sábado, 24 de setembro de 2022

Divagações sobre abstenção e “voto envergonhado”

Eleição é época de números, com candidatos, aliados e apoiadores espremendo as estatísticas para saber quem vai ganhar, se vai ter segundo turno etc. Mas também é tempo de especulação e pensamento mágico, boato, rumor, paranoia. Na temporada eleitoral, o objetivo convive bem com o subjetivo. Leva vantagem quem consegue, ele próprio, manter o máximo de objetividade enquanto surfa na subjetividade alheia.

Por falar em números, o dado ainda largamente incerto deste primeiro turno é o comparecimento. Nas últimas três décadas, tem girado em torno de 80%. Se à abstenção adicionarmos os brancos e nulos, o não voto em candidatos nas presidenciais costuma rondar os 30%. Tem aí um ruído em relação às atuais pesquisas, especialmente as estimuladas, em que indecisos, não sabe, não respondeu, nenhum, brancos e nulos não passam de 10%.

Pesquisas no Brasil costumam ser feitas com amostras que procuram expressar o total do eleitorado. Como nelas o não voto em candidatos é sistematicamente subestimado, a pesquisa estimulada acaba superestimando a projeção de apoio aos disputantes. O que não seria problema se impactasse igualmente todos os corredores. Mas nem sempre é assim. Vamos ver o que acontece neste agitado 2022.

A pesquisa estimulada superestimar o apoio aos candidatos traz subsídios para outra discussão, sobre haver ou não uma quantidade estatisticamente relevante de um certo “voto envergonhado”. Ou seja, o entrevistado despistar nas pesquisas por vergonha de sua opção eleitoral, deixando para manifestar-se apenas no escurinho metafórico da cabine de votação. Uma hipótese que alimenta sonhos e temores, dependendo do lado da disputa.

Há, porém, um paradoxo matemático na premissa de haver “votos envergonhados” em número estatisticamente relevante.

Qual é a atitude esperada de alguém com essa tendência? A dissimulação, o despiste. É altamente improvável que, só para disfarçar sua escolha, um eleitor envergonhado de Jair Bolsonaro responda na pesquisa estimulada “vou votar em Luiz Inácio Lula da Silva”. Mais razoável será ele dizer que está indeciso, que não quer responder, que nao quer nenhum, que vai votar em branco ou nulo. E a mesma lógica aplica-se ao eventual eleitor envergonhado de Lula.

Ora, mas se 1) há quantidade estatisticamente relevante de votos envergonhados e 2) a tendência do eleitor envergonhado é despistar, então o não voto em candidatos (indecisos, não sabe, não respondeu, nenhum, brancos e nulos) deveria nas pesquisas estar superestimado, e não subestimado. A série histórica mostra exatamente o contrário: muita gente diz nas pesquisas que vai votar em alguém, mas na hora h não vota em ninguém.

E ainda sobre o efeito da abstenção no próximo domingo, se vai ser neutra ou ajudar um dos lados. No cruzamento das respostas, a diferença entre Lula e Bolsonaro cai quando se expurga quem não votou em 2018. O que concluir? Na hipótese favorável a Bolsonaro, tem gente dizendo que vai votar em Lula, mas na hora nem vai comparecer. Na hipótese favorável a Lula, tem gente que não votou há quatro anos e agora vai votar nele.

Assim como no próximo domingo, você decide no que prefere acreditar.

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

A decisiva diferença das rejeições

As pessoas gostam mais de algumas pesquisas e menos de outras, mas infelizmente não há outro jeito de saber como anda a eleição. E quase todas elas apontam a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva, com possibilidade de liquidar a fatura no primeiro turno, e Jair Bolsonaro folgado logo atrás, sem ser ameaçado por nenhum dos nomes remanescentes da terceira via. Assim entra a última semana antes do 2 de outubro.

Há, porém, um detalhe nas pesquisas menos explorado, mas que se tem mostrado decisivo nos rumos da corrida: o gradiente entre as taxas de rejeição, aliás muito altas, entre os dois ponteiros. Quando a rejeição é medida da maneira mais adequada, perguntando ao entrevistado se ele vota com certeza, pode votar ou não vota de jeito nenhum em determinado nome, a oposição radical a Bolsonaro gira sempre em torno de 55%, dez pontos acima da de Lula.

Esse número 10 aparece nas mais diversas medições da corrida. Em ordem de grandeza, baliza a diferença entre os dois no primeiro turno, com alguma ampliação no segundo. Também parametriza as distâncias entre o ótimo+bom+regular positivo e o péssimo+ruim+regular negativo. Bem como a distância entre aprovação e desaprovação, medição binária essencial para conhecer com mais precisão a imagem de governos e governantes.

Bolsonaro encontra dificuldade para reduzir significativamente a distância entre ele e Lula, mesmo com a melhora notada na percepção sobre a situação da economia. Por quê? Porque não consegue reduzir o hiato nas rejeições, que parece ter origem mais na resistência à pessoa do presidente do que a seu governo. Esta eleição não está sendo tanto um plebiscito sobre o governo Bolsonaro, mas sobre o Jair.

Uma das principais razões para o PT e aliados lutarem com todas as forças para liquidar a fatura na primeira rodada é o risco de a polarização "depurada" de um segundo turno, com alguma paridade de condições, acabar equalizando as rejeições e tornando o desfecho menos previsível. Até agora não aconteceu, apesar das campanhas negativas. Talvez por cada um dos boxeadores estar enfatizando fraquezas do adversário bem cristalizados no eleitorado.

Fragilidades já bem precificadas.

Neste momento, na comparação com 2018, Bolsonaro e Lula parecem reproduzir os desempenhos dos então candidatos do PSL e do PT em todo o país, com exceção do Sudeste. Na maior concentração populacional e eleitoral do Brasil, o atual presidente deu um banho quatro anos atrás e hoje luta para equilibrar o jogo. Decorrem principalmente daí as distâncias abertas pelo ex nas pesquisas nacionais.

Bolsonaro enfrenta um forte antibolsonarismo na classe média (definida pelos generosos critérios brasileiros) do Sudeste, cultivado nas atitudes do presidente durante a pandemia e pelas suas arriscadas relações, ao menos verbais, com a institucionalidade. Como vai resolver isso será tarefa para seus profissionais de comunicação, se houver segundo turno. Quatro semanas a mais de oportunidades nunca são demais.

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Publicado na revista Veja de 28 de setembro de 2022, edição nº 2.804

sábado, 17 de setembro de 2022

O freio da pandemia

Entre as excentricidades das leis eleitorais no Brasil, uma a contribuir fortemente para atrapalhar as mentes é a que define uma data, perto da eleição, para o início oficial da campanha. Antes desse dia, entre outras bizarrices, não se pode falar em candidaturas, só em pré-candidaturas. Daí a ilusão de a campanha mudar de patamar num certo dia, e a partir daí existir sempre potencial para grandes mudanças.

Uma variável estatística ha muito tempo já dava sinais de não ser bem assim desta vez: a alta escolha de candidatos na pesquisa espontânea, quando o entrevistado tinha de responder sem apresentarem a ele a relação dos concorrentes à Presidência da República. Na real, a eleição presidencial brasileira está na rua há um ano e meio, desde que Edson Fachin anulou as condenações de Luiz Inácio Lula da Silva na Lava-Jato.

Ali começou um acelerado processo de sedimentação da bipolaridade entre o ex-presidente e o atual, o que acabou por fechar o espaço para uma fragmentada terceira via, que terminou se perdendo na ilusão de haver um grande estoque potencial de votos “contra os extremismos”. Registre-se ainda a ajuda do centro, quando matou os candidatos que, fora Ciro Gomes, tinham alguma massa crítica própria, Sergio Moro e João Doria.

Na política e no futebol, o “se” não joga, mas uma única terceira via que, por ser única, batesse em algo entre 10 e 15% dos votos produziria um fato político na campanha, sem o que qualquer centro teria imensa dificuldade para decolar. Mas isso agora é história.

A nossa longa corrida presidencial foi cristalizando algumas tendências que mostram resiliência agora na “campanha oficial”. Uma são as expressivas rejeições ao presidente da República e ao principal desafiante. É outra característica de um certo “segundo turno no primeiro”. Acontece que a rejeição do presidente tem sido consistentemente dez pontos maior que a do adversário, o que permite ao desafiante uma liderança estável nas projeções de segundo turno.

Cujos números por enquanto têm variado bem menos que os do primeiro.

A melhora na economia e na percepção sobre o ambiente econômico está em algum grau cumprindo seu papel, ao manter o incumbente competitivo faltando apenas duas semanas para o fechamento do primeiro turno. Mas até agora não foi suficiente para estreitar a fenda de dez pontos a mais de rejeição. Talvez porque essa diferença tenha origem principal em outra fonte. O que também vem sendo apontado há tempos.

A origem dos problemas do incumbente nesta reta final de primeiro turno deve ser buscada na pandemia. Políticos arriscam-se mais do que seria prudente quando fazem questão de ter razão e ignoram os grandes movimentos da massa, as grandes ondas de opinião. E tudo se agrava quando os danos numéricos à saúde popular são maciços, e quando o governante transmite alheamento e insensibilidade.

Os grandes estoques de voto onde Lula constrói sua vantagem sobre Bolsonaro são o Nordeste, os pobres e as mulheres. Para ter chance real de vitória, o presidente precisa reduzir ao menos moderadamente o déficit de votos em cada um desses grupos, ou então reduzir fortemente em algum deles. Até o momento, a rejeição entre as mulheres cristalizada durante a pandemia vem funcionando como freio.

sábado, 10 de setembro de 2022

O voto útil

O apelo aos eleitores para que votem “útil” é bem conhecido na política brasileira, seu nascimento remonta ao início dos anos 80 do século passado, quando o regime militar acabou com o bipartidarismo que ele próprio havia implantado no Ato Institucional número 2, de 1965.

Revogada a bipolaridade restrita a Arena e MDB, surgiram o PDS, sucessor da Arena, o PMDB, continuidade do MDB, o PTB de Ivete Vargas, o PDT de Leonel Brizola e o PT de Luiz Inácio Lula da Silva.

Com a nova pluralidade partidária, o governo João Figueiredo implantou o voto vinculado. As eleições municipais haviam sido adiadas de 1980 para 1982. Nestas, portanto, o eleitor seria obrigado a votar em candidatos do mesmo partido de vereador a governador, passando por prefeito (onde houvesse eleição direta), deputado estadual, federal e senador.

O objetivo do regime em dificuldades políticas: melhorar o desempenho do PDS nas eleições de governador, pois o oficialismo poderia vencer mesmo onde não tivesse a maioria absoluta, desde que chegasse na frente, pois até então a eleição para cargo majoritário era em um turno só.

O PT foi um ferrenho defensor de introduzir na Constituição de 1988 os dois turnos para presidente, governador e prefeito, pois vinha desde 1982 sendo vítima do então batizado “voto útil”.

Lula foi alvo desse discurso quando se candidatou a governador de São Paulo em 1982, perdendo para Franco Montoro (PMDB). Depois, Eduardo Suplicy sofreu com o argumento quando tentou a prefeitura da capital em 1985 e o governo estadual em 1986.

Nos três momentos, o apelo pela “utilidade” do voto decorria de os grupos identificados com o combate ao regime militar enfrentarem nas urnas paulistanas e paulistas candidatos da direita. Reinaldo de Barros em 82, Jânio Quadros em 85 e Paulo Maluf em 86.

O PT chegou à Constituinte em 1987 escaldado e trabalhou duro pelo seu espaço político. O argumento era razoável. “Cada um lança seu candidato no primeiro turno, e as alianças mais amplas acontecem no segundo.” E o partido viu a tese dos dois turnos sair vitoriosa, abrindo caminho aos candidatos majoritários do PT nas eleições subsequentes.

O apelo maciço do PT ao voto útil neste primeiro turno da eleição presidencial provoca uma dúvida: por que desacreditar da possibilidade de alianças mais amplas num eventual segundo turno?

A hipótese rósea é o PT e Lula não desejarem dar sopa para o azar e não quererem dar a Jair Bolsonaro mais quatro semanas, e no mano a mano, para tentar fazer o antipetismo voltar a superar o antibolsonarismo.

A outra hipótese é o PT desejar ser retornado ao poder por uma onda de votos úteis sem precisar firmar compromissos programáticos e em torno de espaços políticos com outros grupos, além dos escassos acordos já firmados.

A hipótese mais realista é uma combinação das duas.

De qualquer modo, seria pouco inteligente o PT não fazer o que está fazendo, pois um segundo turno contra Bolsonaro reabrirá a disputa eleitoral em outro patamar, com os dois oponentes em mais paridade.

Verdade que as projeções de segundo turno apontam vantagem, até algo confortável, para Lula. Mas em 2018 as projeções de segundo turno antes do primeiro estavam bem equilibradas, aí o candidato do PSL conseguiu um arranque na reta final do primeiro turno que lhe permitiu abrir grande diferença na largada do segundo.

Depois essa diferença foi caindo, mas a distância final acabou sendo boa, de uns dez pontos percentuais.

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Platitudes em tempo de eleição

Era esperado que as diversas alternativas na eleição se apresentassem como a salvação da lavoura e apontassem nos adversários sérias ameaças à segurança, ao bem-estar e ao progresso material e espiritual da sociedade e dos indivíduos.

As disputas políticas sempre correram por aí mesmo, mas há uns quinze anos isso exacerbou-se, também pelas frustrações decorrentes da crise de 2008-09 e pela “redessocialização” do debate político e dos mecanismos tradicionais de formação da opinião pública.

Mas é preferível acender uma vela a amaldiçoar a escuridão, então talvez valha a pena substituir o lamento pela busca de alguma ideia construtiva, por mais que possa parecer, ou ser, platitude. Na era da infantilização generalizada, até as platitudes podem cumprir um papel.

E as platitudes também servem de escudo em tempos de guerra política aberta.

A platitude que proponho desenvolver neste texto é meio óbvia: e se as diversas forças políticas aceitassem que os adversários, ou inimigos, continuarão morando por aqui, trabalhando, ganhando a vida, opinando, candidatando-se, elegendo e sendo eleitos?

Volta e meia, os discursos trazem a necessidade de defender a democracia e a liberdade. Para algumas narrativas, a Nova República e a Constituição de 1988 são as grandes “referências democráticas”. Verdade que a Carta, de tantos enxertos e amputações, acabou desfigurada e anda meio agonizante.

Aliás, ninguém mais parece estar nem aí para o argumento singelo “mas a Constituição não diz o contrário?”.

Principalmente os encarregados de zelar pelo cumprimento dela.

Mas o pilar central da Nova República é (era) outro. Foi-se estabelecendo ao longo das duas décadas de resistência ao regime militar, especialmente no declínio dele, um certo consenso a favor de construir um sistema político em que todas as forças pudessem se organizar pacificamente, disputar eleições e, caso vitoriosas, governar.

Era, e é, até uma obviedade. Há outros modelos disponíveis na prateleira, mas se o consenso continua sendo construir uma democracia constitucional pluralista não há como escapar da alternância no poder.

E, se numa democracia constitucional pluralista a alternância no poder é apresentada como ameaça à democracia, tem-se um problema. Uma contradição em termos.

A tentação costumeira é “dar um jeito” de bloquear o acesso de determinados grupos políticos ao governo. Mas aí vem a complicação: se uma parte, ainda mais se for uma parte grande, da sociedade está “minorizada”, com o tempo a própria democracia constitucional perde sentido.

Será saudável se este processo eleitoral desembocar num resultado aceito por todos e se a oposição feita pelos perdedores voltar seu locus para as mobilizações sociais, a opinião pública e o Parlamento, fazendo o Judiciário retornar para dentro da lâmpada mágica, da caixinha de onde saiu.

Mas não vai acontecer. Não se vê elemento ou vontade capaz de bloquear a reação química desencadeada por aqui em 2013. Nada parece capaz de frear a marcha da insensatez.  

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Publicado na revista Veja de 14 de setembro de 2022, edição nº 2.802

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Depois do 7 de setembro

Jair Bolsonaro alcançou seu objetivo com as mobilizações em torno do Dia da Independência: galvanizar sua tropa de apoiadores rumo à reta final do primeiro turno, no qual está até o momento em desvantagem resiliente, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Por enquanto, os vasos comunicantes entre melhora da percepção da economia, aprovação do governo e intenção de voto no presidente estão algo bloqueados. Faz sentido que Bolsonaro tenha desejado passar uma corrente elétrica pela sua base para colocá-la em movimento a pouco mais de três semanas da eleição.

Pois vai chegando a hora em que o eleitor ainda indeciso começa a ficar mais permeável aos argumentos não apenas dos candidatos, mas do eleitor decidido.

Os atos neste feriado exibiram em imagens outro achado recolhido das pesquisas: se Lula lidera na intenção de voto, o eleitor de Bolsonaro está no momento mais convicto de sua decisão. Percentualmente, mais eleitores de Lula dizem votar nele por rejeitar Bolsonaro do que eleitores de Bolsonaro dizem votar nele por rejeitar Lula.

Uma das novidades nesta conjuntura de quebra de tabus é a direita mostrar mais poder de mobilização que a esquerda. Uma particularidade que vinha se estabelecendo aos poucos, mas parece ter-se consolidado.

O outro lado arriscará uma competição com o presidente para ver quem põe mais gente na rua ou persistirá na tática de tentar simplesmente reunir uma “maioria silenciosa” e deixar o braço de ferro apenas para as urnas?

As imagens da massa em verde-amarelo também ajudam o postulante à reeleição a manter sua tropa eleitoral cética em relação aos levantamentos estatísticos, algo essencial para candidatos que entram em desvantagem no corredor polonês das últimas semanas pré-eleitorais.

A dúvida é quanto este 7 de setembro mexerá nos números no curto prazo, o que só poderá ser respondido pelos próprios números. Isso ganha alguma importância quando as tensões e nervosismos das campanhas e dos apoiadores têm por efeito colateral buscar a qualquer custo conclusões definitivas a partir até de oscilações na margem de erro.

sábado, 3 de setembro de 2022

Segundo turno é uma nova eleição? E o papel da mobilização

Os levantamentos mais recentes aumentaram a expectativa de a eleição presidencial deste ano ser decidida em dois turnos. O desfecho da trama depende, em última instância, de as terceiras vias, nas versões mais ou menos centristas, conseguirem reter os votos diante da pressão que virá (já está vindo) da esquerda.

Numa conversa esta semana veio do interlocutor a dúvida sobre se o segundo turno é sempre "uma nova eleição”. Tecnicamente sim, pois o eleitor tem de ir novamente à seção eleitoral, digitar o número do candidato e apertar “confirma”. Mas, a dúvida não é essa: é se a corrida recomeça do zero, ou quase. Em geral não.

A esta altura, o pensamento do eleitor atento à corrida presidencial já está percorrendo dois circuitos: sua escolha no primeiro turno e em quem votará caso o segundo turno seja disputado entre Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Na mente desse eleitor, os dois turnos já correm em paralelo.

Segundos turnos são tanto mais “uma nova eleição" quanto menos previstos. Se Simone Tebet conseguir a dupla façanha de ultrapassar Ciro Gomes e um dos dois líderes, e se a decisão ficar para 30 de outubro, o segundo turno será mesmo, em boa medida, uma nova eleição.

Mas, quando acontece o mais provável, quando o previsto prevalece, cenários de segundo turno são estruturados essencialmente no primeiro. São uma continuidade do primeiro. Em particular, costumam ser uma extensão da reta final do primeiro. Um exemplo cristalino aconteceu em 2018.

Os levantamentos na quinzena final do primeiro turno apontavam para um equilíbrio entre Bolsonaro e Fernando Haddad no possível segundo turno. Mas o arranque do capitão na reta final do primeiro turno fez, até por uma certa inércia, ele abrir o segundo turno exibindo larga vantagem sobre o petista.

Até hoje esse contraste entre o que diziam as pesquisas antes do primeiro turno e o que elas mostraram depois é explorado pelos apoiadores do presidente como uma evidência de as pesquisas terem errado. Não erraram, mudou foi o estado de espírito de parte do eleitorado que antes se mostrava algo indiferente ou distante.

A campanha de Bolsonaro espera fazer do 7 de setembro uma alavanca para o arranque rumo ao 2 de outubro. A ideia faz sentido, pois o capitão precisa ou ultrapassar ou chegar o mais próximo possível de Lula, neste caso para minimizar o risco decorrente dos apelos da esquerda pelo voto útil.

Claro que há uma variável complicadora: uma forte mobilização bolsonarista acelerar a convergência do antibolsonarismo em torno do candidato do PT. Aconteceu com sinal trocado em 2018: a espetacular demonstração de força do #elenao desencadeou uma ainda mais expressiva reação conservadora.

Mas quem entra em campo tem de jogar. Ficar parado não costuma ser inteligente. Menos ainda para quem está correndo atrás. Já Lula está jogando parado por enquanto, mas sua diferença real para o presidente, entre cinco e dez pontos percentuais, talvez tampouco recomende ficar estacionado na zona de conforto.