quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Só lá na frente

Assim é a política. O quase ex-presidente Donald Trump acha pouco os US$ 600 que o Congresso quer dar a título de auxílio a milhões de americanos por causa da crise provocada pela Covid-19. Trump quer que sejam US$ 2.000. O problema? O valor aprovado foi fruto de um suado acordo neste pedregoso fim de ano entre deputados e senadores democratas e republicanos (leia).

Para quem está indo embora, jogar para a plateia e provocar confusão tem um custo apenas relativo. No caso de Trump, com um ingrediente adicional: ele está muito longe de pretender se aposentar, e um de seus alvos principais desde agora são os homens e mulheres do partido dele que correram, uns mais rapidamente, outros mais devagar, a reconhecer a vitória de Joe Biden.

E no Brasil? A criação de empregos vai razoavelmente bem, segundo o Caged (leia). Mas a recuperação leva mais gente a procurar emprego, e daí crescem também as taxas de desemprego (leia). Uma dúvida que continua é se a recuperação vai resistir ao fim do auxílio emergencial, que deixará o palco junto com 2020. Mas isso só saberemos lá na frente.

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Guerra prolongada

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) informou que dia 8 de fevereiro começa a entregar ao Ministério da Saúde a vacina AstraZeneca/Oxford (leia). Antes, e com certa antecedência, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) certificara as boas práticas do laboratório Sinovac, que desenvolveu a vacina CoronaVac, a ser fabricada e distribuída no Brasil pelo Instituto Butantan (leia). .

Ou seja, apesar de todo o bate-boca, das divergências, da disputa por protagonismo, parece que as coisas caminham bem no que interessa saber: quando a população brasileira começará efetivamente a ser imunizada contra o SARS-CoV-2. Pois os fatos estão mostrando que a vacinação é na prática o único meio disponível para tentar erradicar a Covid-19.

Digo "tentar" porque ninguém pode garantir que com a vacinação o vírus vai ser extirpado do nosso meio. É possível que mesmo na melhor hipótese ele permaneça residualmente, o que vai exigir um esforço permanente de cuidados, de rastreamento e de providências dele decorrentes. Será uma guerra prolongada.

Mas a vacina, isso é inegável, vai ser o melhor passaporte para a volta à normalidade.

domingo, 20 de dezembro de 2020

Interessa a todos

O surgimento de uma nova cepa de SARS-CoV-2 altamente contagiosa no Reino Unido levou a três consequências imediatas. A primeira é acelerar a tendência das autoridades europeias a impor novos lockdowns. A segunda é a propagação em cacata do fechamento de fronteiras para oriundos das nações afetadas. A terceira é a aceleração ainda maior da corrida pela vacina.

Concentremo-nos na última. A esta altura, vai ficando claro que não haverá saída para controlar a propagação do contágio que não seja o imunizante. A boa notícia é a rapidez com que ele vai sendo desenvolvido nos diversos países. Vamos torcer para a distribuição andar bem e ser universal. Pois até agora o que se viu foi a prioridade para vacinar as populações dos países desenvolvidos.

Entre nós, será o caso de pedir às autoridades nos diversos níveis que se entendam. Aliás é o que se está pedindo há quase um ano, desde que a crise começou, e até agora sem grandes resultados. É ingenuidade imaginar que um problema desse tamanho possa não ser afetado pela política. Mas também seria inteligente os governantes, em todas as esferas, notarem que a rapidez da solução interessa a todos.


sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Um plano

O Supremo Tribunal Federal marcou para o próximo dia 16 o julgamento de duas ações que tratam da vacinação para a Covid-19 (leia). 

A primeira pede que o tribunal obrigue o governo federal a adquirir a vacina Coronavac produzida no Instituto Butantan. A segunda, que o governo apresente em 30 dias um plano nacional de vacinação.

É um sintoma da progressiva disfuncionalidade política. O que deveria ser resolvido com o exercício da autoridade do Poder Executivo, ou do próprio Legislativo, escorrega para a esfera do Judiciário. 

E depois reclamam quando este poder chama a si o que é atribuição dos demais. Não que faltem motivos para críticas aos juízes. Mas seria ingenuidade imaginar que arrastados para o centro do palco eles não ocupariam o espaço aberto para protagonismo.

Sobre as vacinas, a população espera um plano seguro, efetivo e viável para o máximo de pessoas conseguirem imunizar-se no menor tempo possível. E espera que os políticos, lato sensu, se entendam para o objetivo ser atingido.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

O PIB

O PIB do terceiro trimestre veio um pouco abaixo das expectativas, com um crescimento de 7,7% em relação ao anterior. A boa notícia é que indústria, comércio e investimentos puxaram o índice para cima (leia). 

Ainda que no acumulado final do ano a maior parte das atividades vá mostrar queda em relação a 2019.

Os números positivos do Caged de outubro (leia) já haviam sido um indicador de recuperação. Mesmo a recente alta na taxa de desemprego medida pelo IBGE refletiu mais o aumento da busca por trabalho que qualquer outra coisa.

A dúvida agora é se a recuperação vai resistir ao fim dos mecanismos financeiros de suporte criados para enfrentar as consequências da pandemia. O governo parece apostar que sim, pois até o momento deixou de lado qualquer ideia de prorrogá-los. Até o momento.

Passadas as eleições municipais, o ritmo de recuperação da economia em 2021 vai ajudar a desenhar o retrato político do ano, com a óbvia consequência na sucessão presidencial de 2022. Pois daqui a dois anos, com as vacinas, espera-se que a Covid-19 tenha deixado de ser assunto.

Não custa ser otimista.


quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

A Argentina precisa ser explicada

Uma característica de quando o debate político perde conexão com a racionalidade é os fatos deixarem de ter importância. E a discussão usa e abusa do cherry picking, a supressão das evidências incômodas. Bem, um caso que merece ser mais debatido é o da Argentina.

O país vizinho vem de encerrar seu lockdown, um dos mais rígidos do planeta. Mesmo antes disso, os argentinos já exibiam números complicados. Em mortes por milhão de habitantes, faz tempo que nos ultrapassaram (leia). E caminham ao topo do ranking mundial.

Agora, a OCDE diz que na economia os números argentinos de 2020 serão igualmente ruins. A recessão vai bater nos 13%, o pior desempenho do G20 (leia). Se bem que Espanha e Reino Unido devem ser fortes concorrentes ao triste troféu.

Não se trata de concluir apressadamente que o lockdown dos vizinhos não serviu para nada. Mas tampouco será o caso de fingir que tudo está dentro da normalidade no universo dos argumentos e contra-argumentos em torno da Covid-19 e de como enfrentá-la de um jeito correto. 


terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Relax à espera da vacina

As eleições trouxeram com elas, especialmente nos dias anteriores à urna, aglomerações de candidatos, políticos e apoiadores. O paroxismo deu-se nas compreensíveis comemorações dos vitoriosos. Mas não passou despercebido que, horas depois, voltassem as advertências e medidas sobre a ainda gravidade da ação do SARS-CoV-2 entre nós. Assim tem sido a política por aqui.

Seria injusto entretanto particularizar. O relaxamento tem sido geral, e o símbolo destes dias bem poderiam ser as praias superlotadas. Há quem diga que praias não são tão propícias assim para o contágio, vai saber... Mas e festas em lugares fechados? Com certeza são. E o pessoal não parece estar nem aí. Torçamos e rezemos para que as UTIs, e o povo que nelas trabalha, sejam suficientes.

Porque as perspectivas da eventual vacina ainda são cheias de incógnitas (leia). Muitas variáveis. Uma estratégica é a temperatura em que o imunizante precisa ser conservado. Aqui, o ótimo parece novamente ser inimigo do bom. Melhor uma vacina que não exija tantos cuidados de conservação, e portanto possa estar disponível com menos complicações logísticas.


segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Futurologia

O balanço das eleições municipais está bastante focalizado no desempenho dos partidos, o que é natural quando a preocupação maior é conectar o que se passou agora com o que vai se passar daqui a dois anos. Então lá vai um exercício de futurologia.

O Congresso Nacional, mais dia menos dia, vai tomar medidas que estabilizem a relação dívida/PIB, e o país não escorregará para a retomada inflacionária. Mas, depois de voltar ao patamar em que estava antes da pandemia, a economia vai crescer lentamente, devido antes de tudo às baixas taxas de investimento e à fraqueza do mercado interno.

Jair Bolsonaro chegará em 2022 bastante competitivo para ocupar uma vaga no segundo turno, e aí vai depender da amplitude da frente que se formar contra ele na reta final. Neste ponto, será ajudado pela dificuldade de unir a direita não bolsonarista e a esquerda.

Essa união aconteceu no Rio, em em menor grau em Fortaleza e em Belém, mas foi exceção. E o principal entrave é cristalino: os partidos precisam cuidar de sobreviver, ainda mais com o progressivo garrote da cláusula de barreira.

Ou seja, a formação de uma frente antibolsonarista depende bastante de as diversas facções terem espaços razoáveis de sobrevivência. Não será trivial.

domingo, 29 de novembro de 2020

Os caminhos de cada um para 2022

Eleições municipais precisam sempre ser vistas, antes de tudo, pelo ângulo local. Dito isso, é razoável tentar fazer a leitura do que elas podem antecipar sobre os caminhos da eleição geral, daqui a dois anos. Uma análise possível de ser feita a partir das situações em que os campos estiveram mais claramente expostos ao eleitorado. E as urnas do segundo turno de 2020 deixaram claro que cada um dos grandes blocos tem seu caminho para triunfar em 2022.

São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, mostraram bem o potencial de candidatos ditos centristas que procuraram se descolar da direita mais explícita. No Rio com mais facilidade, por o postulante do Democratas carregar um histórico de alianças com a esquerda. Mas mesmo em São Paulo isso funcionou em algum grau. A disputa ajudou a passar momentaneamente uma borracha na memória do “BolsoDoria”.

As duas megalópoles mostraram também que, mesmo nos centros nevrálgicos do bolsonarismo de dois anos atrás, a esquerda e o centrismo dito de esquerda voltaram a mostrar competitividade. Mais em São Paulo, onde a convergência se acelerou ainda no primeiro turno. Mas também no Rio, onde a soma dos resultados das candidaturas do PT, PSOL e PDT tinha claro potencial de passagem à decisão.

O cirismo tem seus bons trunfos para uma eventual mesa rumo à sucessão presidencial. Montou candidaturas competitivas em São Paulo e Rio, que não chegaram ao segundo turno mas exibiram massa crítica, e provou-se capaz de agregar com alguma naturalidade a frente progressista em Fortaleza. E operou uma aliança sólida no centro nevrálgico do PSB, em Pernambuco. Isso certamente será levado em conta lá na frente.

O Democratas já tinha ido bem no primeiro turno, assim como os partidos do chamado centrão, que cresceram no plano municipal num grau que permite antecipar a força deles na próxima legislatura na Câmara dos Deputados. Serão parceiros cobiçados na corrida de 2022, ainda que dinheiro e tempo de televisão não sejam mais tão decisivos quanto eram antes de 2018. Mas sempre têm sua importância. E musculatura política nunca é demais.

Na esquerda, a ida de numerosos candidatos aos segundos turnos e a competitividade em cidades tão diferentes como Porto Alegre, São Paulo, Vitória, Recife e Belém mostrou que o jogo está aberto para as forças ditas progressistas para um protagonismo próprio em 2022. A novidade é que o PT vai precisar negociar, pois seu direito de indicar o candidato não é mais automático, longe disso.

Sem um acordo prévio, é real a possibilidade de a esquerda ficar fora do segundo turno.

Pois nunca se deve esquecer que o bolsonarismo mostrou nas eleições estar bem vivo. Teve dificuldades nos segundos turnos, mas colocou candidatos competitivos em vários lugares e o presidente mantém seu um terço de bom e ótimo e cerca de 40% de aprovação. E isso o coloca, se mantidos os índices, com um pé e meio no segundo turno daqui a dois anos. E ele ainda tem a possibilidade real de aliar-se com os partidos do dito centrão.

Por isso, por enquanto, a disputa que existe é para saber quem vai ser o adversário dele.

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Caged x PNAD

Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o Brasil criou em outubro 395 mil vagas a mais de emprego formal do que eliminou. Um recorde absoluto para um mês na série histórica que vem desde 1992 (leia).

Mas segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), o desemprego já aflige 14,6% dos brasileiros. É o resultado do 3º trimestre de 2020. Uma alta de 1,3 ponto percentual sobre o trimestre anterior. Também é a maior taxa da série histórica com a metodologia atual, iniciada em 2012 (leia).

O governo bate bumbo com o primeiro número, e naturalmente a oposição cuida de divulgar o segundo. Mas quem está certo, afinal? Provavelmente ambos.

A retomada dos empregos em carteira parece robusta, e há alguma possibilidade de 2020 acabar zerado na criação versus destruição de empregos formais. Mesmo que o saldo final seja algo negativo, se o número for pequeno será uma conquista e tanto em ano de Covid-19 descontrolada por aqui.

Mas o desemprego também cresce, porque tem mais gente procurando emprego e o mercado não absorve. É uma consequência da metodologia.

O fato é que a economia parece retomar. A dúvida é se, e quanto, ela vai resistir no pós- pandemia ao fim do auxílio emergencial e das demais medidas de emergência.


E o que vem depois da eleição?

O dado óbvio a olhar daqui por diante, definido o quadro municipal, serão as pesquisas de popularidade do presidente da República. Não há como imaginar a sucessão de 2022 sem esse eixo de organização do pensamento. E sem base orgânica, o chefe do governo depende disso mais do que o normal. A outra variável? Como os partidos resolverão o dilema entre a necessidade de fazer bancadas de deputados e a vontade de ter candidaturas à Presidência.

O sistema partidário brasileiro funciona de modo peculiar. Talvez seja caso único no mundo em que uma constelação de legendas, nenhuma com massa crítica para construir sua hegemonia, migra da órbita de um personagem político para a do outro, e sempre submetidas à força gravitacional do poder. E depois das eleições submetem o poder à força gravitacional delas quando se reúnem no Congresso Nacional.

No campo governista, dos partidos que concordam no essencial com a agenda do Palácio do Planalto, é razoável supor que se Jair Bolsonaro chegar a 2022 competitivo nas simulações eleitorais terá uma possibilidade bem razoável de atrair boa parte das agremiações que se deram bem nacionalmente nesta eleição municipal, também e principalmente pelo acesso privilegiado de seus parlamentares ao Orçamento Geral da União.

Aliás, mesmo que o presidente esteja enfraquecido, essas legendas poderão aliar-se a ele para garantir as posições na máquina durante o período eleitoral, e conforme o andar da carruagem cristianizá-lo na campanha. Não chegaria a ser novidade. Esse poder de barganha dos partidos anda meio relativizado desde que o horário eleitoral no rádio e tv não se mostra tão vital assim, mas continua sendo uma variável a considerar com seriedade.

Inclusive porque cada partido que você atrai é menos um para engrossar as fileiras da concorrência.

A principal luta de Jair Bolsonaro nos ensaios para 2022, sabe-se, deve ser contra os que o apoiaram em 2018 mas preferem uma alternativa própria. E os segundos turnos municipais mostram que essa facção tem uma vantagem na disputa da pole-position antibolsonarista. Tem mais facilidade para receber o voto maciço da esquerda do que quando precisa retribuir.

Para a esquerda, a equação apresenta múltiplas variáveis em aberto. Ao contrário da miríade das legendas da direita, ela precisa se preocupar seriamente com o atingimento da cláusula de desempenho na eleição para a Câmara dos Deputados. E, também ao contrário do campo oposto, chegará a 2022 sem o controle da máquina federal e desidratada de máquinas na maior parte do país. Qual será então a melhor fórmula para ela?

Uma possibilidade é buscar desde logo a convergência para lançar candidaturas majoritárias competitivas e ancorar os diversos partidos nesses projetos mais robustos. Ou vai ser o cada um por si, como foi na maioria das disputas municipais? É uma dúvida cruel. E os números finais deste novembro eleitoral precisarão ser analisados com lupa por quem, daqui a dois anos, terá como principal desafio não cair para a Série B da política.

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Publicado originalmente na revista Veja edição 2.715 de 2 de dezembro de 2020

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Deixou de ser assunto?

Os índices de sucesso de prefeitos e vereadores candidatos à reeleição ou a outro cargo parecem ter voltado ao patamar costumeiro, entre 50 e 60% (leia), depois de uma certa queda em 2016. Eis mais um sinal do possível cansaço com a chamada nova política.

Mas a melhor indicação da mudança é um fato observável sem a necessidade de fazer conta. A nova política deixou de ser assunto. Talvez porque em meio a uma pandemia experimentações extremas não sejam tão atraentes. Ou talvez porque tenha cansado mesmo.

Ou uma combinação das duas coisas.

Vamos então aguardar mais sinais neste segundo turno, no domingo. Mas, regra geral, e mesmo quando estão no páreo propostas de renovação política local, as disputas se dão entre personagens conhecidos.

Em 2020, a nova política está com cara de bananeira que já deu cacho. Será uma sinalização para 2022?

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Via de uma mão só?

Os cenários da reta final deste segundo turno trazem pelo menos uma constatação. Há alguma facilidade de os votos, partidos e personalidades da esquerda convergirem para o apoio a uma frente ampla antibolsonarismo, mas não se nota a mesma disposição nos demais antibolsonaristas.

Um exemplo da primeira tendência são o Rio de Janeiro e Fortaleza. Nos cariocas, até o PSOL recomenda apertar o 25 do Democratas. Na capital cearense, a convergência em torno do candidato cirista deixou em segundo plano os ressentimentos cultivados no afastamento entre Ciro Gomes e o PT.

Mas o contrário se nota, por exemplo, em Belém e Vitória, onde os candidatos antibolsonaristas são, respectivamente, do PSOL e do PT. Nesses dois lugares, a prioridade do centrismo continua sendo, aparentemente, derrotar a esquerda.

Uma via de mão única.

Aguardemos a urna. Mas desde já é razoável prever que, diante dos resultados, os que apoiaram Jair Bolsonaro em 2018 e agora procuram seu próprio caminho apresentem-se como a melhor opção para a troca de guarda em 2022.

A dificuldade? A esquerda está mostrando, aqui e ali, músculos para ao menos disputar com chances uma vaga no segundo turno daqui a dois anos.

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Possível, mas improvável

É possível que passadas as eleições os eleitos e os demais governantes se concentrem na tarefa de gerir uma situação complicada no aspecto sanitário e ainda não resolvida no aspecto econômico. Aliás, está demonstrado que controlar o primeiro fator é condição indispensável para ajudar o segundo.

É possível, mas, analisadas as coisas pelo ângulo da racionalidade, não chega a ser provável. O desfecho da eleição municipal deve ser a largada de uma fase mais aguda dos preparativos para a disputa presidencial daqui a dois anos.

O que ameaça dificultar mais ainda uma ação coordenada entre o governo federal e os estados no enfrentamento da Covid-19. Cujas taxas de transmissão voltam a subir, segundo o mais novo estudo divulgado pelo Centro de Controle de Epidemias do Imperial College, de Londres (leia).

Os dados são consistentes com uma alta detectada por aqui de casos e mortes pela doença. E chegam num momento de intensa disputa entre as esferas da federação sobre a vacina. O aspecto positivo? Talvez a concorrência entre as vacinas seja boa, se o resultado for uma maior disponibilidades delas.

Vamos torcer.


segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Tarefa para profissionais

A indicação de John Kerry à posição de enviado especial de Joe Biden para assuntos do clima acaba de desenhar o quadro que já se previa complexo para o Brasil diante da nova administração norte-americana. 

Entre os temas que o novo presidente dos Estados Unidos poderia escolher para buscar restabelecer alguma hegemonia global, este era o mais óbvio.

Ainda que no ponto específico talvez haja mais alinhamentos do que desalinhamentos com a China.

Não é o caso do Brasil. Por aqui, Jair Bolsonaro estará logo logo sob pressão para decidir como encarar o desafio, dado o Brasil ter se colocado como alvo óbvio de ações norte-americanas que se pretendam exemplares. 

Um "sitting duck", para usar a terminologia militar (aqui a explicação).

De duas uma: ou o Brasil se dobra ao diktat de Washington ou busca relativizar o alinhamento estratégico com os americanos. Ou tenta achar um ponto intermediário, enquadrando-se mas livrando a cara aqui dentro no aspecto sempre sensível da soberania.

Uma tarefa para profissionais.

sábado, 21 de novembro de 2020

As dúvidas sobre o frentismo em 2022

Confirmou-se que o primeiro turno das eleições municipais trouxe a capilarização dos partidos da base do governo, e que por isso tinham, e aproveitaram melhor, o acesso ao orçamento federal. Viu-se também um certo movimento de continuidade, natural e esperado em meio a uma pandemia. Notou-se ainda a resiliência da esquerda, fenômeno facilmente detectável na manutenção dos votos para vereador e na votação significativa nos grandes centros.

O debate agora é sobre o que o resultado de 2020 projeta para 2022. Com os necessários cuidados, pois não há transposições mecânicas. E falta muito tempo político. Feitas as ressalvas, a dúvida que fica é sobre os possíveis blocos e alinhamentos. E para esse debate é útil a observação do que vai se dar no segundo turno, daqui a uma semana. Pois ficará claro o estágio atual da disposição dos diversos atores para alianças e formação de coalizões. Informação essencial para definir a tática.

Já está explícito, por exemplo, que mesmo as frações mais resistentes a alianças e frentismos na esquerda estão dispostas a votar em qualquer candidato não bolsonarista para derrotar o bolsonarismo. A opção do presidente da República por manter o discurso e a prática alinhados ao que podemos chamar de núcleo ideológico facilita um agrupamento quase automático de forças contrárias quando só há duas opções.

Mas, atenção, desde que o adversário seja palatável aos que em 2018 votaram Bolsonaro ou se abstiveram, e agora procuram outro caminho.

E se em 2022 o presidente for ao segundo turno contra alguém da esquerda? Neste momento, não é excessivo supor que ele deverá arrastar de volta pelo menos uma parte dos arrependidos. Ou será que não? Duas das disputas neste segundo turno são um termômetro para tirar a dúvida. Vitória (ES), onde o PT está no segundo turno, e Belém, onde o adversário do candidato bolsonarista é do PSOL.

Em Fortaleza, o cirismo parece ter formado com facilidade a frente antibolsonarista. Veremos o resultado na urna. Mas, e em Vitória e Belém, o autonomeado centrismo ficará de que lado?

De todo modo, 2022 projeta forte pulverização de candidaturas majoritárias, pelos menos das forças com pouco acesso a orçamentos públicos. Porque o voto majoritário é uma ferramenta preciosa para puxar o voto proporcional, e não custa lembrar sempre que daqui a dois anos a cláusula de desempenho na votação para a Câmara dos Deputados estará colocada alguns centímetros acima do que em 2018.

E a votação para deputado federal, além de definir se o partido fica na Série A ou cai para a B, acaba também definindo quanto a legenda terá de espaço no horário eleitoral e verba do fundo eleitoral em 2024 e 2026. Não é pouca coisa em jogo.

Portanto, é ilusão imaginar alianças muito amplas na largada. Cada um precisará caminhar com suas próprias pernas. Talvez haja alguma convergência entre MDB, PSDB e Democratas, notam-se ensaios. E entre as legendas do chamado centrão, estrito senso, e talvez em torno do presidente da República. O que dependerá, obviamente, da popularidade de Jair Bolsonaro quando chegar a hora de tomar as decisões.

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Problemático novo ano

Estamos chegando ao final do ano, então as projeções começam a convergir para a realidade dos fatos. Aliás, não é tão complicado assim fazer em novembro previsões para o ano que está acabando, não é?

Bem, hoje, mais uma vez, o governo ajustou sua previsão para o déficit primário (receitas menos despesas antes do pagamento de juros) em 2020 (leia). Pelo jeito, a coisa vai girar em torno de 850 bilhões de reais. Uma ordem de grandeza de dez vezes a previsão orçamentária inicial.

Claro que a responsabilidade foi da Covid-19 e dos gastos extraordinários por ela provocados. Aliás já tem quem diga que 600 reais de auxílio emergencial foi excessivo, que algo em torno de 200 teria sido suficiente para manter a renda das pessoas e famílias.

Mas Inês é morta e o governo tem diante dele o desafio de fazer o pouso suave do auxílio, previsto para acabar na passagem do ano. Conseguirá? Além de tudo, há também a barafunda congressual, onde não se consegue instalar a Comissão de Orçamento, por causa da guerra na sucessão das Mesas.

Quando acabar o entretenimento eleitoral municipal, o novo ano trará problemas graúdos. Sem contar que ainda não há luz no fim do túnel da Covid.


quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Em busca de uma explicação

Enquanto por aqui os políticos, especialmente onde há segundo turno, procuram relativizar a possibilidade de estarmos vivendo a formação de uma segunda onda de casos e mortes pela Covid-19, em Nova York as escolas voltarão a ser fechadas para tentar estancar o avanço da doença (leia).

O SARS-Cov-2 parece mesmo bem resiliente. E faz sentido se usarmos uma lógica até relativamente simples. Mundo afora, as curvas declinaram por uma combinação adequada de um certo grau de imunidade coletiva com algum índice de isolamento e distanciamento social.

Daí o isolamento e o distanciamento foram naturalmente atenuados, até pela duração das medidas, e o vírus voltou a circular mais fortemente e a mais facilmente encontrar receptores sensíveis à infecção. O resultado são as curvas ascendentes mundo afora.

Sem contar situações como a da Argentina, que apesar do duríssimo e extensíssimo lockdown já supera o Brasil na contabilidade de mortos por milhão de habitantes. Um caso ainda em busca de alguma explicação.

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

A chave da vitória

Quase ninguém está prestando atenção, mas a apuração dos votos continua na eleição para presidente dos Estados Unidos. No estado de Nova York, por exemplo, falta apurar mais de 10% dos votos. 

Daí poucos atentarem para o fato de Joe Biden estar recolhendo, por enquanto, uns 13 milhões de votos a mais que Hillary Clinton em 2016. E Donald Trump estar contabilizando mais de 10 milhões de votos sobre o obtido quatro anos atrás.

E no fim das contas, segundo os números nos estados (leia), talvez as pesquisas não tenham errado tanto assim.

O voto antecipado e o voto pelo correio, além do registro maciço de novos eleitores, deu ali o "drible da vaca" (expressão antiga do futebol) na Covid-19. Já por aqui, a abstenção subiu. Se foi a pandemia ou o desinteresse crescente pelas eleições, ainda não está claro.

Uma coisa é certa: cada vez mais, o desafio para partidos e candidatos será fazer o eleitor votar. O acréscimo, ou decréscimo, no eleitorado ativo de cada um tende a ser a chave para a vitória.

terça-feira, 17 de novembro de 2020

O número que mais explica

É da natureza humana escolher os fatos que corroboram nossas teses, e ignorar os que não. Tem sido assim nesta eleição. Uns destacam o número de prefeituras conquistadas. Outros, em quantas grandes cidades o partido foi competitivo. Outros ainda, que campo ideológico prevaleceu.

Qual número você prefere? Eu prefiro os votos recebidos na eleição de vereador. É o dado que mostra a real inserção de cada legenda. Pois o partido pode não ter lançado candidato a prefeito, pode ter indicado o vice, pode não ter eleito vereador mesmo com uma boa votação na legenda, por não ter feito o quociente.

Mas para medir a capilaridade, só a votação dos vereadores.

E o que dizem os números (leia)? O DEM, o PSD, o Republicanos (ex-PRB), o PL (ex-PR) e o Progressistas (ex-PP) cresceram bem, o PSDB e o MDB caíram, o PT ficou mais ou menos como estava. Isso entre as maiores legendas. 

Em algum grau, essa contabilidade vai se refletir na eleição proporcional daqui a dois anos.

Ou seja, cresceram os partidos mais estruturados do campo governista, as legendas com mais acesso ao Orçamento Geral da União. Não só por caisa disso, claro. Mas com certeza ajudou bem.


segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Ainda sobre a eleição

A eleição municipal evidenciou que o movimento rumo à direita das urnas de 2018 capilarizou nas cidades. E saíram-se bem os partidos que conseguiram surfar nas duas ondas, a ideológica antiesquerda e a das relações privilegiadas com quem tem as chaves do Orçamento Geral da União.

Era previsível, e foi previsto, que as legendas do chamado centrão, portanto, estivessem em posição privilegiada para a colheita municipal da semeadura feita por Jair Bolsonaro dois anos atrás. Ganhando terreno inclusive dos fugazmente (2016-18) hegemônicos (P)MDB e PSDB.

E a esquerda viu prosseguir seu desgaste, inclusive porque a onda conservadora passou a varrer o Nordeste, também como efeito da troca de guarda na máquina federal. Mas a esquerda permanece entrincheirada, e ensaia algum protagonismo no Sul-Sudeste, mesmo ainda longe de virar o jogo.

E 2022? Se Bolsonaro retiver a capacidade hegemônica sobre seu campo, esse "centro" agora vitaminado não terá como deixar de endossá-lo, nem que seja num eventual segundo turno. A principal ameaça, por enquanto? Os ensaios de um "bolsonarismo sem Bolsonaro".

Um pessoal que aliás tem motivos para comemorar o resultado das urnas.

domingo, 15 de novembro de 2020

A escolha do previsível

Uma leitura inicial dos resultados do primeiro turno da eleição municipal deixa claro que o eleitorado escolheu o previsível, não o imprevisível, e o conhecido, não o desconhecido. As exceções confirmam a regra. Cada um tem sua própria hipótese a provar, e a minha é que o grande eleitor até agora neste processo eleitoral é a Covid-19. Na emergência, a população vem deixando claro não estar muito a fim de experimentação.

Se os políticos e os analistas gostam de olhar os fatos à luz da régua puramente política, os critérios do povão costumam ser de outra ordem. A escolha de um governante se dá medindo em primeiro lugar a relação custo/benefício. E em época de pandemia, com o corolário de dificuldades econômicas, as urnas estão produzindo nomes que prometem menos nas palavras e mais na trajetória, mais identificados com soluções e menos com blábláblá.

O paralelo imediato é com situações de guerra. E não é exagero dizer que estamos no meio de uma, com sua trágica contabilidade de mortes e destruição de forças produtivas. Neste segundo caso, o impacto vem sendo atenuado pelas medidas excepcionais, e que já começam a minguar. Com o esperado efeito na popularidade do governo federal. Ele faturou quando abriu para valer as comportas do orçamento, e agora está ameaçado pelo contrafluxo.

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O espírito prático do eleitor e a desconfiança sobre embarcar no desconhecido ficam também comprovados pelo desempenho apenas relativo, e põe relativo nisso, dos assim chamados padrinhos. Desta vez ter o apoio de grandes líderes políticos não fez tanta diferença assim. Em todos os lados do espectro. Mas, cuidado: se em 2022 a tendência de escolher o certo e não o duvidoso repetir-se, os líderes talvez voltem a pesar mais.

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Há as diversas contabilidades em jogo. Cada um defende a sua. Quem ganhou mais capitais. Quem vai governar mais eleitores. Quem ganhou mais governos e eleitores a governar nas grandes cidades. Quem elegeu mais prefeitos, ou vereadores. Mas novamente cuidado: qualquer conta deve levar em consideração o fato de o sistema partidário vir sendo implodido desde 2014, e esta eleição municipal foi apenas mais uma evidência explícita do fenômeno.

Foi uma eleição que se deu em torno de nomes, e não de siglas. Diferente de movimentos nos ciclos anteriores, não há uma onda partidária crescendo. Em 2018 havíamos tido, pelo menos, ondas de partidos informais, como o da “nova política” e o da segurança pública. Desta vez nem isso. 2018 implodiu o edifício da Nova República. 2020 acaba de exibir o cenário dos persistentes escombros, pois não há qualquer esforço de reconstrução.

Há previsões sobre uma convergência partidária a partir de agora. Mais provável é que o movimento real venha mesmo a partir de 2022. É quando começa a ter peso maior a cláusula de barreira para que os partidos possam ter acesso ao horário eleitoral, às verbas públicas e ao funcionamento parlamentar.

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

O PIB, o auxílio e a política

E a prévia do crescimento do Produto Interno Bruto no 3o. trimestre veio melhor que as previsões (leia). Boa notícia para o governo. Dependendo de como estiver a recuperação em janeiro, o tranco político do fim do auxílio emergencial será mais ou menos sentido.

O ministro da Fazenda até admitiu a continuidade do auxílio, num desembolso governamental menor, se houver mesmo uma segunda onda da Covid-19. Mas o presidente da República reagiu hoje negando a ameaça de repique do novo coronavírus. Vamos, como sempre, aguardar pelos fatos.

Domingo tem eleição nos municípios. Dependendo do desempenho, no primeiro e no segundo turnos, dos candidatos apoiados pelo Planalto, o ambiente político irá variar para mais ou menos turbulento. 

Não que os novos prefeitos tenham musculatura para brigar com Brasília. Mas a oposição, nas suas diversas cores, pode se animar. As pesquisas dão alguma indicação do que vai acontecer. Mas a esta altura já deveria ser sabido que as pesquisas são úteis, mas bom mesmo é aguardar o resultado da urna.

O Itamaraty tem o know-how

O poder militar depende também da força não propriamente armada. Precisa, antes de tudo, de algum consenso interno. Os pais devem estar convencidos da justeza de mandar os filhos arriscarem a vida. E precisa de justificativas morais. Pode ser levar a “civilização” para subjugar a “barbárie”, como foi o caso na expansão colonial. É um exemplo. Há muitos.

Todo país que guerreia procura fundamentar a ação em valores morais, de preferência universais. Chamou a atenção no discurso inaugural do presidente aritmeticamente eleito Joseph Biden ele lembrar que os Estados Unidos devem liderar pela força do exemplo, não pelo exemplo da força. O problema é que a primeira costuma precisar do segundo.

Enquanto o imbróglio jurídico-político agita os EUA, sobra nas nossas paragens um tempinho para o Brasil ver como vai navegar nos novos ventos da geopolítica global. E aqui aparece um ponto imediato, diretamente relacionado ao esforço de reconstrução da “superioridade moral” norte-americana, necessário para tentar retomar sua contestada hegemonia.

Biden tem assuntos difíceis para cuidar. O mais visível é a Covid-19. O mais difícil é como impedir a China de continuar abrindo vantagem econômica e tecnológica. O primeiro desafio uma vacina deve resolver, e a dúvida não é “se”, mas “quando”. Já o segundo é bem mais complicado. E Donald Trump terminou ajudando a complicar mais.

A guerra comercial trumpista contra os chineses acabou dando a Beijing um argumento definitivo para buscar o que ainda não possui de autossuficiência tecnológica e científica. E não esqueçamos que a China dispõe de um mercado interno suficiente para resistir ao fechamento de mercados externos. É um adversário cada vez mais duro de roer.

E tem também as guerras eternas, frias ou quentes, no Oriente Médio. Um mérito de Trump, até o momento em que esta coluna estava sendo escrita, foi não ter começado nenhuma. Haverá na sociedade americana disposição para reenveredar por uma política à George W. Bush? Mesmo sem um novo World Trade Center? Difícil.

Tudo muito complexo. Entretanto, há uma frente mais fácil, na qual Biden enfrentará menos resistência para avançar. Depois que ele arrebatou a decisiva Pensilvânia mesmo com os republicanos acusando-o de querer acabar com os combustíveis fósseis, o caminho está aberto para centrar fogo na política ambiental.

E neste ponto o Brasil arrisca deixar-se encaixotar no papel de sparring. O quadro internacional para nós é ruim. E basta ver a crescente de políticos locais, da esquerda à direita, oferecendo-se a Biden em troca de um eventual apoio, ou simpatia, em 2022, para notar que agora o bolsonarismo precisará travar a guerra em duas frentes. Sempre complicado.

Mas o Brasil tem trunfos. Se precisa dos Estados Unidos, estes também precisam do Brasil. E se há uma disputa geopolítica global, os não-protagonistas podem e devem usar a inteligência para equilibrar-se e buscar ganhos. Já fizemos isso em outras épocas. Não precisamos inventar. Competição e cooperação não são antagônicos. O Itamaraty tem o know-how. Só tirar do arquivo morto e usar.

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Publicado originalmente na revista Veja edição 2.713 de 18 de novembro de 2020

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Cansaço

O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) resumiu bem. Podemos estar cansados do vírus, mas o SARS-CoV-2 não está cansado de nós (leia). A assim chamada "segunda onda", que toma a Europa e dá sinais de querer desembarcar por aqui, é uma prova.

Já os Estados Unidos não chegaram nem a sair da primeira, e agora o novo coronavírus repete a história daquele país em sua marcha para o oeste. E lá, como em todo lugar, é crescente a resistência a quem propõe repetir as medidas dásticas adotadas na largada da doença.

Já está razoavelmente estabelecido que o controle das curvas de casos e mortes, enquanto a vacina não vem, depende de uma combinação ótima de alguma taxa de imunidade na população e medidas eficazes de isolamento social, ou pelo menos distanciamento, já que o isolamento absoluto é inviável.

Mas isso depende por sua vez de um alto grau de gerenciamento e capacidade política de produzir consensos em torno de sacrifícios à coletividade. Neste Brasil dilacerado pela disfuncionalidade política, isso está mais próximo de ser utopia.

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Foco no eleitor

E segue o bate-boca sobre os resultados da eleição nos Estados Unidos. A tal ponto que o estado da Georgia decidiu que vai ser manual a recontagem obrigatória dos votos para presidente, porque a diferença foi menor que 0,5% (leia). São uns cinco milhões de votos para recontar.

Já o The New York Times decidiu fazer jornalismo e destacou seus repórteres para perguntar às autoridades nos 50 estados, democratas ou republicanos, se há algum indício de fraude. Não acharam nada, em lugar nenhum (leia). E haja fake news...

Tem muitas boas histórias nesta eleição americana, para além do bate-boca. Uma, do jornal online Vox, mostra como os votos dos native-americans Navajo vêm ajudando o democrata Joe Biden a ser o possível vitorioso (a contagem está apertadíssima mas ele lidera) no tradicionalmente republicano Arizona (leia).

Eleições são mesmo uma oportunidade para o jornalismo. Especialmente porque, tirando as pesquisas, sempre sujeitas a margens de erro, as eleições são um dos únicos momentos em que o jornalismo tem a oportunidade de se debruçar sobre o que acha o eleitor, e não só sobre o que pensam os políticos.


terça-feira, 10 de novembro de 2020

Primeiro turno

O primeiro turno está chegando, e as disputas principais são duas. O presidente Jair Bolsonaro luta para colocar aliados nos segundos turnos das principais capitais, para assim ter oportunidade de beliscar vitórias estratégicas. Mesmo que não consiga a vitória na rodada decisiva, terá mostrado força.

A segunda luta, esta bem renhida, é entre os partidos componentes de uma potencial "frente progressista", legendas que estão em um momento muito próprio. De disputa feroz pela hegemonia em seu campo. Se faz ou não sentido diante do quadro político concreto, é outro problema.

Uma curiosidade que só será dirimida na apuração é quanto de fato os chamados "padrinhos" pesam nesta eleição municipal. Por enquanto, parece que não muito. Mas cautela nunca é demais. De todo modo, o eleitor parece estar mais preocupado com os nomes do que com quem os apoia.

Não só com nomes. O eleitor parece em busca de gente com capacidade operacional. Se for isso mesmo, tem lógica. Em meio a uma pandemia, esvaziou-se um pouco o charme das experimentações. E valorizou-se a capacidade de promover realizações.


segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Balão de ensaio

Enquanto as notícias sobre vacinas agitam o público e o mercado financeiro, e enquanto a equipe de Joe Biden quebra a cabeça para apresentar um plano de contenção da resiliente Covid-19 nos Estados Unidos, o jornal online Axios informa que Donald Trump lança os primeiros balões de ensaio de uma candidatura presidencial em 2024 (leia).

As regras norte-americanas limitam a dois os mandatos presidenciais de um indivíduo, mas não precisam ser consecutivos. Daí que Trump, enquanto luta para colocar umas pedras jurídicas no caminho de Biden, cuide de manter preservado seu capital no Partido Republicano. E tem mais: a filha Ivanka também está de olho no cargo, claro que nunca concorrendo com o pai.

Comprova-se aqui mais uma vez a regra básica de que políticos podem até ser obrigados a aceitar uma derrota eleitoral, mas sempre estarão dispostos a ir à guerra para manter o controle da tribo. Pois se do lado de lá estão os adversários, as verdadeiras ameaças moram mesmo é dentro de casa. No caso, a casa do Partido Republicano.

sábado, 7 de novembro de 2020

O que decidiu: a pandemia e George Floyd

Donald Trump ainda não aceitou a derrota, é possível que a luta nos tribunais se arraste, mas a contagem puramente numérica dos votos aponta vantagem decisiva de Joe Biden, o presidente aritmeticamente eleito dos Estados Unidos. A surpresa foi, e ainda vem sendo, a tensão nas apurações, tensão de origem mais política que aritmética. Causada principalmente pelo ineditismo do número de votos pelo correio. “Culpa” da Covid-19.

A luta pelo poder nos Estados Unidos interessa ao mundo, por razões óbvias. Para nós aqui, será particularmente útil tentar fazer alguma análise mais aprofundada, dado o sabido paralelismo entre as duas correntes atualmente no governo nos dois países. Saber o que aconteceu, ou não, por ali, pode dar algumas pistas de eventuais desdobramentos no Brasil nas eleições presidenciais de 2022.

Em primeiro lugar, deve-se notar que Donald Trump não sofreu erosão na sua base desde que se elegeu. Ao contrário, está recolhendo algo da ordem de sete milhões de votos a mais do recebido quatro anos atrás. A maciça campanha democrata pelo voto parece, curiosamente, ter atingido positivamente também o adversário. O problema de Trump: Biden vem recebendo cerca de nove milhões de votos a mais que Hillary Clinton em 2016.

Esse é outro sinal de que Donald Trump caminhava para uma reeleição, se não tranquila, ao menos bastante provável, antes de dois acontecimentos: a pandemia da Covid-19 e a morte de George Floyd. Ambos desencadearam dois movimentos no eleitorado: uma imparável onda pelo registro eleitoral de votantes pretos e um sentimento de urgência que ajudou a convergência de todos os potenciais adversários do incumbente.

As pesquisas ao longo do ano sempre registraram uma tendência dominante de desaprovação, da ordem de 50%, mas um contingente sólido entre 40% e 45% de aprovação para Trump. Bastaria ao presidente, portanto, manter coesa sua base e impedir que a maioria desaprovadora se agrupasse em torno do adversário. Era possível, mas a maneira como enfrentou a pandemia e a morte de Floyd catalisaram com violência a convergência dos opositores.

Poderia ter acontecido sem esses dois fatos? A dúvida ficará. Há alguns meses, o Partido Democrata vinha dividido, pulverizado numa disputa interna sem luz no fim do túnel e com suas alas divididas. Ao final, convergiu para uma solução convencional, contra uma alternativa que se dizia abertamente de esquerda. Mostrou-se adequado. Teria sido assim não fossem os acontecimentos extraordinários que se seguiram? De novo, jamais se saberá.

E no Brasil? Jair Bolsonaro chegará a 2022 com um desafio parecido ao de Trump em 2020: impedir a convergência dos votos que não são em princípio bolsonaristas. Ao contrário dos Estados Unidos, a dispersão partidária por aqui ajuda. E é possível, provável, que até lá a pandemia tenha sido em grande medida controlada. E os conflitos raciais não parecem ter por aqui, até agora, o impacto eleitoral dali.

Qual será o fator decisivo daqui a dois anos? Uma candidata forte vai ser a economia. Mas, como os Estados Unidos acabam de comprovar, nunca é bom subestimar o imprevisível. Ele é sempre muito difícil de prever.

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Vai e volta

A polarização nas eleições americanas é permanente, e facilitada por um fato singelo. Ali só dois partidos disputam o poder. É como se todas as eleições fossem um segundo turno. Há situações de candidatos independentes, e mesmo de certo partido lançar mais de um candidato. Mas são residuais, e vão para um segundo turno quando ninguém alcança metade mais um.

Joe Biden é um candidato dito moderado, apoiado por uma ampla aliança que vai do dito liberalismo progressista (ou progressismo liberal, conforme a vontade do freguês) a uma esquerda de raiz. Igualmente do outro lado. Donald Trump é apoiado por uma ampla gama que vai da direita que não se envergonha de si mesma a um conservadoriamo mais liberal (ou um liberalismo mais conservador).

A isso misturam-se recortes de classe, ideologia, gênero e raça. Além da condução errática e desastrosa da Covid, Trump poderá debitar suas dificuldades eleitorais à condução que deu na trágica morte de George Floyd. Acessoriamente, os resultados no Arizona certamente refletem seu tratamento desrespeitoso a John McCain. Tudo que vai, volta.


quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Descasamento

Enquanto estamos entretidos com o vai-não vai das eleições americanas, nossos problemas permanecem estacionados aguardando solução. Uma delas é alguém dizer concretamente, e de modo factível, como o governo vai cumprir o teto de gastos constitucional em 2021.

O buraco primário em 2020 ficará em mais ou menos dez vezes o previsto no orçamento federal, por causa dos gastos com a pandemia. Eles evitaram uma catástrofe econômica mas deixam um problema: como recolocar o gênio dentro da garrafa assim de repente?

Agora um estudo acrescenta algo novo. Por causa do descasamento entre o índice previsto de correção das despesas e a taxa real de inflação, só por causa disso, o governo precisará cortar uns 20 bilhões de reais do orçamento (leia). Que aliás aguarda a solução da pendenga entre o presidente da Câmara e o centrão.

Em matéria de tecnologia para rolar problemas com a barriga, as exóticas apurações da eleição nos Estados Unidos não dão nem para o começo se confrontadas com o know-how desenvolvido por aqui no quesito de deixar as coisas para depois.

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Realidade brincalhona

A principal polêmica sobre as eleições de terça-feira nos Estados Unidos se dá em torno do voto antecipado e do voto pelo correio. Promete pano para manga e uma novela de vários capítulos. O número cresceu exponencialmente este ano por causa do medo da Covid-19.

Ali quem quis votar votou, de um jeito ou de outro. Já por aqui, o único jeito de dar o voto nas eleições municipais deste mês será ir à seção eleitoral e apertar os botões na maquininha. É muito mais seguro no aspecto eleitoral, um modelo a ser copiado, mas exigirá rigor nas medidas sanitárias.

Cada um com seu sistema e seus problemas. Ali, está a confusão a que todos assistimos. Aqui, corremos o risco de um maior absenteísmo, gente deixando de votar, com medo no SARS-CoV-2. As pesquisas mostram que pode ser quase metade do eleitorado.

Mas é melhor esperar para ver antes de concluir qualquer coisa apressadamente. A realidade costuma ser brincalhona com as conclusões muito antecipadas. Eleição após eleição, essa é uma verdade que sobrevive bem com o tempo.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Pesquisas

Gente muito ligada em política mantém com as pesquisas eleitoriais, e em menor grau com as pesquisas de avaliação dos governantes, uma relação de amor e ódio. Amam as boas e odeiam as ruins. Mais que odiar, praticam o exercício permanente do desprezo.

Infelizmente, não há por enquanto outra maneira de saber antes da abertura das urnas como anda uma eleição. O "infelizmente" fica por conta também de um detalhe: pesquisas erram. Até por isso têm uma coisa chamada "margem de erro". 

E quando o erro é ainda maior ele se explica por a pesquisa ter escapado do intervalo de confiança. Pois sempre tem uma probabilidade de a pesquisa estar errada para além da margem de erro. Então o que fazer? Como se orientar na neblina?

O melhor mesmo é acreditar em todas as pesquisas e tentar enxergar o que diz a agregação. A agregação delas para a eleição de hoje nos Estados Unidos diz que a chance de Donald Trump vencer é umas dez vezes menor que a de Joe Biden ganhar (leia).

Só que tem um detalhe: 10% não é zero. Fica a dica.

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Chamem os universitários

A vantagem de ser leigo é poder errar, ou dizer que não tem a menor ideia, sem medo de passar vergonha. Dá até para simular alguma modéstia intelectual. Agora, se você é especialista tem uma certa obrigação de tentar explicar racionalmente o fenômeno que estudou.

Alguém poderia por acaso explicar a comparação entre as três curvas abaixo (do Financial Times)? Na Europa dos rigorosos lockdowns iniciais, atribui-se a volta da aceleração ao relaxamento que seguiu ao declínio das curvas de casos e mortes. Talvez seja mesmo a razão.

Bem, mas se é assim, por que acontece o que acontece na Argentina, palco do mais longo lockdown rigoroso do planeta? Ali parece que, com algum atraso, o formato da curva é algo parecido com o do Brasil, a pátria dos lockdowns meia-boca e da volta bagunçada à normalidade.

As curvas em comparação mostram a média móvel de mortes diárias por milhão de habitantes, exatamente para evitar as distorções decorrentes dos diferentes tamanhos de população.

Com a palavra os universitários.



sábado, 31 de outubro de 2020

Mais Brasília. Menos Brasil.

Há algumas dúvidas sobre o resultado desta eleição municipal. Uma: qual será o desempenho dos candidatos apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro. Outra: em que grau o PT conseguirá se recuperar da dura derrota de 2016, no auge da Lava-Jato. Mais outra: qual será desta vez o fôlego da chamada nova política.

Dúvidas à parte, pelo menos uma coisa é certa desde já. A grande massa dos prefeitos e vereadores eleitos chegarão a janeiro de 2021 abrigados nos partidos do chamado centrão. Ou do centrão formal, estrito senso, ou do centrão ideológico, lato senso. Uso aqui o “ideológico” apesar de parecer uma contradição em termos.

A previsão tem pelo menos três razões objetivas. Os partidos do centrão são em geral legendas médias, dotadas de razoáveis fundo partidário e eleitoral. São também relativamente alheios à recente agudização da polarização político-ideológica, o que os imuniza em algum grau contra ter de carregar fortes rejeições.

A terceira razão, entretanto, é a que pesa mais. Desde quando Jair Bolsonaro ajustou a rota e estabeleceu uma quase tradicional política de alianças no Congresso Nacional, os partidos que lhe ofereceram um colchão de segurança passaram a ter acesso preferencial ao orçamento. Que costuma ser essencial para investimentos na vida dos municípios.

Uma palavra de ordem muito usada na campanha eleitoral bolsonarista foi “Menos Brasília, Mais Brasil”. A descentralização de recursos para fortalecer estados e municípios e diminuir a dependência destes ao governo federal. Seria injusto fazer um diagnóstico definitivo depois de apenas dois anos, mas por enquanto pouco ou nada aconteceu nesse sentido. Ao contrário.

Uma rotina do presidente da República tem sido visitar os estados e municípios para lançar ou inaugurar obras feitas com dinheiro federal e canalizadas para a região por emendas parlamentares da autoria de deputados e senadores que apoiam o governo em Brasília, e por isso têm mais trânsito nos ministérios a quem compete liberar a verba.

É bastante razoável prever que deputados e senadores com mais acesso ao Orçamento Geral da União terão mais facilidade para eleger seus prefeitos e vereadores. Os quais, naturalmente, estarão propensos a apoiar os benfeitores daqui a dois anos. E mantém-se o tradicional sistema de reprodução de poder na República.

Eis por que é devaneio imaginar, como chegaram alguns, anos atrás, a iminência do colapso do que a ciência política apelidou de “peemedebismo”. E que não necessariamente tem a ver com o PMDB. É o predomínio numérico de uma massa de partidos sem capacidade hegemônica mas com suficiente musculatura para impedir qualquer um de governar sem se dobrar a eles.

Como romper a lógica? Um caminho seriam reformas políticas que permitissem ao eleito para o Executivo, nos três níveis, carregar com ele uma maioria parlamentar. Ou seja, pedir ao sistema que cometa haraquiri.

E olhe que não seria difícil encontrar fórmulas. Uma: calcular as cadeiras nas Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas e Câmara dos Deputados não pelo voto dado às legendas na eleição parlamentar, mas na eleição de prefeito, governador e presidente.

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Em excelente companhia

As pessoas cultivam com as pesquisas eleitorais uma relação de amor e ódio. Amam quando elas mostram o vigor dos candidatos preferidos, e odeiam na situação inversa. Mas no fritar dos ovos todo mundo fica neuroticamente ligado nelas para ter alguma noção do que está acontecendo.

Quatro anos atrás nesta hora as pesquisas davam vantagem para Hillary Clinton contra Donald Trump. Na soma total dos votos a vantagem dela confirmou-se, mas menor que a prevista. E diferenças quase microscópicas em estados-chave acabaram dando a vitória ao republicano no colégio eleitoral.

A história vai se repetir? Por enquanto não há sinal disso. A distância de Joe Biden para Trump nas pesquisas é maior que a de quatro anos atrás. E os estados-chave não mostram tendência pró-incumbente, ao contrário (leia). Mas sempre é bom manter alguma cautela.

Para quem curte pesquisas, amando ou odiando, duas sugestões. O serviço da The Economist (leia). E o já antes indicado FiveThirtyEight.com (leia). De uma coisa pode ter certeza: se você errar junto com eles na eleição americana estará errando em excelente companhia.

Salada indigesta

Qualquer um que erre pouco e portanto colha sucessos em série corre o risco crescente de alguma hora cometer um erro muito grave. Costuma ser um subproduto da autossuficiência. Será o caso de Jair Bolsonaro se continuar colocando dificuldades no caminho da produção e distribuição por aqui em massa de alguma vacina eficaz contra o SARS-CoV-2.

Imagine o leitor ou leitora uma situação em que a vacinação já tenha começado em diversos lugares do planeta, mas esteja parada aqui devido a questiúnculas políticas.

Um que errava pouco e quando errou decidiu caprichar foi Donald Trump. Só olhar as pesquisas de março para cá. Se Joe Biden ganhar na terça-feira, a maior parte da conta irá para o comportamento errático e politicamente primário do incumbente. Que deixou de bandeja para o adversário a defesa da saúde e do bem-estar coletivos.

Trump, a exemplo de Bolsonaro, apostou no ponto futuro. Alguma hora as pessoas passariam a ter mais medo da ruína que do vírus. Não deixa de fazer sentido. Onde estava o risco maior para Trump? No meio do caminho tinha uma eleição, e era prudente saber como estaria a pandemia na hora de os eleitores saírem para a urna.

Bolsonaro leva algumas vantagens sobre o colega. Duas são as principais. Não enfrenta uma oposição unificada e o mandato dele só estará em jogo daqui a dois anos. Por enquanto, o preço que paga pela imagem de certo desdém diante da vida humana não compromete decisivamente sua musculatura político-eleitoral.

E é altamente provável que em 2022 a Covid-19 já esteja bem mais controlada.

Acontece que, ao contrário de Trump, o presidente brasileiro não tem uma base parlamentar sólida e coesa. Foi o que salvou o norte-americano no impeachment. O risco para Bolsonaro se mergulhar na impopularidade é bem maior. Os animais selvagens no ecossistema de Brasília têm um faro especialmente aguçado para sentir o cheio de patos mancos.

Todas as pesquisas mostram que quando existir uma vacina a esmagadora maioria da população vai querer se vacinar. Há aqui e ali preferências sobre a nacionalidade do imunizante, mas na hora do vamos ver o cidadão e a cidadã comuns não ficarão indiferentes a um passaporte para a volta à normalidade no transporte, na escola, no trabalho, no lazer.

Bolsonaro tem mostrado desconforto sobre a possibilidade de a guerra da vacina acabar judicializada. Se raciocinar bem, talvez seja uma solução para o presidente. Ele fica por aí adulando o núcleo mais duro da sua base, enquanto outros resolvem o problema prático que se não for resolvido irá causar grave dor de cabeça ao ocupante do Planalto.

Aconteceu assim com o auxílio emergencial. E, por falar nele, Bolsonaro já tem bons desafios para abrir 2021. O fim do auxílio. A necessidade declarada de cumprir draconianamente o teto de gastos. A sucessão nas presidências do Congresso. O rescaldo de um resultado (até agora) não brilhante da eleição municipal. A possível derrota de Trump.

Uma crise com a vacina da Covid-19 será um tempero e tanto para essa salada já indigesta.

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Publicado originalmente na revista Veja número 2711, de 04 de novembro de 2020

 

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Três notícias

A boa notícia do dia foi a criação líquida de empregos em setembro, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). É o melhor setembro da série histórica (leia). O saldo no ano ainda é negativo, mas a tendência de recuperar pelo menos em parte as perdas da pandemia parece real.

Uma má notícia do dia, pelo menos para quem curte o Carnaval de rua no Rio de Janeiro, é a decisão de não fazer a festa em 2021 (leia). Os responsáveis chegaram à conclusão de que sem a vacina não tem como. Quem é que fiscalizaria o distanciamento social no Carnaval?

Uma notícia preocupante, já de alguns dias, é a força da segunda onda de contágios pelo SARS-CoV-2 na Europa. Será o caso de torcer e rezar para que o fenômeno não replique por aqui. Se replicar, o efeito na economia será direto, ainda mais num ambiente de forte dispersão política.

Essas três notícias são quase uma síntese. A economia está retomando, mas não retomará completamente sem que a vida volte ao normal. E estamos longe disso. E qualquer tentativa de volta à normalidade depende em última instância da vacina. O resto é o resto.

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Está chegando a hora

Mais da metade do contingente de eleitores que votaram em 2016 para presidente dos Estados Unidos já votou este ano, presencialmente ou pelo correio (leia). Dois motivos principais. O primeiro é naturalmente a pandemia da Covid-19 e a precaução para evitar aglomerações.

O segundo, e mais importante, é o gigantesco esforço que o Partido Democrata está fazendo para que a, até agora, vantagem nas pesquisas não vire pó por causa do receio do eleitor de ir votar no dia da eleição, a próxima terça-feira. O “já ganhou”, sabe-se, atrapalhou bastante os democratas em 2016.

Mas não é só o “já ganhou”. Os eleitores de Donald Trump proporcionalmente são mais céticos em relação ao SARS-CoV-2, à necessidade de isolamento e afastamento social, à conveniência do uso de máscaras e a outras medidas que visam conter a propagação do novo coronavírus.

Ou seja, têm menos medo de ir votar presencialmente no dia. Por isso os democratas temem uma onda trumpista na hora “h”. O quanto cada um desses fatores vai fazer diferença dia 3? Só saberemos depois da contagem dos votos. A madrugada promete ser longa. 

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Argentina, Brasil, Europa

A Argentina decidiu reabrir seletivamente as fronteiras para o turismo dos brasileiros e demais vizinhos. Mas as medidas ainda são bastante restritivas (leia). De todo modo, já é um alento para quem, com razão, gosta de passear pelas terras portenhas. Sim, a coisa ainda está restrita a Buenos Aires.

A Argentina é um dos mistérios em busca de explicação nesta pandemia (veja o gráfico do Financial Times, clique nele para ampliar). Um lockdown rigorosíssimo não impediu a escalada constante de mortes, e a média móvel de sete dias contada proporcionalmente à população já deixou a tragédia brasileira na poeira.

Por que o lockdown argentino só conseguiu retardar a ascensão da curva? Foi mal feito? Vai ver que sim, pois lockdowns costumam funcionar. Outra curva no gráfico mostra a evolução do quadro na União Europeia. Os lockdowns jogaram a curva no chão.

Agora, depois da reabertura, ela volta a crescer. E o remédio é fechar de novo. Mas parece que o povo por ali não está muito feliz em ter de voltar a ficar trancado em casa.




segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Constituinte

O líder do governo na Câmara dos Deputados, pelo visto falando em caráter pessoal, defendeu a ideia de uma Assembleia Constituinte também aqui no Brasil, seguindo o exemplo chileno (leia). Seu argumento é um que vem há tempos: a Carta de 1988 tornou o Brasil ingovernável.

Qualquer um que analisar a situação objetivamente irá concordar com ele. Qualquer governador ou prefeito da oposição irá concordar com ele. Mas a política é mais complexa. Tem certas coisas que podem até ser verdade, mas não convém dizer (leia).

Na prática, a Constituição não existe mais, de tão remendada e reinterpretada. Aliás, remendar e reinterpretar foi só o que se fez desde 1988. Como ninguém tem certeza que bicho sairia da Constituinte, todo mundo em posições de poder (oposição também é posição de poder) prefere ignorar a realidade.

Enquanto isso, na prática já há uma "constituinte" instalada, funcionando a pleno vapor. São os onze ministros do STF. A discussão portanto não é sobre se vai ter ou não uma Assembleia Constituinte, mas quem elege, quem compõe e o que ela decide.


sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Algumas dúvidas nesta eleição municipal

São elas: 1) Qual o efeito da polêmica das vacinas de Covid-19 no desempenho dos candidatos que mais se identificam com Jair Bolsonaro? 2) Qual o peso real dos padrinhos? 3) Haverá na reta final do primeiro turno alguma onda, e qual seria? 4) Qual será o anti da vez, que rejeição vai prevalecer?

Sobre o primeiro ponto, é razoável projetar que vai ganhar fichas quem for identificado como preocupado em tornar a vacina disponível em massa para a população. Aqui, o governador de São Paulo, João Doria, conseguiu uma pegada no quimono melhor que seu adversário de tatame, o presidente Jair Bolsonaro.

Um segredo da política é nunca desvelar que os interesses mesquinhos estão sempre em primeiro lugar. A sabedoria reside em embalá-los no papel de presente do “interesse público”. Bolsonaro tentou fazer isso com o argumento de que o povo não será cobaia, mas depende de o medo da vacina tornar-se maior que o medo do vírus. Improvável.

Outro problema do governo: a ira do presidente contra o governador de São Paulo terá o efeito colateral de vir a despertar desconfianças sobre uma eventual morosidade da Anvisa na liberação da vacina objeto da polêmica. E isso legitimará ainda mais a provável intervenção do Judiciário, uma instituição já atraída pelos holofotes do ativismo.

Sobre os padrinhos, até agora o peso deles tem se mostrado apenas relativo. Uma hipótese é funcionarem melhor quando há correspondência de cargo. Por exemplo, um prefeito seria mais efetivo como padrinho na própria sucessão do que políticos de outras esferas. Pois a força do apadrinhamento refletiria em algum grau a avaliação da gestão.

O próprio conceito de “padrinho” é duvidoso. Parte da premissa de o eleitor pertencer ao político. Melhor considerar a relação inversa de pertinência. O eleitor na verdade vê o político como um funcionário, e escolhe o que lhe for mais conveniente. Isso vale em toda a escala social. Não pensam assim só os ricos e a classe média. Os pobres também.

E qual será, se houver, a onda no primeiro turno? A “nova política” dá sinais de fadiga, mas nunca é bom subestimar. E a quarta pergunta? O antipetismo anda meio esquecido, até porque o desempenho do PT, como era de esperar, não tem sido até agora dos mais brilhantes. Se esta onda vier, deve vir como antiesquerda, que anda bem pulverizada.

Uma possibilidade é um certo antibolsonarismo, que por enquanto anda de breque de mão puxado. Pois é difícil fazer o casamento do jacaré com a cobra d’água, a junção da esquerda com o pedaço da direita que desgarra do presidente em busca de projetos próprios. Mas é bom ficar de olho.

Quem tem escapado de virar alvo do anti são exatamente a direita que descolou de Bolsonaro e a autonomeada centro-esquerda que descolou do PT para se vacinar contra o antipetismo. São candidatos a boas colheitas.

E uma lembrança: é bom ficar atento a sua excelência, o imprevisível. No nosso modelo eleitoral, raios em céu azul costumam provocar incêndios inesperados. E o imprevisível, não custa repetir, é das coisas mais difíceis de se prever.

Inflação?

A inflação ganhou fôlego em outubro, como já se previa e sabia. A comida puxou o índice de preços para cima (leia). Vamos ver os próximos meses. Por enquanto, a taxa está dentro da meta anual, não há motivo para o Banco Central agir. Até porque as pespectivas não são brilhantes.

Com o tanto de desempregados por aí e a demanda ainda fraca, o risco de propagação da alta é relativo.

E tem mais. Se nada for feito, em janeiro acaba o auxílio emergencial e vai ser um tranco daqueles no poder de compra da população. De novo, se nada for feito, mais de 60 milhões de brasileiros (e seus dependentes) terão uma queda brusca na renda.

E tem mais ainda. O governo, para agradar ao mercado financeiro, pode ficar tentado a meter o pé no breque do gasto público para valer, e ainda por cima aparecer com alguma(s) proposta(s) de aumento de impostos. As nuvens cinzentas já estão no horizonte.

Sem falar na Covid-19. Que corre, corremos nós, o risco de continuar por aqui durante um bom tempo. Principalmente se não pararem com a guerra em torno da vacina.


quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Imunidade paulistana

Os casos e óbitos por Covid-19 são declinantes na cidade de São Paulo faz algum tempo. O que, a crer nas palavras dos especialistas desde o início da pandemia, indica algum grau de imunidade coletiva, combinada com a eficiência das medidas de afastamento social.

Se houver outras hipóteses, que desabrochem.

Como as curvas são declinantes no conjunto do país, e não apenas na capital paulista, parece cada vez mais claro que boa parte da população brasileira já foi atacada pelo vírus e desenvolveu imunidade.

Mensurável em parte pelo achado de anticorpos sanguíneos específicos para o SARS-CoV-2, o novo coronavírus. 

E tem ainda o pessoal que desenvolveu imunidade mas não apresenta os anticorpos ao exame.

Sobre anticorpos, uma nova pesquisa na cidade de São Paulo detectou a presença deles em um em cada quatro moradores da capital (leia). O que comprova a grande proporção de assintomáticos, ou com sintomas bem leves.

Seria bom se tivéssemos esses números em escala nacional. Seria útil para um debate mais racional sobre o tema.

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

E depois os políticos reclamam

A análise ontem ("Responsabilidade Vacinal") teve a fortuna de estar adequada ao noticiário de hoje. Só não era tão lógico assim que os contendores políticos fossem arrastados tão rapidamente para a refrega. Mas aconteceu. E quem é que vai se dar bem ao final?

Muito provavelmente, o primeiro que tiver a vacina para oferecer em massa à população. Os movimentos antivacina ainda são bastante minoritários, e o avanço da pandemia tende a marginalizá-los ainda mais, especialmente nos países que não conseguem controlar sem uma vacina a propagação do vírus.

Uma coisa é certa. Quando alguma vacina estiver disponível, serão imensas as pressões sobre a Agência Nacional de Vigilância Sanitária para a liberação. Pressões sociais e pressões políticas. Qual será o comportamento da Anvisa num cenário de conflito político?

Outro palpite com grande chance de confirmar-se: quando houver uma vacina, ou vacinas, haverá uma natural onda de decisões judiciais para garantir o direito a ela, ou a elas. E isso tem tudo para chegar ao Supremo Tribunal Federal. Que mais uma vez estará no centro do palco.

E depois os políticos reclamam.

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Responsabilidade vacinal

O debate sobre tomar ou não vacina para a Covid-19, ou obrigar que seja ministrada, tem tudo para perdurar no tempo, já que a vacinação em massa não parece tão próxima assim. Junto com a suspensão do auxílio emergencial em janeiro, corre o risco de virar uma dor de cabeça e tanto para o governo federal.

Suponhamos que a vacina chinesa de João Doria fique pronta antes da inglesa de Jair Bolsonaro. O que este vai fazer? Mandar a Anvisa enrolar a liberação da vacina do desafeto? Complicado. E se a vacina, qualquer uma, mostrar-se eficaz, o governo vai fazer corpo mole?

Afinal, se tem campanha de vacinação para tudo, por que não para a Covid-19? Difícil de explicar para o cidadão ou cidadã comum, que querem uma solução e não estão nem aí para as arengas dos políticos. Essa história de liberdade individual é bonita, mas sabe-se que ela vai até onde começa a do outro.

Pois um objetivo de qualquer campanha de vacinação é provocar a tão falada imunidade de rebanho, mas sem o custo de deixar a grande massa da população adoecer. A pessoa não se imuniza só para não ficar doente, imuniza-se para não transmitir o patógeno a outros.

É o que se chama de, na expressão da moda, responsabilidade social.

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Não tem "se" na política?

Na política, a exemplo do futebol e de quase tudo na vida, o "se" não joga. Mas é legítimo especular com ele, especialmente para construir narrativas. Beneficiam-se disso especialmente aqueles cujos conselhos não foram seguidos. 

Como ninguém jamais saberá o que teria acontecido se tivessem sido ouvidos, podem sempre pontificar a partir de uma posição inexpugnável. "Se vocês tivessem feito o que eu mandei..."

O que teria acontecido na Bolívia se Evo Morales tivesse aceitado a derrota no plebiscito e desistido de mais uma reeleição? Muito provavelmente o partido dele teria vencido, como se comprovou ontem. Sem que a coisa tivesse descambado, como descambou, depois da eleição anulada. 

Mas, e se não, e se a eleição de qualquer um do MAS naquela época tivesse resultado na mesma barafunda? Nas mesmas acusações de fraude? Quem pode garantir que não teria acontecido exatamente o que aconteceu?

O fato é que a oposição a Evo precisou agora ir para um processo eleitoral depois de ser governo na prática, com as delícias e principalmente as dores que tal fato acarreta. Não se deve desprezar esse fator nas causas da sua derrota.

Fica a dica.

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

E se der Biden?

A pouco mais de duas semanas para a eleição presidencial nos Estados Unidos, as pesquisas são unânimes ao apontar larga vantagem (em torno de dez pontos percentuais) para o democrata Joe Biden. Mais importante: elas indicam também boa folga para o desafiante sobre o republicano Donald Trump no colégio eleitoral.

Dirão o leitor e a leitora que em 2016 as pesquisas também projetavam isso, e no final deu Trump.

Verdade, mas só até certo ponto. Em primeiro lugar, porque a dianteira de Biden agora é bem maior que a de Hillary Clinton na época. Em segundo, porque as empresas de pesquisa aperfeiçoaram seus métodos. E em terceiro, porque os levantamentos nos estados-chave confirmam até o momento a tendência.

Mas sempre é bom esperar a urna, pois o velho ditado sempre nos lembra que dela pode sair qualquer coisa. De todo modo, diante dos números, é bom começar a especular o que pode mudar para o Brasil, para melhor ou para pior, caso a tendência das pesquisas se confirme e Donald Trump seja mandado de volta para casa, em Nova York ou na Flórida.

As relações especiais entre o Brasil e os Estados Unidos, mais particularmente entre Jair Bolsonaro e Donald Trump, parecem ser um eixo organizador da atual política exterior brasileira. E desde janeiro de 2019 o Brasil vem abandonando a política externa construída a partir de meados do regime militar, de um certo não-alinhamento.

Os resultados econômicos por enquanto não chegam a ser estimulantes, ao contrário, mas esta parece ser uma preocupação secundária em Brasília. Os aspectos ideológicos e geopolíticos têm falado mais alto. O Brasil vem aceitando sofrer por enquanto nas relações econômicas desde que Trump se reeleja e assim reforce-se o apoio dele por aqui.

O que pode mudar com Biden? Bem, talvez seja precipitação imaginar um confronto aberto e definitivo. Se as relações com os Estados Unidos são importantes para o Brasil, e mais ainda para o atual governo, boas relações com o Brasil também são essenciais para a Casa Branca. Inclusive porque se o Brasil “cuida” das redondezas é um problema a menos para Washington.

E no principal desafio atual para os americanos, a tendência a serem deixados para trás pela China, não consta que Biden vá ser mais, digamos, relaxado. Talvez mudem algumas táticas, mas o objetivo permanecerá. E garantir que o Brasil não seja estimulado a trocar Washington por Beijing nas preferências continuará sendo vital para a potência do norte.

O nó mais complicado talvez esteja mesmo na questão ambiental, em que Biden quererá mostrar serviço para 1) agradar à base e 2) garantir que outros países não se aproveitem de uma eventual rigidez ambiental dos Estados Unidos para ganhar espaço econômico sobre os americanos. Mas será que isso vai ser suficiente para deteriorar as relações com o Brasil?

Improvável. Há um amplo leque de possibilidades intermediárias para um acordo, especialmente porque chegar a um acordo interessará a ambos. E o governo brasileiro, inclusive e antes de tudo Jair Bolsonaro, tem mostrado inusitado apetite por recuos e acordos quando o que está em jogo é a sobrevivência política.

Dificilmente o governo vai dormir no ponto e abrir espaço para que outros, nos mais diversos pontos do espectro político, apresentem-se como mais capazes de bem conduzir as relações por aqui com os Estados Unidos. Inclusive porque não faltam candidatos a desempenhar esse papel na improvável alternativa Jair Bolsonaro desejar abandoná-lo.

Onda menos letal?

Fernando Canzian, da Folha de S.Paulo, fez um levantamento interessante sobre o já conhecido certo descolamento entre as curvas de casos e mortes na "segunda onda" europeia de contaminação pelo SARS-CoV-2 (leia). 

E esse descolamento é mais pronunciado nas regiões mais duramente atingidas na primeira onda da Covid-19. E quais seriam as explicações?

Há várias hipóteses. Uma é a possibilidade de a população mais fragilizada ter sido mais vitimada na primeira onda. Outra é a possibilidade de o vírus sofrer uma mutação adaptativa que o torna menos letal, preservando o hospedeiro sem o qual o vírus não consegue se reproduzir. 

Outra ainda é a hipótese de cargas virais menores, atenuadas por exemplo pelo uso de máscaras, produzirem alguma imunidade.

O certo é que a ciência está aprendendo a pilotar o avião em pleno voo, algo aliás absolutamente razoável no caso de um vírus novo. Nem seria justo esperar algo diferente. 

Resta torcer para que o conhecimento avance numa velocidade superior ao estrago provocado pelo novo coronavírus.

Um adversário de cada vez

O movimento do presidente Jair Bolsonaro no sentido de uma composição com o chamado centrão parlamentar tem algo sim de moderação. Mas já foi bem diagnosticado como guinada para a preservação do poder. Ele soube detectar de onde vêm as maiores ameaças. Dos que o ajudaram na eleição, mas a contragosto.

A flexão tática bolsonarista ao dito centro trouxe um efeito colateral interessante, um fenômeno ainda por medir e observar. Um "novo centro" que, paradoxalmente, radicaliza pela direita. Uma reação de parte do bolsonarismo puro e deixado para trás, agora já um quase ex-bolsonarismo, e que tem tudo para se agrupar em torno do ex-ministro Sergio Moro.

Aliás, como era previsível, e foi previsto, ele desponta firme para se viabilizar no arco-íris do autodeclarado centrismo.

Aconteceu algo semelhante com Luiz Inácio Lula da Silva quando precisou se dobrar à realidade da política. Mas com uma diferença. O que espirrou para fora do barco (o PSOL) não tinha então musculatura nem lideranças capazes de fazer o PT sofrer de verdade no curto prazo.

Se juntar Luciano Huck, Sergio Moro e João Doria, algum jogo pode dar. Há a natural dificuldade de fazer dois dos três abrirem mão. Até porque o prêmio parece apetitoso: assumir a Presidência da República com apoio maciço do establishment e do que Roberto Campos chamava de “a opinião publicada”. Algum do trio aceitará ser vice? Vai saber…

Um desafio? O Brasil não chegará a 2022 em situação econômica brilhante. Haverá provavelmente, e inclusive graças à Covid-19, mais pobres e quase tantos desempregados quanto havia quando Dilma Rousseff foi removida do Planalto. Se não mais.

Por que a referência é o ocaso de Dilma? Porque ao final de 2022 já terão se passado longos mais de seis anos desde que foi apeada. E de lá para cá as políticas econômicas vêm seguindo uma linha de continuidade. E sempre com o apoio do antibolsonarismo dito de centro. É razoável portanto que o debate em 2022 volte a girar em torno da economia. O resultado das escolhas feitas. Isso se a oposição for esperta.

Um debate político centrado na economia não será muito confortável para o chamado centro, em seus diversos matizes, pois terá de explicar por que depois de mais de seis anos as coisas continuam, na essência, do jeito que estavam antes. E como encarnar o anseio de mudança propondo mais do mesmo? Não será trivial.

E tem também aquele outro problema, já detectado em 2018. A insistência em querer combater ao mesmo tempo a esquerda e a direita que se assume como tal. É a história do gato que persegue dois ratos ao mesmo tempo. O mais provável, quase certo, é não capturar nenhum. Aliás, a experiência de 2018 já deveria ter servido para alguma coisa.

Poderiam aprender também com Joe Biden. Não dá para antever que o democrata vai ganhar, mas por enquanto ele mostrou ter absorvido uma lição fundamental na política. Procure sempre acertar na definição do adversário principal, que a cada momento é apenas um. O custo de errar nisso costuma ser muito alto.

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Publicado originalmente na revista Veja número 2709, de 21 de outubro de 2020

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Limites da políticagem

E mais esta. Agora corre-se o risco de abrir-se um período de disputa entre entes federados sobre qual vacina vai ter dinheiro e qual não vai (leia). Há um único critério razoável: a primeira vacina que se mostrar eficaz e disponível deverá ser colocada à disposição do público.

Mas no Brasil é tudo mais complicado. 

Especialmente num período em que todo e qualquer assunto é capturado pela disputa político-eleitoral. Seria ingenuidade imaginar que um tema tão delicado pudesse escapar da natural polarização. Mas seria também desejável que os políticos procurassem ao menos disfarçar.

O tema da vacina é complexo. Não se sabe ainda com certeza qual a efetividade de cada uma das inúmeras em desenvolvimento. Não se sabe ainda quantas estarão disponíveis, e quando. E a volta a alguma normalidade depende, infelizmente, de haver uma vacina eficaz.

O Brasil já paga alto preço pela descoordenação observada de março para cá no enfrentamento da pandemia. Os números estão aí. Será lamentável se o problema se repetir num ponto tão vital e estratégico quando a vacinação contra o SARS-CoV-2.

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Pelo mundo

A Europa aperta as normas de isolamento e distanciamento social diante da emergência forte de uma nova onda casos de Covid-19 (leia). Aparentemente, a população jovem funciona agora como forte propagadora. O "aparentemente" fica por conta de que a ciência está aprendendo a pilotar o avião em pleno voo.

A Rússia, onde o repique é forte, acaba registrar uma segunda vacina (leia). Mas lá, como em todo lugar, uma coisa é ter a vacina, outra coisa é produzi-la, distribuí-la e aplicá-la em massa. Noticias sobre vacina aliviam o espírito, mas não têm efeito imunizante.

Já os Estados Unidos seguem na sua marcha aparentemente irrefreável rumo à tentativa de resolver o problema com a chamada imunidade de rebanho. O custo em casos e mortes parece estar sendo alto, dizem as pesquisas, para a campanha reeleitoral de Donald Trump.

E o Brasil? Enquanto espera pelas vacinas produzidas pelos outros, reza (nestas horas até os ateus rezam) para a tendência das curvas de casos e de mortes continuar declinante. E os políticos ajustam o ritmo da reabertura aos princípios da ciência. A ciência eleitoral.


terça-feira, 13 de outubro de 2020

Margem de erro de 36%

O FMI deu uma ajustada na sua previsão de junho para a contração da economia mundial. 5,2% para 4,5%. 0,7 pontos percentuais. Um ajuste de 13,5% na taxa anterior. Significativo, mas não um portento. 

Já no caso da economia brasileira a coisa foi bem além. O FMI atenuou a previsão de recessão de 9,1% para 5,8%. Uma diferença de 3,3 pontos percentuais. Uma variação de 36,3% (leia).

Bem, o FMI que se explique. Aliás, vamos combinar: fazer previsão em meados de outubro para qualquer taxa do ano corrente, para qual vai ser o resultado final em dezembro, não chega a ser algo muito heroico. 

O fato é que a economia brasileira desandou bem menos que o previsto. Graças principalmente ao auxílio emergencial, entre outras medidas adotadas pelo governo e pelo Congresso Nacional.

A dúvida agora é sobre 2021. No momento, todas as previsões são de que a retomada vai acontecer, já está em algum grau acontecendo, mas não será suficiente nem para compensar o recuo deste ano.

Talvez o país devesse estar dando prioridade para essa discussão. Mas aí já não seria, felizmente, o Brasil de 2020.

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Façam suas apostas

A média móvel das mortes por Covid-19 entre nós está consistentemente declinante. Idem os casos. Se as previsões dos especialistas lá no início da pandemia continuam valendo, devemos ter atingido algum grau de imunidade coletiva combinada com o que ainda resta de distanciamento social.

Máscaras parecem funcionar sim.

Quais são as dúvidas que persistem? Uma é se haverá novas ondas. Mas a principal delas é sobre a vacina. Nesse tema, juntam-se a difusão cada vez mais agressiva de teorias e militâncias antivacinais e o natural cuidado que a ciência deve adotar em terrenos ainda desconhecidos ou pouco conhecidos.

Quando haverá vacina disponível em massa e quanto ela funcionará? A rigor, ninguém tem certeza.

E o quadro fica mais complexo quando a necessária colaboração planetária no assunto anda dificultada pelo acirramento das fraturas e disputas geopolíticas. Quem propiciar antes dos demais em massa um imunizante que funcione vai ganhar um soft power e tanto.

Façam suas apostas.

sábado, 10 de outubro de 2020

Duas eleições. E as dúvidas entre o "se" e o "quando"

Não haverá debates, ou haverá poucos. A propaganda compulsória no rádio e na TV, dizem, atrairá bem menos interesse. O eleitor está tomado de preocupações relacionadas à pandemia da Covid-19 e à situação da (própria) economia. Há candidatos demais a prefeito, uma grande dispersão, o que provoca certo cansaço antecipado. E a campanha de rua e o corpo a corpo estão bastante limitados. 

Bem, se tudo isso for mesmo verdade estas serão as eleições da inércia. E a inércia beneficia os mais conhecidos, quem está na frente nas pesquisas. E a grande dúvida: o que pode romper a inércia?

Um forte propulsor da tendência inercial são a homogeneização e pasteurização das candidaturas. O desfile dos nomes e suas propostas transmite certa sensação de "fim da história". Todo mundo propõe alguma modalidade de renda básica, mais dinheiro para as escolas, mais atenção para a saúde, subsídio ou gratuidade para o transporte, e por aí vai.

Eleições locais têm mesmo a tendência de serem essencialmente paroquiais, mas o grau previsto de paroquialidade destas apresenta uma contradição flagrante com o ambiente de polarização em que a sociedade brasileira já vem mergulhada há anos. Outra dúvida: a chegada da polarização nestas eleições municipais é uma questão de "se" ou de "quando"?

Bem, aqui cada um tem seu palpite, então lá vai mais um. Talvez estejamos diante do cenário não de uma eleição, mas de duas. Uma nos primeiros turnos repletos de candidatos, na maioria inexpressivos, com o eleitor desatento e desinteressado. Outra nos segundos turnos, quando o mano a mano irá, quem sabe?, impor automaticamente alguma polarização.

Joga contra a polarização, mesmo na eventual segunda rodada, o fato de a esquerda exibir muita fraqueza, numa escala inédita pelo menos nos últimos trinta e poucos anos. Até agora, a presença de candidatos competitivos da esquerda tem sido exceção. A praxe é a disputa mais provável estar entre as diversas correntes que se autonomeiam do centro para a direita que se declara como tal.

Claro que sempre é possível uma reviravolta, mas talvez seja sinal de que a vitória de Jair Bolsonaro em 2018 tenha sido mais estratégica que circunstancial. A dispersão das candidaturas de esquerda explica apenas parte do quadro. Tirando as exceções, mesmo a soma das intenções de voto do chamado campo progressista está abaixo de desempenhos anteriores.

Outra variável a checar será a influência dos padrinhos nacionais. Outro palpite: ela tende a ser bem menor na eleição municipal que na presidencial.

Vamos então olhar o desenrolar dos acontecimentos. E vamos olhar também para o pós-eleição. Quando o eleitor finalmente se deparar com o provável cenário combinando 1) o fim do auxílio emergencial (mesmo os programas cogitados para substituir não parecem tão apetitosos assim), 2) o possível aumento de impostos, 3) a inelasticidade do desemprego.

Aguardam-se as consequências. Também aí a dúvida está entre o "se" e o "quando".


sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Preços em alta

O índice de preços acelerou em setembro, especialmente na comida e nos combustíveis (leia). As causas? Mais dinheiro no bolso do povão (auxílio emergencial) e também alguma retomada da economia. Para os próximos meses, resta saber o quanto o segundo fator vai compensar o enfraquecimento do primeiro.

Qual o risco de a alta nos preços da comida e dos combustíveis propagar para o resto da economia e gerar um problema inflacionário real? Pelo lado dos preços livres, o risco não parece ser alto, pois a atividade ainda está longe de ser brilhante e o desemprego nem começou a ser arranhado pela dita recuperação.

Mas será necessário olhar com atenção os preços administrados, um grupo de baixa elasticidade em relação à demanda. Com frequência, eles são o núcleo mais resistente a políticas anti-inflacionárias, até por estarem em setores que, apesar de teoricamente regulados, operam em mercados monopolizados.

O certo é que se o repique dos preços se mantiver o governo estará com um abacaxi para descascar. Terá de dar duas más notícias logo após a eleição: o auxílio emergencial acabou e os juros vão subir para conter a demanda. Um abacaxi e tanto.

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Boa ideia

A boa ideia vem de São Paulo. Tratar 2020 e 2021 como um único ciclo de ensino. Os alunos que apresentassem o mínimo de desempenho este ano seriam depois avaliados pelo que fizeram nos dois anos, tomados conjuntamente (leia).

Vamos ver como funciona na prática, e é possível que haja outras ideias, até melhores. O fato, irrecusável, é que é preciso dar um jeito de fazer os estudantes retomarem as atividades motivados e equipados material e intelectualmente para recuperar o tempo perdido.

Ou seja, as soluções para o drama da (falta da) educação na pandemia não podem ser apenas burocrático-administrativas, planilhescas. O problema principal a resolver não é o dos administradores da educação. É o dos estudantes e de suas famílias.

O Brasil não é propriamente um exemplo de qualidade na educação. Cenário agravado pela pandemia da Covid-19 e a paradeira trazida. O foco agora precisa ser como evitar a produção de uma geração de estudantes ainda mais desaparelhados para progredir e fazer o país progredir.