segunda-feira, 27 de novembro de 2017

A viabilidade do novo enfrenta seu primeiro inverno. Além de tudo, Bolsonaro chegou antes.

As coisas podem mudar de repente, como diz o slogan, mas é visível a dificuldade de consolidar na corrida presidencial candidatos novos e já vitaminados. Um novo é João Amoêdo, que ainda não tem voto mas sobrevive, também por ser de fato novo e não apenas no nome do partido. Os demais carregam velhices no passivo, e isso cobra seu preço alguma hora.

João Doria entrou na arena política pelas mãos de Geraldo Alckmin, que governa São Paulo pela quarta vez. E o prefeito precisa mostrar serviço na cidade. Mas as vacas estão magras. Doria não pode nem pensar em brigar com Michel Temer. Sem um partido para chamar de seu, resta-lhe negociar com donos dos cartórios tradicionais. Vai ficando com cara de velho.

Luciano Huck é conhecido da TV. É um ativo, mas também embute um passivo potencial. Huck é o novo com trajetória empresarial aparentemente reta, mas construiu relações pessoais, de negócios e políticas com alguns alvos do momento na fogueira que queima o país. Há o risco de rápido envelhecimento quando exposto às labaredas de uma campanha presidencial.

Os candidatos a novo enfrentam um obstáculo adicional: boa parte do desejo de renovação vem sendo capturado por Jair Bolsonaro. Ele representa melhor a rejeição aos políticos que comandam o Brasil desde a redemocratização. Se Amoêdo é o cansaço com o Estado onipresente, Bolsonaro é o cansaço com a metodologia da Nova República, desde Tancredo-Sarney.

Bolsonaro é o novo mais autêntico porque não tem compromissos ou vínculos com as últimas três décadas da política nacional. E Amoêdo é o novo mais ideológico porque, sem nunca ter governado nada, pode prometer realizar o sonho do pedaço que detesta o Estado e enxerga na assim chamada livre-iniciativa o vetor de libertação da sociedade.

Os demais, velhos ou novos-velhos, têm os ônus da sua trajetória e suas circunstâncias, diria Ortega y Gasset. E, por enquanto, vão sendo descartados. Também porque o ambiente não anda mais tão propício assim para a agitação pura e a raiva. Como já disse em análise anterior, é possível que o cansaço com a confusão já esteja maior que o cansaço com os políticos.

Mas também pode ser que não. Enquanto os candidatos a novo vão deixando a cena e a política tradicional corre atrás da feitiçaria do momento, o tal centro, abre-se um espaço potencial para o crescimento de Bolsonaro e para que Amoêdo ganhe o mínimo de musculatura. Ou mesmo para que Marina Silva volte a abocanhar alguma fatia relevante no debate.

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O ideal dos buscadores do novo é um nome que junte o novo e o centro. Mas não está fácil achar. Não há nada mais velho na política brasileira do que a esquerda ou a direita autoplugando-se a palavra “centro” para vestir um figurino palatável na eleição. E se há mesmo um desejo difuso de renovação, o sonho centrista está restrito por enquanto só aos alquimistas.

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Michel Temer saiu da intervenção cardíaca mais animado para tentar a reeleição. Os movimentos são claros. Promove um expurgo no tradicionalmente flácido PMDB, não deixa desgarrar o PSDB aecista, insiste na reforma da previdência, sem o que seu brand reformista ficará baqueado. Aliás nem precisa fazer a reforma, basta que trabalhe por ela.

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As previsões para o crescimento da economia brasileira em 2018 já oscilam em torno de 3%. Lula continuará com forte mercado eleitoral porque a recuperação do emprego não será igualmente brilhante e a memória de seu governo é forte, em emprego, renda e crédito. Mas, um ambiente de alívio depois da longa e brutal recessão vai ajudar o governismo.

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Temer não precisaria ser candidato se houvesse um amplo acordo no bloco governista em torno de um nome que oferecesse e garantisse conforto político futuro às forças hoje no poder. A instabilidade do PSDB dificulta essa convergência. E se o governo estiver algo melhor em 2018 por que deveria oferecer gratuitamente o doce aos tucanos?

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

O risco de duas ondas opostas deve preocupar o PT. E pode abrir caminho para uma candidatura Temer

Um primeiro olhar sobre o cenário eleitoral mostra o campo à esquerda relativamente coeso em torno de Lula, com alguns pequenos focos de dispersão. Já do lado oposto prevalecem por enquanto as forças centrífugas. Bolsonaro parece ter um público cativo que é de um terço a metade do de Lula. O resto pulveriza-se entre alguns e o nenhum.

Lula tem uma força e uma fraqueza. A força é dele próprio, ele é o dono dos votos de um terço dos brasileiros. A fraqueza relativa é de seu campo político, que hoje está algo isolado. O PT ganhou quatro eleições presidenciais fazendo alianças com pedaços da direita. A urna ainda está longe, mas os sinais são de que isso pode ser mais difícil agora.

A direita tem uma fraqueza e uma força. A fraqueza está na relativa anemia eleitoral exibida por enquanto pelos pré-nomes. O protagonista habitual, o PSDB, não aparece bem, e ninguém desponta até o momento para ocupar o espaço. A força está no antipetismo e no antilulismo: esse argumento tem potencial para criar uma onda antivermelha num eventual segundo turno.

Lula sabe disso, e manobra para abrir caminhos de aliança, mas as circunstâncias da queda de Dilma e a competente narrativa de denúncia e resistência da esquerda, se ajudam a coesionar, também alimentam radicalização. Não seria sábio subestimar o equilibrismo de Lula, mas mesmo para ele não será trivial. E a falta da caneta também atrapalhará.

Um risco para o PT está na possibilidade de duas ondas opostas: uma vermelha no primeiro turno, talvez até para desagravar o eventualmente impedido Lula, e a antivermelha no segundo, fazendo convergir a direita, o “novo”, a antipolítica e uma parte do eleitorado que ficou em casa no primeiro. Tudo para evitar a volta do PT ao poder.

Assim, é lógico que na, digamos, situação a briga seja de foice. Quem for ao segundo turno, se houver, terá uma narrativa pronta e um magnetismo natural para atrair a maioria dos votos “desperdiçados” no primeiro. Por isso está agitado o PSDB e por isso pululam as ambições. E também por isso começa a surgir a possibilidade de Temer candidato.

Michel Temer possui a caneta e terá o discurso de alguma recuperação econômica. Pode inclusive usar o argumento de que apenas ele tem o compromisso com as reformas liberais e também a capacidade de fazê-las andar. O pior que pode lhe acontecer é perder e ser ejetado do cargo em 2019. Mas isso é o que está programado se ele não for candidato.

A movimentação em torno de uma eventual candidatura Temer, já ensaiada na semana que passou, pode atrapalhar a reforma da previdência e portanto enfraquecer o argumento temerista de que ele é capaz de fazer a coisa passar no Congresso. Mas também pode reforçar o discurso de que só ele tem compromisso verdadeiro com a agenda liberal.

Além do mais, ao correr sozinho, o PMDB adia a decisão sobre quem apoiar. A opção seria uma aliança desde o início com o PSDB. Entretanto, o mundo tucano parece eletrizado pela hipótese de disputar o voto como força de oposição. Não se sabe bem como isso poderia ser explicado ao eleitor, mas sonhar costuma ser grátis, pelo menos até a hora em que a conta chega.

O detalhe é que uma candidatura Temer certamente seria do agrado do PT, ao manter e ampliar a confusão do outro campo. E, já que Lula, inteligentemente, anunciou ter perdoado os que ele chamou de golpistas, nunca é demais lembrar que PT e PMDB estiveram juntos durante pelo menos uma década antes do divórcio de 2016. É bom ficar de olho.

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A lógica projeta que a direita e o automaquiado centro vão acabar convergindo em torno de um nome para ultrapassar Bolsonaro e ir ao segundo turno. Mas nem sempre a lógica prevalece. Na corrida para prefeito de São Paulo, foi tão feroz a disputa pela vaga contra Doria no segundo turno que ele acabou ganhando no primeiro.

Uma boa maneira de Lula e o PT evitarem a onda antivermelha no segundo turno é aproveitar a confusão do outro lado e ganhar no primeiro. É muito difícil, mas não impossível.

domingo, 19 de novembro de 2017

E se Stálin tivesse os EUA?

Desde a morte de Mao Tsé-Tung, a China procura combinar um sistema político socialista e uma economia com fortes componentes capitalistas. E a espetacular prosperidade chinesa destes anos assenta-se, também e principalmente, no acesso aos capitais e ao mercado de consumo do Ocidente, especialmente dos Estados Unidos. Um dia, Mao e Richard Nixon enxergaram longe.

Neste um século da Revolução Bolchevique, nota-se o desejo de sentenciar o sistema da União Soviética como fadado desde o início a fracassar, o que acabou acontecendo em 1991. A derrocada teria duas razões principais: os comunistas soviéticos não preservaram a democracia liberal, desde quando fecharam a Assembléia Constituinte, e garrotearam o mercado.

Quando a ideologia dá espaço à observação da realidade, a tese vira queijo suíço. Não só a China, mas também os Tigres asiáticos, antigos e novos, alcançaram ciclos longos de prosperidade sob governos que um liberal chamaria de despóticos. Alguns transitaram para formas mais ou menos convictas de república constitucional. Alguns não. E todos vão bastante bem, obrigado.

"Ah, mas o modelo não é politicamente sustentável no tempo." Bem, aí já é futurologia. Que tal, então, um pouco de "passadologia"? E se a URSS tivesse tido ao menos quatro décadas de paz e acesso a capitais e mercados de consumo do Ocidente? E se a Nova Política Econômica tivesse podido durar mais?

A NEP (sigla em inglês) foi a distensão pró-mercado que a Rússia/ URSS praticou por um tempo nos anos 20. Por que durou pouco? Sem acesso a capitais e tecnologia externos, o nascente governo soviético centralizou a economia, estatizou o excedente agrícola e investiu tudo na industrialização acelerada.

Os custos humanos foram imensos. Mas esse desenvolvimento permitiu à URSS enfrentar e derrotar a máquina de guerra da Alemanha nazista, a um custo de 25 milhões de mortos - os americanos foram cerca de 500 mil. Não é juízo moral, mas político. Sem a industrialização soviética dos anos 30, Hitler teria arrastado as fichas na Europa.

Depois do conflito de 1939-45, após uma curta paz, veio a Guerra Fria. Ao final, a URSS não conseguiu competir e colapsou. Ironia: Mao rompeu com os soviéticos nos anos 60 também por discordar da "coexistência pacífica, competição pacífica" com o capitalismo, uma tentativa da URSS nos anos pós-Stálin de romper o bloqueio. Mais na frente, foi a China quem aplicou, com grande sucesso, a linha antes renegada.

Mas por que o socialismo soviético precisava da colaboração dos capitalistas? Não é uma contradição? Sim, e a resposta é sabida: por circunstâncias históricas, a revolução aconteceu na Rússia, o assim chamado "elo mais fraco na cadeia imperialista". Quando se tentou fazê-la em seguida na Alemanha, foi esmagada. Em vez de nascer num país capitalista maduro, ela eclodiu e ficou ilhada no país europeu com mais traços feudais.

A URSS acabou já faz um quarto de século. Enquanto isso, a República Popular da China, após quatro décadas de plena integração aos estoques de capital e aos mercados consumidores, decola. Na economia e na geopolítica. E, já que especular é grátis, fica a pergunta incômoda: o que teria sido Josef Stálin se lhe tivessem dado quatro décadas de paz e cooperação com o mundo capitalista desenvolvido?

ALON FEUERWERKER é jornalista e analista político na FSB Comunicação; foi secretário de Redação da Folha

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Publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 19/11/2017

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Para entender 2018 convém olhar a luta entre os dois cansaços: 1) com os políticos e 2) com a confusão

É cômodo caracterizar a disputa interna do PSDB como uma luta de éticos contra fisiológicos, puros contra impuros, tucanos originais contra tucanos perdidos. Uma guerra em que todos sairão mais fracos. Nesta era de ditadura das narrativas e de opressão sobre os fatos, é uma narrativa confortável. Como toda narrativa confortável, convém desconfiar, ao menos para testar.

Também teria sido razoável desconfiar da ideia de que o governo Michel Temer tinha desistido da reforma da previdência. Pela simples razão de que a única razão de o governo Temer existir é tentar fazer as reformas assepticamente chamadas de pró-mercado. Sem apontar para elas, ele não teria ultrapassado as duas votações na Câmara.

O contra-ataque do establishment tucano e o apego do governo Temer às reformas são os dois movimentos fundamentais na dança-tentativa de construir uma candidatura antipetista capaz de ganhar a eleição e também governar. Diferentemente de outras ocasiões em que se buscou um “novo”, é provável que desta vez o segundo vetor tenha um protagonismo relevante.

A sucessão presidencial será decidida num combate entre candidatos, partidos e blocos, sim. Mas também num braço de ferro entre dois cansaços: o cansaço com os políticos e o cansaço com a confusão. Seria um erro subestimar tanto um como outro. O Brasil parece querer livrar-se de ambos num único movimento, num único voto. Mas, e se não for possível?

Se, na eleição, o cansaço com os políticos estiver maior que o cansaço com a confusão, é provável que o eleitor decida por mais confusão para finalmente tentar dar cabo da atual elite política. Mas, se o cansaço com a confusão prevalecer, é possível que ele se incline para um dito político, na esperança de acabar com a confusão, ou impedir sua volta.

O apelo pelo “novo” é periodicamente sexy, mas enfrentará agora pelo menos dois problemas. 1) Os dois últimos presidentes, cada um à sua moda, “novos” foram derrubados e 2) a economia parece ter saído do estado de depressão profunda. Se o medo sempre tem um papel a desempenhar em campanhas eleitorais, não é tão difícil projetar que ele terá aqui uma oportunidade. Inflação baixa e algum crescimento não são de se jogar fora.

Eis por que há espaço para a movimentação de Lula e de Alckmin. Ambos buscam o perfil ideal, cada um em seu campo. Tentam consolidar a ideia de que conseguirão governar, sem entretanto deixar de se colocar como força de renovação. O tucano cultiva suas conexões com os cabeças-pretas, enquanto o petista lança sinais de que governará com menos compromissos.

Claro que a vida real é mais complicada. Nem Alckmin pode simplesmente lançar o velho PSDB ao mar, nem Lula pode se dar ao luxo de desprezar possíveis alianças. Sendo ele próprio candidato ou com outro nome, Lula sabe que uma coisa é ir ao segundo turno numa onda vermelha, outra coisa é fechar a eleição com metade mais um do voto válido. A lembrança de 1989 está disponível.

Observemos os fatos. Já disse algumas vezes: eles costumam ser teimosos.

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A reforma da previdência será aprovada. Agora. Ou em 2018. Ou em 2019. Nenhum futuro governo escapará de fazê-la, ou continuá-la, pela simples razão de que se alguma reforma da previdência não for feita o teto de gastos garroteará o orçamento e não será possível governar. O teatro da política talvez imponha ao eleitor um novo estelionato. Com os riscos nele embutidos.

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É da política que se tente aproveitar a fragilidade jurídica de Lula para recolher parte do capital político dele, eventualmente desgarrado. Vêm desse fato tanto ensaios como Luciano Huck, com sua suposta penetração entre os pobres, como as candidaturas de esquerda supostamente críticas ao PT.

É da política, mas tanto num como noutro caso será preciso avaliar se foi a tática mais inteligente. Dispersar forças não costuma ser inteligente.

domingo, 12 de novembro de 2017

Um Congresso de Viena no século 21

A passagem dos 100 anos da Revolução Bolchevique enseja, também no Brasil, um desfile de pseudoanálises marcadas pela a-historicidade. Um divórcio absoluto entre o fato histórico e suas circunstâncias, seu contexto. Ignoram-se, principalmente, os constrangimentos que as limitações da realidade impunham aos personagens.

É a “história de supermercado”. E supermercado chique. Os protagonistas disporiam de múltiplas opções, como os produtos finos numa bem abastecida gôndola, e devem ser julgados conforme suas escolhas tenham sido “certas” ou “erradas”.

A Revolução Russa é a única sobre a qual se debatem “erros” e “acertos”. Não há uma polêmica real, por exemplo, sobre supostos “erros” da Revolução Americana, ou da Francesa. Os Estados Unidos tornaram-se independentes sem abolir a escravidão. Tirando o “lunatic fringe” multiculturalista, ninguém propõe renegar Washington e Jefferson por causa disso.

A bizarrice pseudoanalítica sobre Lenin e os seus tem duas razões principais: uma é o envolvimento pessoal pretérito de analistas e comentaristas de hoje com movimentos que de algum modo beberam dos fatos de outubro/novembro de 1917. Há uma necessidade psíquica patológica de “estar certo” ou “ter estado certo”, por exemplo, na escolha de lados entre Trotsky e Stalin.

A segunda razão é mais sofisticada: debater a sério a Revolução de Outubro é abrir o cérebro para a possibilidade de o capitalismo talvez não ser eterno. Caricaturar o socialismo russo é como trancar Napoleão Bonaparte em Santa Helena e tocar adiante um Congresso de Viena sem hora para acabar, e em pleno século 21. Oferece a sensação de ter travado a perigosa marcha dos acontecimentos.

Um exemplo prático de a-historicidade são as lamúrias sobre a “oportunidade democrática perdida” quando o poder bolchevique instituído insurrecionalmente fechou a Assembleia Constituinte, eleita antes da insurreição. “Ah, como teria sido bom se os mencheviques tivessem ganhado!”.

Mas não se costuma perguntar por que a Constituinte não conseguiu oferecer qualquer resistência ao seu fechamento. Ou por que os bolcheviques venceram a guerra civil contra a ampla coalizão de potências estrangeiras e adversários internos. Ou por que, um quarto de século depois, a União Soviética foi o único país europeu a oferecer resistência militar real contra o nazismo, derrotando-o afinal.

Essas perguntas têm uma resposta óbvia, habitual e convenientemente ignorada: a revolução e o socialismo russos dispuseram, durante longas décadas, de esmagador apoio social. Porque foram ao encontro das demandas históricas da multidão de oprimidos pelo czarismo.

Porque tiraram a Rússia da desastrosa Primeira Guerra Mundial. Porque fizeram finalmente a reforma agrária sempre barrada pelos czares. Porque socializaram as grandes empresas e deram cidadania aos operários e camponeses. Porque em pouco mais de duas décadas realizaram, nas novas condições, o sonho de Pedro, o Grande: arrancaram o país do feudalismo e transformaram numa superpotência industrial.

Porque evitaram o colapso nacional definitivo e a escravização do povo eslavo que decorreria de uma derrota para Adolf Hitler.

Os russos e o conjunto da humanidade têm um débito com os povos e líderes da então União Soviética.

Essa constatação não é nem deve ser salvo-conduto para a adulação, ou para a cegueira. Mas deveria funcionar, até por pudor, como freio à ignorância propositalmente induzida e ao consumo indiscriminado de falsificações históricas. Elas fazem mal à saúde intelectual. E ideologia demais emburrece.

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Artigo publicado originalmente no site poder360.com.br

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

As pesquisas não mostram polarização entre extremos, mostram Lula e uma momentânea pulverização

A ideia de que as pesquisas trazem uma polarização entre extremos para as eleições do ano que vem é útil para vender a necessidade de uma candidatura dita de centro, mas tem pouca aderência à realidade. Ainda não há polarização, o autodeclarado centro não é tão de centro assim e é duvidoso que Lula venha com uma plataforma radical.

1) Ainda não há polarização

As pesquisas mostram Lula com algo entre 40% ou um pouco mais de votos válidos. Tem sido o patamar dele ou do candidato dele desde 2002, no primeiro turno. Há portanto uma aglutinação natural de bases sociais a favor de um nome, Lula, que tem clara liderança sobre esse pedaço da sociedade, à esquerda no leque político.

Do outro lado, há uma ainda dispersão, também natural, por causa de um certo vácuo de liderança política e de movimentos especulativos. A direita hoje se divide entre conservadores radicais, liberais de vários tons e outsiders sobrevoando a batalha à espera da hora de pousar para devorar os cadáveres. É razoável supor também aqui certa convergência futura.

2) Só o grupo de Marina está ao centro

O centro político é construção mercadológica útil para uma direita ou uma esquerda que buscam evitar a estigmatização político-eleitoral. Um centrismo mais viável é o ajuntamento de gente de direita e de esquerda por ganhos táticos, com uma disputa mortal já contratada para depois da chegada ao poder. A única pré-candidatura hoje com esses traços é Marina.

No segundo turno de 2014, os votos dela migraram em proporções substanciais para os dois lados. Caso ela não vá à decisão ano que vem, é razoável supor que o fenômeno se repita. No caso dos demais, a migração será maciçamente para o nome da direita que estiver na disputa. Assim como os votos de Ciro Gomes teriam destino certo para Lula.

3) Fazer previsões definitivas sobre Lula é um risco

Os adversários caracterizarem Lula como radical é caminho tão previsível quanto arriscado. O próprio Lula pode desmontar isso facilmente com gestos simples em direção ao empresariado e ao sistema político tradicional, movimentos para os quais tem know-how acumulado. O antilulismo é uma escolha óbvia, mas é também uma armadilha.

O maior desafio do eleito em 2018 será acelerar e melhorar a qualidade da criação de empregos. A agenda será de libertação de forças produtivas. A disputa de 2018 não será entre pró-capitalistas e anticapitalistas, mas sobre como fazer o bolo crescer e melhor distribuí-lo. Lula leva vantagem até agora pois está mais identificado com a prosperidade e o distributivismo.

Entretanto...

4) O centro não existe, mas é uma marca. Ser “de centro” é um ativo

A construção em torno do centrismo é ficcional, mas a realidade virtual também é real. Por isso, não só Lula, mas também os candidatos da direita fazem e farão movimentos para mostrar que não estão nos extremos. Uns vão aos Estados Unidos para elogiar o liberalismo, outros mostram preocupação social, outros ainda apoiam causas comportamentais da moda.

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Lula levar a candidatura até o limite do limite do limite faz sentido como cálculo eleitoral. A barafunda jurídica não vai economizar confusões, e não apenas na corrida presidencial. O espírito do tempo faz prever grande protagonismo e ativismo do Judiciário na eleição. Com sentenças e recursos em profusão. A bagunça vem aí.

Quanto mais perto da eleição Lula estiver quando -e se- for finalmente impugnado, maior será seu poder de transferência de votos para um eventual substituto ou até, em hipótese aí sim extrema, para o puro e simples boicote. Que não seria totalmente inédito, pois já aconteceu no regime militar. Talvez inéditas seriam suas proporções.