segunda-feira, 27 de março de 2017

Governo perde velocidade na política e na economia quando mais precisa de vitórias

O governo assistiu semana passada a um perigoso início de erosão em seus dois pilares fundamentais: o controle sobre o Congresso e a capacidade de acender a luz no fim do túnel da recessão. A lei da terceirização passou na Câmara com bem menos votos que o necessário para aprovar uma PEC. E a estimativa do PIB para 2017 foi quase zerada.

E vem aí um contingenciamento orçamentário imprevisto. Continua o desalinho entre as projeções e as receitas reais. A falta de fôlego da arrecadação mostra que, se a economia parou de contrair, há escassos sinais de uma retomada robusta no curto prazo.

A pobreza relativa de votos na Câmara aumenta o custo político de reunir apoio necessário para aprovar alguma PEC da previdência. E as seguidas concessões a grupos de pressão do topo da pirâmide agravarão, como de costume, o desequilíbrio da balança em desfavor do trabalhador comum. O que aumentará ainda mais esse custo.

Somem-se 1) a permanente nuvem negra das delações premiadas e seus vazamentos e 2) a ameaça de mais e maiores impostos. E temos um quadro de perda precoce de substância. A erosão já era prevista para depois da votação da previdência, por 1) falta de expectativa de poder pós-2018 e 2) falta de repercussão, "na ponta", da melhora das expectativas econômicas.

Michel Temer ainda pretende aprovar alguma reforma previdenciária e, uma hora, a percepção de melhora econômica deve chegar à base da pirâmide. Já há sinais de descongelamento do mercado de crédito. Se tivesse tempo suficiente, não teria problemas intransponíveis no horizonte.

Mas não tem todo o tempo. Num paralelo com a Fórmula 1, começaram os treinos livres para a sucessão presidencial. Nos dois blocos tradicionais da polarização, a movimentação é aberta. Cresce a inquietação no PSDB sobre aspectos mais draconianos da reforma da previdência. E cresce a resistência na base a votar medidas impopulares.

E há o TSE. Em condições normais, a cassação da chapa Dilma-Temer poderá ser levada em banho-maria. Com manobras regimentais, pedidos de vista, chicanas diversas que empurrem tudo para quando remover o presidente não faça mais sentido, tão perto estará a eleição.

Mas, se o Planalto não consegue cumprir seu programa, a coisa se complica. Se não consegue 1) conter os efeitos da Lava-Jato sobre a política, 2) manter uma ampla base parlamentar para as reformas pró-capitalistas e 3) engatar alguma recuperação econômica consistente, corre o risco de ser rotulado de inútil ou de estorvo. Como Dilma foi um dia.

Verdade que o grande empresariado não quer mais turbulências. Prefere uma administração amiga, mesmo fraca, e apostar em urnas liberais em 2018, com o apelo do "novo". Outro "pró" é o mergulho da inflação, um freio à mobilização popular. O dinheiro, ainda que pouco, parou de escorrer pelos dedos das pessoas, e isso faz diferença.

A anemia das manifestações de ontem foi emblemática do cansaço da rua. Mas, se o governo mostrar-se inútil, ou um estorvo, os fatores de instabilidade irão pesar. Para o empresariado, a eleição de 2018 é só mais uma. Para os políticos, será vida ou morte. E sem financiamento empresarial de campanha estes são mais independentes daqueles.

E há o encontro marcado com o TSE, um problema prático que Temer precisará equacionar, assim como Dilma Rousseff precisou enfrentar o processo de impeachment. O julgamento do TSE será um fato. E uma característica dos fatos é sua capacidade de desencadear outros fatos. Fatos dão filhotes.

Sobre o TSE, se Dilma e Temer estivessem lutando juntos, a defesa de ambos teria mais consistência. Mas o divórcio fragiliza. E os grupos que buscam uma farta colheita eleitoral em 2018 a partir da luta contra a corrupção (dos outros) terão um desafio quando precisarem tomar posição no assunto. E Temer não tem gordura de popularidade para queimar.

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O fracasso das mobilizações de ontem é bom para Temer porque abre uma janela de recomposição e pacificação políticas, que vêm sendo bloqueadas pela direita. E é ruim porque reforça a narrativa da esquerda, de que as ruas rejeitam o programa de austeridade do temerismo. Derrotada mesmo, só a direita da ponta do espectro.

segunda-feira, 20 de março de 2017

O que falta para o desarranjo institucional transformar-se numa crise institucional

Num debate semana que passou, veio a pergunta: "O que distingue um desarranjo institucional de uma crise institucional?". No primeiro, as instituições encontram saída dentro das regras do jogo. Na segunda, a confusão só acaba quando alguém se impõe aos demais e corta o nó górdio.

O Brasil vive um desarranjo institucional de certa gravidade. As repetidas declarações de que as instituições funcionam normalmente são apenas platitudes para esconder o óbvio ululante rodrigueano: tudo está relativamente fora de lugar na Praça dos Três Poderes.

A origem do problema é o enfraquecimento extremo do Executivo, que desde D. Pedro I exerce o Poder Moderador e estabiliza os demais. Sempre que essa ponta do triângulo perde tração, as outras duas se deslocam para ocupar o vácuo, e o sistema entra em desarranjo.

Houve momentos, como na última Constituinte, em que o Congresso construiu a solução. Hoje, Executivo e Legislativo estão ambos feridos pelas acusações. E o espaço de poder vem sendo ocupado pelo amálgama entre Judiciário e Ministério Público, com pleno suporte da opinião pública.

Mas a vocação desses dois organismos não é governar, é acusar e julgar. Não é buscar soluções construtivas e largamente consensuais. É procurar o que está errado e punir quem errou. Não é tornar as coisas possíveis. É torná-las mais difíceis, se entenderem que a aplicação da lei assim exige.

O Brasil de hoje vive em anomalia. Um sintoma é a chefe do Judiciário e seus colegas chamarem para si negociações políticas que deveriam ser arrematadas nas mesas do Planalto ou do Congresso. E o poder embriaga: a presidente do STF já determina qual (não) deve ser a reforma política.

A entropia progressiva só será estancada quando -e se- Executivo e Legislativo retomarem força. Mas as bananeiras atuais já deram cacho. Daí que os olhos estejam voltados para 2018, o novo ancoradouro da nossa repetitiva, e sempre frustrada, busca pelo "diferente de tudo o que está aí".

O desarranjo institucional brasileiro não se perpetuará ad infinitum. Uma hora a solução aparecerá. Poderá vir como avanço civilizatório, com a construção de instituições que se autocontrolem, e sejam resistentes às flutuações de humor, ânimo e prestígio dos líderes.

Mas poderá também, e isso é o mais provável, vir como a ascensão de alguém que prometa "dar um jeito" no impasse, acenando com a imposição, pela força, de uma agenda de libertação e desenvolvimento das forças produtivas, agenda que o país pedirá depois de quase uma década perdida.

Ou seja, o desfecho mais previsível deste prolongado desarranjo será a ascensão de um caudilho, antigo ou moderno. Que, para exercer seu poder, precisará enfrentar a gigantesca máquina burocrática de "regulação e controle", que encontra em nossos tempos o meio ideal para proliferar.

Aí talvez o desarranjo institucional caminhe para uma crise institucional, pois o momento de evitar esse desfecho, a eleição de 2018, terá ficado para trás. E a probabilidade de que 2018 produza a hegemonia de algum discurso baseado na racionalidade é baixa. Basta ler os jornais.

O Brasil da redemocratização produziu três grandes partidos. Um social-democrata, um social-liberal e um burocrático-regulador. Desfrutamos de certa estabilidade nos períodos em que a prosperidade permite algum tipo de aliança dos dois primeiros contra o terceiro. Mas não perece ser o caso.

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Manter o atual sistema de escolha dos deputados é considerado ruim. Mudar para a lista fechada, também. O voto distrital não tem voto. Financiamento empresarial é considerado criminoso. Financiamento público é inaceitável. Mas a lista aberta somada ao distrito estadual encarece demais a eleição.

Não tem a menor chance de dar certo.

segunda-feira, 13 de março de 2017

Na hora do TSE, o governo Temer precisará ter valor para alguém além dele mesmo

Na política, como na física, a inércia tem papel fundamental. Se você quer saber o que vai acontecer, olhe para o que está acontecendo. Se nenhum vetor externo agir, onde chegaremos? E em quanto tempo? Se houver ações do exterior, serão suficientes para mudar a tendência fundamental do movimento? E para onde?

Dilma Rousseff caiu porque não conseguiu, ou não quis, agir para enfrentar o óbvio: sem apoio parlamentar e sem um programa econômico crível seria difícil cruzar um deserto de quatro anos. Michel Temer resolveu até agora esses dois problemas, e só tem pouco mais de ano e meio para atravessar. Isso lhe garante, na teoria, cortar a fita de chegada em 2018.

Na teoria. Pois as últimas semanas introduziram vetores renovados na equação. 1) A popularidade caiu. 2) A articulação parlamentar para a reforma da previdência enfrenta turbulências. 3) A Lava-Jato desembarcou com luxo na praia do TSE. 4) As pesquisas trouxeram um Lula musculoso e mostram fragilidade da expectativa de poder em 2018 para PMDB e aliados.

Os fatos negativos empurram Temer para a imponderabilidade. Passou a "flutuar". Não há na política quem seriamente trabalhe para derrubá-lo já. Mas o rótulo de "apoiador do governo Temer" começa a ser um passivo incômodo. E as urnas vêm aí. E, se a economia parou de piorar, não há perspectiva de recuperação rápida do emprego e da renda.

Esse cenário não pode se manter indefinidamente. Daí que os agentes econômicos e, principalmente, políticos passem a especular com a possibilidade de o governo não chegar ao final. É uma especulação ainda minoritária, mas se o Planalto não trouxer novas e boas notícias a cassação pelo TSE surfará na inércia com bem menos resistência que o previsto.

Algumas das boas novas esperadas pelos políticos são de difícil execução. O governo não parece ter força para evitar que a Lava-Jato, como uma erupção vulcânica, siga carbonizando o que encontra pelo caminho. É sempre bom recordar que salvar os políticos da Lava-Jato era, desde lá atrás, uma aspiração clara dos que se juntaram ao projeto temerista.

Resta a economia. Numa frente, o Planalto colhe números retumbantes. A retração espantosa de quase 10% fez finalmente a inflação mergulhar. Até os habituais fundamentalistas dos juros, na opinião pública, já olham com mais suavidade para o tema. E inflação em queda torna mais difícil levar gente às ruas para pedir a derrubada do governo.

Mas isso não é garantia de nada. Se o TSE seguir na toada desenhada nas últimas semanas, a indiferença geral talvez não venha a ser suficiente. Lembremo-nos sempre da inércia. Por isso, o governo será estimulado a avançar imediata e radicalmente no rumo das reformas que, na falta de nome melhor, podem ser chamadas de liberalizantes.

O governo Temer precisará ajustar o ritmo para ter valor ponderável a alguém, especialmente às chamadas elites, quando o TSE chegar aos finalmentes. É ilusório imaginar que, havendo maioria nos tribunais para uma decisão favorável à narrativa da "luta contra a corrupção", um governo "flutuante" se manterá apenas com base em manobras jurídicas.

Não se está prevendo aqui que o governo vai cair. Apenas que, se houve um momento no qual a inércia operava a favor de a administração chegar ao final, mesmo enfraquecida, a fraqueza crescente transforma a inércia em adversária. Ou este será o governo das reformas, ou aumenta o risco de ser colhido no caminho da cruzada nacional contra a corrupção.

Ainda que sob a indiferença geral.

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Seria interessante se os institutos de pesquisa saíssem a campo para medir alguns números. Quais são realmente o tamanho e o potencial de João Dória numa corrida presidencial? Quantos já o conhecem? Ele tem um teto acima dos nomes tucanos tradicionais?

E uma outra sugestão de pergunta: "No caso de haver segundo turno na eleição de 2018, em quem você votaria: num candidato apoiado pelo ex- presidente Lula ou em alguém apoiado pelo presidente Michel Temer e pelo PSDB?

Acredito que as respostas seriam úteis para a análise do cenário.

segunda-feira, 6 de março de 2017

Atributos e vulnerabilidades do governo. E a variável decisiva: o tempo. E Lula.

Por que o governo Michel Temer não entrou até agora em processo acelerado de degradação? Afinal, as razões formais para cassar a chapa vencedora em 2014 já superam, com folga, os supostos motivos legais que serviram de veículo para a deposição de Dilma Roussef. Se dúvidas havia, esta semana lançou novas e definitivas luzes sobre o assunto.

Agora, alguns finalmente despertaram, nunca é tarde, para constatar: Dilma caiu não por causa da Lava-Jato ou das "pedaladas" (quem ainda se lembra delas?), mas porque seu governo tinha entrado em ruína, pela falta de dois pilares essenciais: uma base de sustentação parlamentar e uma estratégia para a recuperação da economia.

Ou seja, o governo Dilma acabou porque já havia acabado, e o impeachment foi a operação de fachada para remover o entulho. O governo Temer não cai da bicicleta porque continua (sem trocadilhos) a pedalar: não descuida um instante de sua base no Parlamento e mantém firme na ponta da vara a cenoura da reforma da previdência social, nossa nova miragem.

Mas, até quando? Essa é a pergunta do momento. Para respondê-la, é preciso monitorar a variável decisiva nos processos políticos: o tempo.

A economia se recuperará a tempo de transformar em um salto no escuro a eventual cassação do presidente pelo TSE? A Lava-Jato avançará sobre Temer tão rápida e intensamente que afirme a vantagem custo-benefício da deposição? O governo colherá frutos econômicos cedo e em escala que torne algum "candidato do governo" competitivo em 2018?

O tempo explica tudo. Explica por que o governo precisa acelerar a votação da reforma da previdência. Explica por que a oposição petista precisa atrasá-la. Explica por que a Lava-Jato, com seu desejo de aposentar esta geração de políticos, faz de sua velocidade um contraponto à suposta lentidão do andamento dos processos no STF.

O que ajuda o governo na administração do tempo? O maior atributo do Planalto é a falta de alternativas. Mas esse foi, durante um bom intervalo, também atributo de Dilma. Infelizmente, para ela e os dela, a então presidente não soube usar o longo processo, de mais de um ano, para consertar o casco do navio. Como não existe vácuo na política, uma hora a alternativa apareceu.

O que atrapalha o governo na administração do tempo? Sua maior vulnerabilidade é, por enquanto, a ausência de expectativa de poder continuísta. Se o senso comum não via jeito de Dilma chegar ao fim do mandato com tanta fragilidade, o mesmo senso comum diz ser altamente improvável que Temer venha a ser reeleito ou um grande eleitor em 2018.

Isso é um problema. Sem expectativa de poder, as forças centrífugas sobre a base parlamentar tendem a ser quase incontroláveis. Foi o que aconteceu em 2002, ao final do segundo e melancólico mandato de Fernando Henrique Cardoso, com seu saldo de inflação, recessão, desemprego e, portanto, impopularidade. E Lula elegeu-se praticamente na inércia.

Se a economia reavivar a tempo, se o desemprego começar a cair e a confiança do consumidor embicar para cima, Temer tem as condições para atravessar a turbulência político-jurídica. Se não, tanto mais ele tende a ser tolerado no cargo quanto mais perto estiver de passar a faixa.

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Lula tem voto, mas também tem muitos problemas. E quais são as barreiras entre ele e a volta ao poder?

Condenação em segunda instância. Pelo andar normal da carruagem, dificilmente isso acontecerá antes da eleição. Mas o andar da carruagem não precisa necessariamente ser normal.

O STF decidir que réu não pode ser candidato a presidente. Parece haver maioria no tribunal para isso. Mas alguém sempre pode pedir vista.

A rejeição a ele superar os 50%. Hoje ela está declinante, mas uma bem azeitada campanha eleitoral e da imprensa pode fazê-la voltar a subir.

O isolamento político. O maior problema. Se todos que o PT chama de golpistas se unirem contra o PT no segundo turno, Lula perde a eleição. Ou seja, se "petista não vota em golpista", tchau Lula.