O espaço noticioso e analítico ocupado até agora pelo autonomeado centro (eliminaremos doravante as aspas por economia de espaço) anda diretamente proporcional à indiferença do eleitorado diante de ter ou não um candidato centrista competitivo. O fenômeno não chega a ser novo. De tempos em tempos nossa nata intelectual se refugia num universo paralelo.
Essa fuga resulta também de certa conhecida compulsão sebastianista, de buscar num passado que nunca volta velhas soluções para um presente recheado de problemas algo originais. E o problema novo do centrismo é ter perdido a hegemonia sobre seu bloco, ter perdido a capacidade de subjugar pacificamente a direita de raiz, como fazia desde a redemocratização.
Ou desde pelo menos 1994, quando Fernando Henrique Cardoso se aliou ao PFL para, impulsionado pelo Real, derrotar Lula. Bater o líder petista ali e dali a quatro anos deu não só dois mandatos presidenciais ao PSDB: deu-lhe o comando sobre um bloco histórico, posição que resistiu à passagem de um quarto de século, e a três derrotas em disputas presidenciais.
Mas parece não estar resistindo à quarta. Assistimos à rebelião da direita contra o PSDB, e a resiliência de Jair Bolsonaro é uma expressão. Em parte porque os tucanos compartilham com o PT fragmentos do DNA e da visão de mundo, como Jessé de Souza explica. Em parte porque a direita desconfia de que pôr as fichas no PSDB arrisca uma quinta decepção no pano verde.
É difícil a equação do PSDB. Se acenar à esquerda, corre o risco de alienar decisivamente uma massa eleitoral que lhe dá competitividade desde FHC. Se ceder ainda mais à bolsonarização, abre espaço a que o PT, ou algum satélite petista, apareça, numa armadilha típica da política, com alternativas eleitorais palatáveis ao centrismo. Será que Lula está nessa?
Foi sintomático FHC lamentar dias atrás não ter mantido pontes melhores com a esquerda. Tem algo de Fausto entristecido quando o tinhoso traz a conta depois da longa juventude, mas não deixa de ser interessante. O ex-presidente tucano deve estar desconfortável como aiatolá ainda oficial de uma legenda cujos novos líderes preferem o MBL a Max Weber.
FHC é cada vez mais apenas um retrato na parede, tratado com respeito, mas de influência residual. O PSDB hoje é João Doria, Nelson Marchezan, Nilson Leitão e Rogério Marinho. Vem também daí parte das dificuldades de Geraldo Alckmin, que talvez sintetize melhor o centrismo à procura de uma cadeira depois que a música parou de tocar de repente.
O que distingue exatamente hoje o discurso e o programa do PSDB, e de outros candidatos à cadeira do centro, do bolsonarismo? Quem tiver tempo e paciência, que se aventure na missão de procurar. Na economia, talvez uma dose a mais de liberalismo. Para azar, os últimos resultados da política econômica não são exatamente animadores eleitoralmente aos liberais.
Sobre a Lava-Jato, PSDB, centristas menos votados e bolsonaristas estão alinhados no apoio entusiástico à prisão e à inelegibilidade de Lula. O que faz mais complicada a missão de algum petista, talvez Fernando Haddad, disposto a reconstruir aquele sonho do final dos anos 80 e início dos 90, de uma aproximação com os tucanos em torno de teses social-democratas.
Restam os temas identitários e ambientais. Aí poderia ter jogo. O tucanismo poderia eventualmente reinventar-se como macronismo, juntando liberalismo econômico, identitarismo e ambientalismo. Não por acaso é a pauta feroz e recorrente de onze entre dez dos nossos principais órgãos de imprensa. Talvez seja o sonho secreto de FHC. Mas não seria fácil de operar.
Faltam os atores adequados na direita e no dito centro. Joaquim Barbosa? Veremos como se desenvolve a campanha. Mas as pesquisas mostram que não é coisa simples demolir os blocos ideológicos alinhados de cada lado, apesar do esforço da opinião pública, a advertir toda hora sobre o risco do extremismo. Quatro anos de Lava-Jato deram bom gás aos radicais.
Alon Feuerwerker
jornalista e analista político
bio -> https://pt.wikipedia.org/wiki/alon_feuerwerker
segunda-feira, 30 de abril de 2018
quinta-feira, 26 de abril de 2018
Agitar a miragem do novo é o que há de mais velho
O debate em torno do centro veio substituir a discussão sobre o novo, que agora volta com força pelas mãos da provável candidatura de Joaquim Barbosa. Que nos sonhos da direita autodita centrista fundiria as duas qualidades: ser apresentada como a novidade de centro. No popular, juntaria o útil ao agradável, ou a fome com a vontade de comer.
E assim segue o debate eleitoral, orientado por miragens, como o novo ou o candidato de centro, sem nunca tocar no essencial: o que o indigitado vai fazer caso o eleitor decida dar a ele 4 anos no Palácio do Planalto. Até agora, os adjetivos e aparentados dominam a cena. Os substantivos, coitados, estão muito atrás na fila. Com boa chance de nunca serem chamados.
A esperança é a última que morre, então tenhamos esperança de que num belo dia o diálogo eleitoral apareça recheado de substantivos e verbos, esses elementos que injetam vida na comunicação. Já fui mais otimista, mas confesso que as últimas semanas diluíram meu otimismo. E a culpa, claro, é da esquerda e do PT.
Mesmo sob fogo cerrado, a esquerda e o PT conseguiram chegar até aqui exibindo músculos suficientes para a competitividade eleitoral. Diante disso, a direita, sempre desconfiada da própria capacidade de bater a esquerda num mano a mano transparente sobre como cada um vai governar, escapole para a velha fórmula do novo, agora atualizada pelo ingrediente centrista.
Em vez de discutir reforma da previdência, é muito mais fácil fazer campanha dizendo que todos os políticos são corruptos e o Brasil está seriamente ameaçado pelo extremismo. A solução, portanto, seria recorrer a alguém moderado e de fora do sistema, para inocular benignidade numa política tomada pela praga maligna da corrupção. E do extremismo. Depois da urna virá a conta, mas aí o serviço estará feito.
Se os propagadores dessa linha parassem para pensar com alguma honestidade intelectual (só os ingênuos acreditam que a política pode ser conduzida assim), ou pelo menos cuidassem de evitar passar vergonha mais adiante, admitiriam que poucas coisas são mais velhas na política brasileira do que aparecer na véspera da eleição brandindo a foto do novo que vai acabar com os políticos corruptos. Foi a fórmula de Jânio em 1960 e a de Collor em 1989.
Mas é preciso reconhecer: é inteligente tentar repetir o estratagema, pois das outras vezes deu certo. “Primeiro a gente elege ele, para evitar a vitória dos esquerdistas. Depois, se precisar, a gente derruba. ”Foi assim com Jânio, para acabar com a longevidade do getulismo. Foi assim com Collor, escalado contra o “monstro Brizula”, o pesadelo de ter Brizola e Lula na final.
E o detalhe curioso: três décadas separaram Jânio Quadros e Fernando Collor. E três décadas passaram desde a eleição do primeiro presidente pós-1964. Que assumiu pouco mais de três décadas após a revolução de 1930.
Talvez a mistificação do novo esteja de algum modo vinculada a fins de ciclo, e à incapacidade de o sistema se auto-renovar. Por que diachos a política brasileira vive de soluços? Bom tema para outra análise.
==========
Publicado originalmente no www.poder360.com.br
E assim segue o debate eleitoral, orientado por miragens, como o novo ou o candidato de centro, sem nunca tocar no essencial: o que o indigitado vai fazer caso o eleitor decida dar a ele 4 anos no Palácio do Planalto. Até agora, os adjetivos e aparentados dominam a cena. Os substantivos, coitados, estão muito atrás na fila. Com boa chance de nunca serem chamados.
A esperança é a última que morre, então tenhamos esperança de que num belo dia o diálogo eleitoral apareça recheado de substantivos e verbos, esses elementos que injetam vida na comunicação. Já fui mais otimista, mas confesso que as últimas semanas diluíram meu otimismo. E a culpa, claro, é da esquerda e do PT.
Mesmo sob fogo cerrado, a esquerda e o PT conseguiram chegar até aqui exibindo músculos suficientes para a competitividade eleitoral. Diante disso, a direita, sempre desconfiada da própria capacidade de bater a esquerda num mano a mano transparente sobre como cada um vai governar, escapole para a velha fórmula do novo, agora atualizada pelo ingrediente centrista.
Em vez de discutir reforma da previdência, é muito mais fácil fazer campanha dizendo que todos os políticos são corruptos e o Brasil está seriamente ameaçado pelo extremismo. A solução, portanto, seria recorrer a alguém moderado e de fora do sistema, para inocular benignidade numa política tomada pela praga maligna da corrupção. E do extremismo. Depois da urna virá a conta, mas aí o serviço estará feito.
Se os propagadores dessa linha parassem para pensar com alguma honestidade intelectual (só os ingênuos acreditam que a política pode ser conduzida assim), ou pelo menos cuidassem de evitar passar vergonha mais adiante, admitiriam que poucas coisas são mais velhas na política brasileira do que aparecer na véspera da eleição brandindo a foto do novo que vai acabar com os políticos corruptos. Foi a fórmula de Jânio em 1960 e a de Collor em 1989.
Mas é preciso reconhecer: é inteligente tentar repetir o estratagema, pois das outras vezes deu certo. “Primeiro a gente elege ele, para evitar a vitória dos esquerdistas. Depois, se precisar, a gente derruba. ”Foi assim com Jânio, para acabar com a longevidade do getulismo. Foi assim com Collor, escalado contra o “monstro Brizula”, o pesadelo de ter Brizola e Lula na final.
E o detalhe curioso: três décadas separaram Jânio Quadros e Fernando Collor. E três décadas passaram desde a eleição do primeiro presidente pós-1964. Que assumiu pouco mais de três décadas após a revolução de 1930.
Talvez a mistificação do novo esteja de algum modo vinculada a fins de ciclo, e à incapacidade de o sistema se auto-renovar. Por que diachos a política brasileira vive de soluços? Bom tema para outra análise.
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Publicado originalmente no www.poder360.com.br
segunda-feira, 9 de abril de 2018
O primeiro tempo da final realista e fantástica acabou. Está 1 a 1. E vai ser jogo duro até o fim. Ou até depois
O juiz apitou o fim da primeira etapa e a partida vai empatada em 1 a 1. Lula está preso e a tentativa insistente de fazê-lo concorrer nas eleições será apenas um esticar de corda. Mas Lula também conseguiu sair das ruas querido pelos dele, em vez de apenas apedrejado, cuspido e xingado pelos adversários. O jogo que era para estar decidido continua aberto.
É improvável que a prisão tenha corroído decisivamente o capital político de Lula, do PT e do bloco de esquerda. No outro lado, a narrativa que consolida é a de Bolsonaro, dificultando descontruí-lo, e portanto tornando mais complexa a missão do autonomeado centro. O centrismo e o bolsonarismo ainda não são indistinguíveis, mas andam cada vez mais parecidos.
Já o juiz da partida parece ter suas próprias circunstâncias. Apita sem se sentir obrigado a seguir a International Board. E é sensível à pressão para dar um jeito de os dois times perderem. O que poderia eventualmente produzir a situação inédita de alguém da arbitragem levantar a taça. Pois nada deve ser descartado neste torneio de realismo fantástico.
E as coisas estranhas de um jogo estranho não param aí. O chefe do policiamento deu de opinar sobre como prefere que o juiz apite. E na tribuna de imprensa, em vez do barulho do teclado das máquinas (coisa antiga, sei), só se ouve o alarido da torcida para o juiz expulsar o máximo possível de jogadores de cada lado, mesmo que isso leve a decisão para o STJD.
Não é impossível os 90 minutos (ou a prorrogação, ou os pênaltis) conseguirem chegar ao final e alguém sobreviver para erguer o troféu. A inércia é poderosa. Mas engana-se quem acha que a coisa acaba aí. O perdedor vai ao tribunal. E a possibilidade de uma solução boa é mais ou menos a mesma de Flamengo e Sport conseguirem acordo sobre quem foi campeão em 1987.
Haja metáforas. Vamos à vaca fria. Com Lula fora, a esquerda precisará deixar de lado o faz-de-conta e decidir o que quer da eleição. Se é só "marcar posição” ou usá-la para preservar força política institucional. E a direita precisará começar a depurar seu amplo leque de opções, para tentar reduzir o risco de não comer o bolo depois de comandar toda a festa.
Os problemas de cada lado são visíveis. O único terreno em que a esquerda consegue unidade de ação é na luta para ver Lula livre. Conforme o processo eleitoral caminhar, precisará dar um jeito de apresentar ao distinto público uma alternativa de poder. Quem gosta de voto de protesto é intelectual, diria Joãosinho Trinta. Povo gosta mesmo é de governo que resolva.
Na direita, continua o desafio de vencer a eleição dizendo o que vai fazer se ganhar. Seu programa não é em si popular. No governo, a direita brasileira só faturou eleições quando a economia ia bem. E se a recessão parece mesmo ter acabado, nada indica que a recuperação virá com forte redução do desemprego e aumento de renda, a tempo de influir na urna.
Sem contar, e ainda tem isso, a permanente ressureição do “novo”. Marina relançou-se, mas o nome da vez é Joaquim Barbosa. Ele terá uma posição privilegiada no segundo turno, se chegar lá. É razoavelmente votável pela esquerda contra a direita, e também pela direita contra a esquerda. Por isso, ambas certamente farão tudo para acabar com ele no primeiro.
Há hoje cinco nomes com chance real de ir ao segundo turno. O candidato de Lula, Bolsonaro, Marina, um nome “de centro” e Barbosa. Ciro entra no grupo se atrair o apoio da esquerda. Se esta operar bem, tem vantagem para ocupar uma das vagas. O que faz crer numa guerra do outro lado. Com Bolsonaro e Marina, principalmente, trabalhando para lipoaspirar o PSDB.
E sempre tem o governo. Pego emprestada a frase: governo no Brasil é que nem cobra, até morta pode matar. Sarney, no chão, quase embaralhou a eleição de 1989 com a candidatura de Silvio Santos. Em meio à confusão, aliás, uma estrutura razoavelmente operacional continua sendo a administração Temer. Não tem prestígio, mas sobra-lhe munição.
Em meio ao caos, uma força organizada leva vantagem. Está aí a chave da conjuntura e do processo eleitoral. Quem conseguir se arrumar antes para apresentar-se ao eleitor como um produto viável para enfrentar os grandes desafios nacionais pode conseguir boa vantagem na largada. E se o circuito revelar-se de ultrapassagens difíceis, isso pode ser decisivo.
Haja metáforas. Talvez o número delas seja proporcional à confusão.
É improvável que a prisão tenha corroído decisivamente o capital político de Lula, do PT e do bloco de esquerda. No outro lado, a narrativa que consolida é a de Bolsonaro, dificultando descontruí-lo, e portanto tornando mais complexa a missão do autonomeado centro. O centrismo e o bolsonarismo ainda não são indistinguíveis, mas andam cada vez mais parecidos.
Já o juiz da partida parece ter suas próprias circunstâncias. Apita sem se sentir obrigado a seguir a International Board. E é sensível à pressão para dar um jeito de os dois times perderem. O que poderia eventualmente produzir a situação inédita de alguém da arbitragem levantar a taça. Pois nada deve ser descartado neste torneio de realismo fantástico.
E as coisas estranhas de um jogo estranho não param aí. O chefe do policiamento deu de opinar sobre como prefere que o juiz apite. E na tribuna de imprensa, em vez do barulho do teclado das máquinas (coisa antiga, sei), só se ouve o alarido da torcida para o juiz expulsar o máximo possível de jogadores de cada lado, mesmo que isso leve a decisão para o STJD.
Não é impossível os 90 minutos (ou a prorrogação, ou os pênaltis) conseguirem chegar ao final e alguém sobreviver para erguer o troféu. A inércia é poderosa. Mas engana-se quem acha que a coisa acaba aí. O perdedor vai ao tribunal. E a possibilidade de uma solução boa é mais ou menos a mesma de Flamengo e Sport conseguirem acordo sobre quem foi campeão em 1987.
Haja metáforas. Vamos à vaca fria. Com Lula fora, a esquerda precisará deixar de lado o faz-de-conta e decidir o que quer da eleição. Se é só "marcar posição” ou usá-la para preservar força política institucional. E a direita precisará começar a depurar seu amplo leque de opções, para tentar reduzir o risco de não comer o bolo depois de comandar toda a festa.
Os problemas de cada lado são visíveis. O único terreno em que a esquerda consegue unidade de ação é na luta para ver Lula livre. Conforme o processo eleitoral caminhar, precisará dar um jeito de apresentar ao distinto público uma alternativa de poder. Quem gosta de voto de protesto é intelectual, diria Joãosinho Trinta. Povo gosta mesmo é de governo que resolva.
Na direita, continua o desafio de vencer a eleição dizendo o que vai fazer se ganhar. Seu programa não é em si popular. No governo, a direita brasileira só faturou eleições quando a economia ia bem. E se a recessão parece mesmo ter acabado, nada indica que a recuperação virá com forte redução do desemprego e aumento de renda, a tempo de influir na urna.
Sem contar, e ainda tem isso, a permanente ressureição do “novo”. Marina relançou-se, mas o nome da vez é Joaquim Barbosa. Ele terá uma posição privilegiada no segundo turno, se chegar lá. É razoavelmente votável pela esquerda contra a direita, e também pela direita contra a esquerda. Por isso, ambas certamente farão tudo para acabar com ele no primeiro.
Há hoje cinco nomes com chance real de ir ao segundo turno. O candidato de Lula, Bolsonaro, Marina, um nome “de centro” e Barbosa. Ciro entra no grupo se atrair o apoio da esquerda. Se esta operar bem, tem vantagem para ocupar uma das vagas. O que faz crer numa guerra do outro lado. Com Bolsonaro e Marina, principalmente, trabalhando para lipoaspirar o PSDB.
E sempre tem o governo. Pego emprestada a frase: governo no Brasil é que nem cobra, até morta pode matar. Sarney, no chão, quase embaralhou a eleição de 1989 com a candidatura de Silvio Santos. Em meio à confusão, aliás, uma estrutura razoavelmente operacional continua sendo a administração Temer. Não tem prestígio, mas sobra-lhe munição.
Em meio ao caos, uma força organizada leva vantagem. Está aí a chave da conjuntura e do processo eleitoral. Quem conseguir se arrumar antes para apresentar-se ao eleitor como um produto viável para enfrentar os grandes desafios nacionais pode conseguir boa vantagem na largada. E se o circuito revelar-se de ultrapassagens difíceis, isso pode ser decisivo.
Haja metáforas. Talvez o número delas seja proporcional à confusão.
quinta-feira, 5 de abril de 2018
O PT entre o PowerPoint e o Excel
Faltaram a Lula e ao PT no STF força própria e alianças. É exatamente o risco que ameaça o partido na eleição de outubro. A legenda encara dois desafios: 1) reagrupar em torno de outra alternativa os cerca de 30% que se mostra(va)m dispostos a votar no ex-presidente e 2) montar chapas nos estados para recolher os cerca de 20% que declaram o PT a sigla preferida. Nenhuma das duas empreitadas será simples, especialmente com Lula imobilizado e desconectado do mundo exterior.
A favor do partido, resta a até agora bem-sucedida operação de politizar ao máximo todo o episódio de caça e condenação. Isso rendeu uma narrativa essencial para atravessar o deserto. Falta ainda saber quanto de espetáculo haverá na captura e no recolhimento do ex-presidente à prisão, e o efeito disso no eleitorado. Uma vez Lula preso, entretanto, a vida prática imporá ao grupo político por ele liderado a necessidade de organizar a batalha de outubro. No cenário positivo, buscando a vitória. No outro, a sobrevivência como ator relevante do palco institucional.
Segundo todas as pesquisas, Lula tem forte influência e capacidade de convencimento em um pedaço do eleitorado medido entre 25% e 30%. Mas isso é, por enquanto, potencial. Precisará ser realizado. O desafio estará na execução. Como em outras atividades, não é pequena a distância entre os slides do PowerPoint de planejamento estratégico e os números frios da última linha do Excel com os resultados da vida real. Uma coisa é a pesquisa dizer que 25% votariam no candidato do Lula. Outra é 25% votarem. Demandará muito trabalho.
O risco de dispersão não é pequeno. É da natureza da política, e da natureza humana, que os demais nomes do chamado campo progressista sejam pressionados pelos seus respectivos grupos a tocar a vida, enquanto o PT fica às voltas com a busca de uma alternativa à inviabilizada candidatura do ex-presidente. E quanto mais o petismo esticar esse enredo, para extrair da vitimização o máximo de dividendos, mais se complicará a vida dos alternativos. Fazer campanha normal ou manter-se na órbita do movimento petista de esticar a corda?
O outro lado
Se Lula fora da disputa remove parte do estímulo à polarização com Bolsonaro, o efeito mais visível da caça judicial e política ao ex-presidente vem sendo uma, digamos, bolsonarização do campo oposto. O episódio todo vem comprovando o caráter ficcional, ainda que baseado em fatos reais, da ideia de existir um “centro” na política brasileira em 2018. Ao contrário, é Bolsonaro que cada vez mais se torna mainstream. Não por estar se deslocando ao centro. Mas pelo “centro” estar navegando para a direita. Basta olhar o que vai, por exemplo, pelo PSDB.
Outro efeito provável da decapitação eleitoral de Lula será o “por que não eu?”. Reduz-se o estímulo a convergências do outro lado. A dispersão abre a possibilidade de ir ao segundo turno alguém, ou mesmo dois, com baixa votação, o que acende ambições em projetos por enquanto flácidos ou até anêmicos. Marina, Alckmin, Álvaro Dias, Temer, Rodrigo Maia, Meirelles, Rabello de Castro, Amoêdo, Flávio Rocha etc. A lógica diz que alguns destes sairão e outros serão vices. Mas a tendência no momento é centrífuga.
A favor do partido, resta a até agora bem-sucedida operação de politizar ao máximo todo o episódio de caça e condenação. Isso rendeu uma narrativa essencial para atravessar o deserto. Falta ainda saber quanto de espetáculo haverá na captura e no recolhimento do ex-presidente à prisão, e o efeito disso no eleitorado. Uma vez Lula preso, entretanto, a vida prática imporá ao grupo político por ele liderado a necessidade de organizar a batalha de outubro. No cenário positivo, buscando a vitória. No outro, a sobrevivência como ator relevante do palco institucional.
Segundo todas as pesquisas, Lula tem forte influência e capacidade de convencimento em um pedaço do eleitorado medido entre 25% e 30%. Mas isso é, por enquanto, potencial. Precisará ser realizado. O desafio estará na execução. Como em outras atividades, não é pequena a distância entre os slides do PowerPoint de planejamento estratégico e os números frios da última linha do Excel com os resultados da vida real. Uma coisa é a pesquisa dizer que 25% votariam no candidato do Lula. Outra é 25% votarem. Demandará muito trabalho.
O risco de dispersão não é pequeno. É da natureza da política, e da natureza humana, que os demais nomes do chamado campo progressista sejam pressionados pelos seus respectivos grupos a tocar a vida, enquanto o PT fica às voltas com a busca de uma alternativa à inviabilizada candidatura do ex-presidente. E quanto mais o petismo esticar esse enredo, para extrair da vitimização o máximo de dividendos, mais se complicará a vida dos alternativos. Fazer campanha normal ou manter-se na órbita do movimento petista de esticar a corda?
O outro lado
Se Lula fora da disputa remove parte do estímulo à polarização com Bolsonaro, o efeito mais visível da caça judicial e política ao ex-presidente vem sendo uma, digamos, bolsonarização do campo oposto. O episódio todo vem comprovando o caráter ficcional, ainda que baseado em fatos reais, da ideia de existir um “centro” na política brasileira em 2018. Ao contrário, é Bolsonaro que cada vez mais se torna mainstream. Não por estar se deslocando ao centro. Mas pelo “centro” estar navegando para a direita. Basta olhar o que vai, por exemplo, pelo PSDB.
Outro efeito provável da decapitação eleitoral de Lula será o “por que não eu?”. Reduz-se o estímulo a convergências do outro lado. A dispersão abre a possibilidade de ir ao segundo turno alguém, ou mesmo dois, com baixa votação, o que acende ambições em projetos por enquanto flácidos ou até anêmicos. Marina, Alckmin, Álvaro Dias, Temer, Rodrigo Maia, Meirelles, Rabello de Castro, Amoêdo, Flávio Rocha etc. A lógica diz que alguns destes sairão e outros serão vices. Mas a tendência no momento é centrífuga.
segunda-feira, 2 de abril de 2018
De omelete em omelete, vão acabando os ovos da democracia constitucional. E alguma Constituinte vem aí
O Brasil contempla a demolição explícita do edifício democrático-constitucional erguido na passagem que fechou o período de hegemonia militar (1964-85). Essa transição culminou na Carta de 1988, feita pelo Congresso com poderes constituintes eleito em 1986. A nova ordem ainda não nasceu, mas a velha já morreu. Ainda que de vez em quando pareça estar viva.
É sintomático que o respeito à letra da Constituição tenha deixado de ser argumento importante para decisões judiciais mais relevantes. Aqui, as formalidades importam pouco: quando o julgador descumpre uma norma constitucional a pretexto de estar interpretando um princípio constitucional abstrato qualquer, apenas reveste a coisa de alguma elegância.
A Carta de 88 mal veio e já entrou na linha de tiro. Imediatamente, o liberalismo econômico abriu campanha contra os aspectos corporativos, estatizantes e distributivos dela. Restavam porém relativamente intocados alguns mecanismos sociais conservadores. E os um dia reverenciados direitos e garantias individuais, que a faziam “uma das mais modernas do mundo”.
Agora não mais. Cada pedaço do texto passou a ser alvo de desconstrução. A moda vinha ganhando novas cores desde os anos 90, quando a esquerda se acostumou a ir ao STF sempre que derrotada nas reformas pró-capitalistas do governo do PSDB. E a tendência só se reforçou. Hoje, o Supremo virou no dia-a-dia casa revisora e “vetadora” do Congresso e do Executivo.
Uma aberração, mas lógica. A esquerda exige do STF respeito à letra da Constituição contra a obrigatoriedade da prisão após condenação em segunda instância, no contexto do respeito às garantias e direitos individuais. E festeja quando o tribunal, e não vê contradição nisso, revoga as normas constitucionais antiaborto e em defesa da chamada família tradicional.
Já o jornalismo levanta-se em armas na luta pelas liberdades de expressão e imprensa, mas aceita bem relativizar qualquer outro direito individual ou coletivo, se for necessário para combater a corrupção. Vale, para quem não é da casa, o “não se faz o omelete sem quebrar os ovos”. De vez em quando lamentam-se “excessos”, por atrapalharem a empreitada. E só.
A direita nunca chegou a curtir o texto de 1988, pelos motivos já apontados, mas o abandono dele pela esquerda e pela imprensa vem sendo fatal. O resultado mais bizarro é transformar o STF numa espécie de regência de onze regentes, e com amplos poderes constituintes. Uma completa anomalia pelo ângulo da assim chamada democracia representativa.
Este status quo é insustentável, e os exemplos históricos indicam que deverá ser substituído por alguma forma centralizada de poder político, quando a sociedade estiver esgotada da bagunça, pela absoluta impossibilidade de essa bagunça produzir prosperidade e paz social razoavelmente sustentáveis no tempo. A dúvida é quem vai cortar o nó górdio desta vez.
O apodrecimento político do Brasil de 2018 é exatamente função de nenhum ator ter a força para promover a ruptura, amputar o membro gangrenado. O nome mais lógico para a missão será o presidente eleito em 2018, um candidato a Bonaparte, ainda que trazido pela urna. Não chegará a ser uma novidade para nós, mas só estará disponível em janeiro de 2019.
Ele vai enfrentar entretanto inimigos formidáveis. Um são as corporações de Estado empoderadas e endeusadas pela opinião pública que viu nelas, com alguma razão, o instrumento disponível para mudanças políticas que não deu para fazer pelo voto. Ou alguém acha que STF, MPF, TCU etc vão se recolher apenas por haver um novo presidente saído da urna?
Outro desafio será um país plenamente convencido, após anos de doutrinação, à esquerda e à direita, de que os corruptos são a razão maior de o Estado não ter dinheiro para resolver os problemas da saúde, da educação, da segurança, dos transportes públicos. E que portanto basta eleger um governo honesto para os recursos aparecerem.
Como não basta, o novo presidente precisará tirar algum coelho da cartola para a frustração popular não se voltar contra ele bem cedo. Um coelho disponível, já que a Constituição foi para o vinagre e o processo constituinte está em curso aos trancos e barrancos, é pegar uma carona nele, tomando a liderança e chamando a sociedade para participar.
É sintomático que o respeito à letra da Constituição tenha deixado de ser argumento importante para decisões judiciais mais relevantes. Aqui, as formalidades importam pouco: quando o julgador descumpre uma norma constitucional a pretexto de estar interpretando um princípio constitucional abstrato qualquer, apenas reveste a coisa de alguma elegância.
A Carta de 88 mal veio e já entrou na linha de tiro. Imediatamente, o liberalismo econômico abriu campanha contra os aspectos corporativos, estatizantes e distributivos dela. Restavam porém relativamente intocados alguns mecanismos sociais conservadores. E os um dia reverenciados direitos e garantias individuais, que a faziam “uma das mais modernas do mundo”.
Agora não mais. Cada pedaço do texto passou a ser alvo de desconstrução. A moda vinha ganhando novas cores desde os anos 90, quando a esquerda se acostumou a ir ao STF sempre que derrotada nas reformas pró-capitalistas do governo do PSDB. E a tendência só se reforçou. Hoje, o Supremo virou no dia-a-dia casa revisora e “vetadora” do Congresso e do Executivo.
Uma aberração, mas lógica. A esquerda exige do STF respeito à letra da Constituição contra a obrigatoriedade da prisão após condenação em segunda instância, no contexto do respeito às garantias e direitos individuais. E festeja quando o tribunal, e não vê contradição nisso, revoga as normas constitucionais antiaborto e em defesa da chamada família tradicional.
Já o jornalismo levanta-se em armas na luta pelas liberdades de expressão e imprensa, mas aceita bem relativizar qualquer outro direito individual ou coletivo, se for necessário para combater a corrupção. Vale, para quem não é da casa, o “não se faz o omelete sem quebrar os ovos”. De vez em quando lamentam-se “excessos”, por atrapalharem a empreitada. E só.
A direita nunca chegou a curtir o texto de 1988, pelos motivos já apontados, mas o abandono dele pela esquerda e pela imprensa vem sendo fatal. O resultado mais bizarro é transformar o STF numa espécie de regência de onze regentes, e com amplos poderes constituintes. Uma completa anomalia pelo ângulo da assim chamada democracia representativa.
Este status quo é insustentável, e os exemplos históricos indicam que deverá ser substituído por alguma forma centralizada de poder político, quando a sociedade estiver esgotada da bagunça, pela absoluta impossibilidade de essa bagunça produzir prosperidade e paz social razoavelmente sustentáveis no tempo. A dúvida é quem vai cortar o nó górdio desta vez.
O apodrecimento político do Brasil de 2018 é exatamente função de nenhum ator ter a força para promover a ruptura, amputar o membro gangrenado. O nome mais lógico para a missão será o presidente eleito em 2018, um candidato a Bonaparte, ainda que trazido pela urna. Não chegará a ser uma novidade para nós, mas só estará disponível em janeiro de 2019.
Ele vai enfrentar entretanto inimigos formidáveis. Um são as corporações de Estado empoderadas e endeusadas pela opinião pública que viu nelas, com alguma razão, o instrumento disponível para mudanças políticas que não deu para fazer pelo voto. Ou alguém acha que STF, MPF, TCU etc vão se recolher apenas por haver um novo presidente saído da urna?
Outro desafio será um país plenamente convencido, após anos de doutrinação, à esquerda e à direita, de que os corruptos são a razão maior de o Estado não ter dinheiro para resolver os problemas da saúde, da educação, da segurança, dos transportes públicos. E que portanto basta eleger um governo honesto para os recursos aparecerem.
Como não basta, o novo presidente precisará tirar algum coelho da cartola para a frustração popular não se voltar contra ele bem cedo. Um coelho disponível, já que a Constituição foi para o vinagre e o processo constituinte está em curso aos trancos e barrancos, é pegar uma carona nele, tomando a liderança e chamando a sociedade para participar.
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