segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Futurologia

O balanço das eleições municipais está bastante focalizado no desempenho dos partidos, o que é natural quando a preocupação maior é conectar o que se passou agora com o que vai se passar daqui a dois anos. Então lá vai um exercício de futurologia.

O Congresso Nacional, mais dia menos dia, vai tomar medidas que estabilizem a relação dívida/PIB, e o país não escorregará para a retomada inflacionária. Mas, depois de voltar ao patamar em que estava antes da pandemia, a economia vai crescer lentamente, devido antes de tudo às baixas taxas de investimento e à fraqueza do mercado interno.

Jair Bolsonaro chegará em 2022 bastante competitivo para ocupar uma vaga no segundo turno, e aí vai depender da amplitude da frente que se formar contra ele na reta final. Neste ponto, será ajudado pela dificuldade de unir a direita não bolsonarista e a esquerda.

Essa união aconteceu no Rio, em em menor grau em Fortaleza e em Belém, mas foi exceção. E o principal entrave é cristalino: os partidos precisam cuidar de sobreviver, ainda mais com o progressivo garrote da cláusula de barreira.

Ou seja, a formação de uma frente antibolsonarista depende bastante de as diversas facções terem espaços razoáveis de sobrevivência. Não será trivial.

domingo, 29 de novembro de 2020

Os caminhos de cada um para 2022

Eleições municipais precisam sempre ser vistas, antes de tudo, pelo ângulo local. Dito isso, é razoável tentar fazer a leitura do que elas podem antecipar sobre os caminhos da eleição geral, daqui a dois anos. Uma análise possível de ser feita a partir das situações em que os campos estiveram mais claramente expostos ao eleitorado. E as urnas do segundo turno de 2020 deixaram claro que cada um dos grandes blocos tem seu caminho para triunfar em 2022.

São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, mostraram bem o potencial de candidatos ditos centristas que procuraram se descolar da direita mais explícita. No Rio com mais facilidade, por o postulante do Democratas carregar um histórico de alianças com a esquerda. Mas mesmo em São Paulo isso funcionou em algum grau. A disputa ajudou a passar momentaneamente uma borracha na memória do “BolsoDoria”.

As duas megalópoles mostraram também que, mesmo nos centros nevrálgicos do bolsonarismo de dois anos atrás, a esquerda e o centrismo dito de esquerda voltaram a mostrar competitividade. Mais em São Paulo, onde a convergência se acelerou ainda no primeiro turno. Mas também no Rio, onde a soma dos resultados das candidaturas do PT, PSOL e PDT tinha claro potencial de passagem à decisão.

O cirismo tem seus bons trunfos para uma eventual mesa rumo à sucessão presidencial. Montou candidaturas competitivas em São Paulo e Rio, que não chegaram ao segundo turno mas exibiram massa crítica, e provou-se capaz de agregar com alguma naturalidade a frente progressista em Fortaleza. E operou uma aliança sólida no centro nevrálgico do PSB, em Pernambuco. Isso certamente será levado em conta lá na frente.

O Democratas já tinha ido bem no primeiro turno, assim como os partidos do chamado centrão, que cresceram no plano municipal num grau que permite antecipar a força deles na próxima legislatura na Câmara dos Deputados. Serão parceiros cobiçados na corrida de 2022, ainda que dinheiro e tempo de televisão não sejam mais tão decisivos quanto eram antes de 2018. Mas sempre têm sua importância. E musculatura política nunca é demais.

Na esquerda, a ida de numerosos candidatos aos segundos turnos e a competitividade em cidades tão diferentes como Porto Alegre, São Paulo, Vitória, Recife e Belém mostrou que o jogo está aberto para as forças ditas progressistas para um protagonismo próprio em 2022. A novidade é que o PT vai precisar negociar, pois seu direito de indicar o candidato não é mais automático, longe disso.

Sem um acordo prévio, é real a possibilidade de a esquerda ficar fora do segundo turno.

Pois nunca se deve esquecer que o bolsonarismo mostrou nas eleições estar bem vivo. Teve dificuldades nos segundos turnos, mas colocou candidatos competitivos em vários lugares e o presidente mantém seu um terço de bom e ótimo e cerca de 40% de aprovação. E isso o coloca, se mantidos os índices, com um pé e meio no segundo turno daqui a dois anos. E ele ainda tem a possibilidade real de aliar-se com os partidos do dito centrão.

Por isso, por enquanto, a disputa que existe é para saber quem vai ser o adversário dele.

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Caged x PNAD

Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o Brasil criou em outubro 395 mil vagas a mais de emprego formal do que eliminou. Um recorde absoluto para um mês na série histórica que vem desde 1992 (leia).

Mas segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), o desemprego já aflige 14,6% dos brasileiros. É o resultado do 3º trimestre de 2020. Uma alta de 1,3 ponto percentual sobre o trimestre anterior. Também é a maior taxa da série histórica com a metodologia atual, iniciada em 2012 (leia).

O governo bate bumbo com o primeiro número, e naturalmente a oposição cuida de divulgar o segundo. Mas quem está certo, afinal? Provavelmente ambos.

A retomada dos empregos em carteira parece robusta, e há alguma possibilidade de 2020 acabar zerado na criação versus destruição de empregos formais. Mesmo que o saldo final seja algo negativo, se o número for pequeno será uma conquista e tanto em ano de Covid-19 descontrolada por aqui.

Mas o desemprego também cresce, porque tem mais gente procurando emprego e o mercado não absorve. É uma consequência da metodologia.

O fato é que a economia parece retomar. A dúvida é se, e quanto, ela vai resistir no pós- pandemia ao fim do auxílio emergencial e das demais medidas de emergência.


E o que vem depois da eleição?

O dado óbvio a olhar daqui por diante, definido o quadro municipal, serão as pesquisas de popularidade do presidente da República. Não há como imaginar a sucessão de 2022 sem esse eixo de organização do pensamento. E sem base orgânica, o chefe do governo depende disso mais do que o normal. A outra variável? Como os partidos resolverão o dilema entre a necessidade de fazer bancadas de deputados e a vontade de ter candidaturas à Presidência.

O sistema partidário brasileiro funciona de modo peculiar. Talvez seja caso único no mundo em que uma constelação de legendas, nenhuma com massa crítica para construir sua hegemonia, migra da órbita de um personagem político para a do outro, e sempre submetidas à força gravitacional do poder. E depois das eleições submetem o poder à força gravitacional delas quando se reúnem no Congresso Nacional.

No campo governista, dos partidos que concordam no essencial com a agenda do Palácio do Planalto, é razoável supor que se Jair Bolsonaro chegar a 2022 competitivo nas simulações eleitorais terá uma possibilidade bem razoável de atrair boa parte das agremiações que se deram bem nacionalmente nesta eleição municipal, também e principalmente pelo acesso privilegiado de seus parlamentares ao Orçamento Geral da União.

Aliás, mesmo que o presidente esteja enfraquecido, essas legendas poderão aliar-se a ele para garantir as posições na máquina durante o período eleitoral, e conforme o andar da carruagem cristianizá-lo na campanha. Não chegaria a ser novidade. Esse poder de barganha dos partidos anda meio relativizado desde que o horário eleitoral no rádio e tv não se mostra tão vital assim, mas continua sendo uma variável a considerar com seriedade.

Inclusive porque cada partido que você atrai é menos um para engrossar as fileiras da concorrência.

A principal luta de Jair Bolsonaro nos ensaios para 2022, sabe-se, deve ser contra os que o apoiaram em 2018 mas preferem uma alternativa própria. E os segundos turnos municipais mostram que essa facção tem uma vantagem na disputa da pole-position antibolsonarista. Tem mais facilidade para receber o voto maciço da esquerda do que quando precisa retribuir.

Para a esquerda, a equação apresenta múltiplas variáveis em aberto. Ao contrário da miríade das legendas da direita, ela precisa se preocupar seriamente com o atingimento da cláusula de desempenho na eleição para a Câmara dos Deputados. E, também ao contrário do campo oposto, chegará a 2022 sem o controle da máquina federal e desidratada de máquinas na maior parte do país. Qual será então a melhor fórmula para ela?

Uma possibilidade é buscar desde logo a convergência para lançar candidaturas majoritárias competitivas e ancorar os diversos partidos nesses projetos mais robustos. Ou vai ser o cada um por si, como foi na maioria das disputas municipais? É uma dúvida cruel. E os números finais deste novembro eleitoral precisarão ser analisados com lupa por quem, daqui a dois anos, terá como principal desafio não cair para a Série B da política.

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Publicado originalmente na revista Veja edição 2.715 de 2 de dezembro de 2020

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Deixou de ser assunto?

Os índices de sucesso de prefeitos e vereadores candidatos à reeleição ou a outro cargo parecem ter voltado ao patamar costumeiro, entre 50 e 60% (leia), depois de uma certa queda em 2016. Eis mais um sinal do possível cansaço com a chamada nova política.

Mas a melhor indicação da mudança é um fato observável sem a necessidade de fazer conta. A nova política deixou de ser assunto. Talvez porque em meio a uma pandemia experimentações extremas não sejam tão atraentes. Ou talvez porque tenha cansado mesmo.

Ou uma combinação das duas coisas.

Vamos então aguardar mais sinais neste segundo turno, no domingo. Mas, regra geral, e mesmo quando estão no páreo propostas de renovação política local, as disputas se dão entre personagens conhecidos.

Em 2020, a nova política está com cara de bananeira que já deu cacho. Será uma sinalização para 2022?

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Via de uma mão só?

Os cenários da reta final deste segundo turno trazem pelo menos uma constatação. Há alguma facilidade de os votos, partidos e personalidades da esquerda convergirem para o apoio a uma frente ampla antibolsonarismo, mas não se nota a mesma disposição nos demais antibolsonaristas.

Um exemplo da primeira tendência são o Rio de Janeiro e Fortaleza. Nos cariocas, até o PSOL recomenda apertar o 25 do Democratas. Na capital cearense, a convergência em torno do candidato cirista deixou em segundo plano os ressentimentos cultivados no afastamento entre Ciro Gomes e o PT.

Mas o contrário se nota, por exemplo, em Belém e Vitória, onde os candidatos antibolsonaristas são, respectivamente, do PSOL e do PT. Nesses dois lugares, a prioridade do centrismo continua sendo, aparentemente, derrotar a esquerda.

Uma via de mão única.

Aguardemos a urna. Mas desde já é razoável prever que, diante dos resultados, os que apoiaram Jair Bolsonaro em 2018 e agora procuram seu próprio caminho apresentem-se como a melhor opção para a troca de guarda em 2022.

A dificuldade? A esquerda está mostrando, aqui e ali, músculos para ao menos disputar com chances uma vaga no segundo turno daqui a dois anos.

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Possível, mas improvável

É possível que passadas as eleições os eleitos e os demais governantes se concentrem na tarefa de gerir uma situação complicada no aspecto sanitário e ainda não resolvida no aspecto econômico. Aliás, está demonstrado que controlar o primeiro fator é condição indispensável para ajudar o segundo.

É possível, mas, analisadas as coisas pelo ângulo da racionalidade, não chega a ser provável. O desfecho da eleição municipal deve ser a largada de uma fase mais aguda dos preparativos para a disputa presidencial daqui a dois anos.

O que ameaça dificultar mais ainda uma ação coordenada entre o governo federal e os estados no enfrentamento da Covid-19. Cujas taxas de transmissão voltam a subir, segundo o mais novo estudo divulgado pelo Centro de Controle de Epidemias do Imperial College, de Londres (leia).

Os dados são consistentes com uma alta detectada por aqui de casos e mortes pela doença. E chegam num momento de intensa disputa entre as esferas da federação sobre a vacina. O aspecto positivo? Talvez a concorrência entre as vacinas seja boa, se o resultado for uma maior disponibilidades delas.

Vamos torcer.


segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Tarefa para profissionais

A indicação de John Kerry à posição de enviado especial de Joe Biden para assuntos do clima acaba de desenhar o quadro que já se previa complexo para o Brasil diante da nova administração norte-americana. 

Entre os temas que o novo presidente dos Estados Unidos poderia escolher para buscar restabelecer alguma hegemonia global, este era o mais óbvio.

Ainda que no ponto específico talvez haja mais alinhamentos do que desalinhamentos com a China.

Não é o caso do Brasil. Por aqui, Jair Bolsonaro estará logo logo sob pressão para decidir como encarar o desafio, dado o Brasil ter se colocado como alvo óbvio de ações norte-americanas que se pretendam exemplares. 

Um "sitting duck", para usar a terminologia militar (aqui a explicação).

De duas uma: ou o Brasil se dobra ao diktat de Washington ou busca relativizar o alinhamento estratégico com os americanos. Ou tenta achar um ponto intermediário, enquadrando-se mas livrando a cara aqui dentro no aspecto sempre sensível da soberania.

Uma tarefa para profissionais.

sábado, 21 de novembro de 2020

As dúvidas sobre o frentismo em 2022

Confirmou-se que o primeiro turno das eleições municipais trouxe a capilarização dos partidos da base do governo, e que por isso tinham, e aproveitaram melhor, o acesso ao orçamento federal. Viu-se também um certo movimento de continuidade, natural e esperado em meio a uma pandemia. Notou-se ainda a resiliência da esquerda, fenômeno facilmente detectável na manutenção dos votos para vereador e na votação significativa nos grandes centros.

O debate agora é sobre o que o resultado de 2020 projeta para 2022. Com os necessários cuidados, pois não há transposições mecânicas. E falta muito tempo político. Feitas as ressalvas, a dúvida que fica é sobre os possíveis blocos e alinhamentos. E para esse debate é útil a observação do que vai se dar no segundo turno, daqui a uma semana. Pois ficará claro o estágio atual da disposição dos diversos atores para alianças e formação de coalizões. Informação essencial para definir a tática.

Já está explícito, por exemplo, que mesmo as frações mais resistentes a alianças e frentismos na esquerda estão dispostas a votar em qualquer candidato não bolsonarista para derrotar o bolsonarismo. A opção do presidente da República por manter o discurso e a prática alinhados ao que podemos chamar de núcleo ideológico facilita um agrupamento quase automático de forças contrárias quando só há duas opções.

Mas, atenção, desde que o adversário seja palatável aos que em 2018 votaram Bolsonaro ou se abstiveram, e agora procuram outro caminho.

E se em 2022 o presidente for ao segundo turno contra alguém da esquerda? Neste momento, não é excessivo supor que ele deverá arrastar de volta pelo menos uma parte dos arrependidos. Ou será que não? Duas das disputas neste segundo turno são um termômetro para tirar a dúvida. Vitória (ES), onde o PT está no segundo turno, e Belém, onde o adversário do candidato bolsonarista é do PSOL.

Em Fortaleza, o cirismo parece ter formado com facilidade a frente antibolsonarista. Veremos o resultado na urna. Mas, e em Vitória e Belém, o autonomeado centrismo ficará de que lado?

De todo modo, 2022 projeta forte pulverização de candidaturas majoritárias, pelos menos das forças com pouco acesso a orçamentos públicos. Porque o voto majoritário é uma ferramenta preciosa para puxar o voto proporcional, e não custa lembrar sempre que daqui a dois anos a cláusula de desempenho na votação para a Câmara dos Deputados estará colocada alguns centímetros acima do que em 2018.

E a votação para deputado federal, além de definir se o partido fica na Série A ou cai para a B, acaba também definindo quanto a legenda terá de espaço no horário eleitoral e verba do fundo eleitoral em 2024 e 2026. Não é pouca coisa em jogo.

Portanto, é ilusão imaginar alianças muito amplas na largada. Cada um precisará caminhar com suas próprias pernas. Talvez haja alguma convergência entre MDB, PSDB e Democratas, notam-se ensaios. E entre as legendas do chamado centrão, estrito senso, e talvez em torno do presidente da República. O que dependerá, obviamente, da popularidade de Jair Bolsonaro quando chegar a hora de tomar as decisões.

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Problemático novo ano

Estamos chegando ao final do ano, então as projeções começam a convergir para a realidade dos fatos. Aliás, não é tão complicado assim fazer em novembro previsões para o ano que está acabando, não é?

Bem, hoje, mais uma vez, o governo ajustou sua previsão para o déficit primário (receitas menos despesas antes do pagamento de juros) em 2020 (leia). Pelo jeito, a coisa vai girar em torno de 850 bilhões de reais. Uma ordem de grandeza de dez vezes a previsão orçamentária inicial.

Claro que a responsabilidade foi da Covid-19 e dos gastos extraordinários por ela provocados. Aliás já tem quem diga que 600 reais de auxílio emergencial foi excessivo, que algo em torno de 200 teria sido suficiente para manter a renda das pessoas e famílias.

Mas Inês é morta e o governo tem diante dele o desafio de fazer o pouso suave do auxílio, previsto para acabar na passagem do ano. Conseguirá? Além de tudo, há também a barafunda congressual, onde não se consegue instalar a Comissão de Orçamento, por causa da guerra na sucessão das Mesas.

Quando acabar o entretenimento eleitoral municipal, o novo ano trará problemas graúdos. Sem contar que ainda não há luz no fim do túnel da Covid.


quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Em busca de uma explicação

Enquanto por aqui os políticos, especialmente onde há segundo turno, procuram relativizar a possibilidade de estarmos vivendo a formação de uma segunda onda de casos e mortes pela Covid-19, em Nova York as escolas voltarão a ser fechadas para tentar estancar o avanço da doença (leia).

O SARS-Cov-2 parece mesmo bem resiliente. E faz sentido se usarmos uma lógica até relativamente simples. Mundo afora, as curvas declinaram por uma combinação adequada de um certo grau de imunidade coletiva com algum índice de isolamento e distanciamento social.

Daí o isolamento e o distanciamento foram naturalmente atenuados, até pela duração das medidas, e o vírus voltou a circular mais fortemente e a mais facilmente encontrar receptores sensíveis à infecção. O resultado são as curvas ascendentes mundo afora.

Sem contar situações como a da Argentina, que apesar do duríssimo e extensíssimo lockdown já supera o Brasil na contabilidade de mortos por milhão de habitantes. Um caso ainda em busca de alguma explicação.

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

A chave da vitória

Quase ninguém está prestando atenção, mas a apuração dos votos continua na eleição para presidente dos Estados Unidos. No estado de Nova York, por exemplo, falta apurar mais de 10% dos votos. 

Daí poucos atentarem para o fato de Joe Biden estar recolhendo, por enquanto, uns 13 milhões de votos a mais que Hillary Clinton em 2016. E Donald Trump estar contabilizando mais de 10 milhões de votos sobre o obtido quatro anos atrás.

E no fim das contas, segundo os números nos estados (leia), talvez as pesquisas não tenham errado tanto assim.

O voto antecipado e o voto pelo correio, além do registro maciço de novos eleitores, deu ali o "drible da vaca" (expressão antiga do futebol) na Covid-19. Já por aqui, a abstenção subiu. Se foi a pandemia ou o desinteresse crescente pelas eleições, ainda não está claro.

Uma coisa é certa: cada vez mais, o desafio para partidos e candidatos será fazer o eleitor votar. O acréscimo, ou decréscimo, no eleitorado ativo de cada um tende a ser a chave para a vitória.

terça-feira, 17 de novembro de 2020

O número que mais explica

É da natureza humana escolher os fatos que corroboram nossas teses, e ignorar os que não. Tem sido assim nesta eleição. Uns destacam o número de prefeituras conquistadas. Outros, em quantas grandes cidades o partido foi competitivo. Outros ainda, que campo ideológico prevaleceu.

Qual número você prefere? Eu prefiro os votos recebidos na eleição de vereador. É o dado que mostra a real inserção de cada legenda. Pois o partido pode não ter lançado candidato a prefeito, pode ter indicado o vice, pode não ter eleito vereador mesmo com uma boa votação na legenda, por não ter feito o quociente.

Mas para medir a capilaridade, só a votação dos vereadores.

E o que dizem os números (leia)? O DEM, o PSD, o Republicanos (ex-PRB), o PL (ex-PR) e o Progressistas (ex-PP) cresceram bem, o PSDB e o MDB caíram, o PT ficou mais ou menos como estava. Isso entre as maiores legendas. 

Em algum grau, essa contabilidade vai se refletir na eleição proporcional daqui a dois anos.

Ou seja, cresceram os partidos mais estruturados do campo governista, as legendas com mais acesso ao Orçamento Geral da União. Não só por caisa disso, claro. Mas com certeza ajudou bem.


segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Ainda sobre a eleição

A eleição municipal evidenciou que o movimento rumo à direita das urnas de 2018 capilarizou nas cidades. E saíram-se bem os partidos que conseguiram surfar nas duas ondas, a ideológica antiesquerda e a das relações privilegiadas com quem tem as chaves do Orçamento Geral da União.

Era previsível, e foi previsto, que as legendas do chamado centrão, portanto, estivessem em posição privilegiada para a colheita municipal da semeadura feita por Jair Bolsonaro dois anos atrás. Ganhando terreno inclusive dos fugazmente (2016-18) hegemônicos (P)MDB e PSDB.

E a esquerda viu prosseguir seu desgaste, inclusive porque a onda conservadora passou a varrer o Nordeste, também como efeito da troca de guarda na máquina federal. Mas a esquerda permanece entrincheirada, e ensaia algum protagonismo no Sul-Sudeste, mesmo ainda longe de virar o jogo.

E 2022? Se Bolsonaro retiver a capacidade hegemônica sobre seu campo, esse "centro" agora vitaminado não terá como deixar de endossá-lo, nem que seja num eventual segundo turno. A principal ameaça, por enquanto? Os ensaios de um "bolsonarismo sem Bolsonaro".

Um pessoal que aliás tem motivos para comemorar o resultado das urnas.

domingo, 15 de novembro de 2020

A escolha do previsível

Uma leitura inicial dos resultados do primeiro turno da eleição municipal deixa claro que o eleitorado escolheu o previsível, não o imprevisível, e o conhecido, não o desconhecido. As exceções confirmam a regra. Cada um tem sua própria hipótese a provar, e a minha é que o grande eleitor até agora neste processo eleitoral é a Covid-19. Na emergência, a população vem deixando claro não estar muito a fim de experimentação.

Se os políticos e os analistas gostam de olhar os fatos à luz da régua puramente política, os critérios do povão costumam ser de outra ordem. A escolha de um governante se dá medindo em primeiro lugar a relação custo/benefício. E em época de pandemia, com o corolário de dificuldades econômicas, as urnas estão produzindo nomes que prometem menos nas palavras e mais na trajetória, mais identificados com soluções e menos com blábláblá.

O paralelo imediato é com situações de guerra. E não é exagero dizer que estamos no meio de uma, com sua trágica contabilidade de mortes e destruição de forças produtivas. Neste segundo caso, o impacto vem sendo atenuado pelas medidas excepcionais, e que já começam a minguar. Com o esperado efeito na popularidade do governo federal. Ele faturou quando abriu para valer as comportas do orçamento, e agora está ameaçado pelo contrafluxo.

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O espírito prático do eleitor e a desconfiança sobre embarcar no desconhecido ficam também comprovados pelo desempenho apenas relativo, e põe relativo nisso, dos assim chamados padrinhos. Desta vez ter o apoio de grandes líderes políticos não fez tanta diferença assim. Em todos os lados do espectro. Mas, cuidado: se em 2022 a tendência de escolher o certo e não o duvidoso repetir-se, os líderes talvez voltem a pesar mais.

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Há as diversas contabilidades em jogo. Cada um defende a sua. Quem ganhou mais capitais. Quem vai governar mais eleitores. Quem ganhou mais governos e eleitores a governar nas grandes cidades. Quem elegeu mais prefeitos, ou vereadores. Mas novamente cuidado: qualquer conta deve levar em consideração o fato de o sistema partidário vir sendo implodido desde 2014, e esta eleição municipal foi apenas mais uma evidência explícita do fenômeno.

Foi uma eleição que se deu em torno de nomes, e não de siglas. Diferente de movimentos nos ciclos anteriores, não há uma onda partidária crescendo. Em 2018 havíamos tido, pelo menos, ondas de partidos informais, como o da “nova política” e o da segurança pública. Desta vez nem isso. 2018 implodiu o edifício da Nova República. 2020 acaba de exibir o cenário dos persistentes escombros, pois não há qualquer esforço de reconstrução.

Há previsões sobre uma convergência partidária a partir de agora. Mais provável é que o movimento real venha mesmo a partir de 2022. É quando começa a ter peso maior a cláusula de barreira para que os partidos possam ter acesso ao horário eleitoral, às verbas públicas e ao funcionamento parlamentar.

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

O PIB, o auxílio e a política

E a prévia do crescimento do Produto Interno Bruto no 3o. trimestre veio melhor que as previsões (leia). Boa notícia para o governo. Dependendo de como estiver a recuperação em janeiro, o tranco político do fim do auxílio emergencial será mais ou menos sentido.

O ministro da Fazenda até admitiu a continuidade do auxílio, num desembolso governamental menor, se houver mesmo uma segunda onda da Covid-19. Mas o presidente da República reagiu hoje negando a ameaça de repique do novo coronavírus. Vamos, como sempre, aguardar pelos fatos.

Domingo tem eleição nos municípios. Dependendo do desempenho, no primeiro e no segundo turnos, dos candidatos apoiados pelo Planalto, o ambiente político irá variar para mais ou menos turbulento. 

Não que os novos prefeitos tenham musculatura para brigar com Brasília. Mas a oposição, nas suas diversas cores, pode se animar. As pesquisas dão alguma indicação do que vai acontecer. Mas a esta altura já deveria ser sabido que as pesquisas são úteis, mas bom mesmo é aguardar o resultado da urna.

O Itamaraty tem o know-how

O poder militar depende também da força não propriamente armada. Precisa, antes de tudo, de algum consenso interno. Os pais devem estar convencidos da justeza de mandar os filhos arriscarem a vida. E precisa de justificativas morais. Pode ser levar a “civilização” para subjugar a “barbárie”, como foi o caso na expansão colonial. É um exemplo. Há muitos.

Todo país que guerreia procura fundamentar a ação em valores morais, de preferência universais. Chamou a atenção no discurso inaugural do presidente aritmeticamente eleito Joseph Biden ele lembrar que os Estados Unidos devem liderar pela força do exemplo, não pelo exemplo da força. O problema é que a primeira costuma precisar do segundo.

Enquanto o imbróglio jurídico-político agita os EUA, sobra nas nossas paragens um tempinho para o Brasil ver como vai navegar nos novos ventos da geopolítica global. E aqui aparece um ponto imediato, diretamente relacionado ao esforço de reconstrução da “superioridade moral” norte-americana, necessário para tentar retomar sua contestada hegemonia.

Biden tem assuntos difíceis para cuidar. O mais visível é a Covid-19. O mais difícil é como impedir a China de continuar abrindo vantagem econômica e tecnológica. O primeiro desafio uma vacina deve resolver, e a dúvida não é “se”, mas “quando”. Já o segundo é bem mais complicado. E Donald Trump terminou ajudando a complicar mais.

A guerra comercial trumpista contra os chineses acabou dando a Beijing um argumento definitivo para buscar o que ainda não possui de autossuficiência tecnológica e científica. E não esqueçamos que a China dispõe de um mercado interno suficiente para resistir ao fechamento de mercados externos. É um adversário cada vez mais duro de roer.

E tem também as guerras eternas, frias ou quentes, no Oriente Médio. Um mérito de Trump, até o momento em que esta coluna estava sendo escrita, foi não ter começado nenhuma. Haverá na sociedade americana disposição para reenveredar por uma política à George W. Bush? Mesmo sem um novo World Trade Center? Difícil.

Tudo muito complexo. Entretanto, há uma frente mais fácil, na qual Biden enfrentará menos resistência para avançar. Depois que ele arrebatou a decisiva Pensilvânia mesmo com os republicanos acusando-o de querer acabar com os combustíveis fósseis, o caminho está aberto para centrar fogo na política ambiental.

E neste ponto o Brasil arrisca deixar-se encaixotar no papel de sparring. O quadro internacional para nós é ruim. E basta ver a crescente de políticos locais, da esquerda à direita, oferecendo-se a Biden em troca de um eventual apoio, ou simpatia, em 2022, para notar que agora o bolsonarismo precisará travar a guerra em duas frentes. Sempre complicado.

Mas o Brasil tem trunfos. Se precisa dos Estados Unidos, estes também precisam do Brasil. E se há uma disputa geopolítica global, os não-protagonistas podem e devem usar a inteligência para equilibrar-se e buscar ganhos. Já fizemos isso em outras épocas. Não precisamos inventar. Competição e cooperação não são antagônicos. O Itamaraty tem o know-how. Só tirar do arquivo morto e usar.

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Publicado originalmente na revista Veja edição 2.713 de 18 de novembro de 2020

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Cansaço

O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) resumiu bem. Podemos estar cansados do vírus, mas o SARS-CoV-2 não está cansado de nós (leia). A assim chamada "segunda onda", que toma a Europa e dá sinais de querer desembarcar por aqui, é uma prova.

Já os Estados Unidos não chegaram nem a sair da primeira, e agora o novo coronavírus repete a história daquele país em sua marcha para o oeste. E lá, como em todo lugar, é crescente a resistência a quem propõe repetir as medidas dásticas adotadas na largada da doença.

Já está razoavelmente estabelecido que o controle das curvas de casos e mortes, enquanto a vacina não vem, depende de uma combinação ótima de alguma taxa de imunidade na população e medidas eficazes de isolamento social, ou pelo menos distanciamento, já que o isolamento absoluto é inviável.

Mas isso depende por sua vez de um alto grau de gerenciamento e capacidade política de produzir consensos em torno de sacrifícios à coletividade. Neste Brasil dilacerado pela disfuncionalidade política, isso está mais próximo de ser utopia.

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Foco no eleitor

E segue o bate-boca sobre os resultados da eleição nos Estados Unidos. A tal ponto que o estado da Georgia decidiu que vai ser manual a recontagem obrigatória dos votos para presidente, porque a diferença foi menor que 0,5% (leia). São uns cinco milhões de votos para recontar.

Já o The New York Times decidiu fazer jornalismo e destacou seus repórteres para perguntar às autoridades nos 50 estados, democratas ou republicanos, se há algum indício de fraude. Não acharam nada, em lugar nenhum (leia). E haja fake news...

Tem muitas boas histórias nesta eleição americana, para além do bate-boca. Uma, do jornal online Vox, mostra como os votos dos native-americans Navajo vêm ajudando o democrata Joe Biden a ser o possível vitorioso (a contagem está apertadíssima mas ele lidera) no tradicionalmente republicano Arizona (leia).

Eleições são mesmo uma oportunidade para o jornalismo. Especialmente porque, tirando as pesquisas, sempre sujeitas a margens de erro, as eleições são um dos únicos momentos em que o jornalismo tem a oportunidade de se debruçar sobre o que acha o eleitor, e não só sobre o que pensam os políticos.


terça-feira, 10 de novembro de 2020

Primeiro turno

O primeiro turno está chegando, e as disputas principais são duas. O presidente Jair Bolsonaro luta para colocar aliados nos segundos turnos das principais capitais, para assim ter oportunidade de beliscar vitórias estratégicas. Mesmo que não consiga a vitória na rodada decisiva, terá mostrado força.

A segunda luta, esta bem renhida, é entre os partidos componentes de uma potencial "frente progressista", legendas que estão em um momento muito próprio. De disputa feroz pela hegemonia em seu campo. Se faz ou não sentido diante do quadro político concreto, é outro problema.

Uma curiosidade que só será dirimida na apuração é quanto de fato os chamados "padrinhos" pesam nesta eleição municipal. Por enquanto, parece que não muito. Mas cautela nunca é demais. De todo modo, o eleitor parece estar mais preocupado com os nomes do que com quem os apoia.

Não só com nomes. O eleitor parece em busca de gente com capacidade operacional. Se for isso mesmo, tem lógica. Em meio a uma pandemia, esvaziou-se um pouco o charme das experimentações. E valorizou-se a capacidade de promover realizações.


segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Balão de ensaio

Enquanto as notícias sobre vacinas agitam o público e o mercado financeiro, e enquanto a equipe de Joe Biden quebra a cabeça para apresentar um plano de contenção da resiliente Covid-19 nos Estados Unidos, o jornal online Axios informa que Donald Trump lança os primeiros balões de ensaio de uma candidatura presidencial em 2024 (leia).

As regras norte-americanas limitam a dois os mandatos presidenciais de um indivíduo, mas não precisam ser consecutivos. Daí que Trump, enquanto luta para colocar umas pedras jurídicas no caminho de Biden, cuide de manter preservado seu capital no Partido Republicano. E tem mais: a filha Ivanka também está de olho no cargo, claro que nunca concorrendo com o pai.

Comprova-se aqui mais uma vez a regra básica de que políticos podem até ser obrigados a aceitar uma derrota eleitoral, mas sempre estarão dispostos a ir à guerra para manter o controle da tribo. Pois se do lado de lá estão os adversários, as verdadeiras ameaças moram mesmo é dentro de casa. No caso, a casa do Partido Republicano.

sábado, 7 de novembro de 2020

O que decidiu: a pandemia e George Floyd

Donald Trump ainda não aceitou a derrota, é possível que a luta nos tribunais se arraste, mas a contagem puramente numérica dos votos aponta vantagem decisiva de Joe Biden, o presidente aritmeticamente eleito dos Estados Unidos. A surpresa foi, e ainda vem sendo, a tensão nas apurações, tensão de origem mais política que aritmética. Causada principalmente pelo ineditismo do número de votos pelo correio. “Culpa” da Covid-19.

A luta pelo poder nos Estados Unidos interessa ao mundo, por razões óbvias. Para nós aqui, será particularmente útil tentar fazer alguma análise mais aprofundada, dado o sabido paralelismo entre as duas correntes atualmente no governo nos dois países. Saber o que aconteceu, ou não, por ali, pode dar algumas pistas de eventuais desdobramentos no Brasil nas eleições presidenciais de 2022.

Em primeiro lugar, deve-se notar que Donald Trump não sofreu erosão na sua base desde que se elegeu. Ao contrário, está recolhendo algo da ordem de sete milhões de votos a mais do recebido quatro anos atrás. A maciça campanha democrata pelo voto parece, curiosamente, ter atingido positivamente também o adversário. O problema de Trump: Biden vem recebendo cerca de nove milhões de votos a mais que Hillary Clinton em 2016.

Esse é outro sinal de que Donald Trump caminhava para uma reeleição, se não tranquila, ao menos bastante provável, antes de dois acontecimentos: a pandemia da Covid-19 e a morte de George Floyd. Ambos desencadearam dois movimentos no eleitorado: uma imparável onda pelo registro eleitoral de votantes pretos e um sentimento de urgência que ajudou a convergência de todos os potenciais adversários do incumbente.

As pesquisas ao longo do ano sempre registraram uma tendência dominante de desaprovação, da ordem de 50%, mas um contingente sólido entre 40% e 45% de aprovação para Trump. Bastaria ao presidente, portanto, manter coesa sua base e impedir que a maioria desaprovadora se agrupasse em torno do adversário. Era possível, mas a maneira como enfrentou a pandemia e a morte de Floyd catalisaram com violência a convergência dos opositores.

Poderia ter acontecido sem esses dois fatos? A dúvida ficará. Há alguns meses, o Partido Democrata vinha dividido, pulverizado numa disputa interna sem luz no fim do túnel e com suas alas divididas. Ao final, convergiu para uma solução convencional, contra uma alternativa que se dizia abertamente de esquerda. Mostrou-se adequado. Teria sido assim não fossem os acontecimentos extraordinários que se seguiram? De novo, jamais se saberá.

E no Brasil? Jair Bolsonaro chegará a 2022 com um desafio parecido ao de Trump em 2020: impedir a convergência dos votos que não são em princípio bolsonaristas. Ao contrário dos Estados Unidos, a dispersão partidária por aqui ajuda. E é possível, provável, que até lá a pandemia tenha sido em grande medida controlada. E os conflitos raciais não parecem ter por aqui, até agora, o impacto eleitoral dali.

Qual será o fator decisivo daqui a dois anos? Uma candidata forte vai ser a economia. Mas, como os Estados Unidos acabam de comprovar, nunca é bom subestimar o imprevisível. Ele é sempre muito difícil de prever.

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Vai e volta

A polarização nas eleições americanas é permanente, e facilitada por um fato singelo. Ali só dois partidos disputam o poder. É como se todas as eleições fossem um segundo turno. Há situações de candidatos independentes, e mesmo de certo partido lançar mais de um candidato. Mas são residuais, e vão para um segundo turno quando ninguém alcança metade mais um.

Joe Biden é um candidato dito moderado, apoiado por uma ampla aliança que vai do dito liberalismo progressista (ou progressismo liberal, conforme a vontade do freguês) a uma esquerda de raiz. Igualmente do outro lado. Donald Trump é apoiado por uma ampla gama que vai da direita que não se envergonha de si mesma a um conservadoriamo mais liberal (ou um liberalismo mais conservador).

A isso misturam-se recortes de classe, ideologia, gênero e raça. Além da condução errática e desastrosa da Covid, Trump poderá debitar suas dificuldades eleitorais à condução que deu na trágica morte de George Floyd. Acessoriamente, os resultados no Arizona certamente refletem seu tratamento desrespeitoso a John McCain. Tudo que vai, volta.


quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Descasamento

Enquanto estamos entretidos com o vai-não vai das eleições americanas, nossos problemas permanecem estacionados aguardando solução. Uma delas é alguém dizer concretamente, e de modo factível, como o governo vai cumprir o teto de gastos constitucional em 2021.

O buraco primário em 2020 ficará em mais ou menos dez vezes o previsto no orçamento federal, por causa dos gastos com a pandemia. Eles evitaram uma catástrofe econômica mas deixam um problema: como recolocar o gênio dentro da garrafa assim de repente?

Agora um estudo acrescenta algo novo. Por causa do descasamento entre o índice previsto de correção das despesas e a taxa real de inflação, só por causa disso, o governo precisará cortar uns 20 bilhões de reais do orçamento (leia). Que aliás aguarda a solução da pendenga entre o presidente da Câmara e o centrão.

Em matéria de tecnologia para rolar problemas com a barriga, as exóticas apurações da eleição nos Estados Unidos não dão nem para o começo se confrontadas com o know-how desenvolvido por aqui no quesito de deixar as coisas para depois.

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Realidade brincalhona

A principal polêmica sobre as eleições de terça-feira nos Estados Unidos se dá em torno do voto antecipado e do voto pelo correio. Promete pano para manga e uma novela de vários capítulos. O número cresceu exponencialmente este ano por causa do medo da Covid-19.

Ali quem quis votar votou, de um jeito ou de outro. Já por aqui, o único jeito de dar o voto nas eleições municipais deste mês será ir à seção eleitoral e apertar os botões na maquininha. É muito mais seguro no aspecto eleitoral, um modelo a ser copiado, mas exigirá rigor nas medidas sanitárias.

Cada um com seu sistema e seus problemas. Ali, está a confusão a que todos assistimos. Aqui, corremos o risco de um maior absenteísmo, gente deixando de votar, com medo no SARS-CoV-2. As pesquisas mostram que pode ser quase metade do eleitorado.

Mas é melhor esperar para ver antes de concluir qualquer coisa apressadamente. A realidade costuma ser brincalhona com as conclusões muito antecipadas. Eleição após eleição, essa é uma verdade que sobrevive bem com o tempo.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Pesquisas

Gente muito ligada em política mantém com as pesquisas eleitoriais, e em menor grau com as pesquisas de avaliação dos governantes, uma relação de amor e ódio. Amam as boas e odeiam as ruins. Mais que odiar, praticam o exercício permanente do desprezo.

Infelizmente, não há por enquanto outra maneira de saber antes da abertura das urnas como anda uma eleição. O "infelizmente" fica por conta também de um detalhe: pesquisas erram. Até por isso têm uma coisa chamada "margem de erro". 

E quando o erro é ainda maior ele se explica por a pesquisa ter escapado do intervalo de confiança. Pois sempre tem uma probabilidade de a pesquisa estar errada para além da margem de erro. Então o que fazer? Como se orientar na neblina?

O melhor mesmo é acreditar em todas as pesquisas e tentar enxergar o que diz a agregação. A agregação delas para a eleição de hoje nos Estados Unidos diz que a chance de Donald Trump vencer é umas dez vezes menor que a de Joe Biden ganhar (leia).

Só que tem um detalhe: 10% não é zero. Fica a dica.

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Chamem os universitários

A vantagem de ser leigo é poder errar, ou dizer que não tem a menor ideia, sem medo de passar vergonha. Dá até para simular alguma modéstia intelectual. Agora, se você é especialista tem uma certa obrigação de tentar explicar racionalmente o fenômeno que estudou.

Alguém poderia por acaso explicar a comparação entre as três curvas abaixo (do Financial Times)? Na Europa dos rigorosos lockdowns iniciais, atribui-se a volta da aceleração ao relaxamento que seguiu ao declínio das curvas de casos e mortes. Talvez seja mesmo a razão.

Bem, mas se é assim, por que acontece o que acontece na Argentina, palco do mais longo lockdown rigoroso do planeta? Ali parece que, com algum atraso, o formato da curva é algo parecido com o do Brasil, a pátria dos lockdowns meia-boca e da volta bagunçada à normalidade.

As curvas em comparação mostram a média móvel de mortes diárias por milhão de habitantes, exatamente para evitar as distorções decorrentes dos diferentes tamanhos de população.

Com a palavra os universitários.