Alon Feuerwerker
jornalista e analista político
bio -> https://pt.wikipedia.org/wiki/alon_feuerwerker
sábado, 31 de julho de 2021
Em busca de perder mais tempo
O superpoder orçamentário é apenas um aspecto. O filé mignon da conjuntura está mesmo é no debate das regras político-eleitorais. Nesse tema os assuntos vêm sendo abordados no varejo. Mas, e se olharmos no atacado? Suponhamos que sejam aprovadas as três grande pautas da hora. O semipresidencialismo, a nova embalagem para o parlamentarismo. O distritão, a eleição dos candidatos mais votados no estado, independentemente da legenda. E o superfundo estatal eleitoral.
O senso comum diz que o distritão vai abrir espaço para a eleição de celebridades. Será? A probabilidade maior é o novo sistema reduzir a margem de incerteza sobre quem terá mais chance de se eleger dentro de cada legenda. E isso vai ajudar principalmente os caciques e seus apoiadores internos. Basta fazerem uma competente distribuição territorial e financeira das, e para as, candidaturas e a solução estará bem encaminhada.
E o distritão reduz também o risco de os puxadores de voto - em geral mais bem abastecidos de recursos - trazerem a Brasília involuntariamente com eles nomes de fora do esquema. Donos de partidos até gostam de ver a legenda crescer, mas se o preço for o risco da perda do controle a conversa costuma mudar de figura. Há exceções, mas essa é a regra. Então o cálculo precisa ser muito competente. Distribuir bem as áreas e a verba.
E o segundo fator fica bastante mais controlável com o financiamento quase exlusivamente estatal. Pois não haverá como o dinheiro das pessoas físicas (o das empresas está proibido) concorrer com a megaverba vinda do OGU.
O que o semipresidencialmento tem a ver com isso? Tudo. Pois na versão brasileira do sistema o Congresso Nacional, em especial a Câmara dos Deputados, teria a palavra final, agora formalmente, sobre a nomeação do primeiro-ministro e a formação do gabinete. Ou seja, sobre o poder real. Ao presidente eleito com muitas dezenas de milhões de votos sobrariam as atividades protocolares e os rituais da esfera de chefe de Estado.
E assim estaria montado o tripé na eleição. Monopólio financeiro dos donos dos partidos, redução da margem de incerteza sobre quem vai ser eleito e quem não e, depois, a formação do governo sendo decidida numa modalidade tribal, com os chefes partidários acertando as coisas entre eles. E enquadrando as bancadas, até porque estarão exercendo agora o poder absoluto, e sem intermediários, sobre a ampla maior parte das verbas e cargos federais.
Parece engenhoso. Mas nenhum presidente eleito com dezenas de milhões de votos aceitará pacificamente ser fantoche de anônimos que controlam o poder apenas por serem proprietários de partidos. E aí teremos as novas crises, e o Planalto acenará com a dissolução do gabinete e do Congresso, e este ameaçará com o impeachment.
O que naturalmente resultará na rediscussão do sistema e em propostas de convocação de novos plebiscitos sobre o assunto. E em mais tempo perdido pelo Brasil. Seria mais objetivo discutir desde já maneiras de os presidentes eleitos carregarem com eles uma maioria parlamentar.
sexta-feira, 30 de julho de 2021
Me ajuda a te ajudar
Suponhamos, por exercício intelectual, um Brasil sem a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 no Senado. O cenário para o governo estaria razoável. Os números da vacinação avançam e são expressivos, e as curvas de casos e mortes vêm caindo faz algum tempo. E todas as projeções são de recuperação robusta do Produto Interno Bruto este ano, compensando com alguma margem a retração do ano passado.
Mas há a outra face da realidade. Iluminar o lado escuro da
lua mostrará que os casos e mortes pelo novo coronavírus ainda vão em patamares
altos. E o sofrimento social nascido do desemprego e da pobreza não dá sinal de
arrefecer. Apesar disso, todas as pesquisas mostram que vetores
positivos começam a superar os negativos na resultante de percepção popular.
Falando nela, a política, a avaliação do presidente da
República anda algo estacionada. Verdade que o ótimo+bom das pesquisas deslizou
para em torno de um quarto do eleitorado, mas o número retorna ao resiliente um
terço se juntarmos o "regular positivo". Um terço que aliás tem sido
o patamar da aprovação de Jair Bolsonaro e também a intenção de voto nele no
segundo turno. Ou seja, o presidente parece ter chegado a um certo piso.
O “parece” aqui é recurso de prudência, porque a política
gosta de trazer elementos que desestabilizam cenários. Entretanto, como já
repetido tantas vezes, o imprevisível é muito difícil de prever. O fim do filme
só saberemos em outubro de 2022, mas o retrato agora projeta disputa
acirradíssima na urna eletrônica daqui a pouco mais de catorze meses. Entre um
candidato à esquerda (hoje seria Lula) e um à direita (hoje seria Bolsonaro).
E as alternativas? Outro dado trazido pelas últimas
pesquisas: se houvesse um único nome da terceira via, ou “centro”, ele (ou ela)
partiria de algo em torno de 15 a 20%. Um número bastante razoável. E aí o desafio
seria lipoaspirar o candidato à reeleição em uns pontinhos, passar ao segundo
turno e tentar ganhar a disputa surfando a rejeição a Luiz Inácio Lula da Silva
e ao PT. À luz de hoje é difícil, mas não impossível.
Os aspectos objetivos da realidade (contenção da pandemia e
aceleração da economia) tendem a favorecer Bolsonaro na resistência contra a
ofensiva do centrismo para tirar o incumbente do segundo turno. Mas há os
aspectos subjetivos. Até que ponto as confusões e polêmicas que tanto ajudam o
presidente a manter agrupado o núcleo duro da base dele vão gerar efeitos
centrífugos prejudiciais, e assim facilitar o trabalho de quem disputa com ele
o eleitorado à direita?
Bolsonaro fez o movimento "by the book" ao trazer
o senador Ciro Nogueira (PP-PI) para a Casa Civil. Um sinal do acerto é a
escolha ter sido bombardeada pelos adversários hoje mais renhidos do
presidente. Mas é preciso saber se, como diz o clichê, Bolsonaro vai ajudar
Nogueira a ajudá-lo. Pois a operação político-parlamentar avança bem na
solução do desafio imediato de não ser derrubado, mas é insuficiente para resolver
outro: a reeleição.
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Publicado na revista Veja de 04 de agosto de 2021, edição nº 2.749
quarta-feira, 28 de julho de 2021
Israel, Estados Unidos, Uruguai, Chile
Será útil quando os estudos poderem concluir definitivamente quanto mesmo de população vacinada é requerido para atingir a imunidade coletiva capaz de proteger da Covid-19 o conjunto de uma comunidade. E seria interessante também saber esse número para cada vacina. A hipótese preliminar amplamente divulgada era que giraria em torno de 60%. Mas fatos recentes trazem algumas dúvidas.
Em Israel, por exemplo, 64% dos vacináveis tomaram uma dose das duas requeridas e 59% estão plenamente vacinados. A vacina ali é praticamente toda da Pfizer. E o país, que lá atrás foi apontado como exemplo de vacinação, assiste a um aparente início de escalada de contágios e casos graves. Hospitais estão reabrindo alas para tratar pacientes de Covid-19 (leia).
Nos Estados Unidos, que só aplicam vacinas produzidas ali mesmo, 57% tomaram uma dose das duas requeridas e 49% estão plenamente vacinados. E a curva de casos também retomou a alta. Junto, vem o debate sobre medidas restritivas (leia) e obrigatoriedade de se vacinar (leia).
Pelo visto, os governos terão de combater mais resolutamente o antivacinismo para proteger suas populações. Aqui pela vizinhança, Uruguai e Chile, com mais de 70% de vacinados com uma das duas doses requeridas e mais de 60% plenamente vacinados são, por enquanto, um sucesso na contenção dos casos (leia).
sexta-feira, 23 de julho de 2021
Os dentes e os espaços
Quando você age sobre a realidade, necessariamente a transforma.
Mas aí ela também acaba transformando você. Ação e reação. Parece inevitável
que a participação cada vez maior, e institucional, das Forças Armadas na
política partidária termine abrindo espaço para a explicitação de debates
político-partidários no interior mesmo da corporação.
Aliás o vice-presidente Hamilton Mourão já advertiu sobre
isso.
Digo “explicitação”, e não “introdução”, pois seria
ingenuidade, a qualquer momento, interpretar como apoliticismo a falta de
manifestações explícitas de partidarismos no estamento militar.
Dois dos presidentes do período 1964-85 cuidaram com esmero
de prevenir esse jogo recíproco, em que as Forças politizam e ao mesmo tempo
são politizadas, ou partidarizadas: Humberto de Alencar Castelo Branco e
Ernesto Beckmann Geisel. O primeiro operou uma reforma militar também com esse
objetivo, e o segundo decapitou a resistência à distensão.
Ações que contribuíram de maneira importante para fechar o
ciclo da anarquia militar no Brasil do século 20, cujo marco inaugural havia
sido a eclosão do tenentismo. Ter deixado isso para trás era apontado até outro
dia como conquista da Nova República. Não parece estar sobrando muito das
conquistas da Nova República.
Em parte, os militares têm sido puxados para a política nos
anos recentes pelo vácuo nascido da desmoralização e do desgaste das demais instituições
nacionais. Isso ganhou nova dimensão quando Jair Bolsonaro, sem um partido para
chamar de seu, acabou recorrendo aos fardados, da ativa e da reserva, como
estoque de quadros e de doutrinas para tocar o governo.
A realidade é implacável, e o poder não se resume às
delícias dele, carrega também os riscos decorrentes das delícias. E aí o
noticiário começa a trazer confusões ligando duas coisas: militares e verbas
orçamentárias. E agora com números de alto impacto vindos dos recursos
destinados pelo governo e pelo Congresso ao combate da Covid-19.
Na falta de eventos de ruptura, a vida segue, e nela sempre
chega a hora de ter de dar alguma explicação. Na escalada da politização, as
recentes manifestações do Ministério da Defesa e dos comandantes militares vêm
reiterando: as Forças estão aí para defender a liberdade e a democracia. Ecoam
palavras do próprio presidente da República. Falta, até o momento, dizer se
ambas estão sob ameaça.
E falta também, nesse caso, a explicação mais importante:
quem ameaça.
Enquanto tal detalhe não fica claro, ao menos segue o baile.
No terreno por eles pouco conhecido da política, até agora os militares estão levando
uma certa canseira dos políticos. Os lprimeiros andam ocupados em mostrar os dentes,
estes últimos preferem concentrar-se em tomar espaços de poder daqueles.
E nem Jair Bolsonaro pode ajudar muito, já que depende dos políticos para se manter na cadeira, inclusive depois de 2022, se se reeleger. O que pelo jeito vai ser decidido mesmo na urna eletrônica, apesar das dúvidas e arranca-rabos. Se bem que neste ponto é sempre adequado contar com novas emoções.
quarta-feira, 21 de julho de 2021
Vacinar, vacinar, vacinar
Em todos os países nós quais a vacinação ultrapassou certa taxa crítica, em torno de 60% com as duas doses (no caso das vacinas que pedem duas) ou com a dose definitiva (quando pedem apenas uma) a mortalidade por Covid-19 mergulhou, ou ao menos iniciou o mergulho. Aqui na América do Sul o melhor exemplo é o Uruguai.
Mas mesmo onde se chegou a esses índices de vacinação e as mortes apenas começaram a declinar fortemente, os casos apresentam queda. É a situação do Chile. E nos lugares da Europa que vivem um aumento de casos, por novas variantes ou pela contágio na população não vacinada, ou pelas duas coisas, o aumento dos infectados não tem sido acompanhado da elevação no mesmo grau, nem próximo, dos óbitos.
A conclusão? Divergências pode haver sobre vários aspectos do combate à doença causada pelo novo coronavírus, mas uma coisa já se sabe com certeza. A prova da vida real, a partir da vacinação em massa pelo planeta, mostra que as vacinas funcionam. Todas elas. Inclusive as que são alvo de preconceitos político-ideológicos.
Por isso, vacinar em massa e o mais rápido possível, com a vacina que estiver disponível, é a única atitude aceitável quando se avaliam as ações de qualquer governo.
sábado, 17 de julho de 2021
Personagens e situações obscuras
Quando o Supremo Tribunal Federal arbitrou que governadores e prefeitos teriam autonomia para decidir sobre medidas de distanciamento e isolamento social, retirou uma parte do poder do presidente da República. Mas abriu-lhe, indiretamente, um caminho alternativo potencialmente promissor: ofereceu ao governo federal a oportunidade de concentrar-se no tema das vacinas.
Pelo que se vê até o momento da Comissão Parlamentar de
Inquérito no Senado da Covid-19, o Planalto não apenas aproveitou mal a
possibilidade, mas, na melhor das hipóteses, deixou florescer um ecossistema
entrópico em assunto tão importante. Daí a emergência no noticiário de um
amontoado de personagens obscuros apanhados em situações idem.
Já se podia antever, e foi antevisto, pelo menos desde
outubro do ano passado: se o governo escorregasse no assunto das vacinas
cometeria um erro político de consequências potencialmente graves (“Salada indigesta”). Para quem quis enxergar,
o sinal amarelo acendeu quando o presidente reagiu biliosamente ao anúncio de
que o Ministério da Saúde compraria a CoronaVac.
Aliás o Brasil vive uma situação surreal: o governo federal
acabou decidindo gastar bilhões com ela, que hoje está no braço de metade dos
imunizados, mas quem fatura politicamente são os governadores, enquanto o
entorno presidencial continua falando mal da vacina chinesa do Butantan. Mesmo
que todos os estudos comprovem a eficácia dela.
E não é só com a vacina da Sinovac. Um problema menos
alardeado é a inexplicável demora para a aprovação do uso maciço por aqui da
russa Sputnik V. Outra bem eficaz. Neste caso, nota-se uma curiosa aliança
entre a direita saudosa da guerra fria e a esquerda corporativista que, na
dúvida, toma as dores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Estivesse a CPI realmente tão preocupada em salvar vidas
quanto em emparedar o governo, e a Anvisa já estaria faz tempo dançando em chapa quente por
causa da Sputnik V.
A vacinação brasileira contra a Covid-19 vai razoavelmente,
mas poderia estar indo melhor. Velocidade é fundamental, também por causa da
corrida contra as novas cepas. E o Brasil tem estrutura para vacinar
diariamente pelo menos o dobro do que está conseguindo imunizar hoje, inclusive pela verificada e crescente adesão popular.
Não é engenharia de obra pronta, porque vem sendo
dito desde sempre: a única política razoável sobre vacinas é trazer todas, na
maior quantidade possível, e no menor prazo possível. Claro que demandas assim
superaquecidas ensejam risco de maus modos administrativos, e também por isso é
necessário centralizar e adotar transparência máxima.
O governo federal carrega o mérito de ter buscado
nacionalizar a produção da AstraZeneca na Fiocruz, mas errou em dois aspectos
estratégicos: confiou na política de uma só vacina e não cuidou adequadamente
de ter vacinas aqui em grande quantidade no curtíssimo prazo. Este segundo
ponto foi fatal quando a segunda onda veio como um tsunami a partir de Manaus.
É a típica situação em que o acúmulo de erros acaba
impedindo a capitalização política. Todas as pesquisas mostram que o eleitorado
1) está mais otimista quanto ao controle da epidemia e 2) credita em boa medida
a vacinação ao Ministério da Saúde. Enquanto isso, o presidente da República
vive seu momento mais crítico, na popularidade e na política.
sexta-feira, 16 de julho de 2021
Nova velha esperteza
A expressão do momento desse "tempo congelado" é a ressureição do debate sobre o parlamentarismo. Agora rebatizado de "semipresidencialismo", talvez para ficar mais digerível a um público que rejeitou o parlamentarismo nas duas vezes quando consultado.
No episódio mais recente, no contexto da revisão constitucional de 1993 (aliás o mesmo ano do filme com Bill Murray), nem o apoio maciço do establishment político e da imprensa foi suficiente para evitar a derrota da tese.
Ela naufragou quando o eleitor concluiu que tudo se resumia a transformar a eleição direta do presidente num ritual vazio, transferindo o poder real a alguém escolhido pelo Legislativo.
Um aspecto curioso: a pressão pelo parlamentarismo veio inclusive da maioria das personalidades que exibiam no currículo, com orgulho, a luta pelas "diretas já", de 1984. Uma notável exceção foi Leonel Brizola.
A maioria dos demais protagonistas da campanha das diretas embarcava poucos anos depois no transatlântico parlamentarista. Que teve o destino do Titanic quando bateu no iceberg da desconfiança popular nos políticos.
A falha estrutural do presidencialismo brasileiro é bem conhecida. Os terremotos em série acontecem porque o sistema impede o presidente da República de carregar com ele, da urna para Brasília, uma maioria parlamentar, ou algo próximo.
E não há, também por isso mas não só, como os governos imporem disciplina partidária aos apoiadores. Aí vêm as crises, e daí a esperteza política e as grandes ambições carentes de voto enxergam a janela de oportunidade.
Até porque nestas bandas nem sempre quem derruba os presidentes tem os votos para preencher a vaga. Ou quase nunca.
Onde opera bem, o parlamentarismo adotou certas premissas. A primeira é algum respeito ao “uma pessoa, um voto”. Não há como falar em parlamentarismo se o voto do morador de certo estado vale mais que o de outro quando se elegem os parlamentares. Como acontece na eleição brasileira para os deputados federais.
A segunda premissa é um sistema partidário-eleitoral organizado, disciplinado e frugal. E no qual a existência explícita de líderes partidários praticamente transforma a eleição numa escolha direta do chefe do governo.
Mas e o “semipresidencialismo”? Onde funciona (França, Rússia), há a prevalência do presidente sobre o primeiro-ministro, exatamente por o chefe de Estado ser também o chefe político do partido majoritário, ou hegemônico. Ou seja, a racionalização partidária é a premissa, se o objetivo é a estabilidade.
Sem isso, vamos de crise em crise, e sempre embalados pelo sonho de encontrar finalmente a solução simples para um problema complicado. Solução que provavelmente estará errada. Essa máxima tampouco é nova.
Publicado na revista Veja de 21 de julho de 2021, edição nº 2.747
quinta-feira, 15 de julho de 2021
Recesso?
E a Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19 entrou num teórico recesso, acompanhando a parada parlamentar decorrente da votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Mas é possível, ou provável, que continue abastecendo o noticiário com achados a partir de documentos das já aprovadas quebras de sigilo. Que até agora parece não ter rendido muita coisa, mas sem as oitivas (interrogatórios) para ocupar o tempo abre-se a oportunidade de avançar nesse outro caminho.
A sessão de hoje recolheu mais detalhes sobre a suposta negociação, afinal abortada, para a aquisição por meio de atravessadores de centenas de milhões de doses da vacina AstraZeneca. E da Janssen. É uma teia com a participação fulgurante de diversos militares da reserva, que naquele momento estavam em escalões inferiores (do segundo para baixo) da Saúde. Afinal, acabou acontecendo o previsível, e que foi previsto: quem sai na chuva (militares da reserva em cargos civis) corre o risco de de molhar.
Há várias lacunas nesta história das vacinas e dos atravessadores, mas uma é mais intrigante. Se autoridades tomaram conhecimento de centenas de milhões de doses de vacinas disponíveis para comercialização, num cenário global de escassez de imunizantes, por que não ocorreu a ninguém ligar, ou mandar uma mensagem, ou um ofício, aos fabricantes? Para perguntar se, afinal, as vacinas existiam mesmo. Porque se existissem seria então o caso de comprar direto da fábrica.
Sem contar que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) é parceira da AstraZeneca, vacina hoje presente, em ordem de grandeza, nos braços de metade dos vacinados no Brasil. Imagina-se que não haveria dificuldade de a Fiocruz negociar diretamente com a AstraZeneca. Ou seja, a presença da plêiade de personagens que hoje desfilam pela CPI era absolutamente dispensável no palco político-sanitário montado em torno do tema Covid-19 e vacinas.
Para o governo, a boa notícia é que a CPI, apesar do esforço, quando a pauta é corrupção, ainda sequer resvalou no primeiro escalão ministerial ou na presidência da República. Prorrogada, ela tem agora mais três meses para tentar aproximar-se do verdadeiro objetivo.
quarta-feira, 14 de julho de 2021
Prêmio e risco
terça-feira, 13 de julho de 2021
Dupla pressão
segunda-feira, 12 de julho de 2021
Mistérios
sexta-feira, 9 de julho de 2021
Bolsonaro ou o candidato do Bolsonaro
Não foi o que se viu.
Aconteceu algo parecido em 2018. Lula foi condenado em segunda instância, preso e impedido de disputar a eleição, e mesmo de participar da campanha. Aí alguns consideraram haver uma pista livre à esquerda na autoestrada rumo ao Planalto. Já os mais realistas perceberam que o PT mantinha cerca de 20% da preferência do eleitorado e, se estivesse unido em torno de um nome e se este fosse o “candidato do Lula”, muito provavelmente estaria no segundo turno.
E Fernando Haddad teve mais ou menos aquele um quinto do eleitorado em votos na primeira rodada, e foi à decisão contra Jair Bolsonaro.
E Bolsonaro agora? Todas as pesquisas mostram que no pior momento dele o presidente retém um quarto da população avaliando-o como bom ou ótimo, e em torno de um terço aprovando seu governo. Há um deslocamento do regular para o “ruim ou péssimo”, mas a fatia do mercado eleitoral que levou o capitão ao segundo turno em 2018 está, até o momento, razoavelmente preservada, em tamanho.
A origem da resiliência de Bolsonaro é parecida com os motivos que vêm ajudando Lula e o PT a defenderem seu market share.
O debate político costuma recorrer a caricaturas. É normal. Errado está o analista que reduz os fenômenos a caricaturas. Bolsonaro, assim como Lula, vem conseguindo expressar uma forte corrente de pensamento e demandas sociais. É principalmente por este motivo que ambos lideram a corrida de 2022. E políticos só alcançam algo assim quando eles e seus partidos, ou grupos, respondem a necessidades postas na vida das pessoas.
Ideologia nunca é suficiente nesses casos.
No momento, a oposição a Bolsonaro está empenhada em desgastá-lo e minar a força eleitoral dele. Notam-se porém diferentes entusiasmos pelo impeachment, apesar de muitos dizerem querer. Quem mais quer é a dita centro-direita. Ela avalia que se Bolsonaro for demolido agora abre-se o caminho para a, por enquanto retardatária, terceira via virar segunda, ou até primeira.
É uma hipótese. Outra possibilidade é replicar 2018. Se de fato conseguirem remover o presidente da disputa em 2022, hoje um cenário pouco provável, nada garante que ele, autotransformado em “vítima do sistema político-midiático”, não possa levar um “candidato do Bolsonaro” à decisão. Poderia até ser alguém com o mesmo sobrenome. Ou outro qualquer. Se for um zerado em acusações, melhor ainda.
Entre 1993 e início de 94 o PT achou que estava com a mão na taça após a derrubada de Fernando Collor. A mesma coisa se deu com a aliança entre PMDB (hoje MDB) e PSDB em 2016-17, depois que encabeçaram a remoção de Dilma Rousseff do Palácio do Planalto. Mas nem sempre quem faz o bolo come o bolo. E na política, especialmente em eleições, quem executa a demolição do edifício velho pode não ser chamado para construir o novo.
Defesa
quinta-feira, 8 de julho de 2021
O custo do erro político
quarta-feira, 7 de julho de 2021
Cenário favorável?
terça-feira, 6 de julho de 2021
Quanto mais vacinas melhor
segunda-feira, 5 de julho de 2021
Que vacina? Qualquer uma
sexta-feira, 2 de julho de 2021
As CPIs e as flechas
A disputa é para saber quem vai cortar o nó górdio
Nos sistemas presidenciais em que o governo eleito não traz
com ele das urnas uma maioria partidária, o transcorrer do mandato costuma ser
um inferno de guerras políticas, provocadas pela instabilidade parlamentar.
Generalizada ou localizada em uma das duas casas legislativas, em sistemas
bicamerais como o nosso.
Aí os governos passam a maior parte do tempo empenhados em
tentar sobreviver.
Mas é preciso reconhecer que o Brasil, a Nova República e a
"Constituição cidadã" capricharam na construção de um modelo que leva
isso a extremos.
Teria como resolver? Ideias não faltam. E se, por acaso, o
tamanho das bancadas na Câmara fosse calculado pelo voto dado aos candidatos a
presidente nos estados, e não aos candidatos a deputado federal? Jair Bolsonaro
e Fernando Haddad somados fizeram três quartos do voto válido, mas os partidos
de ambos elegeram em torno de um quinto dos deputados.
A Nova República criou um mecanismo vocacionado para a
instabilidade. “Criou” não é a palavra mais adequada. Os constituintes de
1987-88 apenas pioraram o mau sistema outorgado pelo presidente Ernesto Geisel
no “Pacote de Abril” de 1977, ainda sob a égide do AI-5.
Pioraram porque juntaram à representação deformada dos
eleitorados estaduais o estímulo à livre proliferação de partidos cartoriais,
sustentados com recursos públicos e liberados de praticar democracia interna. O
resultado hoje são dezenas de legendas nanicas, pequenas e médias. E com todos
os estímulos e fórmulas para preservar o caciquismo.
Vem aí, é verdade, o endurecimento da cláusula de
desempenho, mas é duvidoso que diminuir o número de legendas dê conta do
problema. A encrenca está mais relacionada à capacidade de o Executivo impor
alguma disciplina aos parlamentares. Sem o que nenhum modelo vai a lugar nenhum,
em canto nenhum.
E o Congresso Nacional, especialmente a Câmara, trabalha para
piorar o sistema, com a eventual aprovação do “distritão”. O que
tornará os partidos definitivamente irrelevantes.
Como presidentes da República sobrevivem nesse ambiente?
Compondo precariamente maiorias parlamentares após a eleição. Em troca de
verbas e cargos. O que transforma qualquer administração num banquete para a
polícia e os promotores. Quando tentam outro caminho, os governantes tornam-se
alvo da má vontade e mesmo da vingança de legisladores.
Converse com um oposicionista e ele dirá que o sistema é
bom, porque limita a capacidade de Jair Bolsonaro governar. Hoje, os
adversários dele não quereriam nem saber de aprovar mecanismos que facilitassem
a governabilidade. Mas alguma hora a atual oposição (ou o “centro”) será
governo, e aí o louvor aos “freios e contrapesos” virará reclamação.
Modelos têm de ser avaliados pelos resultados. As últimas
três décadas vêm sendo de baixo crescimento, resiliência das desigualdades,
piora acelerada da segurança e, mais por agora, deterioração aguda dos
mecanismos de construção de maiorias ou consensos na sociedade e na política.
Sem falar no progressivo conflito de poderes, do qual o
fenômeno mais recente é a hipertrofia do Supremo Tribunal Federal, transformado
em órgão que termina absorvendo as atribuições das outras duas arestas da Praça
dos Três Poderes. Por quê? Em meio à disfunção, alguém acaba sobrando com a
chave.
Não que os ministros do STF estejam especialmente
incomodados com isso.
É evidente que o cenário descrito até aqui não poderá perdurar para sempre. No fundo, a verdadeira disputa política no Brasil de hoje é para saber quem vai cortar o nó górdio. E como.
Dois salvacionismos
Era previsível, e foi previsto: quando viesse a hora da
dificuldade, a ameaça mais perigosa para Jair Bolsonaro não viria da esquerda,
mas do autodenominado centro. Para este, aliás, parece estar em vigência um
sistema como o das cotas universitárias, a autodeclaração. Nas cotas isso é até
razoável. A alternativa seria criar algum mecanismo de “checagem racial”. O
absurdo da hipótese dispensa maiores explicações.
Porém na política a coisa se complica. Pois nos dias que
correm basta se dizer de centro e contra os extremismos para ser dispensado de
qualquer explicação adicional sobre 1) o que fez no passado ou 2) o que
pretende fazer no futuro. Além, claro, de “salvar o Brasil dos perigosos
extremistas responsáveis pela insuportável polarização que impede a união e a
paz nacionais”.
A esquerda está nas ruas, na internet e no parlamento contra
Bolsonaro porque ela é contra os principais aspectos do programa governamental
e porque o presidente disse, e reafirma, que deseja extirpá-la da vida política
nacional. Já o centro gostaria mesmo é de manter os eixos fundamentais do que
vem sendo feito, mas sob nova direção: a dele mesmo.
Poderia, talvez, fazer concessões comportamentais e
ambientais. Ainda que seja ilusão imaginar um governo dito centrista - aliás
qualquer governo – dispensando, por exemplo, o apoio do agronegócio ou dos
evangélicos. Mas, noves fora, a ideia do centro é repetir 1992-94. Produzir com
a ajuda da esquerda uma correlação de forças definitiva contra o presidente
para, na sequência, recompor a base política e social do conservadorismo sob
novo comando, para isolar e derrotar a esquerda.
Onde residem as dificuldades desse projeto? Um empecilho
muito falado é a proliferação de nomes de centro, todos hoje mais ou menos
equivalentes em cacife eleitoral e bem atrás dos líderes. Há, porém, outro,
mais desafiador: a necessidade de um “centro contra os extremismos” parece ser
assunto quentíssimo no topo da sociedade, mas olimpicamente ignorado pelo
povão.
Daí também que a terceira via esteja no momento dedicada a
demolir a primeira (ou segunda, conforme o gosto do freguês), Jair Bolsonaro,
para então tentar ocupar o lugar dele na montagem de uma cruzada antipetista
rumo a outubro de 2022. E a tarefa anda bem facilitada por causa de como o
presidente conduz os temas críticos da pandemia: o isolamento e o afastamento
social, as máscaras, as vacinas, etc.
Enquanto Bolsonaro é alvejado diariamente pela Comissão
Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19, e busca a sobrevivência política
sob cerco duplo dos ex-aliados dele e da esquerda, esta observa um enigma. Está
condenada a engrossar a ofensiva antibolsonarista, até luta para encabeçá-la,
mas quebra a cabeça sobre como neutralizar o risco de repetir 1994.
Quer achar um jeito de não acabar isolada por uma coalizão
que, esvaziado o bolsonarismo, faça reemergir na sequência o hoje latente
antipetismo para engatar uma segunda jornada salvacionista.
Publicado na revista Veja de 07 de julho de 2021, edição nº 2.745