesar das dificuldades e limitações, nossa previsão é que este início de Era Temer será marcado pela tendência à acomodação política. A nova oposição dificilmente terá mais força para criar problemas ao novo governo do que a (pouca) força que demonstrou para evitar a derrocada do velho. O establishment pedirá "patriotismo" e o mundo da política se voltará progressivamente para a eleição municipal. O novo Planalto precisará errar muito para os vetores centrífugos prevalecerem sobre os centrípetos.

    Claro que há o imprevisível. O que aparecerá na Lava-Jato contra o novo núcleo de poder? Quais os desdobramentos ainda desconhecidos da decisão do STF sobre Eduardo Cunha? Na resistência final, Dilma conseguirá introduzir algum elemento desestabilizador da nova ordem?

    Probabilidades: Abertura de processo contra Dilma no Senado e afastamento da presidente 99%, condenação definitiva de Dilma no Senado 80%, cassação de Temer pelo TSE 10%.

    Prestar atenção:

    • Votação do afastamento de Dilma, dia 11
    • Novos políticos serão réusno STF?
    • Lava-Jato

    segunda-feira, 2 de maio de 2016

    Mediocridade de expectativas e má herança recebida, os trunfos do novo governo

    • O governo nascido do impeachment de Dilma vai "dar certo"?
    • Circunstâncias difíceis legitimam plataforma minimalista •
    • Mas, e o desconforto tucano-petista com o fim da bipolaridade?

    O ainda vice Michel Temer deve assumir o poder em condições políticas favoráveis quando -e se- Dilma Rousseff for afastada no Senado. O "se" é por dever deofício, pois em política nunca há certeza do futuro. Graças a sua excelência, o imponderável. Se apenas um imponderável daqueles pode dar a Dilma destino diferente doostracismo, a pergunta permanente hoje é se o eventual futuro governo Temer vai "dar certo".

    Mas o que seria "dar certo", naprática? O "dar certo", também em política, pode ser reduzido a uma função na qual expectativas aparecem com sinal negativo e entregas, com positivo. Um problema de Dilma é ter vencido em 2014 com expectativas relativamente altas. Foi eleitoralmente eficaz, mas plantou a semente daderrocada política do governo recém-eleito.

    Quando se escancarou que asentregas seriam baixíssimas, a presidente ficou fraca demais para atrair aliados e intimidar adversários. Dilma passou a depender de desentendimentos e impasses entreosinimigos, abertos ou dissimulados. Situação sempre de alto risco. Quando ospolíticos convergiram para uma saída, o destino dela foi selado.

    Sobre expectativas e entregas, Temer vive situação oposta. Por dois motivos. Há consenso de que 1) receberá o governo em condiçõesdesastrosas na área fiscal e 2)um déficit de legitimidade o impedirá deaprovar medidas pró-mercado imploradas mas imprudentes. Assim, na regra de Ortega y Gasset de que cada um é ele mesmo e suas circunstâncias, Temer é um anti-Dilma. Se a titular deixou cristalizar a ideia de que ela própria seria o problema, o vice pouco a pouco vai vendo assentar a tese de que o que vier será lucro, dadas as más circunstâncias.

    Não se espera deum governo Temer que corte heroicamente os nós górdios, apenas que aponte alguma luz no fim do túnel. Se conseguir montar uma base operacional no pulverizado Congresso e se trouxer algum vislumbre derecuperação econômica, será tolerado como preço razoável a pagar para que o país encontre uma solução melhor em 2018.

    Um governo minimalista, entretanto, não responderá plenamente à ambição do grupo agora hegemônico de projetar-se para além de 2018. Uma regra de ouro do poder é tentar perpetuar-se. Quando os adversários enxergarem no minimalismo de curto prazo um caminho para o maximalismo de médio prazo, aparecerão os problemas. Daí que a melhor aposta seja antever um governo Temer extremamente prudente, preocupado em economizar capital político, sabedor de que os aliados-adversários esperam apenas pelos primeiros sinais de fraqueza. Com um agravante: o novo poder não tem, ao contráriode PSDB e PT, umexército capaz de prevalecer na guerra cultural.

    Dilma fora, não seria espantoso seas máquinas ideológicas petistas e tucanas adotassem a velha máxima de "caminhar separadas e golpear juntas", na tarefa comum de manter a bipolaridade das duas últimas décadas e evitar que desta vez uma "terceira via" se construa a partir dopróprio governo, agora pela centro-direita.

    Probabilidades: Abertura de processo contra Dilma no Senado e afastamento da presidente 99%, condenação definitiva de Dilma no Senado 80%, cassação de Temer pelo TSE 10%.

    Prestar atenção:

    • Armadilhas que Dilma deixará para Temer
    • Últimas manobras do governo no Senado
    • Arremate do gabinete temerista
    • Lava-Jato, claro