segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Estabilidade que conta é a do bloco de poder, não a dos personagens do poder

Enquanto os ambientes jornalísticos se entretêm com a sensação de poder proporcionada pelos gotejamentos da Lava-Jato, nos ambientes do poder verdadeiro, o do dinheiro, a ação policial faz gotejar a dúvida sobre a capacidade de o governo Temer 1) chegar ao fim e 2) realizar seu programa.

A expressão que ouvi esta semana foi "wait and see", esperar e observar.

Em tese, as medidas de controle de gastos e tramitação de outras reformas deveriam desencadear um ciclo de investimentos, que estariam à espera apenas de o governo dar uma arrumada na casa.

Na vida real, relatam que esse ciclo pode estar sendo refreado pela dúvida sobre se o quadro político resultante do impeachment de Dilma Rousseff e a ascensão do PMDB é duradouro ou será demolido pelas megadelações da Lava-Jato. Se Temer fica ou sai. E o que poderia vir no lugar.

Tecnicamente, Temer pode ser removido por impeachment ou pela cassação de seu mandato no TSE, tudo ad referendum do STF.

Para o impeachment teriam de se somar três vetores: um crime no exercício do cargo, um movimento popular maciço e o colapso da base parlamentar. No TSE, bastaria que os problemas da chapa Dilma-Temer em 2014 fossem confirmados e debitados na conta conjunta da dupla.

A probabilidade hoje de um impeachment de Temer tende a zero, pela ausência, no horizonte, de qualquer dos três fatores necessários. Já no TSE, o desfecho negativo é menos improvável, pela conexão entre o financiamento da campanha de 2014 e a Lava-Jato.

Mas o TSE têm instrumentos para fazer o que bem desejar. Há precedentes para todo tipo de decisão, e é provável que o desfecho esteja inoculado de algum componente político. É difícil imaginar, a esta altura, que o TSE vá decidir com base numa "pura técnica".

Daí que voltamos ao ponto vital: a sobrevivência e a efetividade do governo Temer dependem menos do vetor policial-judicial e mais de conseguir manter composto o bloco de poder que lhe dá sustentação, fora e dentro do Congresso. E isso depende, essencialmente, do andar da economia.

Se o governo estiver governando e a economia der sinais de que está a caminho de sair da UTI, o temerismo atravessará o desfiladeiro mesmo sob a chuva de flechas dos índios. Mesmo que alguns dos membros da caravana sejam flechados e, eventualmente, mortos.

Este é o centro da análise neste momento: a Lava-Jato pode ter o poder de ferir, ou até matar, pessoas no governo, mas não parece ter o poder de derrubar o governo. Pois este se assenta num largo consenso político e econômico sobre o que fazer para tirar o país do buraco em que está.

E não há sequer um embrião de consenso alternativo. A oposição milita hoje em beiradas quase folclóricas do sistema político e social, vive de photo-ops, oportunidades de aparecer na mídia, e não tem nem um rascunho do que faria de diferente em relação ao que este governo propõe fazer.

Mesmo que num cenário extremo Temer fosse afastado pelo TSE, o extremamente mais provável seria sua substituição por uma composição que daria continuidade ao que o presidente e sua equipe estão propondo. O quadro, por isso, é de equilíbrio estrategicamente estável.

O que pode atrapalhar? A economia não dar sinais de retomada nos próximos meses. Mas sempre restará a opção de mexer no ministério. Ou o governo se atrapalhar na sucessão de Rodrigo Maia e Renan Calheiros na presidência das Casas do Congresso. O problema pode vir daí.

Prestar atenção:

  • O balanço final das eleições municipais (não deve ter surpresas)
  • Finalização das grandes delações
  • Proposta do governo para a reforma da previdência
  • Finalização das mudanças no pré-sal
  • segunda-feira, 24 de outubro de 2016

    Política adapta-se à Lava-Jato, tem como respirar mas corre contra o tempo

    O mundo político vive aos sobressaltos por causa da Operação Lava-Jato e seus filhotes. Quando parece que a situação retomou alguma estabilidade, lá vem a nova fase, ou a nova delação, ou o novo vazamento. É uma estrada cheia de lombadas. Não se tem como ganhar velocidade.

    O mais provável é que a tendência perdure. Se todas as contribuições de empresas a políticos  são vistas como potencialmente criminosas, pois embutem pelo menos a expectativa de contrapartida, todos os políticos são também potencialmente criminalizáveis. Estão, como se diz, à mercê.

    É fácil como pescar num tanque cheio de peixes, ainda que o mar não esteja para peixe. Até agora a condução da operação tem sido bastante técnica. Mas a amplitude e a flexibilidade do conceito que a fundamenta não permitem imaginar que o processo será estancado em algum momento.

    O governo Michel Temer tem conseguido evitar a armadilha que tragou a antecessora. Não se está deixando hipnotizar politicamente pela pauta policial. Tenta atravessar o desfiladeiro sob a chuva de flechas. A PEC do teto de gastos caminha, vem aí uma reforma da previdência. É por aí.

    Tenho usado para descrever esse ambiente a imagem da cidade bombardeada. Do alto, a destruição parece total. Mas no nível do solo, depois de cada ataque, a vida segue para os sobreviventes. Eles saem todo dia em busca de comida, dá-se um jeito de as crianças terem aulas, etc.

    Eis o paradoxo. Se a Lava-Jato tem poder destrutivo sobre o mundo da política, este precisa tocar a vida para evitar ser paralisado e engolido pelos policiais, promotores e juízes. Os mortos vão para o cemitério, os feridos para o hospital e os ainda vivos seguem adiante. Fazendo política.

    O governo estará satisfeitíssimo se conseguir finalizar este ano a PEC do teto de gastos. Medida que exigirá imediatamente uma reforma da previdência social. O que, na teoria dominante, será o sinal de que os investidores precisam para despejar dinheiro no Brasil.

    Esse enredo por si só já garante ao poder uns seis meses de narrativa, a expressão da moda. A economia vai mal? O desemprego grassa? As empresas estão fechando as portas? É produto da herança maldita e ainda não melhorou porque o Congresso não acabou de votar as reformas.

    Mas essa é uma narrativa com prazo. E curto. Se daqui a seis meses, um pouco mais ou um pouco menos, a economia e o emprego não derem sinais de retomada real, a edificação começará a balançar. Até porque a eleição estará, politicamente falando, quase na porta.

    Em resumo, apesar da Lava-Jato, o governo Temer tem espaço para funcionar, porque tem agenda e uma ampla base congressual. Mas, conforme o tempo passa, precisará decifrar o enigma da economia. Que devorou o mandato de Dilma Rousseff, e ainda não foi solucionado.

    O ministro da Fazenda personifica em certo grau o estágio das coisas. Quando assumiu, frequentava o noticiário como intocável e potencial candidato a presidente. Meio ano depois, paira sobre ele um certo silêncio. Como estará daqui a seis meses? Quem aposta?

    *

    A crer nas pesquisas (sempre um risco!), Hillary Clinton aproxima-se da linha de chegada em vantagem confortável contra Donald Trump. A dúvida agora é sobre a composição do Congresso. Que terá influência decisiva sobre as nomeações para a Suprema Corte.

    É muita coisa em jogo.

    Prestar atenção (repetido da semana passada):

    • Finalização da PEC do teto de gastos
    • Finalização das grandes delações e impactos no governo
    • Proposta do governo para a reforma da previdência
    • Finalização das mudanças no pré-sal

    segunda-feira, 17 de outubro de 2016

    Futuro da aliança PSDB-PMDB depende de ambições e renúncias, mas é viável

    Um elemento central de qualquer estudo é reduzir os fenômenos a sua essência. Também na política. Dilma Rousseff caiu por vários motivos, mas o decisivo foi a ruptura entre PT e PMDB. Assim como o ciclo tucano fechou-se em 2002 porque se esfacelou a aliança PSDB-PFL-PMDB.

    Há razões objetivas e subjetivas para as rupturas e afastamentos, e sempre é possível argumentar que Dilma não tinha como, ao mesmo tempo, manter a aliança e a hegemonia petista, e a dela própria. Para continuar, precisaria abrir mão do poder. Simplesmente não aconteceu.

    O governo caiu e há outro no comando. Novo governo cujo desafio central é o de sempre: manter-se e se possível turbinar a aliança que o sustenta, para não cair, chegar a 2018 e -quem sabe?- ser competitivo na própria sucessão.

    Curioso é o PMDB estar agora em situação que guarda semelhanças com a do PT entre 2013 e 2016: tem os cargos de comando, mas sua força relativa, inclusive de atração, é cada vez menor que a do aliado principal. O que sempre embute, como se viu, a possibilidade de este querer virar o jogo.

    O PMDB tem o poder mas, no seu bloco, quem consolidou a expectativa de poder foi o PSDB, que deve sair do segundo turno das eleições municipais com uma vantagem nacional indiscutível, algo relativamente inédito desde a redemocratização. Como tucanos e peemedebistas vão administrar isso?

    O casamento entre poder e expectativa de poder é o combustível mais precioso para qualquer governo. É matemático: a curva do primeiro é declinante e a do segundo é ascendente. Se elas não se somam, o status quo perde sustentação.

    Mas, se o dilema é semelhante ao do ocaso petista, este governo leva uma vantagem, por um fator que aparentemente está sabendo usar: não tem dentro dele candidatos naturais à sucessão. O único seria o próprio Temer, mas há suficientes riscos externos a limitar a possível ambição.

    Assim, não é improvável que, numa soma vetorial de ambições e renúncias, PSDB e PMDB cheguem a 2018 com o primeiro indicando o candidato a presidente e o segundo, o vice. Dois anos é uma eternidade, esse tipo de previsão é temerário, mas as condições são hoje favoráveis.

    Ainda há um longo caminho a percorrer, o PSDB tem as querelas internas, e há a Lava-Jato. Mas, se a Lava-Jato segue irrefreável, seus efeitos políticos dependem do grau de desarranjo do sistema. Com PMDB e PSDB aliados, é improvável que a urna os dizime, mesmo com a Lava-Jato na cola.

    É outro fator de aglutinação. Tucanos e peemedebistas sabem que a ruptura ameaçaria não só o poder atual e sonhos de poder futuro, mas em algum grau a própria sobrevivência, como está aí o PT para não deixar ninguém esquecer. E aprender com os erros dos outros tem um custo baixo.

    *

    As pesquisas e a intuição indicam que o segundo turno da eleição municipal apenas confirmará as tendências do primeiro. Será um segundo tsunami. A esquerda sairá das urnas reduzida momentaneamente à irrelevância.

    Uma parte de seus quadros já entendeu o desastre que foi se isolar do centro, mas os fatos estimularão, também momentaneamente, uma guinada para a esquerda, para resistir em seus nichos. Isso será outro fator a estabilizar a aliança PMDB-PSDB.

    *

    Ou se encontra alguma solução razoável para o financiamento de campanhas ou vai avançar a proposta de voto em lista fechada, preordenada, indicada pelos partidos. Ou, menos provável, o voto distrital. Alguma reforma política tem chance desta vez de sair do papel.

    Prestar atenção:

    • Finalização da PEC do teto de gastos
    • Finalização das grandes delações e impactos no governo
    • Proposta do governo para a reforma da Previdência
    • Finalização das mudanças no pré-sal

    segunda-feira, 10 de outubro de 2016

    Eleição rompe o impasse catastrófico e abre janela (curta?) para reformas liberalizantes

    Ao longo de 2015 caracterizamos a situação política como empate catastrófico, conceito gramsciano para quando nenhum bloco da polarização consegue sobrepujar o outro decisivamente. Esse cenário é rompido em algum momento pela 1) exibição decisiva de força de um lado ou pela 2) conciliação.

    A crise brasileira resolveu-se nesta etapa pela primeira alternativa. Foi o que restou, pois o governo caído não conseguira desempatá-la nem pelo confronto nem pela convergência. E o impeachment resultou num quadro em que o bloco derrotado teria imensas dificuldades para justificar, à luz de sua narrativa, qualquer conciliação com o vencedor.

    A exibição de força foi eleitoral. O ex-bloco hegemônico foi esmagado nas urnas, resultado principalmente de seu isolamento. Na prática, o campo petista perdeu momentaneamente a capacidade de opor-se com eficácia às reformas (ou contrarreformas, segundo o ângulo de cada um) liberais a serem impulsionadas pela nova administração.

    Não é realista assegurar que a janela de oportunidade se manterá até 2018, ou que a próxima eleição presidencial vá necessariamente cristalizar a nova hegemonia. Isso traz para o temerismo a necessidade de acelerar a agenda. Com a vantagem de não ter havido na recente história brasileira momento e situação mais propícios.

    No médio prazo, o presidente precisará administrar o nascimento e fortalecimento dos apetites em seu próprio bloco, mas no curto prazo os temeristas dos diversos partidos não têm alternativa a não ser marchar com o líder. Essa tendência poderá ser verificada na prática na votação da PEC que estabelece um teto para o gasto público.

    Acelerar apresenta ainda outra vantagem para o governo. A sequência da Lava-Jato promete dor de cabeça considerável para políticos de todos os pontos do espectro partidário. Se o Planalto não tiver uma agenda e não der velocidade a ela, aumenta a probabilidade de ser imobilizado pela sequência de revelações e operações. Como se deu com Dilma Rousseff.

    O cenário pós-eleitoral não altera nossa projeção de que as reformas seguirão um processo gradualista e minimalista. A base parlamentar apoiará o governo, mas sem colocar em risco a reprodução de seus próprios mandatos. Os projetos chegarão ao Congresso e ali serão desbastados e digeridos, para ficarem aceitáveis ao pensamento social médio.

    Mas as eleições mudaram a correlação de forças, e isso aumenta a autoridade do Executivo sobre o Legislativo. Daí ser razoável projetar que, com o enfraquecimento decisivo da resistência a Temer, o desbaste e a digestão resultem em algo mais próximo do que pedem o Ministério da Fazenda e o chamado mercado.

    De onde partirá a resistência principal? Menos dos partidos e dos movimentos sociais, e mais das corporações. O primeiro exemplo foram as objeções no Judiciário e no Ministério Público à PEC do Teto de Gastos. Infelizmente, não há como atacar o buraco negro das despesas de custeio sem enfrentar o corporativismo.


    Entra em fase decisiva o debate sobre as "10 medidas" apoiadas pelo Ministério Público Federal. Há alguma resistência na advocacia e em círculos mais aferrados aos direitos e garantias individuais escritos na Constituição de 1988. Mas o espírito do tempo favorece o endurecimento da legislação penal.

    O Brasil está convencido de que seus recursos são abundantes, apenas são desviados pela corrupção. E que mais cadeia é a solução. Há tempos o Brasil já deveria ter tomado as providências para estender aos pobres os direitos desfrutados na prática pelos não pobres. Não aconteceu, então agora a democratização se dá pelo mecanismo inverso.

    Não deixa de ter lógica.

    Prestar atenção:

    • As grandes delações na Lava-Jato
    • Votações da PEC do Teto de Gastos
    • Finalização das mudanças no pré-sal

    segunda-feira, 3 de outubro de 2016

    Enfraquecimento extremo da oposição estimulará apetites na base dogoverno

    Não houve surpresas expressivas no primeiro turno da eleição municipal. Como previsto, o PT e a esquerda sofreram forte corrosão, o PSDB subiu um pouco e o PMDB ficou mais ou menos onde estava. Já os partidos médios continuam médios, com pequenas oscilações. E cresceu a pulverização.

    No revés eleitoral, o PT viu derrotada nas urnas também sua narrativa sobre a queda de Dilma Rousseff. A narrativa pode até renascer lá na frente, mas o PSOL no segundo turno do Rio é a exceção que confirma a regra: quem ficou com Dilma até o fim foi varrido do mapa político local.

    Foi o efeito combinado de rejeição popular, hemorragia de quadros e isolamento político. Sobre este último, o PT nunca teve vocação majoritária nos municípios. Suas vitórias vinham construídas sobre um sistema de alianças. Que desmoronou a partir da crise federal.

    O enfraquecimento extremo do PT e seu campo de influência será lido num primeiro momento como favorável ao governo Michel Temer. Mas terá um efeito complicado, também já previsto aqui: oposição fraca costuma ser a senha para o surgimento e crescimento de apetites internos.

    Se quatro anos atrás a eleição de Fernando Haddad mascarou o já então perceptível desgaste da longevidade do PT no poder, e foi vista como sinal de resiliência “vermelha”, a vitória de João Dória será lida como a antevisão de uma onda “azul" em 2018.

    E tem lógica. Se o eleitor puniu o PSDB em quatro disputas presidenciais sucessivas por causa do desastroso segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, é razoável supor que a punição do PT pelos catastróficos resultados de Dilma Rousseff não se esgotará nesta disputa municipal.

    Ou seja, assistiremos agora ao acender dos apetites. O PMDB está no poder e imagina-se que queira mantê-lo. Já o PSDB vê-se com a mão na taça daqui a dois anos, com as previsíveis consequências nas ambições domésticas. E a administração Temer tem uma agenda complicada para tocar no Congresso.

    E a política é como nuvem, dizia o experiente político mineiro. Muda num piscar de olhos.

    A esquerda hoje derrotada pode perfeitamente renascer lá na frente a partir de uma agenda de resistência aos cortes de gastos sociais e supressão de direitos adquiridos. O eleitorado apresenta grande volatilidade e o megaestoque dos que agora não votaram em ninguém pode ser, e será, objeto de atração futura.

    Para isso o PT precisará lidar com a inevitável tentação a radicalizar. Poderia começar aceitando que suas derrotas políticas e eleitorais têm decorrido não das alianças que fez, mas das que não fez. Resta saber quanto durará o luto, e o quanto ele influenciará em 2018. Mas é improvável que não haja agora alguma modalidade de luta interna.

    Sobre os partidos médios, a partir da força mantida estarão disponíveis daqui a dois anos para eventuais dissidências nos grandes blocos com vocação hegemônica. Quem estiver infeliz com os rumos da legenda terá um amplo leque à disposição. O mercado eleitoral estará agitado.

    Por prudência, porém, é sempre bom lembrar de alguns detalhes. 2018 está muito longe, a recuperação da economia não será esfuziante, a Lava-Jato continuará convivendo com a política brasileira por muito tempo e o sistema político brasileiro é movediço.

    Prestar atenção:

  • As alianças para o 2o. turno das eleições municipais
  • Delações premiadas na Lava-Jato

  • Troca de chumbo político a partir de fatos novos da Lava-Jato
  • A PEC do teto de gastos