sábado, 30 de outubro de 2021

O buraco na defesa

A hipótese de haver uma maioria centrista que rejeita os “extremos” não se vem comprovando. Desde a estreia, na disputa presidencial de 2018. Mas continua um sucesso de crítica, apesar do até agora insucesso de público. Uma pista pode ajudar a explicar a dificuldade na decolagem. O centrismo é tanto mais capaz de hegemonizar quanto mais inclusivo dá a impressão de ser. A ideia de construir consensos excluindo leva jeito de contradição em termos.

Não se deve subestimar, porém, o potencial de outra espécie de “centrismo”, que mais corretamente deveria levar o nome de “solucionismo”. Talvez haja um amplo contingente de eleitores em busca antes de tudo de soluções práticas para problemas idem, e é bem provável que essa turma venha a decidir a eleição. Trata-se então de encontrar a necessidade e preenchê-la, seguindo o conselho de Norman Vincent Peale.

Se bem que de vez em quando vale também criar a necessidade, ainda que artificialmente. O marketing está aí para isso.

Faz sentido que Luiz Inácio Lula da Silva e mais recentemente Jair Bolsonaro estejam voltados a lapidar a imagem de resolvedores de problemas. O primeiro vem ancorado nas percepções positivas sobre seu governo em temas como a fome. O segundo busca bandeiras sociais. Tem lógica. A pandemia vem deixando um rastro de dificuldades econômicas, e a sobrevivência material ocupa o centro das preocupações desde que casos e mortes despencaram.

O Brasil traz uma peculiaridade no assunto que modernamente leva o nome de inclusão social. O foco gira invariavelmente em torno do papel redistributivo do Estado. Agora mesmo, um bordão de Lula é “incluir o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda”. E a luta toda de Bolsonaro é pelo Auxílio Brasil de 400 reais. Ambos estão deixando um buraco na defesa, para alguém que diga a real: só crescimento econômico resolve.

Não se está dizendo aqui que crescimento sozinho resolve, mas que sem crescimento não tem solução. Os exemplos históricos são abundantes. Qual é o problema, então? “Desenvolvimento” virou palavra proibida. Um desafio mais complicado para os países que ficaram para trás, e cuja ascensão econômica agora é combatida pelos que hoje andam na frente como um risco à sobrevivência da humanidade.

Bolsonaro está colhendo os frutos amargos por ter subestimado a necessidade de encaixar a demanda brasileira de desenvolvimento no mindset da hora em escala global. Lula corre o risco de ficar preso na tentação do discurso fácil, na lógica do determinante de matriz nula. Ele é sempre zero. A conhecida interpretação lato sensu do princípio da precaução. Ou seja, se algo representa risco, não faça, até reduzir esse risco a zero, ou perto de zero.

E se tanto Bolsonaro quanto Lula tentarem contornar o desafio, em vez de enfrentar? E se preferirem fixar o discurso na rejeição ao antípoda? Costuma funcionar em países como os Estados Unidos, onde só tem espaço para dois candidatos viáveis. Mas no Brasil isso acabaria deixando o citado buraco na defesa, para alguém que diga que em vez de ficar brigando vai se concentrar em fazer a economia crescer e gerar os urgentes milhões de empregos.

E explicar como.

sábado, 23 de outubro de 2021

E depois da eleição?

A transição do Auxílio Emergencial (AE) para o Auxílio Brasil (AB) traz uma boa notícia para o pessoal do Bolsa Família. E uma nem tanto para quem não é. Uns passarão a receber 400 reais (ou mais, a depender do Congresso Nacional) mensais até dezembro de 2022. Outros ficarão sem a ajuda nascida com a pandemia. Será interessante acompanhar o balanço político-aritmético. Na última linha da planilha, será que o governo vai conseguir ganhar em popularidade? Ou vai perder?

Estivessem as autoridades federais desimpedidas, legal e politicamente, para gastar, ou investir, certamente seriam gigantescas as pressões pela extensão do AE até depois da eleição do ano que vem. Muito maiores que o alarido desencadeado pela decisão governamental de fazer uma ginástica contábil e abrir espaço aos 400 reais mensais às famílias do cadastro único.

Alarido que se mostrou desproporcional, pois praticamente cessou quando o presidente da República foi ao ministério da Economia para posar ao lado do ministro e ambos disseram aos jornalistas que estava tudo bem. Entre eles dois e com o AB. E o caso regrediu rapidamente ao seu tamanho natural. Mais uma Batalha de Itararé na nossa longa lista.

Se o assunto deu uma hibernada agora, o agito da semana que acaba já contratou pelo menos um tema relevante para a campanha presidencial. “Candidato fulano ou candidata fulana, se o senhor ou a senhora vencer a eleição, o auxílio de 400 (ou mais) reais vai continuar?” E se a pergunta for para Luiz Inácio Lula da Silva versará sobre um pagamento de 600. Pois é o que, segundo Lula, Jair Bolsonaro deveria estar pagando.

Então já temos aqui um interessante trabalho para economistas de campanhas. Achar de onde tirar esse dinheiro dentro do limite colocado pelo teto de gastos. Cuja continuidade ou não será (já é) outro assunto-chave. Quem quiser o apoio do dito mercado terá de passar por esse beija-mão. Ou negociar algum meio-termo. Por exemplo, tirar do teto os investimentos. Ou os programas sociais. Ou qualquer outra coisa.

Alguma solução precisará aparecer. O cenário hoje é de 1) gastos constitucionalmente engessados e crescentes, 2) tsunami de recursos destinados a emendas parlamentares, 3) resiliência de corporações muito bem situadas no cenário político-administrativo-judicial (e excelentemente conectadas na opinião pública) para defender os próprios privilégios e 4) um teto de gastos determinado não pela arrecadação, mas pela inflação.

O conjunto dessas variáveis tende a produzir o cenário de completa ingovernabilidade que hoje já se vislumbra, e será a situação a aguardar o próximo presidente da República. Que por sua vez já estará, seja o atual ou outro, encaixotado pela crescente superforça orçamentária do Legislativo e pelo voo cada vez mais livre do Judiciário. Dragões que Jair Bolsonaro deveria ter enfrentado, mas vai deixar vitaminados para o sucessor.

Ou para ele mesmo, se conseguir reverter o atual quadro desfavorável.

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

A força do convencimento

O sistema político-eleitoral brasileiro, a exemplo das engenharias de qualidade duvidosa, tem uma falha estrutural: o processo de escolha dos governantes procura contornar o debate sobre o que farão caso eleitos. E isso é potencializado pela esperteza dos diretamente interessados: quanto menos se antecipa o plano de ação, teoricamente mais liberdade de ação haverá.

A eleição brasileira de 2022 ameaça ser um caso típico. O espectro político está dividido em três grandes campos. Uns querem evitar a volta de Luiz Inácio Lula da Silva. Outros desejam impedir a continuidade de Jair Messias Bolsonaro. Outros ainda propõem ao eleitor derrotar ambos. E, portanto, escolher algo ainda desconhecido, mas que segundo esse campo certamente será preferível às duas alternativas.

A crítica aqui não pretende ser moral, pois os políticos estão apenas escolhendo o caminho aparentemente mais fácil. Como quando o votante é convencido a votar no “novo”, em contraposição ao “velho”. Foi mais ou menos o ocorrido em 2018. E nem dá para condenar o eleitor que de tempos em tempos decide fazer uma faxina, a única atitude à mão diante do descalabro geral, real ou construído no imaginário.

Mas, infelizmente, a conta tem sido pesada. A experiência brasileira com a democracia representativa instituída em 1984-85 não vem sendo boa. Os donos da pátria declaram dia sim outro também o apreço pela Carta de 1988, mas o produto do sistema por ela formalizado é uma cena persistente de baixo crescimento econômico, resiliência da desigualdade social e desorganização política.

Qual a conexão entre as duas coisas, um método de escolha dos governantes baseado na obscuridade e as imensas dificuldades para enfrentar os desafios históricos do Brasil? Toda. Um poder político não se sustenta só no convencimento pela força, precisa da força do convencimento. O processo de escolha do líder é a oportunidade para reunir a musculatura política necessária ao enfrentamento de interesses encastelados na economia e na política.

E aqui se explica aquele “teoricamente” no primeiro parágrafo. O líder que se acha esperto, e surfa só a rejeição do outro para ascender, percebe rapidamente nos espelhos do palácio a imagem de um pato manco prematuro, ocupado somente em sobreviver, enquanto observa o poder de decisão sobre as políticas governamentais ser retalhado por concorrentes que não foram eleitos para tal, mas reinam, inclusive por antiguidade, sobre o Estado real.

E o problema multiplica-se quando o governante, por erros ou circunstâncias, tanto faz, entra num ciclo de dificuldades novas e crescentes. É a hora em que talvez olhe para trás e note a sabedoria do ditado, que dizem ser mineiro e segundo o qual esperteza quando é muita vira bicho e come o dono. E costuma ser o momento do vale-tudo. No qual única a pergunta que não apenas o líder, mas o grupo, se coloca é: “o que devemos fazer para continuar?”.

E ai de quem ousar lembrar “mas isso não é o contrário do (pouco) que dizíamos que faríamos?”.

====================

Publicado na revista Veja de 27 de outubro de 2021, edição nº 2.761

domingo, 17 de outubro de 2021

Achados instigantes

Este novembro deve ser interessante na corrida presidencial. Saberemos enfim se Sergio Moro se apresentará candidato a presidente da República, se o contendor do PSDB será João Doria ou Eduardo Leite, quanto o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19 impactará a musculatura política de Jair Bolsonaro e, talvez, se André Mendonça será mesmo ministro do Supremo Tribunal Federal. Sem contar os imprevistos.

Notícias não devem faltar.

Novembro será também o mês em que saberemos melhor se continuará sustentável a até agora surpreendente resistência dos brasileiros à variante Delta do novo coronavírus. Por alguma razão ainda não completamente esclarecida, estamos melhor no confronto contra a variante de origem aparentemente indiana, na comparação com países adiante de nós na vacinação. Os exemplos mais evidentes são os Estados Unidos e Israel.

O jornal digital Poder 360 levantou as informações. O desempenho brasileiro diante da Delta tem sido muito melhor que o norte-americano e o israelense. Mas também muito melhor que o dos habitantes do Reino Unido. Sabe-se ainda que dois países das redondezas, Uruguai e Chile, acompanham o Brasil no bom momento do combate ao SARS-CoV-2. Espera-se que os cientistas algum dia consigam explicar por quê.

Talvez demore, mas, como se diz, o tempo vai ser o senhor da razão, e, um dia, quando a poeira baixar, saberemos o que aconteceu. Até lá, infelizmente, enquanto os exércitos se engalfinham de olho nas urnas eletrônicas, medidas deixam de ser tomadas pela insuficiência de racionalidade.

Haveria algumas hipóteses principais para o Brasil estar indo melhor que a concorrência contra a Delta. Talvez o surto da Gama (“de Manaus”), com seu trágico saldo de infecções e mortes, especialmente em março/abril, tenha ajudado a produzir em larga escala imunidade capaz de proteger contra a Delta. Talvez a CoronaVac, aplicada aqui, no Uruguai e no Chile, e não aplicada nos EUA, no Reino Unido ou em Israel, seja mais efetiva que as competidoras nesse particular (anti-Delta).

A terceira possibilidade é uma combinação das várias.

Outro detalhe é por que as curvas de casos e mortes (por data real) estão declinando desde março/abril, quando a vacinação ainda estava no início. Na teoria mais aceita, a imunidade de rebanho para o SARS-Cov-2 só seria alcançada com um mínimo de 60% de imunizados. E ainda estamos, agora em outubro, com apenas metade (49%) de completamente vacinados, apesar de 75% já terem tomado pelo menos uma dose.

São ou deveriam ser achados instigantes, que se olhados e estudados com honestidade intelectual e acadêmica poderiam ensejar políticas públicas mais eficazes para adiante. Ainda mais contra um vírus que parece ser uma fonte de surpresas.

domingo, 10 de outubro de 2021

À espera da eleição, ou do fato novo

Os políticos e os partidos estão cada vez mais entretidos com o andar do processo eleitoral. As conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19 acrescentarão alguns bons graus à temperatura ambiente. Porém, no momento, não se enxerga potencial para os processos dela desencadeados ameaçarem amputar o mandato presidencial. Mas estamos no Brasil, então é prudente aguardar.

Enquanto isso, as forças políticas procuram agrupar-se da melhor maneira possível, de olho principalmente nos recursos (tempo de veiculação e dinheiro) dos partidos. É o movimento clássico a esta altura. Os programas e os objetivos de governo ficam para depois. “Primeiro tenho de ganhar a eleição, depois vejo o que vou fazer.” Isso não é criação ficcional, foi dito mesmo por um pré-candidato a presidente, que infelizmente pediu off.

Por alguma razão que cabe aos cientistas políticos dissecar, nas nossas eleições discute-se tudo menos o essencial: o que cada candidato pretende fazer de prático para enfrentar os agudos desafios nacionais. Um bom exemplo é a inflação. Jair Bolsonaro diz que ela é em boa medida importada e resultado também do “fique em casa”. Os adversários dizem que é culpa do presidente. Mas alguém sabe de alguma proposta, além de o Banco Central apertar os juros?

E as dificuldades para o crescimento? A oposição de esquerda diz que o caminho é revogar o teto de gastos, mas é razoável supor que se chegar ao governo vai ser pressionada a relativizar isso. Aliás, o teto de gastos em vigor é “à brasileira”. Ano sim, outro também, dá-se um jeito de contornar, deixando fora do teto alguma coisa. Assim, respeita-se formalmente o limite e gasta-se o que se precisa, ou se quer, gastar.

Entrementes, o governo tenta arrumar dinheiro para turbinar programas sociais no ano da eleição. E não pode ser um dinheiro ocasional, porque a despesa será permanente. O que, surpreendentemente (ou nem tanto), é recebido com bastante naturalidade. Não se faz omelete sem quebrar ovos. Para garantir mais quatro anos da atual agenda, aceitam-se movimentos táticos que, em outro contexto, e em governos com pautas menos simpáticas, seriam tachados de “populistas”.

As aparências dão a entender que Jair Bolsonaro aceitou a ideia de o incumbente precisar concentrar-se mais na apresentação de resultados e menos em firulas. Até quando? Na oposição, enfrenta-se uma situação paradoxal: ela tem no momento a simpatia da maioria dos eleitores, mas sua capacidade de mobilização anda em níveis muito baixos. Parece não haver na sociedade um sentimento disseminado por trocar já o governo.

Isso deveria acender uma luz amarela para os favoritos, porque mostra pelo menos uma de duas coisas, ou as duas: 1) talvez Jair Bolsonaro tenha margem para alguma recuperação, 2) talvez haja espaço para uma carta ainda não retirada do baralho. Mas há também a hipótese ótima para Luiz Inácio Lula da Silva: para ele, o ideal seria que o eleitor tenha desencanado porque já resolveu o que fazer na eleição, e ela afinal está perto.

Um problema para Lula: de todos, ele é o único que não quer um fato novo.

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Em busca do resolvedor

A estabilidade das pesquisas de intenção de voto contrasta com o calor do debate pré-eleitoral, a um ano do encontro com a urna. Uma hipótese é o eleitor não prestar ainda tanta atenção à refrega política. Costuma ser o cenário quando falta muito para as eleições. É habitual os políticos e o jornalismo conectarem-se bem antes do cidadão e da cidadã comuns, mais envolvidos com a luta diária pela sobrevivência.

Há, entretanto, um detalhe incomum nos levantamentos sobre a corrida ao Palácio do Planalto. Mesmo faltando doze meses para a eleição, cerca de dois terços do eleitorado já escolhem na espontânea um candidato. Por volta de 35% para Luiz Inácio Lula da Silva, 25% para Jair Messias Bolsonaro, mais um tantinho para os demais. Ou seja: a campanha para presidente da República já começou, está nas ruas, nem que sejam as ruas virtuais.

Isso provavelmente vem sendo catalisado pela epidemia de Covid-19 ou, mais precisamente, pela luta política em torno dela. E pelas circunstâncias econômicas agudas, como a inflação, ou crônicas, como as resilientes taxas de desemprego. Em época de dificuldades e desafios além do normal, é natural o eleitor começar bem antes a prestar atenção nos personagens e nas propostas que se apresentam para resolver os problemas.

E talvez as circunstâncias e dificuldades estejam a reduzir a demanda pelo objeto de desejo do eleitor em 2018: a chamada nova política. É possível que a busca de renovação e do “diferente de tudo que está aí” venha cedendo espaço à procura por gente capaz de mostrar serviço diante dos desafios e adotar medidas que impactem direta e positivamente a vida do povão.

Daí a estabilidade de Lula em seus bons patamares. Seria ingênuo imaginar que a grande massa do eleitorado tenha assimilado a inversão dos papéis de bandido e mocinho entre o ex-presidente e o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro. Mais provável é que o passivo do petista tenha perdido importância diante das urgências materiais. E aí cresce o valor do principal ativo de Lula: a percepção popular dos resultados do governo dele.

É inteligente, portanto, que no pós-7 de setembro Bolsonaro esteja (quanto tempo durará?) concentrado em mostrar resultados, além de baixar a temperatura política. Incumbentes podem até ganhar eleição com base na agitação e na rejeição aos adversários, mas não conseguirão escapar de precisar contar as realizações de seu governo na hora em que o eleitor perguntar por que, afinal, deve dar mais quatro anos a quem já teve quatro.

E, se notarmos que todos os presidentes eleitos desde 1994 se reelegeram, não chega a ser tarefa impossível. Mas é a primeira vez que, a esta altura, o candidato à reeleição não lidera as pesquisas. E enfrenta cenários de dificuldade nas simulações de segundo turno. E uma observação: políticos não gostam das pesquisas quando são ruins para eles, mas se todas dizem a mesma coisa é muito improvável que estejam todas erradas.

====================

Publicado na revista Veja de 13 de outubro de 2021, edição nº 2.759

domingo, 3 de outubro de 2021

As ruas e as pesquisas

Parece haver uma contradição entre dois medidores de sinais na conjuntura. O presidente da República vem mostrando bem mais capacidade de mobilização popular direta que os adversários, mas nas pesquisas de intenção de voto Jair Bolsonaro aparece atrás de seu principal concorrente. Em algumas, aparece em desvantagem contra praticamente todos os até agora postulantes a um lugar no grid.

Sempre haverá quem diga, então, que não se deve confiar nas pesquisas. Ou, do outro lado, que fatores extracampo influíram para a apenas relativa adesão aos atos antibolsonaristas. Cada um cultiva a tese que mais lhe convém. Mas vale a pena buscar olhar os fatos como são e tentar acender uma vela em vez de maldizer a escuridão. E se as duas coisas, apesar de contraditórias, espelharem aspectos da mesma realidade?

É perfeitamente possível o presidente da República estar ilhado em seus cerca de 30% de aprovação, mas ela estar apoiada em um contingente muito mobilizável. Aliás, um parêntese: aprovação só pode ser aferida quando se pergunta “aprova ou desaprova” o governo ou o presidente. Misturar “ótimo+bom” com “aprovação” é um erro metodológico. Se não for por outra razão, pelo simples fato de parte do “regular” certamente aprovar.

Também é perfeitamente possível que a rejeição a Bolsonaro se materialize, no momento, na adesão automática a algum adversário, mas sem haver por enquanto entusiasmo suficiente na massa não militante para qualquer coisa além de responder a pesquisas. O que não chega a resolver o problema do incumbente. Pois, se não é pesquisa que decide eleição, tampouco o vencedor é definido pelo tanto de gente que põe na rua.

Mas a capacidade de mobilização direta não deve ser subestimada. Além de injetar ânimo nos apoiadores, acaba despertando e estimulando dúvidas nos mais propensos a definir seu lado a partir das possibilidades de sucesso. Acaba funcionando, a exemplo das pesquisas, como força centrípeta, como elemento que impede, ou pelo menos dificulta, a dissolução da expectativa de poder. E isso é ainda mais vital para quem está no governo e quer continuar.

Aguardam-se os próximos capítulos. E os fatos novos. A Comissão Parlamentar de Inquérito na Covid-19 no Senado concluirá seus trabalhos com um relatório que, se não houver surpresa, buscará incriminar pesadamente o presidente e o entorno dele. Só o futuro dirá qual será a consequência jurídica. Mas no plano político o desgaste para o ocupante do Planalto e candidato à reeleição parece previamente precificado.

Na economia, o emprego dá sinais de alguma reação, no Caged e no IBGE, mas a inflação mostra-se resiliente. De todo modo, é improvável que o governo vá assistir passivamente à perenização das dificuldades econômicas. O laissez faire, laissez passer não costuma ser muito popular em ano de eleição, especialmente quando o governante está em desvantagem. É pule de dez que Bolsonaro adotará medidas para enfrentar os gargalos econômicos.