segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

A Justiça decidirá os candidatos em 2018, mas o desfecho será sempre político

A combinação entre os efeitos da Lava-Jato, da Ficha Limpa e da jurisprudência em desenho no STF sobre a restrição a réus na linha de sucessão presidencial dará ao Ministério Público e ao Judiciário uma força inédita na definição dos candidatos a presidente em 2018.

A Ficha Limpa já impede candidatura de condenado em segunda instância ou em órgão colegiado. E se o Supremo decide que réu não pode suceder o presidente, tampouco poderá concorrer a presidente, a prevalecer a lógica.

Um juiz de primeira instância já pode, portanto, impedir hoje a candidatura a presidente de quem não possui prerrogativa de foro. E se for mesmo revogado esse "foro privilegiado", qualquer juiz terá poder de veto sobre qualquer candidatura.

Como dizia o Conselheiro Acácio, as consequências vêm sempre depois. O cipoal de leis, normas e jurisprudências produzido a partir da pressão da opinião pública, do dito clamor "popular", vai legando um sistema de entropia crescente. No qual, além de tudo, a disputa eleitoral não acaba.

A desorganização é progressiva. Um sintoma é a incrível porcentagem de possíveis irregularidades na última eleição municipal. Quase 50%. É uma taxa que, houvesse racionalidade na análise, produziria um debate sobre eventuais problemas na legislação.

Mas não há ambiente social para ponderações assim. A pressão -nascida do justo desejo de criar uma política mais limpa- é por mais leis, mais inelegibilidades, mais intervenção judicial. Apesar de não haver indício de que a judicialização esteja a produzir qualidade na representação parlamentar ou no preenchimento dos cargos executivos.

(O Brasil gosta de produzir leis e normas para acreditar ter resolvido os problemas, ainda que eles continuem e até se agravem. Temos uma endeusada Lei de Responsabilidade Fiscal e, apesar disso, estados e municípios estão quebrados. É um bom retrato do país.)

Se juntarmos a sabedoria do Conselheiro ao ensinamento clássico de que quando você transforma a realidade ela também transforma você, a crescente judicialização da política vai produzindo a cada vez maior politização do Judiciário. Ou partidarização.

Se a cada decisão do Congresso os derrotados recorrem ao STF, é natural, quase obrigatório, que este acabe se dividindo em "partidos". Em 1964, as Forças Armadas começaram como o "Partido da Revolução", e logo dividiram-se em facções em luta, que queriam o poder e divergiam sobre como seguir com a dita cuja.

(Atenção: não estou traçando um paralelo estrito entre os fatos de hoje e os de meio século atrás; apenas recorro ao exemplo para lembrar que quando uma instituição externa ocupa o lugar dos políticos é inevitável que se politize e se partidarize.)

É o espírito do tempo, contra o qual pouco adianta reclamar. E há motivos fortes para que tenhamos chegado a isso. O principal deles é que o sistema político legado pela Constituinte impede a renovação endógena, não há descartes endógenos. Os partidos têm dono. E há necessidade portanto de força externa para impor a mudança.

Daí que o debate hoje esteja centrado não no rumo que cada corrente política pretende dar ao país, mas na dúvida sobre quem dos candidatos ao Planalto estará denunciado, condenado ou preso daqui a menos de dois anos.

Mas dois políticos, pelo menos, já perceberam a armadilha.

Luiz Inacio Lula da Silva e Michel Temer, um pela internet e outro em rede nacional, falaram neste fim de ano sobre como acreditam que o Brasil vai voltar a se desenvolver e gerar emprego e renda. Pois se é verdade que a Justiça vai filtrar os nomes, no final quem decidirá será o eleitor. E o eleitor decide, em última instância, com o bolso.

No final, em 2018 (ou já no próximo ano, se o TSE cassar Temer, e se houver eleição direta), o turno decisivo será disputado entre quem acredita que o melhor caminho econômico para o Brasil é um programa principalmente liberal e quem defende o primado do desenvolvimentismo estatal.

Essa peleja não será decidida pela polícia, pelos promotores, pelos juízes ou pela imprensa. Para sorte, aliás, de todos esses. Cada um dos dois campos terá um ou mais de um candidato, que inclusive contará com o apoio de eventuais condenados ou presos, e o eleitor vai escolher.

Também por isso, será inteligente acompanhar até que ponto a "ponte para o futuro" de Temer produzirá resultados. O desfecho de daqui a dois anos depende essencialmente disso. Temer sabe, e Lula também.

Feliz 2017 a todos.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Os riscos para Michel Temer num 2017 com certeza turbulento, e o risco principal

Faltam menos de duas semanas para 2016 dar lugar a 2017, e Michel Temer tem imensa possibilidade de atravessar a data fatídica que fechará a via constitucional para um eventual sucessor extraordinário ser escolhido pela via direta. Não deixa de ser um alívio para a atribulada administração.

Temer preferiria que o único tema do debate fossem as reformas liberais. Os cães ladrariam e a caravana passaria. Mas a incerteza econômica, as delações premiadas e as crises endógenas (Caso Calero) fizeram o governo chegar ao fim do ano com a sobrevivência, se não ameaçada, em discussão.

Listamos aqui alguns riscos a monitorar para saber se Temer presidente chega a 31 de dezembro de 2018.

1. Conflito de poderes e corporativismo judiciário são ameaça à recuperação econômica. É baixo o risco de o STF derrubar a proibição constitucional de aumento real nos gastos públicos aprovada pelo Congresso. Mas a eventual perenização dos choques entre Legislativo e Judiciário pode acrescentar incerteza econômica num quadro já bastante movediço.

E não se deve subestimar a reação judiciária à combinação dos dois garrotes: o teto de gastos e o bloqueio aos supersalários, que ainda precisa passar na Câmara dos Deputados. Sem falar na reforma da previdência social, outro foco de grande insatisfação.

O risco de o STF derrubar o teto constitucional de gastos está em 20%. Já o fim dos supersalários pode ser objeto de uma negociação política entre Congresso e Supremo. No momento, alguma reforma da previdência tem 60% de probabilidade de aprovação.

2. Gigantescas manifestações anti-Temer ainda são improváveis. A reprovação do governo é alta e a potencial resistência social às reformas também é grande. Mas as manifestações de rua contra o governo e seus aliados no Congresso têm sido pequenas. Não há, nem em formação, uma maioria política que pense ser vital para o país tirar Temer da Presidência.

O risco imediato de imensas mobilizações populares anti-Temer está em 10%. A oposição política debilitou-se gravemente no impeachment e nas eleições. E o discurso “Fora Temer” é mais luta pelo mercado eleitoral oposicionista do que objetivo real de quem discursa.

Mas é bom ficar de olho nas reações à reforma da previdência.

3. PSDB é instável, mas ajuda, por enquanto, a estabilizar o governo. A instabilidade produzida pela disputa interna do PSDB é outro foco potencial de graves problemas para o governo. A administração começou como uma aliança PMDB-PSDB, mas as seguidas atribulações do partido do presidente vêm invertendo na prática a relação de forças.

Para sorte do Planalto, a maioria dos líderes e dirigentes tucanos querem entrar mais no governo, e não sair. Mas é algo que deve ser monitorado em tempo real. Se o PSDB farejar contaminação das possibilidade eleitorais de 2018 a inquietação vai aumentar.

4. Risco principal é Temer perder a eleição para presidente da Câmara dos Deputados. Seria um iceberg no casco. É vital para o governo não perder a eleição para a Presidência da Câmara dos Deputados. O novo presidente substituirá Temer se este cair, e conduzirá a eventual eleição do substituto, pelo Congresso. Um presidente da Câmara recém-eleito, e na cadeira, seria candidato forte na indireta.

O novo presidente da Câmara poderia, de olho no cargo imediatamente acima, aceitar um pedido de impeachment de Temer, o que teria efeito sobre as demais variáveis. Seria o catalisador de manifestações de rua, paralisaria a agenda liberal e criaria uma pressão imensa sobre o PSDB.

E o novo ambiente político incidiria sobre o julgamento da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral. E tudo sob a sombra permanente da Lava-Jato.

Não será trivial para os operadores políticos do Palácio do Planalto amarrar as pontas da sucessão na Câmara. Precisam combinar harmonicamente interesses múltiplos e muitas vezes contraditórios. A reforma ministerial deve entrar no jogo. Nisso, só uma certeza: o governo não pode se dar ao luxo de perder.

Temer não está em condições de deixar surgir esse novo personagem no palco da conturbada política nacional.