segunda-feira, 26 de junho de 2017

Com a estabilidade na instabilidade, um caminho para a travessia até 2018

A chancela, pela Polícia Federal, da licitude das provas contra o presidente da República será para este uma derrota e tanto. Aliás é intrigante que o Planalto deposite seguidamente as fichas em explicações que, sabe ele bem, cairão mais adiante. Não deixa de indicar certa falta de alternativas. E vem aí a denúncia -ou denúncias- da Procuradoria Geral da República, para revolver ainda mais o mar tempestuoso que balança o navio.

Mas é recomendável manter cautela sobre o efeito político imediato. A cada revés do governo, quando a poeira baixa, nota-se a ainda integridade, no essencial, da aliança que o sustenta. O núcleo dela: 1) o chamado centrão e a maioria da centro-direita; 2) o pedaço da imprensa que, afastado o PT, trocou a ética como valor universal pela ética da responsabilidade; e 3) o empresariado do agora ou nunca para as reformas.

Sem contar que o #ForaTemer da esquerda refluiu quando se tornou mais possível. Permanece a retórica, útil para animar plateias tão enraivecidas quanto desavisadas. E só. O PT e a esquerda não querem derrubar o governo. Preferem que ele apodreça, na esperança de a infecção contaminar as opções do centro para a direita em 2018. E o PT, por motivos óbvios, não apoia o Todo Poder à Lava-Jato.

Já o PSDB continua à espera do fato novo. Por definição, é o que ainda não aconteceu. Quando acontece, vira fato velho e dá lugar às preocupações com a governabilidade. Na atualização tucana do paradoxo de Zenon, Aquiles jamais alcançará a tartaruga. Sabe-se que qualquer Aquiles venceria um quelônio na vida real. Mas criações mentais, como a do fato novo, servem para ter uma história quando é preciso contar alguma.

A relativa rigidez da correlação de forças vem garantindo a estabilidade na instabilidade, e pode levar o barco temerista a ancorar no porto em 2018. Muito avariado, mas à superfície. Há ainda a peculiaridade de o ancoradouro não estar tão distante assim, somada ao fato de o exército adversário, a esquerda, ter escolhido o desfecho Dunquerque em vez do Stalingrado. É um risco, pois o resultado daquela guerra é conhecido.

Qual é a variável fora de controle? A possibilidade de um novo petardo afundar definitivamente a embarcação. Mas aí o bloco governista muito provavelmente se reagruparia em torno do presidente da Câmara dos Deputados, com o apoio tácito de uma parte da oposição. Bastaria para tanto que o novo presidente fosse um pouco para o centro. Por exemplo, ajustando as reformas para torná-las menos intragáveis aos atingidos.

É algo que está também ao alcance deste governo, se houver necessidade. Em caso, por exemplo, de um repentino e inesperado desembarque tucano. Na reforma trabalhista, pode garantir fontes de financiamento aos sindicatos e centrais. Aliás, é o que já está sendo negociado. E também pode lipoaspirar a reforma da previdência para permitir algum alívio, mesmo parcial. Não faltará apoio empresarial para esse ajuste no ajuste.

Em resumo, apesar do imenso desgaste de imagem e dos gravíssimos problemas jurídicos, o governo Temer ainda tem margem de manobra.

Voto nulo em 2018?

Discretamente, começa-se a debater no PT o que fazer se uma decisão judicial impedir, pela Lei da Ficha Limpa ou outro meio, a candidatura de Lula. Há a hipótese, natural, de um nome petista indicado pelo ex-presidente. Há a hipótese de o PT apoiar alguém de fora, surgido de uma articulação à esquerda. E há a hipótese de boicotar a eleição presidencial. Uma variante do voto nulo dos anos 60 e início dos 70 do século passado.

São todas escolhas complexas. Um nome novo petista precisaria ser construído ao longo do processo eleitoral. Seria um desafio. Alguém à esquerda teria a vantagem da novidade e de não carregar o passivo da Lava-Jato, mas afrontaria a tática clássica de Lula, de buscar o centro. E o boicote eleitoral seria um peso sobre os ombros dos candidatos do partido aos demais cargos em disputa, com efeitos difíceis de prever.

E há ainda a variável da luta pela hegemonia no campo dito progressista. Como se sabe, políticos até admitem perder eleições, mas não convivem bem com o risco de perder a liderança da própria tribo. Pois a liderança da tribo é o requisito para se manterem vivos para a próxima disputa do poder. Líderes aceitam melhor a derrota do que uma sombra dentro de casa.

Até a semana que vem, ou antes.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Todos trabalham para nada acontecer. E o efeito didático desse travamento geral

O sistema político brasileiro travou, e isso torna muito difícil a ruptura organizada. A nossa história republicana tem sido feita de rupturas organizadas, mas está complicado produzir uma. A crise toma viés crônico. No geral, mas também na vida interna de cada ator. O traço mais visível da política brasileira hoje é a paralisia degradante.

Em todos os nossos impasses desde 1930, sempre houve alternativa à mão. Ou nascida de uma dissidência do sistema dominante, ou surgida da cooptação de dissidentes do poder por forças novas emergentes. E a vida seguia, com componentes de renovação e continuidade. Até um novo impasse exigir, mais uma vez, a solução prussiana de sempre.

Mas hoje não há dissidência efetiva no poder, unido no objetivo de conter o Partido da Justiça. E as “forças novas emergentes”, quando não caricaturais, são embrionárias e desprovidas de maior influência no único canal possível para acesso ao governo: os partidos. Daí que o debate no Brasil gire, apenas, em torno de como estes vão se salvar do tsunami.

É a lógica que comanda o PT, coeso no esforço para Lula poder ser candidato em 2018. Faz sentido para o PT, pois Lula é competitivo. Mesmo se perder, será forte puxador de votos para os candidatos da legenda e coligadas de esquerda. Mas o discurso do PT morre por aí. Eleger Lula para quê? Vai governar como? Com quem? Para fazer o quê? Não há pistas.

O PT está como o exército que espera fora das muralhas da cidade sitiada, enquanto dentro dela os inimigos se enfraquecem a cada dia nas disputas internas. Supõe-se que uma hora ficarão suficientemente fracos e não poderão resistir. Mas é uma suposição perigosa. E se, sobrevivendo, conseguirem unir-se para enfrentar e esmagar a força adversária?

Parece ser o cálculo do PSDB, que luta para manter o sistema de alianças montado no impeachment de Dilma e na ascensão de Temer. Espera ganhar 2018 com esse bloco, contando ainda com o sempre tonificante controle das torneiras do orçamento federal. Os tucanos não estão debatendo se vão sair do governo. Estão procurando a melhor maneira de continuar nele.

O PSDB talvez seja a sigla mais bem posicionada por enquanto para 2018. Além de influência no federal, tem na mão os orçamentos do estado e da cidade de São Paulo. Tem um candidato com currículo, Alckmin, e um “novo”, Dória. E teria, certeza absoluta, apoio maciço do establishment, imprensa inclusive, num eventual segundo turno contra Lula.

O desafio do PSDB é evitar contaminar-se com a infecção galopante do governo Temer sem abrir mão das posições de poder. Num mundo ideal, o PSDB faria como fez com Collor: ajudou a derrubar o presidente e depois reaglutinou a base collorida para isolar e derrotar a esquerda. Mas Collor era um só e inorgânico. Temer e o PMDB são muitos. E muito orgânicos.

O PT, que viu o poder escapar assim em 1994, não enxerga vantagem em apoiar uma facção do peemedebismo-tucanismo contra a outra, pois não quer ajudar a consolidar uma nova hegemonia contra ele. Faz certo sentido. Mas com isso o PT abre mão de desestabilizar imediatamente o inimigo. E quem sobrevive pode ficar forte mais adiante.

Já o PSDB corre o risco de surgir em seu campo uma alternativa viável e não contaminada. Mas ela teria de vir de fora do mundo político hegemônico. E a lei brasileira reduz muito a permeabilidade do sistema eleitoral ao surgimento de Macrons, Corbyns ou Trumps. Aqui os partidos são donos da política, e os políticos são donos dos partidos. O sistema defende-se.

Se você anda estupefato por nada ter acontecido ainda diante da avalanche de fatos, eis a explicação: nada acontece porque acontecer alguma coisa não interessa a ninguém que pode fazer alguma coisa acontecer. Decepcionante talvez, mas com certeza didático. Você que sai à rua atrás de miragens tem aqui a chance de crescer. Políticos movem-se pelo poder.

Este talvez venha ser o principal saldo positivo desta crise. A possibilidade de absorver rapidamente, da vida prática, o que se levaria uma existência inteira para aprender dos livros. É um choque brutal de didatismo. As instituições “neutras” e os aparelhos “destinados à defesa do bem comum” ficam pelados na via pública e menos capazes de amortecer os choques.

O problema das calmarias são as tempestades que podem vir depois. Ainda mais quando tem eleição no calendário. Até a semana que vem. Ou até um fato novo, nosso visitante cada vez mais habitual.

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Quando a chave para a solução está no problema, a tendência da crise é perenizar

Os desdobramentos do triunfo do governo no TSE permitem desconfiar: terá sido uma vitória de Pirro? Fechou-se uma porta para a remoção do presidente, mas ao custo de imenso sacrifício de recursos políticos, materiais e simbólicos. Quem discorda dirá que não, que se alcançou o essencial. E é verdade. Mas é fato também que o custo foi mesmo altíssimo.

Vitórias de Pirro em sequência são uma ameaça e tanto. O presidente tem instrumentos para vencer cada uma das batalhas já contratadas, mas é razoável suspeitar que os sucessos terão características pírricas. Pode, por exemplo, mobilizar os 172 deputados necessários para bloquear o STF, mas ao custo de provavelmente perder a confortável maioria.

Pode em setembro nomear alguém in pectore procurador-geral, com a missão de pôr um freio na Lava-Jato e congelar as ameaças. Isso terá o apoio entusiasmado dos congressistas alvejados por denúncias e processos. Mas, com a exceção dos fidelíssimos, impelirá os demais a manter distância do chefe do Executivo em ano eleitoral. E haverá resistência social.

Outra possibilidade extrema é ministros do STF passarem a adotar posição sistematicamente obstrucionista. É apenas uma hipótese teórica, não há ainda qualquer sinal de que vá acontecer, mas é bom ficar de olho. O presidente e o governo estão numa guerra pela sobrevivência e já deram todos os sinais de que, se depender deles, irão até o fim.

Tem lógica, porque a alternativa é complicada. Não se vislumbra uma saída que garanta fora do poder a tranquila sobrevivência nos planos político e judicial. Gerald Ford foi muito criticado quando perdoou Richard Nixon. Isso em boa medida lhe custou a reeleição na disputa com Jimmy Carter, mas permitiu, como se diz, virar a página. No Brasil de hoje? Difícil.

Quando só o problema tem as chaves da solução, a tendência da crise é perenizar, num processo de contaminação progressiva. Os atores "neutros" vão sendo arrastados para o ringue, e os árbitros vão perdendo a capacidade de arbitrar. Até que alguém, velho ou novo, prevaleça pela força e corte o nó górdio. Pois nenhuma crise dura para sempre.

Mas ninguém hoje parece ter a espada. Um desembarque do PSDB certamente catalisaria o impulso para o governo cair pela via congressual, pela autorização ao STF ou mesmo por impeachment. Só que o PSDB também reluta diante da opção de fortalecer decisivamente a Lava-Jato, o Ministério Público e a Justiça. Por razões óbvias.

A situação pode ser esticada indefinidamente? Não. Pode ser estendida até a eleição do ano que vem? Talvez. Nisso apostam o núcleo dirigente do PT e Lula, que hoje preferem o cenário de definhamento progressivo do governo Temer e tucanos aliados. A renovação dessa aliança em torno de um nome intocado poderia fortalecer o campo liberal-conservador para 2018.

O problema do PT é que, se o presidente e aliados têm instrumentos para bloquear ou pelo menos frear as coisas em Brasília, o petismo não tem como neutralizar Curitiba, lato sensu. A ameaça para Lula e o PT está no Paraná, e não no Distrito Federal. 2018 pode bem chegar com um lado condenado e inelegível e o outro habilitado a tentar sobreviver na urna.

De sonho também se vive, o PT espera que o governo tire a castanha do fogo e isso tenha "repercussão geral". De quebra, ganharia com a suposta anemia do quadro econômico, alimentada pelo impasse. Falta combinar com os russos. A esquerda achava que a degradação do governo Sarney daria em mudança em 1989. Deu. Mas no fim a mudança foi Collor.

O presidente beneficia-se de seus aliados não terem força suficiente para livrar-se dele a um custo baixo para eles próprios. E de os adversários preferirem o apodrecimento progressivo à ruptura de consequências incertas. Mas, como o governo só tem o impasse a oferecer, a janela de oportunidade traz apenas uma paisagem medíocre.

De todo modo, para um doente grave, cada dia a mais é a esperança adicional de surgir, de repente, a cura. E o governo espera que ela venha de uma economia melhor. E isso daria a um sobrevivente Michel Temer alguma força para influir em sua sucessão e proteger-se, e a seu grupo. Pode-se duvidar da eficácia do plano, mas não deixa de ser um plano.

Vamos continuar monitorando em tempo real o paciente na UTI.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

TSE é fato velho. Aguardam-se os novos

O governo conseguiu bloquear a opção Tribunal Superior Eleitoral ao vencer a disputa ali por 4 a 3, e o movimento pela remoção viu fechada uma janela. É possível que a procuradoria recorra, e é possível, portanto, que o Supremo Tribunal Federal precise discutir o assunto. Mas a carta do julgamento eleitoral sai de cena no momento, ainda que possa voltar lá na frente. A próxima batalha será em torno da denúncia, ou denúncias, que o Ministério Público Federal deve apresentar contra o chefe do governo. Cada uma precisará ser autorizada por pelo menos 342 deputados para ser aceita pelo STF e o presidente, processado. Até o momento a Presidência da Câmara vem congelando a apreciação dos pedidos de impeachment, mas dificilmente sentaria em cima de um pedido do STF para o processo por crime comum. Assim, o governo ganha algumas semanas, ou meses, para tentar equacionar seus problemas políticos e policiais. Nesta segunda variável, o Executivo aumenta as exibições de poder destinadas a demover pessoas físicas e jurídicas propensas a colaborar com as investigações. Os órgãos do Estado brasileiro são mobilizados na cruzada, acenando com a falência das empresas cujos acionistas e executivos decidirem pela colaboração. A tática funcionará? É possível que funcione aqui e ali, mas as investigações estão muito avançadas e disseminadas, com grande volume de provas já obtidas e fila de candidatos a colaborar. Tampouco se deve afastar a possibilidade de o MPF reagir a esse cerco estatal às pessoas e empresas que mostram disposição de ajudar nas investigações. Assim, será preciso avaliar em tempo real a eficácia da tática retaliadora. Na política, uma chave está com o PSDB. O partido procura um meio de simultaneamente manter a influência e os canais abertos no governo e descolar-se para efeito de imagem pública. Não é simples. Há ainda a circunstância de vários de seus líderes, especialmente o presidente afastado, enfrentarem problemas similares ao do presidente da República. Como radicalizar num caso e acomodar no outro? O governo se beneficia também da posição do PT, que nega apoiar uma alternativa na eleição indireta para escolher um eventual substituto. A posição tem alguma lógica. 1) Mais força para a Lava-Jato é mais ameaça à presença de Lula na urna de 2018. 2) Um novo presidente daria novo impulso às reformas liberais. 3) Se tivesse sucesso, poderia ser uma forte alternativa na eleição. 4) A oposição sempre prefere que o governo chegue fraco no pleito. Ou seja, o jogo está organizado para que a novela se arraste até 2018. O problema, para o Planalto, é que não é ele quem escreve os capítulos. Seria mais fácil se o governo pudesse estancar a fonte de fatos novos. Mas não é provável.

quinta-feira, 8 de junho de 2017

O governo parece ter sobrevivido à batalha, mas a crise segue

O governo conseguiu uma importante vitória quando o TSE projetou hoje que irá absolver a chapa Dilma-Temer, ou pelo menos o então vice e hoje presidente, da acusação de crime na eleição de 2014. O contrário implicaria a cassação da chapa. Sempre é prudente esperar o fim do julgamento, mas, confirmada a tendência, se fecharão as portas para um desfecho via justiça eleitoral. Faltaria ao Planalto apenas garantir o bloqueio do impeachment e da autorização da Câmara dos Deputados para o processo no STF por crime comum. Ambos exigem que o governo mantenha pelo menos um terço dos votos ali, o que hoje parece provável. Ao mesmo tempo, o Planalto mune-se de instrumentos legais para punir com força descomunal, por meio das instituições econômicas oficiais e dos órgãos reguladores, empresas que eventualmente possam estar diante da inevitabilidade de fazer acordos de leniência e cujos acionistas e executivos estejam impelidos a colaborar com o Ministério Público e a Polícia Federal. O mundo político vai quase totalmente unido nesse propósito. Esperam, assim, frear o momentum da Lava-Jato, tomada no sentido amplo, freando as colaborações. Entrementes, o Planalto impulsiona as reformas trabalhista e previdenciária para manter o apoio do establishment. Quais são as variáveis fora de controle? A primeira é que não parece provável uma redução da velocidade e força das investigações. Os procuradores e delegados já reuniram informações suficientes para caminhar pelas próprias pernas por muito tempo. E há um conjunto de políticos, empresários e executivos para quem simplesmente não há alternativa fora da colaboração. E a pressão dos fatos novos será uma guilhotina sobre o pescoço dos parlamentares da base do governo que precisam enfrentar as urnas em 2018 – a esmagadora maioria. O PSDB é um sintoma dessa circunstância. E vai ser preciso também olhar com atenção como o STF se comportará diante do quadro de agravamento. Vai manter a provável decisão do TSE? Chegará a analisar? Confirmará o relator hoje encarregado da Lava-Jato e do caso J&F? E o relator? Manterá as prisões mais sensíveis? Após a revelação dos fatos da colaboração da J&F, o assim chamado "clima" para habeas corpus não anda tão favorável. E como será a sucessão do atual procurador-geral da República? Nada indica que o cenário de crise política crônica vá arrefecer. Um relançamento da economia poderia ajudar, mas não se prevê nada brilhante, no curto prazo, nos números de emprego e renda. A saída da recessão assenta-se no tripé agronegócio-exportações-produtividade. O efeito multiplicador dessa modalidade de recuperação leva um bom tempo para chegar na ponta. Uma maneira de enfrentar isso seria reduzir agressivamente os juros, mas não parece ser a linha do BC. Resta ao governo encastelar-se, ameaçar e resistir. O que vem fazendo.

Análise ao final do terceiro dia do julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Equilíbrio e vulnerabilidade

O segundo dia do julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE foi o segundo dia de esgrima entre o relator e o presidente do Tribunal. O debate sobre a preliminar da "ampliação da causa de pedir" (inserção de fatos novos) é, na verdade, uma certa antecipação do mérito. Se o material do caso Odebrecht for extirpado do processo, ignora-se um conjunto decisivo de provas, e a missão de absolver fica facilitada, pela alegação da falta delas. Nessa condução aposta o governo, que trabalha intensamente para fechar o placar de 4 a 3. Apertado, mas vitorioso. Aos derrotados, restaria recorrer ao STF. A tradição é o Supremo manter as decisões da corte eleitoral. Mas tantas tradições têm sido revogadas nos últimos tempos que é bom ficar de olho. Se tudo correr dentro da normalidade amanhã, o risco de Temer se transfere para a Câmara dos Deputados, onde o presidente precisa manter um terço dos votos, pelo menos, para bloquear um processo contra ele no STF por crime comum. Hoje ao final do dia a situação do Planalto parecia razoavelmente controlada, a não ser que o dia de amanhã reservasse uma surpresa. Mas a novidade veio hoje mesmo, com o anúncio da colaboração de Lucio Bolonha Funaro, conforme confirmou o advogado dele, que por isso largou a causa. O impacto dessa colaboração sobre Temer só poderá ser medido quando se conhecer exatamente seu conteúdo, mas as informações já disponíveis indicam que o presidente não sairá ileso. Reforça-se assim um cenário "lame duck" bem particular, em que o presidente ocupa a cadeira mas pouco comanda os demais jogadores de poder, pois sua sobrevivência depende da vontade eles. Não interessa ao Congresso neste momento remover Temer, para não fortalecer excessivamente a Lava-Jato, tomada na acepção mais ampla, e porque não há uma solução "automática". O equilíbrio continua estável para a coligação de poder, não há perspectiva de desestabilização dela no curto prazo. Mas a situação do presidente é cada vez mais vulnerável.

Análise ao final do segundo dia do julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE

terça-feira, 6 de junho de 2017

Um ensaio do embate

O juízo final das ações pela cassação da chapa Dilma-Temer abriu com o relatório do ministro Herman Benjamin, as argumentações das partes e a manifestação do Ministério Público. Como esperado, as diferenças deram as caras. As defesas concentraram-se na tese de que as informações trazidas pelas colaborações premiadas dos executivos da Odebrecht e do casal João Santana e Monica Moura não podem ser levadas em conta na decisão final, por constituírem um alargamento indevido do escopo inicial. Argumentaram também que a simples colaboração não constitui prova, e que seria necessário aguardar a conclusão dos julgamentos dos colaboradores. É a estratégia alinhada aos interesses do Palácio do Planalto. A polêmica apresentou-se imediatamente quando a palavra voltou ao relator, com um embate embrionário entre ele e o presidente do tribunal sobre o grau de moderação dos atos da justiça eleitoral diante do resultado da eleição, que em tese materializa a soberania popular. O presidente Gilmar Mendes lembrou que no exterior questiona-se por que há mais cassações no Brasil agora do que no regime militar. O relator ponderou que na ditadura as cassações eram contra a democracia, enquanto agora, na opinião dele, destinam-se a punir quem viola a democracia. O primeiro dia, portanto, foi apenas um ensaio do que vem por aí, mas cada um já começou a mostrar suas armas.

Análise ao final do primeiro dia do julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Temer aposta no bloqueio institucional, mas sempre é possível cortar o nó górdio

A Constituinte de 1988 tratou de blindar o poder civil e a soberania popular contra forças disruptivas externas. Em palavras mais simples, cuidou de proteger os políticos contra os militares e a polícia, pois no período anterior estes haviam sido o instrumento para suprimir, com menos ou mais violência, adversários e até aliados do sistema de 1964.

De lá para cá, correndo em paralelo, veio a deslegitimação e subsequente criminalização da influência do dinheiro na política. Foi o caldo de cultura para florescerem mecanismos criminosos que combinam, natural e teratologicamente, o financiamento político-eleitoral clandestino, fonte de abuso de poder político e econômico, e o enriquecimento pessoal.

Aí veio a mais longa e profunda recessão no Brasil. No ocaso do regime militar houve uma parecida, apesar de menor, a população perdeu a paciência e o governo foi derrubado pelos políticos. Agora os militares estão fora, então uma facção política derrubou a outra, na esperança de 1) animar a economia e, assim, 2) conter a polícia e os promotores.

Mas a Lava-Jato é mais ágil que o transatlântico da economia, o governo carece de apelo popular e o plano não vai bem. A Lava-Jato já demoliu ou abalou os alicerces de todo o núcleo palaciano. E o presidente conseguiu o impensável: perdeu a imunidade, no início por imprudência, ao se deixar gravar, e depois por desorientação, nas entrevistas subsequentes.

E chegamos à situação em que o presidente precisa recorrer àquelas blindagens constitucionais, agora contra a ação do Ministério Público e da Justiça. Fosse popular, poderia mobilizar as massas em sua defesa, mas não dispõe do recurso. Resta-lhe então apostar no impasse, manobrar nos tribunais e trabalhar na Câmara dos Deputados para manter um terço.

Um governo conseguiu chegar ao fim assim, o de Sarney. Mas ali havia um detalhe. Não derrubá-lo era um pacto não escrito e silencioso das forças políticas. A redemocratização vinha muito recente, havia cuidado coletivo para não fragilizar o poder civil. Sarney foi beneficiário dessa circunstância. Teve de lutar na Constituinte pelo tamanho do mandato, mas foi só.

A estratégia que resta a Temer é bloquear as saídas, e é onde estamos. Ele dispõe ainda de força para ao menos protelar a decisão do TSE, e tem ainda gordura para queimar na Câmara. E é ajudado pela resistência do mundo político a entronizar alguém que possa desarrumar o tabuleiro já arrumadinho para 2018. E, por enquanto, há certa apatia popular.

Isso não é sustentável indefinidamente. Mas o governo trabalha. O casco está furado, e ele reage jogando baldes de água para fora do barco. Força votar a redução de direitos trabalhistas e previdenciários para manter apoio empresarial e, em consequência, alguma neutralidade de setores da imprensa. E não precisa resistir para sempre. Só até o ano que vem.

E ainda conta com a resistência de PSDB e aliados a saírem do governo, ao qual levaram década e meia para voltar. É uma resistência primal, ainda que embalada em "patriotismo". Mas um ano e meio de desgaste já contratado é muita coisa. E o PSDB sofre. E a economia não resolve tudo. Em 1984, o governo Figueiredo desmanchou quando o PIB crescia 5,4%.

Onde está o risco para Temer? Não principalmente nos adversários, mas nos aliados. Para viver, ele precisa evitar que o PSDB seja para ele o que ele foi para Dilma. Precisa bloquear uma alternativa aceitável para o PSDB. Uma opção que garanta ao PSDB disputar 2018 com máquina eleitoral suficiente para, apesar dos pesares, atrair apoios e manter isolado o PT.

Em teoria, pode funcionar. Mas aí entra aquela variável sempre lembrada por Ulysses Guimarães: sua excelência, o fato. E fatos costumam ser teimosos, como advertia Lenin, ao recorrer a um ditado célebre nos Estados Unidos. As semanas recentes lembraram disso a quem havia se esquecido. Eis por que a sustentabilidade do "vai ficando" é declinante.

Se a correlação de forças é decisiva, sempre se dá um jeito. Aparece um Alexandre para cortar o nó. Se há a alternativa, a Câmara tende a aderir. Aconteceu com Collor e Dilma. Pode até haver soluções originais. O próprio STF pode, por que não?, considerar inválido o item da Carta que exige autorização legislativa para o presidente ser processado por crime comum.

É bom ficar de olho.