Todas essas coisas vão encadeadas, mas a principal é a dispersão. É produto da variável nova no cenário brasileiro, no último meio século: a falta de partidos que apresentem, simultaneamente, possibilidade real de poder e perfil de "salvador da pátria", "novo", "diferente".
Também porque o salvacionismo nacional, que já namorou, noivou, casou e separou do (P)MDB, do PSDB e do PT, está hoje apaixonado pelo vetor extrapartidário: a Lava-Jato. Nosso recorrente embevecimento pelo candidato a redentor está depositado nos procuradores, policiais e juízes.
Daí não haver, como antes, sinais de uma onda partidária na reta final de primeiro turno. O localismo é uma característica perene desse tipo de eleição, mas no passado o vetor partidário nacional acabava imprimindo alguma caraterística na hora de definir a disputa paroquial.
Depois do resultado, o interesse analítico, como sempre, estará na influência da totalização municipal sobre a próxima disputa presidencial. Mas haverá também outra preocupação: como o resultado vai impactar o andamento das anunciadas medidas legislativas do governo Michel Temer.
Este governo tem diversos problemas, mas o principal é político: precisa impulsionar uma agenda de reformas austeras e liberais para as quais não obteve um mandato popular, seja na forma de eleição seja na de um líder com legitimidade endógena.
Isso se agrava por ser um governo já algo velho, apesar de bastante novo. Acabou de assumir e já entra na reta final. A agenda legislativa de seu último ano (o da eleição não conta) é típica do que seria o primeiro ano de um governo regular. Mas não tem o combustível da urna. Nem das massas.
A favor de Temer, interessa a todo postulante ao Planalto que ele dê certa arrumação na casa, para limpar o terreno. Mas não vão querer dividir os ônus. Austeridade e liberalização são sucesso em círculos empresariais e editoriais, mas enfrentam resistências sabidas no público.
Na esquerda, a derrota parirá uma nova rodada de sebastianismo jacobino, a fuga para o passado miticamente heróico como alternativa fácil à dolorosa missão de enfrentar os desafios do presente. Sintoma: o PT achar que seus problemas decorrem das alianças que fez, e não das que não fez.
Em resumo, o pós-eleição trará vetores antagônicos. Num cenário de dispersão, o governo lutará para dar centralidade a uma agenda que o salve de ser tragado pela inércia e pela Lava-Jato. Os aliados apoiarão com ressalvas, de olho no futuro custo eleitoral. E o PT/esquerda vai se refugiar na tática de "resistência".
O mais provável, como vimos escrevendo, é resultar daí um quadro progressivo, mas gradualista e minimalista. As reformas serão digeridas pelo Congresso, e atenuadas no processo. Inclusive porque o ator novo, os novos prefeitos, pedirão verbas que afastem o colapso federativo anunciado.
Colapso que nos estados já está aí. Enquanto impulsiona a PEC do teto de gastos, o governo precisa administrar as pressões de governadores que lutam para fugir da falência. Isso num país totalmente convencido pelos sabidos de que dinheiro tem de sobra, não estivesse desviado pela corrupção.
O cenário não é trivial.
Pode ser sempre enfrentado, mas exige uma perícia que até agora a nova administração conseguiu demonstrar apenas em grau insuficiente.
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