quinta-feira, 30 de agosto de 2018

E se 4, ou 5, permanecerem competitivos?

Se o não voto (branco/nulo/não foi votar) nesta eleição presidencial bater em 35%, o candidato que conseguir 20% do total fará 30% dos válidos. É um desempenho que traz alta probabilidade de ir a um eventual 2º turno, marcado para 28 de outubro. Que só não acontece se alguém fizer metade mais um dos válidos no primeiro. O que ainda parece distante, também pela quantidade de candidatos com pelo menos alguma musculatura.

Há 5 nomes que já passaram a barreira da competitividade. E 2 que estão no limiar de ganhar alguma substância. Bolsonaro, Haddad (o candidato de Lula), Marina, Alckmin e Ciro. E Alvaro Dias e Amoêdo. É muita gente na pista. E com um detalhe: os 5 mais bem colocados têm caminhos possíveis para alcançar o número mágico de 20% do total, ou 30% dos válidos, se confirmada a hipótese que abre este texto.

Bolsonaro já está no patamar. Precisa pelo menos manter-se nele. Se ganhar uns pontinhos, uma gordurinha, fica menos vulnerável à lipoaspiração de que será alvo no horário eleitoral, onde tem desvantagem massacrante. As pesquisas dirão se o capitão usou bem sua aparição na TV esta semana para acumular um extra. Se tiver conseguido, será ótima notícia para ele e, portanto, péssima para quem disputa com ele os votos da direita.

Em todas as pesquisas, o PT aparece com pelo menos 20% da preferência popular. É razoável supor que seja um objetivo viável para o candidato do PT no 1º turno. Sem contar os pelo menos dez pontos percentuais de eleitores que dizem querer votar só em Lula e mais ninguém. Também é racional olhar esse contingente como uma oportunidade de mercado para o candidato do PT.

Nos cenários sem Lula, o tucano Alckmin ou bate nos 10% ou está perto. E tem abundância de recursos, principalmente tempo de tela, para passar sua mensagem. Se não se aproximar dos 20% terá sido por deficiência própria, e não pelas circunstâncias. Também porque tem a simpatia importante, medida em pesquisas, entre o assim chamado establishment ou a elite. O leitor ou leitora escolhe o rótulo que preferir.

Marina fez 20% dos votos válidos em 2010, quando não chegou a ser incomodada na campanha, e 22% em 2014, quando foi soterrada na TV pela aliança tática do PT com o PSDB para tirá-la do 2º turno. Sem Lula, ela está mais ou menos no patamar de quatro anos atrás. Se conseguir algum gás com base na plataforma progressista-liberal, muito na moda, não terá grande dificuldade para acumular uns pontinhos a mais.

Se Haddad não for tão eficiente assim na colheita do voto lulista, Ciro é outro que pode dar as caras na reta final deste 1º turno. Sem contar que Ciro é também palatável para um pedaço do eleitorado que não quer saber de Lula ou do PT, e o candidato do PDT não tem descuidado dessa turma. Ciro corre o risco de não ser totalmente confiável para nenhum lado da polarização? Sim, mas também é inegável que tem trânsito em ambos os campos.

Cada um é livre para apostar no que quiser. Mas é bom colocar as barbas de molho. Não é impensável que cheguemos na reta final do 1º turno com pelo menos 4 candidatos em condições de ir à final. E um detalhe: em 2014, Aécio passou Marina, nos últimos dias, para não dizer nas últimas horas. E São Paulo teve um peso decisivo para isso.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Os mistérios do tempo. O muito tempo de Alckmin na TV e o pouco tempo para o PT fazer Haddad

O debate sobre a eleição tornou-se nos últimos dias um debate sobre o tempo. Se o muito tempo de Geraldo Alckmin na TV e no rádio será decisivo para levá-lo ao segundo turno. E se o pouco tempo, talvez apenas três semanas, para o PT informar o eleitor que Lula é Fernando Haddad, ou o inverso, será suficiente para trazer ao ex-prefeito os votos necessários.

Vamos começar pelo tempo de TV. Claro que ter muito é bem melhor que ter pouco, ou quase nada. As ironias em contrário são só mais do velho “as uvas estão verdes”. Quem não gostaria de ter mais presença no ar? A eleição de 2014 provou que tempo conta. Especialmente para atacar e enfraquecer o quanto possível adversários com quase nada de munição.

Mas mesmo 2014 mostrou que essa variável deve ser vista com inteligência. O PT prevaleceu sim então porque tinha muito tempo, mas principalmente porque usou a vantagem para consolidar uma narrativa verossímil, que tinha aderência à realidade. Pobres x ricos. Também porque os adversários adotaram a tática de acenar ao chamado mercado.

Muito tempo é bom, mas não exime de precisar contar uma história com começo, meio e fim. Alckmin tem larga vantagem no quesito, mas precisa encontrar um jeito de sair da armadilha de ser visto como o candidato que vai continuar o programa do governo de Temer. Até porque ele é mesmo o candidato viável que mais carrega a esperança, ou o risco, dessa continuidade.

A campanha do PSDB está fazendo o possível, ao debitar na conta do PT a catástrofe econômica produzida em 2015/16. Até porque o governo era mesmo do PT. Emplacar esse discurso seria mais fácil se Dilma Rousseff ainda estivesse sentada na cadeira do Planalto. Mas obviamente não se quis arriscar deixar o petismo concorrer de caneta na mão. Tudo tem um preço.

Agora quem está lá é o aliado Temer e seu brutal déficit de imagem. Outro detalhe é que Dilma absorveu o passivo do petismo em política econômica, e deixou o ativo para Lula. Bem, mas foi Lula quem indicou Dilma. Seria algo que o ex-presidente precisaria explicar. Mas ele está preso e não o deixam explicar nada. E o candidato real, Haddad, deve menos explicações ainda sobre isso.

E o PT? Precisará executar uma operação desafiadora, inclusive pelo ineditismo. Tem algum tempo de TV mas poucos dias para a missão, e enfrenta até agora uma Justiça hostil, que não deve estar feliz com a tática petista de quase desobediência civil. É razoável supor que o partido não voará em céu de brigadeiro quando quiser colocar suas mensagens no ar.

A atenuante das dificuldades do PT é que a legenda parece estar unida em torno da tática. Depois de alguma espuma no noticiário sobre as resistências a Haddad no Nordeste, o candidato de facto está há dias na região posando para imagens com os governadores dali. E não parece haver divergência no PT sobre o que fazer quando Lula for sacado da corrida.

Não se vê no petismo ninguém relevante pregando voto nulo se Lula não puder mesmo concorrer. Nem propondo descarregar em Ciro Gomes ou Marina Silva. Ou seja, se o PT terá pouco tempo para a transfusão, pelo menos não precisará desperdiçar uma parte preciosa desse tempo aparando arestas internas e com aliados. Não deixa de ser um alívio.

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Jair Bolsonaro tem um problema aparentemente tão grande quanto o pouco tempo de TV. O noviciado em campanha presidencial. É coisa que costuma levar o sujeito a atravessar a rua para escorregar em casca de banana na outra calçada. Pela primeira vez nesta corrida, o candidato do PSL dá mostras de fragilidade e desconforto com a pressão.

Outro novato, Haddad, está por enquanto protegido pela candidatura de Lula. Mas é lógico supor que irá apanhar que nem gente grande nos debates e entrevistas a partir de quando for oficializado. É improvável que os adversários assistam ao desfile petista como quem acompanha embasbacado uma parada militar do Dia da Vitória.

Já os veteranos Ciro e Marina mostram-se à vontade. Não são alvo de ninguém. Resta saber se vão conseguir aproveitar a calmaria.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Otavio Frias Filho (1957-2018): Uma inteligência se vai

Fui contratado pela Folha de S.Paulo em agosto de 1986. Para cobrir férias na editoria de Internacional. Quem me levou para lá foi Igor Fuser, o então editor e que tinha sido meu correligionário na universidade. Eu vinha do jornal do Partido Comunista Brasileiro, o Voz da Unidade. E militara com Igor no PC do B. E conhecia Otavio Frias Filho do movimento estudantil. Depois da cobertura de férias, uma vaga abriu e acabei ficando no jornal.

Otavio, que no jornalismo era OFF, deu emprego naqueles anos da Folha a toda uma geração de militantes de esquerda que vinham da agitada política universitária no ocaso da ditadura. Ele tinha, e manteria por toda a vida, sérias restrições ideológicas àquela turma que trazia para o jornal. Mas nunca discriminou ou promoveu –que eu me lembre– ninguém por causa de posição política. Só pedia que quem assumisse posto de comando não estivesse em direção de partido.

Ao mesmo tempo, ou talvez por causa disso, Otavio era obcecado por evitar que o jornalista militasse nas páginas da Folha. Quem leu “A Regra do Jogo”, de Cláudio Abramo, e entendeu, poderá contextualizar o zelo do jovem diretor com a imagem de apartidarismo e pluralismo que o jornal queria projetar, na estratégia mercadológica em busca da liderança em tempos de redemocratização.

A realidade costuma ser contraditória, e o modus operandi da Redação naqueles anos gloriosamente tumultuados nada tinha de pluralista. Uma disciplina militar sob comando fortemente centralizado. Uma revolução jornalística conduzida de modo prussiano. Pensando bem, exemplos mais a leste que a Prússia seriam melhores. OFF impôs com mão de ferro o primado da técnica que prometia nos aproximar do limite alcançável da utópica objetividade.

Quando me convidaram para falar este ano no lançamento da nova edição do Manual da Redação, lembrei daqueles dias enlouquecidos e do lema de Juscelino, “cinquenta anos em cinco”. Estar na Redação da Folha de 1986 a 1991 era graduação, mestrado e doutorado, tudo junto e misturado. O sujeito que queria aprender e se empenhava nisso ganhava bagagem para enfrentar quase qualquer desafio na vida profissional.

Claro que fácil não foi. Nem indolor. Quem preferir, pode carregar daquela época as dores e as cicatrizes da guerra. Ou as mágoas. Toda guerra faz vítimas. Eu prefiro lembrar das oportunidades, das lições, das experiências, da sensação boa de participar de algo maior e importante. Sou grato ao Otavio. E sentirei falta dos textos bem elaborados, nos quais eu sempre achava alguma razão para divergir. Quem gosta de inteligência e de ler algo bem escrito vai sentir saudade do OFF. Eu vou.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Para que serve o debate presidencial. E quem precisa tirar coelho da cartola. E quem está protegido.

As pesquisas dizem que eleitor dá muita importância a debates entre candidatos. Porque o eleitor diz que dá muita importância a debates entre candidatos. É prudente não tomar ao pé da letra o que o eleitor diz de si mesmo, mas debates têm sim alguma importância. Em 2006 Lula deixou de ganhar no primeiro turno porque não foi ao debate final. É o que se diz.

A convicção do voto é proporcional ao orgulho que o eleitor sente da sua escolha. Se o candidato “vai bem” no debate, fica mais fácil estufar o peito e defendê-lo no trabalho, na escola, na mesa do restaurante, no almoço da família. Se “vai mal", o eleitor arrisca-se a ser “zoado” nos ambientes sociais que frequenta. Ninguém gosta de passar por situações assim.

Eleições costumam seguir uma lógica tribal. Escolhe-se quem melhor pode liderar a tribo na luta pela sobrevivência e para sobrepujar, dominar ou se possível exterminar as tribos rivais. Quem nunca viu um filme em que dois chefes inimigos lutam até a morte como alternativa racional a uma guerra em que muitos dos chefiados morreriam? #FicaaDica.

“Ir bem” num debate eleitoral é demonstrar qualidades de liderança. Coragem, mas racional. O líder não pode ser corajoso ao ponto de arriscar a sobrevivência do grupo. Autoestima, mas com forte componente de alteridade, a capacidade de colocar-se no lugar do outro. Do povo. E, sempre, mostrando que o rival não tem essas qualidades.

Por que Lula preso e inelegível mantém-se nos cerca de 30%? Porque o eleitor do ex-presidente continua confiando nele para fazer o que esse eleitor acha que deve ser feito no Brasil: governar com forte preocupação social. Nenhuma acusação até agora contra Lula fez, nem ao menos, cosquinha nesse atributo.

Bolsonaro resiste nos seus cerca de 20% porque ninguém faz sombra a ele na disposição de combater politicamente a esquerda e a influência social e cultural do pensamento de esquerda. O PSDB até que tenta, mas seu pé no progressismo funciona como freio de mão puxado. Não tem a mesma autenticidade, o mesmo “punch”. Bate fofo, como se diz.

Para ir ao segundo turno, Ciro precisa ou 1) mostrar que é mais confiável aos pobres e ao Nordeste que o substituto de Lula (Haddad) ou 2) recolher o eleitor órfão de uma suposta social-democracia não petista, órfã do deslocamento do PSDB para a direita. Os dois caminhos são complicados, mas possíveis. Um problema de Ciro é depender muito do erro alheio.

Já Alckmin precisa 1) mostrar-se mais capaz que Bolsonaro de derrotar a esquerda. Ou então 2) acreditar que existe mesmo um eleitorado centrista. O primeiro caminho seria facilitado se o tucano exibisse mais músculos que o capitão nas simulações de segundo turno. O segundo complicou-se quando Lula indicou Haddad. Sem falar da concorrência de Marina.

A desconstrução de Lula ou do substituto só será possível se os adversários fragilizarem o núcleo da imagem do líder petista. E é duvidoso que os rivais de Bolsonaro enfraqueçam-no decisivamente adotando como tática eleitoral atacar o “despreparo” dele. O eleitorado do capitão não está atrás de “preparo”. Procura quem derrote, se possível elimine, a esquerda.

Alckmin tem instrumentos para vencer a “semifinal” na chave da direita. Tem partidos, dinheiro, tempo de televisão e a simpatia do establishment. Bolsonaro é a sensação desta Copa até agora, mas sensações também tropeçam na hora h. Só que o relógio está correndo. Já Ciro disputa em situação de grande desvantagem material.

Alckmin e Ciro precisam que alguma coisa mude. Já Bolsonaro e o PT jogam ajudados pela inércia, como parecem comprovar as pesquisas, inclusive as que apontam o potencial de transferência de votos de Lula para Haddad. Quem precisa que alguma coisa mude precisa usar os debates para tentar dinamitar na semifinal o pilar que sustenta a imagem do rival.

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Já há algum consenso de que a prisão, se impede Lula de falar às massas, protege-o de ataques, críticas, questionamentos e manifestações contrárias. Mas ainda não tinha ficado claro que a ausência forçada do PT nos debates acabaria tirando o PT do foco, no ringue televisivo entre os candidatos. Não só Lula está por enquanto algo protegido. O PT também.

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Chegou a hora do pensamento mágico

É ilusão achar que as eleições trarão paz política
Desejos não produzem necessariamente realidades


Esta hora ia mesmo chegar. Em meio ao emaranhado da confusão política, começam a aparecer não só apelos à conciliação, mas até previsões de que 2019 tem mesmo chance de inaugurar um novo período de concórdia nacional, de união nacional, deixando para trás os tristes tempos de divisão e desentendimento. Atenção: não coloquei as aspas relativizantes, mas o leitor notará que estou apenas estruturando uma narrativa alheia.

E quanto mais aumenta a confusão, mais fértil fica o terreno para vicejar uma certa modalidade de pensamento mágico. Adotem-se ou preservem-se determinados ritos e isso fará alcançar a meta desejada. Proceda-se à eleição, e o rito mandará ao arquivo morto a divisão e a discórdia que infelicitam o corpo e a alma nacionais. Restará então retribuir a graça alcançada, ajudando-se o novo governo a cumprir sua missão de buscar o bem comum.

Simplesmente não vai acontecer. Também porque “bem comum”, como “reforma política", “reforma tributária” e outras generalidades e platitudes, quer dizer ao mesmo tempo tudo e nada. Para uns, o bem comum está expresso na projeção futura de um passado no qual o governo Lula trouxe prosperidade. Para outros, o bem comum será mais facilmente alcançável enquanto Lula estiver preso e inelegível, exatamente para evitar a volta a esse passado.

Mas a prisão e a inelegibilidade de Lula são apenas a ponta do iceberg da discórdia nacional, que divide o país em campos dificilmente conciliáveis, e hoje inconciliáveis. A raiz do problema é mais profunda. A base da estabilidade política na democracia é a percepção consensual, ou amplamente majoritária, de que as regras para chegar ao poder são razoáveis e equilibradas. E acessíveis a todos. Não necessariamente precisa ser verdade. Importante é a percepção.

Estamos muito longe disso, e acho que não é necessário elaborar. Estamos muito longe também de algum consenso sobre quem tem razão na economia. Provavelmente todos farão mais ou menos a mesma coisa se chegarem lá, mas quem perder cavará trincheiras contra o que será feito, mesmo que provavelmente fizesse o mesmo. Governos sempre têm força, mas desta vez, como em 2015, teremos também uma oposição muito forte.

Aqui e ali ouve-se o lamento neosebastianista a recordar nossa Alcácer-Quibir, a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral em 1984. Achava-se que tinha sido uma vitória, mas conforme o tempo passa aumentam as dúvidas a respeito. É prudente esperar antes de avaliar os acontecimentos históricos, mas aquela celebrada transição que nos prometeu liberdade, democracia e prosperidade justa vai tendo seus fundamentos corroídos a cada dia.

Tancredo talvez seja mesmo nosso Dom Sebastião. Foi-se cedo demais, apesar da muita idade, e é cultuado menos pelo que fez e mais pelo que provavelmente teria feito. Entrou de um jeito bonito na História e será sempre evocado quando uma alma piedosa precisar de um exemplo de líder capaz de conciliar e unir gente e grupos distantes. Mas como não chegou a governar, o passivo da Nova República, cujos escombros são a paisagem da hora, ficou para José Sarney.

#FicaaDica.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br #FicaaDica.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

E se na hora decisiva o PT acabar ajudado pela espuma em torno do “centro” e do “novo”?

Era previsível que o PT chegaria competitivo à eleição presidencial. Numa sucessão marcada pela incerteza, há hoje razoável convicção de que a dupla Fernando Haddad-Manuela D’Ávila tem potencial para passar à finalíssima. Assim como o PSDB de Geraldo Alckmin, a aliança PT-PCdoB depende só de si para estar na urna eletrônica em 28 de outubro.

Claro que isso será função da identificação do lulismo com a chapa nascida do impedimento eleitoral do ex-presidente. Segundo o Datafolha, em torno de 30% dizem que votam com certeza num candidato de Lula, e pouco mais de 15% dizem que talvez votariam. Mas quando Haddad é apontado como esse candidato o número total cai para 13% (XP/Ipespe).

Há pelo menos três leituras possíveis, não excludentes, para essa diferença: 1) Lula tem mais eleitores que o PT; 2) O eleitor que gosta de Lula não necessariamente gosta de Haddad; e 3) Haddad é um desconhecido. As três afirmações são evidentemente verdadeiras. A dúvida é saber qual explica melhor a defasagem entre os índices do “candidato de Lula” e de Haddad.

Lula tem sim mais eleitores que o PT, mas o partido voltou ao share de 20% do eleitorado. Ou seja, Haddad, o “candidato de Lula”, ainda tem mercado a abocanhar no universo petista. O que também relativiza a segunda explicação. A conclusão mais razoável: Haddad vai subir conforme for ficando mais conhecido como o nome do PT e de Lula para esta corrida.

Em tese, ele vai para pelo menos uns 20%, a preferência pelo PT e uns dois terços do voto de Lula. Se tiver menos, terá cometido erros; se passar disso, sua campanha de primeiro turno terá sido um sucesso. E se o não voto (branco/nulo/não foi votar) ficar na casa de 33%, Haddad bateria em 30% dos válidos, o que deve dar para estar entre os dois primeiros.

Mas para virar realidade essa teoria exige execução. O que não chega a ser um bicho de sete cabeças. Onde estão os riscos? Um é Ciro Gomes crescer e capturar parte do voto petista-lulista. Pode acontecer, mas o PT tem meios, inclusive tempo de TV e rádio, para blindar seu eleitorado. Se quiser encorpar, Ciro tem de sair do cercado da esquerda. E ele está tentando.

Outro risco é um recrudescimento da #LavaJato contra o petismo, ainda que a operação já tenha descarnado bem essa carcaça. Mas, a não ser que surja algo novo e espetacular contra Haddad, o efeito da #LavaJato sobre o PT já está precificado. A esta altura, potenciais fatos novos gerados no âmbito dela talvez assombrem mais outras candidaturas.

Até por esse detalhe, o entusiasmo pela #LavaJato não é mais o mesmo. Um sintoma é a aliança de Alckmin com o chamado centrão ter recebido apenas críticas protocolares, longe da onda de indignação que se produziria em outros tempos, e se fossem outros os personagens. Mas convém ficar de olho. Se o vento mudar de novo, Marina Silva e Álvaro Dias estão na pista.

O desafio do primeiro turno é equacionável pelo PT. Mais complicado seria um segundo, onde o antipetismo hoje sólido na sociedade teria terreno fértil. Não à toa Lula optou por Haddad e seu figurino algo centrista, ainda que pela esquerda. Se o espaço do “centro” continua aberto, por que Lula deveria abrir mão de repetir o que sempre deu certo para ele?

Não sei se vai acontecer, pois os adversários não estão dormindo, mas seria curioso se, depois de tanta espuma, as platitudes do “centro” e do “novo” acabassem abduzidas pelo petismo em aliança com o PCdoB. Aliás, no segundo quesito, Haddad é o único candidato competitivo com pinta de que vai sobreviver para a presidencial de 2022, com qualquer resultado agora.

Ou seja, Lula está jogando para já, sim. Se não der, já terá jogado também para o futuro. A prisão não parece ter, por enquanto, afetado negativamente sua perícia nesse xadrez.

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A diferença oceânica entre as audiências do debate da Band e do evento paralelo feito pelo PT na internet vai fazendo cair a ficha de quem acreditava que esta eleição seria decidida “nas redes sociais". E, como o noticiário já registra, o PT parece ter percebido que a campanha “alternativa” já deu o que tinha de dar. Hora de virar a chave.

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

País escorrega para um neomonarquismo

Legislativo deixa de ter papel
STF virou corte de 11 monarcas

O Senado argentino recusou uma proposta de legalização do aborto que fora aprovada pela Câmara dos Deputados. É improvável que isso tenha encerrado o debate. Ele deverá prosseguir e espera-se que as diversas correntes políticas e religiosas continuem defendendo seus pontos de vista. Nada impede que o tema volte à pauta no Legislativo do país vizinho, instância onde esse tipo de discussão costuma correr.

Já aqui o debate acontece não entre deputados e senadores, mas no Supremo Tribunal Federal. As maiorias conservadoras são consistentes no Congresso e as correntes favoráveis vibram com a possibilidade de contornar essa dificuldade, apoiando a transferência da decisão para o tribunal constitucional. Pegam uma carona na onda de ativismo judicial que o país vem surfando há algum tempo.

O problema do esvaziamento da esfera política em benefício da burocrático-estatal não é só brasileiro. Nos Estados Unidos, a guerra mais cruenta entre democratas e republicanos, numa época de guerras políticas especialmente cruentas, é em torno da composição da Suprema Corte. Se a maioria será conservadora ou liberal (progressista). É uma pauta sem acordo político-parlamentar possível.

O enfraquecimento da chamada democracia é planetário, principalmente pela dificuldade de transformar maiorias sociais em eleitorais, e estas em maiorias político-governamentais. Mas aqui no Brasil a coisa já chegou a outro patamar. O Congresso já deixou de ser visto pela sociedade como o palco primeiro de negociação e solução dos dissensos políticos. E o Legislativo não resiste, vem na prática abrindo mão de seu papel, num mecanismo claro de autodefesa.

Um Congresso acossado por ameaças judiciais-policiais parece preferir a perda de poder, se isso ajudar a afrouxar a corda que enlaça seu pescoço. Some-se a isso o hábito institucionalizado de “perdi uma votação, não aceito e vou recorrer ao Supremo”. Estão criadas as condições para transformar o STF numa instituição que na prática acumula o Poder Legislativo. Com as consequências previsíveis, como, por exemplo, a divisão em bancadas.

A anomalia aqui descrita não é nova. Nem o diagnóstico. O importante é notar um detalhe: os que um dia criticam o excesso de ativismo judicial, quando a Justiça os desagrada, saúdam no dia seguinte esse mesmo ativismo, se calhar de ficarem felizes com a decisão ou mesmo a iniciativa dos tribunais. Esse parece ser o único pacto político em vigor. Estão todos de acordo em enfraquecer ainda mais a representação política eleita na urna.

A direita protesta quando o STF envereda por reescrever a Constituição no tema do aborto, mas curte quando o tribunal pratica um constitucionalismo criativo no tema dos direitos e garantias individuais. Já a esquerda exige fidelidade à letra da Carta no segundo caso, mas saúda que a Corte ensaie “atualizar” o texto no primeiro. O resultado é visível: vamos regredindo de um republicanismo meio mambembe para um neomonarquismo distribuído por onze monarcas.

A cada polêmica, as partes são chamadas a manifestar-se diante do soberano, que em seguida decidirá, não conforme o que foi escrito pelos representantes do povo, mas guiado por uma sabedoria supostamente superior, quem sabe derivada de algo similar ao direito divino dos reis de antigamente. Talvez não seja só coincidência um príncipe da família real deposta em 1889 ter sido cogitado como candidato a vice na corrida presidencial.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Depois de muita conversa, acabou o intervalo para platitudes. E uma janela para a internet.

A crônica política é recheada de expressões tão grandiloquentes quanto vazias. Uma delas é “o político que pensa em primeiro lugar no país". O sujeito que abdicaria voluntariamente de posições de poder em nome de uma causa maior: derrotar o campo adversário. Personagem dificílimo de achar na vida real. Esta eleição comprova mais uma vez.

O espectro do chamado centro para a direita poderia juntar-se em torno de Meirelles e seu currículo em economia, ou de Álvaro Dias e sua impermeabilidade a fatos da LavaJato. A união seria mais complicada em torno de Bolsonaro. No limite, poderiam apoiar Marina, a mais apresentável como “de centro". Mas Alckmin não abriu mão e agrupou as máquinas.

Outro que não abre mão é Lula. Nem Lula nem o PT veem motivo para ceder a liderança, mesmo que isso acomodasse melhor as forças supostamente unificáveis para enfrentar o rolo compressor que derrubou Dilma e sustenta Temer. “Se querem me aposentar que arrumem votos para isso”, parece ser o recado do ex-presidente preso em Curitiba.

Alckmin tem duas vantagens e uma desvantagem. Está bem com o establishment e exibe uma incomparável junção de máquinas. Mas não está de bem ainda com o eleitor. E estes dias Bolsonaro sobreviveu com folga a duas provas jornalísticas, superando em boa medida dúvidas sobre a capacidade de enfrentar situações assim. E parece de bem com seu eleitor.

Já Lula e o PT estão no osso, ou quase. Pela primeira vez desde 2002 vêm destituídos de máquinas relevantes. Mas parecem sintonizados com o eleitor de esquerda. Lula ocupa um latifúndio de 30% e o apoio ao partido está consistente em 20%. Nenhum outro nome ou legenda chega perto. E o petismo buscou fazer valer a força nesta reta final de montagem da chapa.

Outro fator explica a pouca permeabilidade dos partidos tradicionais para ceder espaço: num segundo turno contra Bolsonaro todos acreditam ter boa chance de ganhar. E não é uma aposta totalmente destituída de razoabilidade. O candidato do PSL mostra grande resiliência, mas ainda pouca capacidade de ampliar para fora de seu eleitorado tradicional.

Mas atenção ao “ainda”. As apostas a favor da fragilidade de Bolsonaro têm insistido em não se pagar. Uma das últimas balas na cartucheira é acreditar que ele não resistirá à disparidade de tempos de televisão. Será sufocado como Marina em 2014, esmagada que foi pelo ataque simultâneo do PT e do PSDB, que naturalmente preferiam um ao outro na decisão.

Se o absenteísmo (brancos, nulos e ausências) alcançar 33%, quem tiver 20% dos votos baterá em 30% dos válidos. E estará com um pé na final. Bolsonaro precisa pelo menos manter-se. O PT tem de transferir dois terços do voto de Lula. Alckmin precisa lipoaspirar Bolsonaro e/ou esvaziar Marina e Álvaro. Ciro, Marina e Álvaro precisam tirar coelho da cartola.

Mas quem consegue, em algum cenário, 10% ou pouco menos tem o direito de acreditar que chegará aos 20%. E com isso passar ao segundo turno. Ou seja, uma meia dúzia de candidatos veem-se atravessando a primeira barreira e chegando a 28 de outubro em boa situação de vitória. Difícil convencer alguém a desistir num cenário assim.

O grande político, que às vezes ganha o direito de ser chamado de “estadista", consegue colocar em primeiro lugar seus próprios interesses dando a impressão de estar apenas preocupado em defender os interesses dos outros. Só que agora está difícil. Vamos aguardar a campanha para ver quem consegue desgarrar do pelotão, para adiante.

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Terminadas as preliminares, vem aí uma certa travessia do deserto, o período entre o fechamento das chapas e o início dos programas e propagandas no rádio e na TV. Vai ser uma oportunidade de verificar o real poder da internet na comunicação dos candidatos. Será que vai haver alguma movimentação relevante nas pesquisas?

Eu apostaria que não.

domingo, 5 de agosto de 2018

Governo Geisel ajuda a entender problemas do próximo presidente

O 4º presidente militar do ciclo de 1964, general Ernesto Geisel, tinha um projeto: recuar a tropa aos quartéis e legar uma institucionalidade de ares democráticos e sustentável. A intenção era não deixar possibilidade real de a esquerda chegar ao poder.

Nesse cenário, as eleições de 1974 aconteceram num ambiente paradoxal: enquanto o regime matava os militantes da esquerda, armada ou política, a campanha eleitoral transcorria em razoável liberdade.

A história conta que o plano não deu tão certo assim. O regime duraria ainda uma década, mas aquelas eleições contrataram não apenas seu fim, inviabilizaram sua institucionalização.

A desaceleração depois do milagre econômico e o repique inflacionário, provocado também pelo primeiro choque do petróleo, contribuíram para o MDB conseguir ampla vitória na eleição do Senado e mais de um terço das cadeiras na Câmara. O partido era a única oposição legal.

O resultado bloqueou que o governo fizesse no Congresso reformas constitucionais sem apoio da oposição. Além disso, deixou claro que eleições razoavelmente livres eram um risco.

Na reação, a resposta do regime à derrota de 74 foram seguidos “casuísmos”, manobras para conter o voto oposicionista e seus efeitos práticos. A começar pela chamada “Lei Falcão”, que limitava a propaganda eleitoral a fotos e currículos de candidatos.

Depois veio o Pacote de Abril, um conjunto de medidas antidemocráticas, mas este artigo não pretende comparar aquele período e o atual. As diferenças são evidentes. O objetivo aqui é outro: entender a dificuldade de estabilizar pacificamente um cenário de contradição aberta, entre o que o governo faz, ou quer fazer, e o que o eleitorado quer que ele faça.

Num exercício teórico, teria sido mais fácil para o antecessor de Geisel, Emílio Garrastazu Médici, institucionalizar o regime. No governo dele o PIB cresceu ao que se chama hoje de “ritmo chinês”, mas o foco dos militares ainda era eliminar a resistência armada.

Quando finalmente veio a distensão, a economia tinha parado de “bombar” e o povão ficara mais vulnerável aos argumentos oposicionistas. A resposta surgiu na urna e depois na rua, com o resultado conhecido.

O mau desempenho econômico do governo Michel Temer é um pilar que sustenta a tese de Lula ser vítima de conspiração, de uma tramoia urdida para impedir que dispute e ganhe. A consequência é imediata: o próximo governo já nascerá maculado pelo deficit de legitimidade.

Se der a esquerda, será um desafio ao sistema de poder organizado em torno da Lava Jato e porta-vozes. Se não, a esquerda articulará a resistência aos que só ganharam porque Lula foi proibido.

Como desfazer o nó? Mesmo nos Estados Unidos, paradigma de democracia capitalista de sucesso, declina rapidamente a ideia de que, passada a eleição, cabe ao vencedor governar e ao perdedor trabalhar para a ganhar a seguinte, mas sem atrapalhar muito o país.

Quanto mais no Brasil, onde a fé democrática é bem mais rala e, em meio a um mar de escândalos, o único líder de expressão nacional impedido de concorrer é Lula.

Assim como a crise econômica dos anos 70 e 80 impediu na prática a institucionalização do então regime, ou o próximo governo encontra a chave para fazer a economia e o emprego crescerem ou entrará rapidamente em processo de degradação.

Com a desvantagem, na comparação com o período Geisel, de não ter os instrumentos autoritários e repressivos para pelo menos reduzir a velocidade do processo. E aí aparece uma dificuldade adicional.

Qualquer plano de retomada econômica precisará atacar os privilégios da burocracia estatal e as benesses ao empresariado. Mas como fazer isso se a aliança de um certo empresariado com certa burocracia tem sido a espinha dorsal do bloco de poder pós-2016? Se foi esse pessoal que deu a contribuição decisiva para tirar o PT do Planalto? A direita apoiaria a esquerda no ataque aos privilégios do Judiciário e do Ministério Público? E a esquerda ajudaria os algozes políticos a colocar o poder paralelo de volta na garrafa?

Difícil.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br