segunda-feira, 17 de julho de 2017

Dois pontos na análise política: 1) o bom senso e 2) a possibilidade de ele não resolver o problema

Método bom na observação da política: cogitar também o oposto do que indicam o bom senso e a lógica linear. No mínimo, relativizam-se os impulsos vindos do desejo do analista. A política é teatro, e ser brechtiano ajuda. O saudável distanciamento crítico. É sempre prudente pensar que pode acontecer exatamente o contrário do previsto, ou desejado.

O que diz o senso comum? Que a cada denúncia apresentada será mais penoso aos deputados federais bloquearem o processo no Supremo Tribunal Federal contra o presidente, pois o desgaste deles vai ser cumulativo. Isso faz sentido. Apoiar caninamente o governante de popularidade residual tem tudo para virar um problema na hora de pedir o voto do eleitor.

Mas, e o outro lado? A maioria dos deputados elege-se por um sistema quase distrital. Vale o apoio de prefeitos, vereadores, cabos eleitorais. O eleitor vota num número, sem muitas vezes saber de quem é. Os CNPJs estão proibidos nas campanhas. Candidatos dependem cada vez mais de algum orçamento público. E portanto dependem cada vez mais de algum governo.

Um movimento inteligente do poder é tratar de maneira bem distinta amigos e inimigos. Se dois deputados de certo estado ambicionam o Senado, e se recebem do governo tratamento igual, ou parecido, o risco é perder o apoio de ambos. Mas se a traição tem custo alto acaba funcionando o dilema do prisioneiro. O primeiro a fechar tem vantagem.

Se estar de bem com o Planalto é um ativo, ele fica mais valioso à medida que cresce o desgaste do político. Quanto maior o passivo do deputado por ter votado com o governo numa tese impopular, mais dependente ficará desse mesmo governo para manter uma base eleitoral que reproduza seu mandato e lhe garanta mais quatro anos de vida política ativa.

Não se deduz daí que a base reunida por Temer para barrar a primeira denúncia lhe garanta tranquilidade nas seguintes. Será preciso trabalhar, inclusive porque as forças opostas não ficarão paradas, e o fluxo de fatos novos parece garantido. Mas o sistema de estímulos e incentivos é mais complexo do que indicam o bom senso e a lógica linear.

#FicaaDica

O Planalto está mais próximo de bloquear a primeira denúncia do que a oposição de autorizar o STF a receber. O governo tem uma base firme entre 220 e 250 deputados, bem acima do mínimo para sobreviver, 172. Mas os adversários reúnem hoje força suficiente para manter o assunto pendurado, pois o presidente da Câmara decidiu que só tem sessão com 342 presentes.

O ponto fraco do governo é a capacidade de a oposição prolongar o impasse, e manter portanto um sofrimento político que faça crescer no chamado mercado a dúvida sobre o futuro da ambicionada agenda liberal. E o ponto fraco da oposição é que o governo pode jogar com duas táticas para conseguir derrubar a primeira denúncia em plenário.

Há a maneira light de um deputado ajudar Temer agora. Dando quórum. Poderá depois votar a favor do processo, pois é baixa hoje a probabilidade de a autorização conseguir bater 342. Em todo caso, será fácil medir a correlação de forças: descubra quem está obstruindo e você saberá que o outro lado está com a confiança em alta. Ainda que não votar seja hoje a melhor maneira de todo mundo se proteger.

A ampla frente

A Lava-Jato é uma potência e continua com momentum. Mas está cercada. Mais ou menos como o PT e Lula. São de longe o partido e o candidato com maior apoio e prestígio. Para, entretanto, voltar ao poder, precisam de aliados e estão sem. A frente mais ampla do momento é dos que querem se livrar, ao mesmo tempo, da Lava-Jato agora e de Lula e o PT em 2018.

Esse bloco está no Parlamento, na imprensa, nas redes sociais. Temer é sua expressão cristalizada, e aí reside sua força. Como pode sustentar-se um governo alvejado por seguidas acusações e com simpatia popular de um dígito? Por ele ocupar o centro do tabuleiro. E poder, inclusive, aliar-se taticamente à Lava-Jato contra o PT e ao PT contra a Lava-Jato. É o que acontece.

Falta um detalhe

O governo Dilma Rousseff caiu quando Michel Temer chamou os políticos para finalmente repartir o poder. Rodrigo Maia ainda não começou a fazer isso. Quem aliás faz só isso é Temer. Que assim se protege do próprio Maia. Que depende cada vez mais de sua excelência, o fato novo.

terça-feira, 11 de julho de 2017

A inversão da inércia e a naturalização das reformas atrapalham Temer. E o risco do jogar parado petista

A declaração pela PF da licitude do áudio na noite de 7 de março no Jaburu e o teor da denúncia da PGR contra o presidente já eram perturbações na narrativa do Planalto para escapar do desfecho desfavorável. Mas ainda não haviam invertido o sentido da inércia. Sentido que se revela na resposta a isto: “Se nada acontecer, acontece o quê?".

A resposta define algo muito importante para a análise: define quem depende do chamado fato novo para atingir os objetivos. Até uma semana atrás esse desafio era de quem queria derrubar o governo. A prisão de Geddel Vieira Lima e a noticiada aceleração das colaborações de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro inverteram finalmente o vetor.

Outro problema novo para os ocupantes do Palácio é uma certa naturalização da necessidade de reformas liberais. Um trunfo do governo era a suposta essencialidade dele próprio para o andamento da lipoaspiração na CLT e da imposição de idade mínima para aposentar. Mas espalha-se a sensação de que não é bem assim.

A CLT light vai nascer esta semana no Senado. Só o imponderável impede esse desfecho. E o inferno policial-político começa a perturbar o impulso da mudança previdenciária. E instabiliza a “agenda”, que também é a base do projeto de continuidade pós-2018. Se antes Temer ajudava quem o levou ao poder, agora começa a dar a impressão de atrapalhar.

Isso costuma ser perigoso, porque não basta ao líder defender seu direito de sobreviver. Ele precisa convencer de que sua liderança é essencial para proteger a tribo. Se a fraqueza do chefe passa a ameaçar a vida dos chefiados estes procuram um meio de eliminar o problema. Para que não se estrepem todos, o poder acaba mudando de mãos. Dilma caiu também por causa isso.

O presidente da Câmara tem potenciais fragilidades legais, mas se assumir definitivamente a cadeira hoje de Temer não poderá ser investigado por atos anteriores ao mandato. É o supertrunfo de qualquer presidente, desde que tome o cuidado de não o perder. E não é tão difícil assim proteger-se do risco. Só não cometer erros primários. Que de vez em quando acontecem.

Há ainda uma dúvida. Se a Câmara autorizar o processo contra o presidente da República este sai por até 180 dias. E se o STF não o condena em seis meses ele volta ao cargo. Será que nesse período o interino goza da mesma imunidade constitucional do titular? Mais um tema para a Corte decidir. Ou esclarecer, se decidir que já está decidido.

Para quem apoia o atual bloco de poder o ideal seria uma solução definitiva. Mas se o presidente renunciar perde o foro, e o afastamento via impeachment consumiria todo o tempo útil até a eleição do ano que vem. Seria uma boa maneira de esticar a confusão até lá. O que só interessa eleitoralmente à esquerda, especialmente ao PT.

PT sem marola

Por falar nisso, é compreensível que o PT não deseje facilitar um governo de transição que dê o reset de imagem e musculatura no bloco adversário. Mas tem algo de diferente no ar. Só o temor da ameaça da Lava-Jato à candidatura Lula explica a falta de apetite do petismo para ocupar espaços de mobilização política abertos pela fragilidade do governo.

O PT não está convocando manifestações pelo #ForaTemer. Não está obstruindo a reforma trabalhista no Senado. Nem a está combatendo na rua. Além disso, não assume publicamente o compromisso de revogar as reformas impopulares se voltar ao governo. São só alguns exemplos. O PT adotou a política de não fazer marola, para que nada imprevisto aconteça.

É verdade que se o presidente acabar derrubado será mais difícil ao PT fazer a denúncia política de uma eventual condenação de Lula em Curitiba. Aliás esse é outro problema que atrapalha a sobrevivência de Temer. Nas idas e vindas do jogo do poder, a permanência dele passou a ser um incômodo para quem precisa do cartão vermelho dos tribunais a Lula-2018.

Os números das pesquisas têm dado gás à linha petista. O PT joga parado e está capitalizando a crise de quem o tirou do poder. Mas numa luta é perigoso deixar o adversário respirar. Se você está perdendo por pontos mas continua em pé é sempre possível tentar nocautear. Se a ideia funcionar terá sido brilhante. Se não, restará ao PT lamentar a oportunidade perdida.

*

O apoio do PSDB a governos não tucanos é o passarinho na gaiola que o mineiro leva com ele ao entrar para o trabalho na mina. Quando o passarinho morre é hora de sair correndo.

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Como opera o tempo? O poder à Passarinho. E do que o Planalto precisa convencer

Estará o governo mandando um sinal ruim quando corre contra o tempo para tentar derrubar a autorização da Câmara dos Deputados na recepção da denúncia contra o presidente, por corrupção ativa? Se a tendência de Michel Temer é fortalecer-se, o tempo joga a favor. Se o tempo joga contra, o Planalto deve achar que vai se enfraquecer.

Mas, cuidado. O contra-argumento também existe. Se a base situacionista bloqueia rapidamente o primeiro processo, mostra força e ganha momentum. Isso trará não apenas segurança para a votação das prováveis denúncias seguintes, dará impulso à reforma da previdência, se o número de governistas fiéis em plenário ou ausentes aproximar-se de três centenas.

O tempo tornou-se uma variável também importante para os alvos da Lava-Jato a caminho da colaboração. Em setembro, assume a nova chefe do Ministério Público Federal, e ela defende transferir ao Judiciário a definição dos benefícios. Para quem vai acabar tendo de colaborar, será melhor portanto fechar o acordo enquanto o MPF tem garrafa para entregar.

Inclusive porque o Supremo Tribunal Federal acaba de decidir que acordos de colaboração homologados são imexíveis, a não ser em caso de ilegalidade ou descumprimento do colaborador. E se houver perdão judicial homologado o assunto está encerrado, nem pena há. São estímulos e tanto para a aceleração das delações na janela daqui até a primavera.

É o que mantém o potencial imediato de tormenta. O establishment econômico está disposto a fechar os olhos a quaisquer escândalos, inclusive os mais hirsutos, em troca da “agenda”. O mergulho da inflação inibe a rua. 100% do establishment político, dos dois lados, torce contra a Lava-Jato. E a obsessão ética cedeu espaço para o, digamos, apego ao estado de direito.

Mas, e as delações? Para que tenham efeito desestabilizador real, será preciso trazer provas materiais irrefutáveis contra o principal ocupante do Planalto. Se as bombas, mesmo potentes, pouparem o chefe do governo, provocarão alarido e alguma movimentação de camadas, mas só. E a vida seguirá com os apelos responsáveis à estabilidade.

Só que, como aprendemos nestes quatro longos anos de crise, sempre é preciso contar com o imprevisível. Que costuma ser difícil de prever. E a imprevisibilidade alimenta-se hoje não apenas das colaborações premiadas, mas também da caixinha de surpresas do Judiciário. O que vai acontecer, por exemplo, com as longas prisões preventivas. Continuam ou acabam?

O governo trabalha para reduzir a margem para imprevistos. Vem lutando e obtendo resultados no que tem a entregar. Vai com a faca nos dentes para desregulamentar o mercado de trabalho, o que o Senado aprovará, e não desistiu de endurecer as regras para a aposentadoria. E no xadrez jurídico-policial mexe as peças para cercar o rei adversário, a Lava-Jato.

Em ambas as frentes, o Planalto não precisa obrigatoriamente garantir que colherá resultados maravilhosos. Precisa apenas convencer de que nenhum governo nascido da sua derrubada fará muito melhor. E que, portanto, a operação de troca não compensa, na análise da relação entre o custo e o benefício. Sem a variável “rua”, não é missão tão complicada, se se está disposto a exercer o poder à Passarinho. Sem escrúpulos de consciência.

Esconde-esconde



O Globo e a Folha perguntaram aos deputados se vão votar a favor ou contra o processo. A oposição disse que vai votar a favor. O núcleo de fiéis, contra. A esmagadora maioria (Clique na imagem para ampliar) escondeu-se. Do povo ou do governo? Provavelmente de ambos. Mais do primeiro. Os números mostram que até agora a gordura do Planalto está no lugar.

Até a semana que vem. Ou antes.