segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Oportunidade de uma hegemonia estável na direita. E um olhar sobre as tendências do futuro.

2022 está mais visível a partir de 2018 do que 2018 visto de 2014. Naquele final de ano Dilma Rousseff fora reeleita e Aécio Neves era o principal líder da oposição e candidato natural ao Planalto. Mas havia uma crise econômica e uma LavaJato no caminho. Depois Dilma foi deposta, e não se elegeu ao Senado agora por Minas. Aécio teve de recuar para a Câmara.

Se não houver surpresas (como é perigosa essa premissa!), Jair Bolsonaro será candidato à reeleição sem desafiantes sérios na direita. Se houver surpresa, o nome virá do bolsonarismo. Podendo vir até da nova sublegenda bolsonarista, o PSDB. Os tucanos foram a Fênix do segundo turno, ao custo de mandar ao arquivo as últimas veleidades “de centro". Mas sobreviveram.

Bolsonaro não tem desafiantes na direita porque a velha guarda do bloco foi aposentada ou jogada às traças, e porque as novas estrelas podem todas concorrer à reeleição em 2022. Caso dos governadores de SP, RJ, MG e GO. Eis por que o novo presidente terá muita dificuldade se quiser acabar com a reeleição para já. Desarrumaria demais a coisa na base natural dele.

Vai saber... No Brasil nem o passado é previsível. Azar de quem vive de fazer previsão. Mas uma tem grande chance de emplacar: a opinião pública vai ser tomada por movimentações sobre uma oposição de centro ao bolsonarismo. Assunto que ocupará tempo e espaço até que sua anemia seja finalmente constatada. Não que isso vá impedir a continuação do sonho.

Acontecerá também na esquerda. Surgirão estímulos para alternativas não petistas. Se o PSB tivesse vencido em SP seria o pivô disso, e Márcio França estaria a caminho de disputar a vaga com Ciro Gomes. Mas perdeu. E Ciro? Dinamitadas as pontes, dependerá da condensação de um antipetismo de esquerda. Não parece muito promissor. Até porque o PT estará na oposição.

Mas vai saber... Hoje o centrismo anda em baixa pelo mundo. A última vítima desse declínio parece ser Angela Merkel, que se debate para continuar agarrada a um poder a caminho de lhe escapar. A crise de 2008/09 vem produzindo coisas parecidas com as trazidas pela sua velha parenta de 1929. Não que o desfecho vá ser o mesmo. Mas também é bom ficar de olho.

Para já, é provável que um bolsonarismo neoempoderado tente reduzir a influência do petismo no Nordeste. Por ser governo tem uma chance. Mas é erro achar que o Nordeste votou com o PT apenas por governismo. Aliás o PT nem governo mais é. O novo regime precisará de políticas concretas contra a pobreza e a desigualdade regional. Vai conseguir fazer sem dinheiro?

Também é provável que a esquerda cresça no Sul/Sudeste, graças inclusive a certos aspectos culturais algo caricaturais do bolsonarismo, e das características do caminho econômico proposto. A não ser que se consiga trazer crescimento econômico com forte criação de empregos de qualidade. Não tem sido a tradição por aqui nas últimas décadas. Mas quem sabe?

O certo é que uma hora o circo da agenda dita comportamental não mais será suficiente, e precisará aparecer o pão, lato sensu. O novo governo receberá uma camadinha de tolerância, mas ainda está por ser medido quanto ela durará. O bolsonarismo vai manter agregada sua base no curto prazo estigmatizando a esquerda, mas uma hora isso não mais bastará.

E tem a política externa. A tendência é uma melhor coordenação entre o Itamaraty e o Departamento de Estado, mas é ingenuidade achar que a atual orientação é responsabilidade do PT. Ela vem desde pelo menos os governos militares, e sobreviveu intocada a todo tipo de alternância após a redemocratização. A disrupção ali vai enfrentar resistência institucional.

É preciso saber quais as vantagens comerciais e outras econômicas que a Casa Branca está disposta a oferecer a Bolsonaro em troca de um maior alinhamento do Planalto. Bom estar atento, para saber disso, às eleições parlamentares ali mês que vem. Se elas reconfirmarem o poder de Donald Trump será um cenário. Mas e se não?

E nunca é prudente subestimar o nacionalismo entre nós. Ele anda meio démodé por causa do desgaste do petismo e da renovada atratividade de uma direita liberal. Mas o nacionalismo está por aí à espera das dificuldades da vida real. Esperando o “novo Brasil” encontrar seu primeiro inverno. Cuja chegada aliás é a única previsão com 100% de probabilidade de acerto.

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Para entender as (não) alianças do PT no segundo turno

Bolsonaro quer “varrer” o PT da política
Seria burrice. Mas outros pretendem beneficiar-se


O PT praticamente não conseguiu alianças no segundo turno. Se as urnas confirmarem as pesquisas, nem que aproximadamente, terá acontecido o seguinte: os votos de Ciro, Marina e Boulos terão ido inercial e majoritariamente para Haddad; os dos demais candidatos, espontânea e principalmente para Bolsonaro.

Aliás, mesmo que as urnas tragam uma virada do PT, ela acontecerá pela força gravitacional própria do petismo. A ideia de uma ampla “frente democrática” contra o bolsonarismo ficou no papel e nas declarações dos políticos. Simplesmente não aconteceu. Para usar uma expressão de Roberto Schwarz, foi uma ideia fora de lugar.

Por algumas razões. Uma delas: o bloco reunido pelo candidato do PSL nunca foi o inimigo principal da maioria das demais supostas “forças progressistas” em condição de disputar de fato a base social popular com o petismo; Lula e o PT sempre foram o adversário a derrotar. Pois as dificuldades de ambos acenderam ambições de hegemonia.

Nos anos 80 o PT beneficiou-se em algum grau por ter obtido sua legalização ainda no regime militar. As siglas históricas da esquerda só conseguiriam após a redemocratização. Não só nem principalmente por isso, mas também por isso, o PT acabou tendo certa vantagem na disputa da liderança em seu campo. Não tem bonzinho na política.

Para além da esquerda, há motivos históricos mais estruturais para uma “frente democrática” ser ideia fora de lugar. Um é a obsolescência final da premissa de haver um empresariado brasileiro ponderável disposto a alianças nacionalistas com o objetivo da coquista de mercados e influência globais, ou ao menos regionais. Um tema para outro texto.

Teorias à parte, o fato é que este segundo turno assiste às forças não petistas, da esquerda e do autodenominado centro, sentadas na arquibancada comendo pipoca, tomando refrigerante e aguardando o desfecho. Bolsonaro, inteligente, ofereceu nesta última semana mais um estímulo, declarou que seu plano é varrer o PT da política.

Se é inteligente dizer, talvez não seja tão inteligente assim fazer. Se Bolsonaro de fato ganhar, que vantagem haverá em trocar um adversário conhecido e sujeito a um potencial longo isolamento, o PT, por um desconhecido e reciclado? Talvez um “centro” liberal mais moderninho, ou uma esquerda reciclada e em nova embalagem.

Seria, desculpem, burrice. Mas a burrice também faz parte do jogo.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

A hora parece ser de alternância. Mas de que alternância? Do que o país está querendo se livrar?

A revolta contra a corrupção tem servido de combustível para as macroalternâncias de poder no Brasil do último mais de meio século. Em 1964 a intervenção militar anunciava-se com o objetivo de eliminar a subversão e a corrupção. Em 1985 repudiou-se a corrupção ligada à falta de democracia. Agora rejeita-se a corrupção associada à reprodução da política.

Mas é preciso algum cuidado na análise porque a troca de guarda, que atingiu especialmente o lado direito do espectro político, não teve como característica alavancar personagens que fizeram da luta anticorrupção o vetor principal de sua trajetória recente. A onda de degolas e esmagamentos, ao contrário, pegou muitos nomes das hostes anticorrupção.

Um detalhe curioso deste segundo turno é o ainda pouco impacto que acusações e revelações de irregularidades têm tido sobre o desempenho de alguns candidatos-surpresa, lançados ao palco pelo tsunami bolsonarista do final do primeiro turno. Há algum desgaste aqui e ali, mas nada que, por enquanto, tenha produzido onda em sentido contrário.

2018 é diferente de 1964 na metodologia: em vez de um golpe, eleições. Mas na essência ambas as situações são antagônicas a 1985: busca-se a ordem imposta pela autoridade, em vez de enxergar no modorrento jogo político democrático a saída para os impasses da economia e da vida cotidiana. A Nova República colapsa não apenas nos atores, mas na ideia em si.

Daí que o tsunami tenha trazido à praia não principalmente uma leva de combatentes da corrupção, mas uma onda de personagens simbólicos e de currículo ligado à imposição de autoridade, inclusive com o uso da violência. O próprio Bolsonaro é o exemplo mais nítido: o que em eleições anteriores seria visto como defeito hoje é louvado, ou ao menos tolerado.

Ainda falta uma semana para o segundo turno, mas se não vier outra surpresa fechar-se-á o ciclo da alternância. Não com o PT, e aliás o governo nem é mais do PT, mas com o sistema (re)inaugurado em 1985, onze anos depois de a Aliança Renovadora Nacional, a governista Arena, ter sido esmagada na urna pelo oposicionista Movimento Democrático Brasileiro.

Aliás o então regime só sobreviveu mais uma década a 1974 por causa de mudanças legislativas impostas para evitar alternância no poder. O casuísmo mais exuberante foi o Pacote de Abril de 1977. De um certo ângulo, a derrota eleitoral de 1974 foi o início do fim do ciclo. E, a rigor, a eleição deste ano é a primeira grande onda contra aquela de quase meio século atrás.

Na aritmética a Câmara tem três dezenas de siglas e o Senado duas dezenas. Na política os agrupamentos que tranquilamente fariam parte de uma “Arena” conquistaram de longe maiorias nas duas casas. O que corresponderia ao velho MDB (não o de agora) foi absorvido pela “rearenização". E a oposição a essa maioria está circunscrita à esquerda.

Em 1974 o maremoto antigovernista foi provocado principalmente pela decepção com a economia. O milagre econômico passara, a inflação estava de volta. E a população, claro, castigou o governo. Mas o governo tinha recursos para não cair, e com o tempo o eleitorado acabou trocando o regime. Com as acusações de corrupção de sempre turbinando a coisa.

Agora, depois de uma recessão de tempos de guerra nos governos Dilma e Temer em 2015/16, o eleitor foi à urna pela mudança. Varreu o autodenominado centro, talvez a representação mais paradigmática da Nova República. E circunscreveu a esquerda a um cercadinho. Para a alternância “da ordem”, escolheu o produto que estava disponível. Uma Arena do século 21.

Qual é o problema? Os governos que a Arena apoiava tinham à disposição forças praticamente ilimitadas para impor seu diktat. Em 2019 a ordem eleita deverá ser imposta por meio dos mecanismos constitucionais democráticos da Constituição de 1988, a que já cansou. Um eventual novo governo de direita, que parece provável, estará circunscrito a isso.

Pelo menos num primeiro momento, ou até a coisa ameaçar atolar. Uma característica da alternância de agora é a emergência de múltiplos entes estatais empoderados pelas ações contra a corrupção. Já escrevi aqui que o próximo movimento do novo Executivo deverá ser a (re)imposição do seu Poder Moderador. Tem número no Congresso para isso. Mas não basta.

Reescrevendo o Garrincha, vai ter de combinar com alguns russos.

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Como as acusações de financiamento ilegal da distribuição maciça de fake news batem na eleição

É improvável que a suspeita/acusação de caixa 2 empresarial para distribuição em massa de mensagens e fake news favoráveis à campanha de Jair Bolsonaro influa decisivamente no resultado da eleição daqui a pouco mais de uma semana. Principalmente se prosseguir a atitude de distanciamento dos veículos concorrentes do que trouxe a reportagem, a Folha de S.Paulo.

Mas é provável que, caso confirmada a vitória do candidato do PSL, o caso acabe pairando sobre a nova Presidência da República como ameaça jurídico-política potencial. A primeira reação dos advogados da campanha foi sintomática. Mais ou menos na linha de “sendo ou não verdade, não temos nada a ver com isso". Ou seja, uma linha essencialmente preventiva.

Desde a proibição do financiamento empresarial de campanhas supunha-se que esta eleição veria o crescimento da possibilidade de caixa 2. Mas era uma suposição. A confirmação do delito trazido na reportagem colocará o Judiciário em sinuca de bico: tomar providências, que teriam de ser drásticas, ou simplesmente deixar para lá para não interferir na escolha popular?

Governos podem sobreviver bastante bem a denúncias cabeludas, como FHC na compra de votos para aprovar a reeleição, ou cair lá na frente por coisas feitas antes mesmo de o eleitor ir à urna, como Nixon em Watergate. Depende do quê? De duas coisas: gordura para queimar na sociedade e um belo colchão de apoio no Congresso Nacional.

A formação da base congressual custará menos para Bolsonaro que para Haddad. A ampla maioria dos parlamentares eleitos terão bem menos dificuldade de explicar ao eleitor por que apoiam um governo do PSL do que para dizer por que sustentam uma administração petista. Pelo menos dois terços do Congresso colocam-se do dito centro para a direita.

Caso confirmem-se as pesquisas e ele suba a rampa do Planalto no Ano Novo, Bolsonaro deve contar com boas facilidades no Congresso num primeiro momento. Recorde-se que até Fernando Collor, sem quase nenhuma base própria, conseguiu inicialmente aprovar tudo o que quis. Inclusive o chamado “sequestro da poupança” para combater a superinflação.

Os problemas virão com o tempo. Na França, por exemplo, após uma largada fulgurante, Emmanuel Macron sofre com índices de rejeição comparáveis aos de seu impopular antecessor. Queda de popularidade não é inevitável. Vladimir Putin que o diga. Mas é sempre a aposta mais provável, ainda mais em países com graves problemas econômico-sociais.

Aí um eventual processo de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão poderá complicar o momentum governamental no Congresso, onde deverá estar em pleno esforço para aprovação de medidas estratégicas, como a imposição de idade mínima para aposentadoria e a unificação das regras de previdência para trabalhadores da iniciativa privada e do Estado.

Dada a atual correlação de forças políticas amplamente favorável ao bolsonarismo, é possível até que o novo poder consiga abafar e abortar o caso. Se não conseguir, a coisa ficará como uma espada pendente sobre sua cabeça. E as corporações estatais terão esse forte argumento adicional para dissuadir o novo governo de tentar atacar seus privilégios.

Pois será pouco provável que, caso não consiga matar o assunto no nascedouro, o bolsonarismo vá ter forças para enfrentar o Ministério Público e o Judiciário. Sem contar o custo político de impedir, já na largada, a formação de Comissões Parlamentares de Inquérito no Congresso Nacional. Como ficará nesse caso a promessa de “por fim ao toma-lá-dá-cá"?

Já para a provável futura oposição, o achado jornalístico, se minimamente confirmado, será o suficiente para contestar a legitimidade e a legalidade do novo poder. Será um ponto de apoio para a campanha interna e externa de desestabilização do que eventualmente chamarão de “regime bolsonarista”. O terreno na imprensa mundial já está arado.

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De todas as coisas que esta eleição vem mostrando como ultrapassadas, talvez a mais démodé seja a ideia da possibilidade de uma “frente democrática”. É prima-irmã da ilusão de haver um “centro” político, a ser disputado pela direita e pela esquerda. Ficção pura.

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Publicado originalmente em www.poder360.com.br

sábado, 13 de outubro de 2018

A natural superioridade e irrefutabilidade do que não aconteceu. Porque jamais poderá ser verificado

Um bom método para prevalecer no debate político é tomar como premissa algo que nunca poderá ser verificado, e portanto jamais será derrubado com argumentos factuais. O “se” não joga no futebol, mas na política costuma ter grande utilidade. “Se vocês tivessem feito tudo do jeito que eu disse para fazerem garanto que o resultado seria muito diferente.”

1) Uma alternativa moderada teria mais chance contra Bolsonaro

A tese é atraente, por um ângulo cartesiano. Se a esquerda estivesse apoiando o chamado centro, somar-se-iam os votos de ambos e a direita estaria em apuros. Um problema: esse tipo de candidato ou vem sendo amplamente rejeitado ou no mínimo enfrenta gigantesca resistência do eleitor de Norte a Sul. Vide Anastasia (MG), Paes (RJ) e Rollemberg (DF).

2) O PT teria mais chance se tivesse apoiado Ciro

Pode ser que sim. Mas também pode ser que Bolsonaro tivesse sido eleito no primeiro turno. Isso só não aconteceu porque o PT reteve praticamente todo o eleitorado dele. Quem pode garantir que o petismo transferiria 100% dos votos “Haddad é Lula” para Ciro, sendo que Ciro sempre fez questão de manter uma distância regulamentar, hostil até, do PT e de Lula?

3) Se Dilma não tivesse sido derrubada, o PSDB estaria muito bem

Também pode ser. Mas o PT já demonstrara desde 2006 que com a caneta sabe ganhar eleição presidencial. O PSDB foi prejudicado pela identificação com o governo Temer. Mas suas maiores dificuldades decorrem da #LavaJato e da fadiga de material, isto em São Paulo. No que os dois vetores estariam enfraquecidos se Dilma ainda estivesse sentada na cadeira?

4) Doria teria mais chance que Alckmin de ganhar a eleição

Esta até eu já escrevi. E teria mesmo, pois Doria é quase um Bolsonaro dos Jardins. Mas quando Doria se preparava para entrar na pista Bolsonaro já completara várias voltas. E Doria para presidente precisaria carregar o “fardo PSDB”, algo que claramente se transformou de ativo em passivo. E se Doria fosse tão competitivo não estaria sofrendo tanto agora em SP.

5) Márcio França é a prova da viabilidade do dito centro

Será? São Paulo é exceção. Como em 2012, quando a vitória de Haddad na prefeitura da capital mascarou o declínio do PT. E França vem tendo sorte, algo essencial. O nome mais bolsonarista, Doria, está de breque de mão puxado porque deixou a prefeitura. Mas segurou votos suficientes para impedir o arranque de um bolsonarismo puro, como no RJ e em Minas.

6) Alckmin errou ao atacar Bolsonaro. Deveria ter atacado só o PT

Antes da facada, as críticas de Alckmin a Bolsonaro vinham ajudando a elevar a rejeição ao nome do PSL. A tática parecia funcionar. Funcionaria o suficiente para tornar Bolsonaro alcançável pelo tucano? Ninguém pode garantir, pois dia 6 de setembro teve a facada. E o capitão ganhou duas semanas de trégua. O imprevisível é mesmo muito difícil de prever.

7) Ciro deveria ter aceitado a vice de Lula

Até porque seria imensa a pressão, interna e externa, sobre a direção do PT para que Ciro virasse candidato na saída de Lula. Mas e se desse errado? E se Ciro não aceitasse ser vice de Haddad, renunciasse e abrisse uma crise no lançamento da candidatura petista? Provavelmente, sabe-se agora, Bolsonaro teria caminho livre para ganhar no primeiro turno.

8) O dito centro deveria ter se unificado em torno de um único nome

A dispersão em várias candidaturas foi mesmo um problema, mas o voto útil na reta final do primeiro turno mostrou que o eleitor (dos dois lados) tinha como resolver a coisa. Se tivesse havido (olha aí o “se”, de novo) um candidato simultaneamente “de centro” e antiestablishment saberíamos agora da viabilidade dele. Mas Huck correu da raia e ficaremos sem saber.

9) Se o voto fosse impresso Bolsonaro teria sido eleito no primeiro turno

É a prova mais viva de que contra certos argumentos os fatos não valem nada. E se você continua achando o inverso, que contra fatos não há argumentos, lamento informar que hoje em dia você está por fora.

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Um olhar sobre o cenário pós primeiro turno. E a contradição entre o frentismo e a narrativa.

1) Finalmente acabou a Nova República

O primeiro turno fechou a era da Nova República, inaugurada em 1985. Os dois pilares básicos dela finalmente ruíram: o governo dos políticos e a política no governo. O frentismo centrista neste segundo turno é exigido do PT apenas como gesto de capitulação final. Pois não se exige o mesmo do nome do PSL. O vetor dominante agora é antifrentista. A hora é dos bonapartes.

2) Próximo movimento será o Executivo retomar o Poder Moderador

O Brasil já teve um bocado de Constituições, mas nunca deixou de ter um Poder Moderador, como o imposto desde D. Pedro I. Quando Executivo e Congresso foram para o ralo nos acontecimentos recentes a coisa escorreu para o Judiciário e as Forças Armadas. Se o novo presidente quiser governar mesmo, não ser só um figurante, vai ter de retomar esse poder.

3) Narrativas têm consequências. Frentismo? Difícil

Os criadores da narrativa da “ameaça dos extremos” tiveram mais sucesso na difusão da tese na imprensa do que entre os eleitores. Mesmo com a ideia maciçamente martelada na campanha. Mas se poucos dias atrás o sujeito dizia que PT e Bolsonaro eram ameaças iguais, como explicar agora a necessidade de se aliar a um para derrotar o outro? Complexo.

4) O tsunami pegou em cheio quem estava na praia

Se você tem o poder de provocar um terremoto, não é prudente esperar na praia pelo tsunami. O terremoto começou em 2013 e ganhou intensidade em 2015/16. Agora veio a onda, que atingiu muita gente, mas principalmente quem está no governo central. Quem havia sido empurrado para a montanha, mesmo contra a vontade, teve mais chance de sobreviver.

5) Engenharia de obra feita é fácil. E pode ser útil de vez em quando

O “se” não joga. E depois de a coisa acontecer é fácil falar. Mas se o nome do PSDB fosse de direita raiz, e não nutella, é razoável supor que seria mais competitivo e as bancadas não sofreriam tanto. Retrospectivamente, foi errado Alckmin acreditar na teoria do “candidato de centro”, e foi errado Dória não se apresentar para a disputa política aberta dentro do partido.

6) O apreço pela democracia detectado nas pesquisas é duvidoso

As pesquisas garantem que o brasileiro adora a democracia. Mas talvez não se tenha explicado direito aos pesquisados o que é “democracia”. Qual seria o resultado se se perguntasse algo como “você acha aceitável o governo oferecer cargos aos partidos para eles apoiarem o governo, inclusive no Congresso?" Eu tenho um palpite sobre a resposta.

7) Quem quiser ser candidato em 22 tem de começar já

O debate “TV x redes sociais” ainda corre, e sem que haja evidências definitivas a sustentar as opiniões definitivas. Mas uma coisa é certa. Se a campanha eleitoral de 2018 foi longa, a de 2022 será mais longa ainda. Na real, o segundo turno deste ano já é em certa medida um ensaio para daqui a quatro anos. Quem chegar antes no córrego vai beber água limpa.

8) É possível a guerra política contornar a agenda econômica

Mesmo antes da eleição já se nota alguma convergência nas agendas econômicas, como era previsível -e foi previsto. Mas a guerra política terá combustível de sobra na agenda não econômica. Ensaia-se um cenário tipo Trump. Uma quase guerra civil em assuntos não econômicos mas a economia contornando a confusão, pelo menos até certo ponto.

9) As pessoas falam mal das pesquisas mas continuam obcecadas por elas neste segundo turno.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Troca de guarda na direita em ascensão. Esquerda sobrevivendo, mas “no osso”.

1) Direita tem melhor resultado eleitoral desde a redemocratização

O primeiro turno fechou uma época e abriu outra nova para a direita. A liderança do bloco mudou de mãos. O liberalismo e o conservadorismo não estão mais sob o jugo dos liberais progressistas e dos social-democratas ditos de centro. Se Bolsonaro vencer daqui a três semanas (e o caminho para ele parece bem mais simples que para Haddad), isso estará sacramentado.

2) Esquerda tradicional recuou “para o osso”, mas sobreviveu

O PT recuou em todas as regiões e só manteve a liderança, e de aliados, no Nordeste. Quatro anos de LavaJato e a perda do poder tiveram efeito sensível. Mas o PT conseguiu manter-se inquestionável no comando de seu campo político e evitou uma catástrofe que abrisse campo a alternativas em seu bloco. Ciro foi neutralizado e Marina, pulverizada.

3) Tendência de renovação confirma-se

Especialmente no Sudeste, a maior região em população e sempre mais visível para o foco jornalístico, o vento renovador sopra mais forte. Também porque os principais alvos da LavaJato do dito centro para a direita concentram-se na região. Se perder em São Paulo e Minas, o PSDB arrisca-se a desaparecer como polo hegemônico da política nacional.

4) Mas os fatores de continuidade e inércia estão bem presentes

A renovação na Câmara foi ligeiramente maior que a metade da Casa, não tão longe assim da tradição. O vento soprou mais forte no Senado. Mas na Câmara três das quatro maiores bancadas são as clássicas. A taxa de reeleição ou eleição de aliados dos governadores caminha para 100% ou quase no Nordeste. O Sudeste é importante, mas o Brasil não é só São Paulo, Rio e Minas.

5) Ter mantido a base social coesa traz um custo político para o PT

O partido decidiu fechar espaço para alternativas à esquerda e compareceu à eleição mais “puro”. Com isso, Haddad conseguiu votação na faixa de índices "duros” de preferência pelo PT. Foi o suficiente para ir adiante. Não se faz omelete sem quebrar ovos. Mas agora o petismo tenta achar um jeito de arrastar não-petistas sem perder substância na esquerda. Complexo.

6) As equações regionais no segundo turno serão heterodoxas

Márcio França foi de Alckmin até agora e precisa de Paulo Skaf e do PT para enfrentar João Doria. Mas Skaf é Bolsonaro. E Dória também, e com mais entusiasmo ainda pelo capitão. No Rio, Eduardo Paes precisa de apoio da esquerda para ter alguma chance, só que é candidato pelo Democratas. Em MG, o tucano Anastasia não ganha a eleição sem um empurrão do PT. Etc.

7) Articulação da base parlamentar vai exigir mágica

Serão duas dezenas de partidos no Senado e três dezenas na Câmara. Se para Haddad a missão será hercúlea, mesmo para Bolsonaro ela estará longe de ser simples. É provável que dos dois lados do espectro haja algum esforço de formação de blocos, o que poderá ajudar. Mas convém não confiar muito na docilidade de um Congresso de sobreviventes e neófitos.

8) As pesquisas foram bem, num cenário muito desafiador

Bolsonaro teve 34% do total do eleitorado. Haddad, 21%. Ciro, 9%. Mais ou menos o detectado pelas pesquisas. As diferenças no voto válido parecem dever-se mais ao fato de o não voto ter dobrado para os 30% verificado na urna. Os americanos contornam esse desvio porque pesquisam também o universo dos “likely voters”, não só os “registered voters".

9) O PT enfrenta uma batalha morro acima no segundo turno. As pesquisas vão mostrar o ângulo do aclive

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

O que não aconteceu e o que aconteceu, até agora, do que foi previsto para esta eleição

1) Não se comprovou por enquanto a força do chamado lulismo

Haddad chegou facilmente ao patamar de 20% e vem mostrando neste primeiro turno boa dificuldade para chegar aos 30% que as pesquisas apontam ser o estoque de eleitores dispostos a votar com certeza num candidato apoiado pelo ex-presidente Lula.

2) Comprovou-se a força do PT

Todas as pesquisas apontam que o partido tem a preferência de pelo menos 20% do eleitorado. Era previsível, e foi previsto, que um candidato do PT teria caminho relativamente livre para chegar a isso. E de fato chegou. O PT é a única força eleitoral clássica expressiva que consegue nesta eleição evitar o desmoronamento de sua base de apoio.

3) Não se comprovou a essencialidade do tempo de TV

Dos candidatos com desempenho satisfatório neste primeiro turno, Bolsonaro, Haddad e Ciro, dois não tiveram tempo de TV expressivo. Um candidato que desempenha muito abaixo da sua “votabilidade”, Alckmin, teve a fatia mais generosa do horário eleitoral compulsório.

4) Comprovou-se a essencialidade do tempo de TV

O principal fator que impede, por enquanto, uma vitória de Bolsonaro no primeiro turno é o PT reter seus 20% de share. Para isso, foi essencial uma comunicação maciça que alavancasse rapidamente Haddad e evitasse o avanço de predadores sobre o eleitorado petista. Só foi possível com o significativo tempo de TV.

5) Não se comprovou a viabilidade de um “centro"

O “centro” era só a tentativa de uma embalagem moderada para o antipetismo. Quando a coisa apertou, foi para a direita sem maiores dificuldades. Faça-se justiça a Alckmin: ele comprou a ideia e teve uma comunicação para buscar o eleitor “de centro”. Como este era uma miragem, o tucano vai ter poucos votos.

6) Comprovou-se que existem direita e esquerda

Ao contrário das frequentes teses a respeito, a divisão entre direita e esquerda não acabou. Se houver segundo turno, a partição ficará ainda mais nítida. Metade do país vota com a esquerda contra a direita e a outra metade com a direita contra a esquerda. Vai ganhar a eleição, agora ou daqui a três semanas, quem for mais capaz de fazer sua base votar.

7) Não se comprovou que esta eleição poderia assistir a um debate mais qualificado

Existia a esperança de que depois de mais um assim chamado “estelionato eleitoral”, em 2014, houvesse alguma evolução civilizatória do debate nas eleições deste ano. De novo, só se discutiram as pesquisas e quem ataca quem. No Brasil, quando se trata de questões civilizatórias, os pessimistas sempre tendem a ter alguma razão. Basta esperar tempo suficiente.

8) Comprovou-se que empresas de pesquisa falarem mal umas das outras é arriscado

Pesquisas erram, por isso têm “margem de erro". E também acertam, e por isso as pessoas importam-se com elas. Evitar falar mal de uma pesquisa ajuda a evitar também que se passe vergonha quando teu resultado se aproxima do resultado da pesquisa que tu criticaste. Porque nas pesquisas, como nos demais aspectos da vida, nunca se sabe o dia de amanhã.

9) Comprovar-se-á o velho ditado de que da mineração, de cabeça de juiz e de urna nunca se sabe exatamente o que vai sair, mesmo que as pesquisas e os estudos ofereçam bons elementos para as previsões