O que esperar e observar daqui até a eleição?
Oposição de esquerda. A variável decisiva será mesmo Lula. O ex-presidente atingiu por enquanto um objetivo: manter a autoridade absoluta no seu campo político. Os petardos da Justiça e da imprensa sobre ele e o PT, não necessariamente nesta ordem, poderiam ter enfraquecido a hegemonia sobre o conjunto da esquerda. Não aconteceu.
Há aqui e ali ensaios de alternativa. Mas não mostram por enquanto força para desafiar a ordem unida do chefe da tribo. Parecem mais movimentos para se fazerem ouvir por Lula e pelo PT, não polos reais de contestação à liderança tradicional. Se o PT não se complicar, os alternativos certa hora serão bem pressionados a caminhar com a formação principal.
A tática petista para enfrentar a quase certa inelegibilidade de Lula é inteligente, ou a única possível: levar a candidatura às últimas consequências e transformar os processos contra o ex-presidente em fatos 100% da política, terreno bem mais fácil para Lula defender-se. Mas a tática embute um risco importante. Os prazos podem conspirar contra o plano.
Um partido só pode trocar de candidato ao Executivo a até vinte dias da eleição. Se a impugnação definitiva de Lula vier antes, ele possivelmente indicará um substituto no PT. Mas, e se for depois? Lula e o partido ficarão espremidos entre boicotar e eleição ou apoiar um nome das legendas que estiverem na disputa. Ou substituir antes de a Justiça decidir. Complicado.
Se não será simples resolver, menos ainda executar. Outro fator é que se Lula for recondenado pelo TRF-4 e impugnado é provável que aumentem as pressões para tirá-lo não apenas da eleição mas também de circulação. Impedi-lo de fazer campanha e articular por um eventual substituto. Especialmente se as pesquisas futuras confirmarem as atuais sobre transferência.
Situação e novos. No estoque de votos não lulistas e fora da esquerda clássica, as variáveis a monitorar serão 1) a convergência ou não entre PSDB e PMDB/governo, 2) a resiliência de Bolsonaro, 3) o potencial de crescimento de Marina e Álvaro Dias, 4) as incógnitas, como João Amoêdo. O cenário projeta que aqui a pulverização deve permanecer até pelo menos agosto.
Ainda é cedo para dizer que o governo entrou em trajetória de recuperação de imagem, mas se as próximas pesquisas confirmarem vai esquentar a disputa para ver quem será o candidato oficial, mesmo com Temer amargando más avaliações. A narrativa de manter a reanimação da economia e evitar a volta do PT seria competitiva tanto num como noutro turno.
O risco principal para Lula e os dele é o campo governista aparecer com um novo no velho, um nome leve mas montado em ampla aliança de partidos e contando com o apoio de um governo que já não esteja em situação desastrosa. A vida do PT também complica se tucanos e peemedebistas convergirem. Mais ainda se for em torno do tal nome leve. Mas não está fácil.
Sobre os novos sem máquina, têm como fazer alguma colheita na forte rejeição à política e aos políticos. E devem contar com a ajuda talvez involuntária, mas objetiva, de novos e espetaculares fatos na esfera policial-judicial. Entretanto, além de lhes faltar apoio político estruturado, enfrentam ainda outra barreira: a aparente resiliência de Bolsonaro. Ele durará?
Todas as projeções apostam na economia rodando acima de 3% ao ano na eleição. Mesmo que não leve às nuvens um candidato do governismo, isso enfraqueceria o apelo para mudanças radicais, tanto pelo PT como pelo novo. O desejo de continuidade é diretamente proporcional ao risco de perda. Foi assim que o PT ganhou as últimas eleições.
E tem o imprevisível. Como já se disse aqui algumas vezes, uma característica do imprevisível é a dificuldade de prever quando ou como vem. Mas é sempre bom contar com ele na hora de fazer projeções.
*
Se tudo correr conforme o roteiro, esta análise de conjuntura volta quando o processo eleitoral for precipitado pelo julgamento do recurso de Lula no TRF-4. Ou antes, se algum fato exigir.
Alon Feuerwerker
jornalista e analista político
bio -> https://pt.wikipedia.org/wiki/alon_feuerwerker
segunda-feira, 25 de dezembro de 2017
quarta-feira, 20 de dezembro de 2017
O parlamentarismo que os parlamentaristas não curtem
O parlamentarismo volta e meia dá as caras como panaceia para enfrentar as crises de falta de hegemonia do Executivo. É preciso mesmo resolver esse problema. O Brasil virou um país cronicamente ingovernável, e é urgente restabelecer o poder moderador da chefia de governo. O atual "caos de baixa intensidade” é também resultado da movimentação muitas vezes atabalhoada dos demais poderes e do Ministério Público para tentar preencher o vácuo.
No parlamentarismo cresce em tese o estímulo a que o Congresso se alinhe ao Executivo, para evitar o risco de dissolução e convocação de novas eleições. Claro que na prática é possível um parlamentarismo com seguidas trocas de governo, ao sabor dos realinhamentos no Legislativo, mesmo entre dois pleitos. Ainda mais com nossa grande quantidade de partidos. Mas na teoria seria um sistema com menos freios para o Planalto tocar suas políticas.
Um complicador: a coisa já foi rejeitada duas vezes quando se chamou o eleitor brasileiro a decidir em plebiscito. A razão é sabida. Foram duas tentativas de mexer na soberania popular, transferindo poderes de presidentes (ou vices) eleitos diretamente, para Congressos de baixíssimo prestígio. Da última vez, o apoio do establishment econômico, político e comunicacional foi maciço, mas insuficiente para convencer o eleitor. O instinto da massa prevaleceu de novo.
As tentativas de implantar o parlamentarismo no Brasil costumam carregar um fardo: o de virem pelas mãos de quem quer muito o poder mas tem pouco voto. A exceção que confirmou a regra: os parlamentaristas não lembraram de implantar o sistema quando chegaram ao Palácio do Planalto. O PSDB poderia ter tomado a iniciativa no governo de Fernando Henrique Cardoso. Preferiu introduzir a reeleição para presidente. Isso deve querer dizer algo.
Um mesmo conceito pode virar do avesso em novas circunstâncias. O parlamentarismo nasceu como instrumento para impor a soberania popular contra monarquias absolutistas. Onde teve esse papel acabou emplacando, em certos casos até hoje. Quando se tenta fazer o contrário, limitar o poder do povo sobre o governo, o contexto passa a ser completamente outro. Por isso, dizer que “vai funcionar aqui porque funciona em países desenvolvidos” é bobagem.
Se os parlamentaristas querem convencer de que o parlamentarismo é bom, precisam primeiro dar um jeito de ele vir para aumentar a influência da população sobre o governo, e não diminuir. E não é tão difícil assim construir argumentos. Numa contribuição ao debate, segue abaixo um punhadinho de mexidas que ajudariam a reduzir a resistência do povão, acho eu. Só não sei se os parlamentaristas vão curtir, mas sugerir não tira pedaço.
Poderiam começar estendendo para a Câmara dos Deputados o princípio de “um homem, um voto”, que hoje já vale na eleição de presidente. Cada estado teria deputados federais na exata proporção do eleitorado. Em caso de voto distrital, cada distrito teria aproximadamente o mesmo número de eleitores, em todo o país. Se o voto de todos é igual para eleger o presidente no presidencialismo, é justo que seja igual para indicar o primeiro-ministro no parlamentarismo.
Num segundo passo, a eleição dos primeiros-ministros ficaria bem parecida com a de presidente hoje, mas ligada à formação do Congresso. Ao votar no premiê, o eleitor daria automaticamente o voto a uma lista estadual de deputados federais ou a um candidato distrital. Cada partido ou coalizão teria um nome nacional na disputa de primeiro-ministro. Lula lideraria um bloco. Alckmin poderia liderar outro. Nesse sistema, até FHC se animaria, quem sabe?, a testar sua liderança.
Com essas duas medidas singelas o financiamento das campanhas estaria bem encaminhado. Cada partido ou coalizão teria os mesmos recursos e tempo de TV, desde que tivesse recebido, digamos, 5% dos votos das eleições anteriores para a Câmara dos Deputados. Todas as legendas ou alianças que não tivessem atingido os 5% no último pleito poderiam arrecadar de pessoas físicas e empresas até o limite da cota partidária.
Mas tenho dúvidas se os parlamentaristas topam. Você, leitor, que é inteligente, já percebeu por quê. Porque haveria o risco de eleger primeiro-ministro no parlamentarismo quem de todo modo se elegeria presidente no presidencialismo, só que com mais chance de ter maioria parlamentar para governar tranquilo. Mas não é isso que os parlamentaristas querem? Governo com maioria parlamentar que lhe dê estabilidade? Sim, mas só se for o governo deles. Eis a questão.
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Publicado originalmente no www.poder.com.br
No parlamentarismo cresce em tese o estímulo a que o Congresso se alinhe ao Executivo, para evitar o risco de dissolução e convocação de novas eleições. Claro que na prática é possível um parlamentarismo com seguidas trocas de governo, ao sabor dos realinhamentos no Legislativo, mesmo entre dois pleitos. Ainda mais com nossa grande quantidade de partidos. Mas na teoria seria um sistema com menos freios para o Planalto tocar suas políticas.
Um complicador: a coisa já foi rejeitada duas vezes quando se chamou o eleitor brasileiro a decidir em plebiscito. A razão é sabida. Foram duas tentativas de mexer na soberania popular, transferindo poderes de presidentes (ou vices) eleitos diretamente, para Congressos de baixíssimo prestígio. Da última vez, o apoio do establishment econômico, político e comunicacional foi maciço, mas insuficiente para convencer o eleitor. O instinto da massa prevaleceu de novo.
As tentativas de implantar o parlamentarismo no Brasil costumam carregar um fardo: o de virem pelas mãos de quem quer muito o poder mas tem pouco voto. A exceção que confirmou a regra: os parlamentaristas não lembraram de implantar o sistema quando chegaram ao Palácio do Planalto. O PSDB poderia ter tomado a iniciativa no governo de Fernando Henrique Cardoso. Preferiu introduzir a reeleição para presidente. Isso deve querer dizer algo.
Um mesmo conceito pode virar do avesso em novas circunstâncias. O parlamentarismo nasceu como instrumento para impor a soberania popular contra monarquias absolutistas. Onde teve esse papel acabou emplacando, em certos casos até hoje. Quando se tenta fazer o contrário, limitar o poder do povo sobre o governo, o contexto passa a ser completamente outro. Por isso, dizer que “vai funcionar aqui porque funciona em países desenvolvidos” é bobagem.
Se os parlamentaristas querem convencer de que o parlamentarismo é bom, precisam primeiro dar um jeito de ele vir para aumentar a influência da população sobre o governo, e não diminuir. E não é tão difícil assim construir argumentos. Numa contribuição ao debate, segue abaixo um punhadinho de mexidas que ajudariam a reduzir a resistência do povão, acho eu. Só não sei se os parlamentaristas vão curtir, mas sugerir não tira pedaço.
Poderiam começar estendendo para a Câmara dos Deputados o princípio de “um homem, um voto”, que hoje já vale na eleição de presidente. Cada estado teria deputados federais na exata proporção do eleitorado. Em caso de voto distrital, cada distrito teria aproximadamente o mesmo número de eleitores, em todo o país. Se o voto de todos é igual para eleger o presidente no presidencialismo, é justo que seja igual para indicar o primeiro-ministro no parlamentarismo.
Num segundo passo, a eleição dos primeiros-ministros ficaria bem parecida com a de presidente hoje, mas ligada à formação do Congresso. Ao votar no premiê, o eleitor daria automaticamente o voto a uma lista estadual de deputados federais ou a um candidato distrital. Cada partido ou coalizão teria um nome nacional na disputa de primeiro-ministro. Lula lideraria um bloco. Alckmin poderia liderar outro. Nesse sistema, até FHC se animaria, quem sabe?, a testar sua liderança.
Com essas duas medidas singelas o financiamento das campanhas estaria bem encaminhado. Cada partido ou coalizão teria os mesmos recursos e tempo de TV, desde que tivesse recebido, digamos, 5% dos votos das eleições anteriores para a Câmara dos Deputados. Todas as legendas ou alianças que não tivessem atingido os 5% no último pleito poderiam arrecadar de pessoas físicas e empresas até o limite da cota partidária.
Mas tenho dúvidas se os parlamentaristas topam. Você, leitor, que é inteligente, já percebeu por quê. Porque haveria o risco de eleger primeiro-ministro no parlamentarismo quem de todo modo se elegeria presidente no presidencialismo, só que com mais chance de ter maioria parlamentar para governar tranquilo. Mas não é isso que os parlamentaristas querem? Governo com maioria parlamentar que lhe dê estabilidade? Sim, mas só se for o governo deles. Eis a questão.
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Publicado originalmente no www.poder.com.br
segunda-feira, 18 de dezembro de 2017
Dois vetores opostos sobre a reforma da previdência no ano eleitoral. E uma dica de Mark Twain
O senso comum faz concluir que é mais difícil votar em ano eleitoral uma reforma da previdência redutora de direitos. É verdade. Os deputados e senadores candidatos à reeleição ou a outra coisa ficam mais sensíveis à sensibilidade do eleitor. E a maioria dos eleitores brasileiros são contra as mudanças previdenciárias propostas pelo governo de Michel Temer.
O mesmo senso comum diz que em ano de eleição de presidente os candidatos ao cargo serão pressionados a dizer o que farão nos principais temas da pauta econômica, se chegarem lá. E a reforma da previdência é o principal ponto da agenda proposta para estabilizar ou até trazer para baixo a curva que mostra a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto.
Três pontos parecem favoritos a polarizar o debate presidencial de 2018, não necessariamente nesta ordem. Quem é mais honesto. Quem vai mudar os métodos de governar. E o que fazer para acelerar a retomada do crescimento econômico e da criação de empregos. Outros itens, como por exemplo a segurança, prometem produzir mais barulho do que decisão de voto.
O emperramento da reforma da previdência pode acabar criando um problema para o candidato finalmente vitorioso. Por isso, a esquerda esbraveja contra, mas tem esperança de ganhar a eleição e no íntimo torce para que Temer consiga passar algo que libere o novo presidente dessa pauta. Estelionatos eleitorais têm consequências, sabe-se cada vez melhor.
Do outro lado, o cenário é mais complexo. Uma bandeira desse campo serão as reformas liberais. E a disputa pelo apoio do establishment a um ou outro candidato se dará também em função de que nome vai ser mais capaz de vencer e reunir apoio político para dar andamento à agenda proposta pelas forças que depuseram Dilma Rousseff em 2016.
Eis por que, para o governo Temer, tentar passar a reforma ao longo do todo o ano de 2018 talvez seja tão importante, ou até mais importante, do que obter uma vitória rápida. Esta teria certamente bons efeitos na economia, mas o alongamento do debate daria de mão beijada uma narrativa pronta a um eventual candidato do governo ao Planalto.
Em condições normais de temperatura e pressão, a cadeira cativa de candidato liberal-reformista estaria já ocupada pelo PSDB. Mas os tropeços tucanos abrem caminho a outras possibilidades. Geraldo Alckmin ainda pode reagrupar seu campo político habitual. Entretanto, se o governo achar um candidato leve em outro partido a coisa pode complicar-se para os tucanos.
O PMDB comeu poeira do PSDB nos oito anos de Fernando Henrique. Comeu poeira do PT nos oito de Lula e nos quase seis de Dilma. É impensável que o núcleo de governo não esteja pensando num jeito de não voltar à situação de coadjuvante. E a falta de apoio do PSDB à reforma da previdência é uma oportunidade de ouro para alimentar a tentação de abrir outro caminho.
Some-se o fato de que nunca desde 1989 o PSDB largou tão atrás na corrida presidencial, e com tantos problemas. Ou seja, o governo neste momento não enfrenta ainda um adversário consolidado em seu campo. É uma baita janela de oportunidade. Os movimentos do ministro da Fazenda são o melhor sintoma de que alguém já entendeu o essencial do cenário da guerra.
Há portanto dois vetores opostos agindo sobre o andamento da votação da reforma. Vai crescer o medo de votar, para não chatear o eleitor. E vai crescer também o interesse do governo de mostrar que tem compromisso com ela. E o andar do tempo vai aumentar a pressão sobre o PSDB para ajudar a passar uma medida que o partido sempre disse ser indispensável.
Seria prudente adotar para a reforma da previdência a máxima de Mark Twain, quando certo dia anunciaram erradamente que ele tinha morrido. “As notícias sobre minha morte foram muito exageradas", brincou o escritor. De tanto que já anunciaram o fim do mundo e não aconteceu, será inteligente a cada anúncio esperar para ver se o mundo vai acabar mesmo.
Se o PT tivesse de planejar o cenário ideal para dar verossimilhança à narrativa de que foi e está sendo vítima de um golpe de estado continuado, dificilmente faria melhor do que fazem por ele os adversários e inimigos nas várias esferas. Lula, que curte as metáforas futebolísticas, sabe que não basta o goleiro ser bom, precisa ter sorte. Disso ele não pode se queixar.
O mesmo senso comum diz que em ano de eleição de presidente os candidatos ao cargo serão pressionados a dizer o que farão nos principais temas da pauta econômica, se chegarem lá. E a reforma da previdência é o principal ponto da agenda proposta para estabilizar ou até trazer para baixo a curva que mostra a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto.
Três pontos parecem favoritos a polarizar o debate presidencial de 2018, não necessariamente nesta ordem. Quem é mais honesto. Quem vai mudar os métodos de governar. E o que fazer para acelerar a retomada do crescimento econômico e da criação de empregos. Outros itens, como por exemplo a segurança, prometem produzir mais barulho do que decisão de voto.
O emperramento da reforma da previdência pode acabar criando um problema para o candidato finalmente vitorioso. Por isso, a esquerda esbraveja contra, mas tem esperança de ganhar a eleição e no íntimo torce para que Temer consiga passar algo que libere o novo presidente dessa pauta. Estelionatos eleitorais têm consequências, sabe-se cada vez melhor.
Do outro lado, o cenário é mais complexo. Uma bandeira desse campo serão as reformas liberais. E a disputa pelo apoio do establishment a um ou outro candidato se dará também em função de que nome vai ser mais capaz de vencer e reunir apoio político para dar andamento à agenda proposta pelas forças que depuseram Dilma Rousseff em 2016.
Eis por que, para o governo Temer, tentar passar a reforma ao longo do todo o ano de 2018 talvez seja tão importante, ou até mais importante, do que obter uma vitória rápida. Esta teria certamente bons efeitos na economia, mas o alongamento do debate daria de mão beijada uma narrativa pronta a um eventual candidato do governo ao Planalto.
Em condições normais de temperatura e pressão, a cadeira cativa de candidato liberal-reformista estaria já ocupada pelo PSDB. Mas os tropeços tucanos abrem caminho a outras possibilidades. Geraldo Alckmin ainda pode reagrupar seu campo político habitual. Entretanto, se o governo achar um candidato leve em outro partido a coisa pode complicar-se para os tucanos.
O PMDB comeu poeira do PSDB nos oito anos de Fernando Henrique. Comeu poeira do PT nos oito de Lula e nos quase seis de Dilma. É impensável que o núcleo de governo não esteja pensando num jeito de não voltar à situação de coadjuvante. E a falta de apoio do PSDB à reforma da previdência é uma oportunidade de ouro para alimentar a tentação de abrir outro caminho.
Some-se o fato de que nunca desde 1989 o PSDB largou tão atrás na corrida presidencial, e com tantos problemas. Ou seja, o governo neste momento não enfrenta ainda um adversário consolidado em seu campo. É uma baita janela de oportunidade. Os movimentos do ministro da Fazenda são o melhor sintoma de que alguém já entendeu o essencial do cenário da guerra.
Há portanto dois vetores opostos agindo sobre o andamento da votação da reforma. Vai crescer o medo de votar, para não chatear o eleitor. E vai crescer também o interesse do governo de mostrar que tem compromisso com ela. E o andar do tempo vai aumentar a pressão sobre o PSDB para ajudar a passar uma medida que o partido sempre disse ser indispensável.
Seria prudente adotar para a reforma da previdência a máxima de Mark Twain, quando certo dia anunciaram erradamente que ele tinha morrido. “As notícias sobre minha morte foram muito exageradas", brincou o escritor. De tanto que já anunciaram o fim do mundo e não aconteceu, será inteligente a cada anúncio esperar para ver se o mundo vai acabar mesmo.
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Se o PT tivesse de planejar o cenário ideal para dar verossimilhança à narrativa de que foi e está sendo vítima de um golpe de estado continuado, dificilmente faria melhor do que fazem por ele os adversários e inimigos nas várias esferas. Lula, que curte as metáforas futebolísticas, sabe que não basta o goleiro ser bom, precisa ter sorte. Disso ele não pode se queixar.
quarta-feira, 13 de dezembro de 2017
A divisão entre herbívoros e carnívoros mudou de lado
Tempos atrás havia um debate sobre hábitos alimentares da esquerda latino-americana. Tinha a carnívora, liderada pelo venezuelano Hugo Chávez e inspirada em Fidel Castro. E tinha a herbívora, comandada por Luiz Inácio Lula da Silva e mais ideologicamente alinhada com o socialismo europeu ocidental. A separar as duas, o grau de aceitação do capitalismo e da democracia que os clássicos do marxismo chamavam de "burguesa".
Depois que, pelo menos no Brasil, a preferência por uma alimentação puramente vegetal foi insuficiente para evitar o cerco e a tentativa de aniquilamento, a distinção perdeu muito da utilidade prática. Quem ainda tiver dúvidas, faça a experiência: compareça a um encontro qualquer do PT para defender que o PSDB continua, como na origem, uma força política de centro-esquerda. Disponível portanto para alianças progressistas.
Se a classificação pelo tipo de dieta vai perdendo substância na esquerda, ela reaparece agora com esplendor do outro lado, neste prefácio de sucessão presidencial. As engrenagens de modelagem ideológica vão construindo a tese de haver uma direita carnívora, bem retratada por Jair Bolsonaro, em oposição a uma herbívora. Diante da clássica dificuldade de a direita pátria assumir-se como tal, ela sobe ao palco da política com a novíssima narrativa do “centro”.
O que seria esse centro? Talvez uma política econômica de direita com concessões à esquerda nos campos comportamental e ambiental. A combinação da “racionalidade" econômica com a luta "contra todo tipo de preconceito” e “em defesa do meio ambiente". Essa construção avança na disputa pela hegemonia, facilitada desde que a esquerda, pragmaticamente, trocou a velha luta de classes por disputas em que o capitalismo, até o mais voraz, pode adotar o "lado do bem” a um custo baixíssimo (1).
As consequências são nítidas no debate e no noticiário, políticos e econômicos. O nacionalismo era marca registrada da esquerda, mas foi quase abandonado, depois de ter sido carimbado pela direita como sintoma de “atraso”, por recusar a inevitável marcha da história. O curioso é que acreditar em uma “inevitável marcha da história” era até outro dia ridicularizado como sintoma de fossilização intelectual... da esquerda! Quem se beneficia desse abandono da questão nacional? A direita nacionalista, claro.
A esquerda vem sendo tangida para o cercadinho da luta por uma globalização mais humana, mais justa e mais ambientalmente responsável. Longe vão os dias em que o “outro mundo possível” saía no braço nas reuniões do G-8, contra o Fundo Monetário Internacional, contra o Banco Mundial e outros menos votados. Agora estão todos de mãos dadas, sempre diligentes para cuidar que a exploração do homem pelo homem aconteça de um jeito “sustentável”.
Os ideólogos teriam mais trabalho para vender a miragem centrista se nossa esquerda estivesse atenta a temas como: o altíssimo spread bancário (um recorde mundial), os juros escorchantes, a concentração da terra, a necessidade de uma reforma urbana. Qual foi a última vez em que você viu uma liderança expressiva da esquerda hegemônica falando dessas coisas?
——————————
(1) O melhor que li disso, quando já matutava sobre o tema, foi “From Progressive Neoliberalism to Trump - and Beyond”, de acadêmica Nancy Fraser (New School for Social Research, de Nova York). Vale a leitura. O link -> https://americanaffairsjournal.org/2017/11/progressive-neoliberalism-trump-beyond/.
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Publicado originalmente no poder.com.br
Depois que, pelo menos no Brasil, a preferência por uma alimentação puramente vegetal foi insuficiente para evitar o cerco e a tentativa de aniquilamento, a distinção perdeu muito da utilidade prática. Quem ainda tiver dúvidas, faça a experiência: compareça a um encontro qualquer do PT para defender que o PSDB continua, como na origem, uma força política de centro-esquerda. Disponível portanto para alianças progressistas.
Se a classificação pelo tipo de dieta vai perdendo substância na esquerda, ela reaparece agora com esplendor do outro lado, neste prefácio de sucessão presidencial. As engrenagens de modelagem ideológica vão construindo a tese de haver uma direita carnívora, bem retratada por Jair Bolsonaro, em oposição a uma herbívora. Diante da clássica dificuldade de a direita pátria assumir-se como tal, ela sobe ao palco da política com a novíssima narrativa do “centro”.
O que seria esse centro? Talvez uma política econômica de direita com concessões à esquerda nos campos comportamental e ambiental. A combinação da “racionalidade" econômica com a luta "contra todo tipo de preconceito” e “em defesa do meio ambiente". Essa construção avança na disputa pela hegemonia, facilitada desde que a esquerda, pragmaticamente, trocou a velha luta de classes por disputas em que o capitalismo, até o mais voraz, pode adotar o "lado do bem” a um custo baixíssimo (1).
As consequências são nítidas no debate e no noticiário, políticos e econômicos. O nacionalismo era marca registrada da esquerda, mas foi quase abandonado, depois de ter sido carimbado pela direita como sintoma de “atraso”, por recusar a inevitável marcha da história. O curioso é que acreditar em uma “inevitável marcha da história” era até outro dia ridicularizado como sintoma de fossilização intelectual... da esquerda! Quem se beneficia desse abandono da questão nacional? A direita nacionalista, claro.
A esquerda vem sendo tangida para o cercadinho da luta por uma globalização mais humana, mais justa e mais ambientalmente responsável. Longe vão os dias em que o “outro mundo possível” saía no braço nas reuniões do G-8, contra o Fundo Monetário Internacional, contra o Banco Mundial e outros menos votados. Agora estão todos de mãos dadas, sempre diligentes para cuidar que a exploração do homem pelo homem aconteça de um jeito “sustentável”.
Os ideólogos teriam mais trabalho para vender a miragem centrista se nossa esquerda estivesse atenta a temas como: o altíssimo spread bancário (um recorde mundial), os juros escorchantes, a concentração da terra, a necessidade de uma reforma urbana. Qual foi a última vez em que você viu uma liderança expressiva da esquerda hegemônica falando dessas coisas?
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(1) O melhor que li disso, quando já matutava sobre o tema, foi “From Progressive Neoliberalism to Trump - and Beyond”, de acadêmica Nancy Fraser (New School for Social Research, de Nova York). Vale a leitura. O link -> https://americanaffairsjournal.org/2017/11/progressive-neoliberalism-trump-beyond/.
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Publicado originalmente no poder.com.br
segunda-feira, 11 de dezembro de 2017
A batalha morro acima do PSDB e um possível efeito-bumerangue da condenação e inabilitação de Lula
Desde 1994, quando o PSDB conquistou a hegemonia no campo que ocupa as faixas do meio para a direita, tem sido possível prever com razoável certeza o desfecho das corridas presidenciais: um tucano contra um petista. Na esquerda, a hegemonia está definida desde 1989, quando Lula superou Brizola por diferença estreitíssima e foi ao segundo turno.
Há perturbações de tempos em tempos. A rejeição ao governo Fernando Henrique fez Serra passar aperto com Garotinho e Ciro em 2002. Marina apareceu com votos em 2010, e ameaçou Aécio em 2014. Mas no fim a inércia acabou impondo-se e a disputa sempre convergiu para a polarização entre vermelhos e azuis.
Lula e o PT consolidaram a liderança absoluta em seu campo quando, no governo, conquistaram os pobres e o Nordeste. Há pobres e “nordestes” espalhados por todo o país. E, até o impeachment de Dilma, o PSDB vinha sacando confortavelmente da conta aberta quando Fernando Henrique, montado no Real, aliou-se ao PFL para ser o anti-Lula e ganhar a eleição.
2018 ensaia uma certa perturbação no enredo clássico. O paradoxo é a desorganização aparecer no lado vencedor das recentes batalhas políticas. O “se” não resolve nada, mas se Dilma tivesse conseguido ir até o fim é provável que o lado de Lula estivesse agora tão bagunçado quanto. Ou pelo menos algo bagunçado. Até agora, as contestações a ele são residuais.
Já o candidato do PSDB, muito provavelmente Alckmin, tem problemas novos a resolver. Começa atrás, pelo menos, de Marina e Bolsonaro. E precisa ganhar musculatura para trazer o apoio do PMDB e/ou dos partidos que apoiam o governo do PMDB. Só conseguirá se mostrar força e competitividade no campo da direita para desestimular outras ambições.
Para tirar votos de Bolsonaro, o PSDB precisa falar ao eleitor de Bolsonaro. Para tirar de Marina, precisa falar ao dela. Fazer as duas coisas ao mesmo tempo é complexo. Parece que o governador decidiu nesta primeira etapa mirar o hoje vice-líder nas intenções de voto. Tem lógica, mas talvez não vá ser tão simples. O eleitor de Bolsonaro leva jeito de estar entrincheirado.
Bolsonaro oscila em torno dos 10% na pesquisa espontânea. É um estoque bem razoável nesta altura do campeonato. É metade de um Lula. E o eleitor de Bolsonaro é mais convicto que a média. E está pouco propenso a mudar de opinião. E é bem mais militante, hoje, que o eleitor do PSDB. Basta olhar as redes sociais para perceber.
A opção seria tentar sacar do estoque de brancos, nulos, não sei e não vou votar, mas é pouco provável que o voto da antipolítica se converta à política nos primeiros momentos da corrida. Talvez adira no final, não para eleger alguém, mas para evitar a volta de alguém. Por isso, Alckmin é, na teoria, um candidato melhor para o segundo turno do que para o primeiro.
Assim como Lula parece melhor para o primeiro do que para o segundo. Dos nomes do PT e da esquerda, se Lula tem de longe mais chances de passar ao turno final, é o que mais deve enfrentar dificuldades para fechar a eleição. “Evitar a volta do Lula” pode, sim, mobilizar um pedaço ainda adormecido do eleitorado e portanto facilitar a vida dos adversários.
Duvidar do que dizem os políticos é sempre saudável. Os tucanos dizem preferir enfrentar Lula na urna a vê-lo impugnado. É o contrário: eles preferem o petista fora da eleição e esperam o muito provável, que o TRF-4 confirme a primeira instância. Até porque sem Lula a disputa no primeiro turno passa a ser, pelo menos no começo, por duas vagas e não uma só.
Mas, se as pesquisas estiverem certas, e se forem confirmadas, um “candidato de Lula” tem boas chances de passar à decisão. Uma vez ali, com menor rejeição que o ex-presidente, pode ter até mais facilidade para reunir os apoios necessários. Sim, uma eventual inabilitação de Lula pode ter efeito-bumerangue. A beleza da política está também na volatilidade.
E tem Marina, posicionada para colher os frutos da aversão ao establishment político. Ela já tem massa crítica e pode ser um desaguadouro quando, e se, as danças em torno do “novo” derem em nada.
Há perturbações de tempos em tempos. A rejeição ao governo Fernando Henrique fez Serra passar aperto com Garotinho e Ciro em 2002. Marina apareceu com votos em 2010, e ameaçou Aécio em 2014. Mas no fim a inércia acabou impondo-se e a disputa sempre convergiu para a polarização entre vermelhos e azuis.
Lula e o PT consolidaram a liderança absoluta em seu campo quando, no governo, conquistaram os pobres e o Nordeste. Há pobres e “nordestes” espalhados por todo o país. E, até o impeachment de Dilma, o PSDB vinha sacando confortavelmente da conta aberta quando Fernando Henrique, montado no Real, aliou-se ao PFL para ser o anti-Lula e ganhar a eleição.
2018 ensaia uma certa perturbação no enredo clássico. O paradoxo é a desorganização aparecer no lado vencedor das recentes batalhas políticas. O “se” não resolve nada, mas se Dilma tivesse conseguido ir até o fim é provável que o lado de Lula estivesse agora tão bagunçado quanto. Ou pelo menos algo bagunçado. Até agora, as contestações a ele são residuais.
Já o candidato do PSDB, muito provavelmente Alckmin, tem problemas novos a resolver. Começa atrás, pelo menos, de Marina e Bolsonaro. E precisa ganhar musculatura para trazer o apoio do PMDB e/ou dos partidos que apoiam o governo do PMDB. Só conseguirá se mostrar força e competitividade no campo da direita para desestimular outras ambições.
Para tirar votos de Bolsonaro, o PSDB precisa falar ao eleitor de Bolsonaro. Para tirar de Marina, precisa falar ao dela. Fazer as duas coisas ao mesmo tempo é complexo. Parece que o governador decidiu nesta primeira etapa mirar o hoje vice-líder nas intenções de voto. Tem lógica, mas talvez não vá ser tão simples. O eleitor de Bolsonaro leva jeito de estar entrincheirado.
Bolsonaro oscila em torno dos 10% na pesquisa espontânea. É um estoque bem razoável nesta altura do campeonato. É metade de um Lula. E o eleitor de Bolsonaro é mais convicto que a média. E está pouco propenso a mudar de opinião. E é bem mais militante, hoje, que o eleitor do PSDB. Basta olhar as redes sociais para perceber.
A opção seria tentar sacar do estoque de brancos, nulos, não sei e não vou votar, mas é pouco provável que o voto da antipolítica se converta à política nos primeiros momentos da corrida. Talvez adira no final, não para eleger alguém, mas para evitar a volta de alguém. Por isso, Alckmin é, na teoria, um candidato melhor para o segundo turno do que para o primeiro.
Assim como Lula parece melhor para o primeiro do que para o segundo. Dos nomes do PT e da esquerda, se Lula tem de longe mais chances de passar ao turno final, é o que mais deve enfrentar dificuldades para fechar a eleição. “Evitar a volta do Lula” pode, sim, mobilizar um pedaço ainda adormecido do eleitorado e portanto facilitar a vida dos adversários.
Duvidar do que dizem os políticos é sempre saudável. Os tucanos dizem preferir enfrentar Lula na urna a vê-lo impugnado. É o contrário: eles preferem o petista fora da eleição e esperam o muito provável, que o TRF-4 confirme a primeira instância. Até porque sem Lula a disputa no primeiro turno passa a ser, pelo menos no começo, por duas vagas e não uma só.
Mas, se as pesquisas estiverem certas, e se forem confirmadas, um “candidato de Lula” tem boas chances de passar à decisão. Uma vez ali, com menor rejeição que o ex-presidente, pode ter até mais facilidade para reunir os apoios necessários. Sim, uma eventual inabilitação de Lula pode ter efeito-bumerangue. A beleza da política está também na volatilidade.
E tem Marina, posicionada para colher os frutos da aversão ao establishment político. Ela já tem massa crítica e pode ser um desaguadouro quando, e se, as danças em torno do “novo” derem em nada.
quinta-feira, 7 de dezembro de 2017
“Jerusalém Ocidental não é e não será ponto de negociação na busca de um acordo de paz definitivo"
1) Quais serão as consequências (simbólicas e práticas) com a decisão de Donald Trump de mudar a embaixada americana para Jerusalém?
A posição dos Estados Unidos somente reconhece uma realidade, que Jerusalém Ocidental é a capital de Israel. Essa parte da cidade já estava toda dentro da área de soberania de Israel mesmo antes da Guerra dos Seis Dias. Faz parte do território internacionalmente reconhecido como israelense por todos os países que apoiam o direito do estado judeu à existência. Ou seja, não é e não será objeto de negociação na busca de um acordo de paz definitivo. Dentro das fronteiras pré-1967, Israel coloca sua capital onde quiser. Como todo país normal.
2) Há quem diga que esse movimento dos EUA coloca uma pá de cal em negociações de paz que poderiam acontecer. É um passo atrás na solução de dois estados?
Coloca uma pá de cal na ideia de que Israel tem soberania apenas relativa sobre seu território enquanto não aceitar as condições dos países árabes e dos palestinos. Nesse aspecto, enfraquece uma das barreiras à paz, reduz o estímulo a que os palestinos perpetuem o impasse na esperança de que o passar do tempo imponha suas condições para um acordo final. Se você parte da premissa de que o tempo joga a favor dos palestinos, é natural que eles busquem prolongar o impasse. Mas se o tempo começa a jogar contra, cresce o estímulo a encontrar uma solução negociada.
3) Acredita que essa mudança pode dar início a uma nova onda de violência entre israelenses e palestinos?
A violência faz parte da paisagem do Oriente Médio, infelizmente. Então é sempre razoável contar com essa possibilidade. Mas as experiências anteriores mostram que os resultados não foram bons para os palestinos na maioria das vezes. Seria inteligente que buscassem aproveitar a situação do governo Trump, que fez um gesto importante agora a favor de Israel e portanto tem mais legitimidade para apoiar reivindicações palestinas e árabes. Mas nunca é demais lembrar a máxima de Abba Eban: ele dizia que os árabes (na época não se usava a expressão “palestinos") nunca perdem a oportunidade de perder uma oportunidade.
4) Há quem afirme que essa decisão é apenas um reconhecimento histórico. Você concorda?
É essencialmente um gesto político. Os Estados Unidos reconheceram no seu talvez principal aliado de hoje um país com plena soberania sobre seu território. Tem muita lógica do ângulo das relações internacionais.
========== Entrevista ao Instituto Brasil-Israel
A posição dos Estados Unidos somente reconhece uma realidade, que Jerusalém Ocidental é a capital de Israel. Essa parte da cidade já estava toda dentro da área de soberania de Israel mesmo antes da Guerra dos Seis Dias. Faz parte do território internacionalmente reconhecido como israelense por todos os países que apoiam o direito do estado judeu à existência. Ou seja, não é e não será objeto de negociação na busca de um acordo de paz definitivo. Dentro das fronteiras pré-1967, Israel coloca sua capital onde quiser. Como todo país normal.
2) Há quem diga que esse movimento dos EUA coloca uma pá de cal em negociações de paz que poderiam acontecer. É um passo atrás na solução de dois estados?
Coloca uma pá de cal na ideia de que Israel tem soberania apenas relativa sobre seu território enquanto não aceitar as condições dos países árabes e dos palestinos. Nesse aspecto, enfraquece uma das barreiras à paz, reduz o estímulo a que os palestinos perpetuem o impasse na esperança de que o passar do tempo imponha suas condições para um acordo final. Se você parte da premissa de que o tempo joga a favor dos palestinos, é natural que eles busquem prolongar o impasse. Mas se o tempo começa a jogar contra, cresce o estímulo a encontrar uma solução negociada.
3) Acredita que essa mudança pode dar início a uma nova onda de violência entre israelenses e palestinos?
A violência faz parte da paisagem do Oriente Médio, infelizmente. Então é sempre razoável contar com essa possibilidade. Mas as experiências anteriores mostram que os resultados não foram bons para os palestinos na maioria das vezes. Seria inteligente que buscassem aproveitar a situação do governo Trump, que fez um gesto importante agora a favor de Israel e portanto tem mais legitimidade para apoiar reivindicações palestinas e árabes. Mas nunca é demais lembrar a máxima de Abba Eban: ele dizia que os árabes (na época não se usava a expressão “palestinos") nunca perdem a oportunidade de perder uma oportunidade.
4) Há quem afirme que essa decisão é apenas um reconhecimento histórico. Você concorda?
É essencialmente um gesto político. Os Estados Unidos reconheceram no seu talvez principal aliado de hoje um país com plena soberania sobre seu território. Tem muita lógica do ângulo das relações internacionais.
========== Entrevista ao Instituto Brasil-Israel
Jerusalém é apenas uma questão de soberania
Israel é um país soberano com fronteiras internacionalmente reconhecidas nos limites anteriores à Guerra dos Seis Dias, de 1967. Jerusalém Ocidental faz parte do território israelense anterior a 1967, onde funcionam o Executivo, o Legislativo e o Judiciário do país. Todas as autoridades, inclusive brasileiras, mantêm encontros com autoridades de Israel em Jerusalém Ocidental. Lula esteve lá. Ou seja, na prática, Jerusalém Ocidental é a capital de Israel.
Mas, se se aceita a soberania de Israel sobre as terras que compunham o país antes de 1967, deve-se admitir também que Jerusalém Ocidental é a capital de direito. É lógica elementar. Que norma dá à comunidade internacional a prerrogativa de dizer se a capital dos Estados Unidos deve ser Washington ou Nova York? Ou se a brasileira deve ficar em Brasília ou voltar para o Rio de Janeiro? Isso seria considerado uma ingerência inaceitável.
Na partilha da Palestina, há 70 anos, foi decidido que Jerusalém deveria manter um status especial, internacional. Isso foi ultrapassado pelos fatos no terreno. De 1949 a 1967 Jerusalém Oriental esteve sob a soberania da Jordânia. Passou à soberania israelense quando os exércitos árabes combinados foram derrotados em junho de 1967. Hoje, os palestinos reivindicam a parte oriental da cidade como capital de seu futuro estado.
O destino de Jerusalém Ocidental não está em questão. Sempre foi, é, e será parte de Israel. Com exceção das forças que declaram o propósito de aniquilar Israel, o que só seria possível com o aniquilamento da população local, a soberania do Estado judeu sobre as terras a oeste da Cidade Velha é ponto pacífico. Assim como deveria ser ponto pacífico o direito de os israelenses instalarem sua capital em qualquer pedaço de seu território de antes de 1967.
Uma das sedes da Copa da Rússia será em Kaliningrado. Antes da Segunda Guerra ali era Konigsberg, a capital alemã da muito alemã Prússia Oriental. Uma “olhadela” no mapa (sempre é bom consultar mapas antes de opinar sobre disputas territoriais) revela que não há continuidade entre a região de Kaliningrado e a Rússia desde que a URSS acabou e os países bálticos ganharam independência. Isso diz algo.
Imaginar que certo dia Israel vá abrir mão da soberania em Jerusalém Ocidental é tão realista quanto acreditar que a Rússia vai devolver Kaliningrado à Alemanha, ou que os Estados Unidos vão devolver o Texas para o México. Entretanto, a decisão do presidente Donald Trump de colocar em prática uma lei do então presidente Bill Clinton e reconhecer Jerusalém como capital de Israel é classificada como imprudente e polêmica.
A decisão de Trump só é polêmica para quem não admite a soberania de Israel em nenhuma parte da área entre o Jordão e o Mediterrâneo. Quanto ao argumento de que a área foi conquistada militarmente, e não em negociações de paz, talvez deva-se universalizar o critério. Talvez a ONU devesse reabrir o debate sobre todas as fronteiras no planeta decorrentes de realidades no campo de batalha. Incluindo as terras brasileiras a oeste de Tordesilhas.
Só há um caminho para a paz entre israelenses e palestinos: reconhecer as realidades no terreno, aceitar ambas as soberanias sobre territórios demograficamente definidos, estabelecer mecanismos firmes de segurança, promover a integração econômica que abra caminho para a convivência frutífera de ambos os povos. Mas isso não será possível enquanto os palestinos acreditarem que, com guerras ou artimanhas diplomáticas, vão eliminar o estado judeu. E é apenas disso que se trata.
==========
Artigo publicado originalmente no site poder360.com.br
Mas, se se aceita a soberania de Israel sobre as terras que compunham o país antes de 1967, deve-se admitir também que Jerusalém Ocidental é a capital de direito. É lógica elementar. Que norma dá à comunidade internacional a prerrogativa de dizer se a capital dos Estados Unidos deve ser Washington ou Nova York? Ou se a brasileira deve ficar em Brasília ou voltar para o Rio de Janeiro? Isso seria considerado uma ingerência inaceitável.
Na partilha da Palestina, há 70 anos, foi decidido que Jerusalém deveria manter um status especial, internacional. Isso foi ultrapassado pelos fatos no terreno. De 1949 a 1967 Jerusalém Oriental esteve sob a soberania da Jordânia. Passou à soberania israelense quando os exércitos árabes combinados foram derrotados em junho de 1967. Hoje, os palestinos reivindicam a parte oriental da cidade como capital de seu futuro estado.
O destino de Jerusalém Ocidental não está em questão. Sempre foi, é, e será parte de Israel. Com exceção das forças que declaram o propósito de aniquilar Israel, o que só seria possível com o aniquilamento da população local, a soberania do Estado judeu sobre as terras a oeste da Cidade Velha é ponto pacífico. Assim como deveria ser ponto pacífico o direito de os israelenses instalarem sua capital em qualquer pedaço de seu território de antes de 1967.
Uma das sedes da Copa da Rússia será em Kaliningrado. Antes da Segunda Guerra ali era Konigsberg, a capital alemã da muito alemã Prússia Oriental. Uma “olhadela” no mapa (sempre é bom consultar mapas antes de opinar sobre disputas territoriais) revela que não há continuidade entre a região de Kaliningrado e a Rússia desde que a URSS acabou e os países bálticos ganharam independência. Isso diz algo.
Imaginar que certo dia Israel vá abrir mão da soberania em Jerusalém Ocidental é tão realista quanto acreditar que a Rússia vai devolver Kaliningrado à Alemanha, ou que os Estados Unidos vão devolver o Texas para o México. Entretanto, a decisão do presidente Donald Trump de colocar em prática uma lei do então presidente Bill Clinton e reconhecer Jerusalém como capital de Israel é classificada como imprudente e polêmica.
A decisão de Trump só é polêmica para quem não admite a soberania de Israel em nenhuma parte da área entre o Jordão e o Mediterrâneo. Quanto ao argumento de que a área foi conquistada militarmente, e não em negociações de paz, talvez deva-se universalizar o critério. Talvez a ONU devesse reabrir o debate sobre todas as fronteiras no planeta decorrentes de realidades no campo de batalha. Incluindo as terras brasileiras a oeste de Tordesilhas.
Só há um caminho para a paz entre israelenses e palestinos: reconhecer as realidades no terreno, aceitar ambas as soberanias sobre territórios demograficamente definidos, estabelecer mecanismos firmes de segurança, promover a integração econômica que abra caminho para a convivência frutífera de ambos os povos. Mas isso não será possível enquanto os palestinos acreditarem que, com guerras ou artimanhas diplomáticas, vão eliminar o estado judeu. E é apenas disso que se trata.
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Artigo publicado originalmente no site poder360.com.br
segunda-feira, 4 de dezembro de 2017
Lula retoma músculos conforme aumentam as tensões que atrapalham a convergência da coalizão antilulista
Eleições em dois turnos, ou com apenas dois candidatos viáveis, como nos Estados Unidos, tendem a ser decididas com forte influência da taxa de rejeição. Mais que para eleger, a urna mobiliza-se para evitar a eleição de alguém, ou alguéns. As últimas quatro disputas presidenciais no Brasil, por exemplo, deram a vitória a blocos liderados pelo PT, mas antitucanos.
O Datafolha deste fim de semana traz como maior novidade a ampliação da vantagem de Lula sobre os adversários no segundo turno. Isso é consistente com duas variáveis. Uma mensurável: a taxa de rejeição do ex-presidente vem caindo. A outra não se mede com números: são as dificuldades objetivas e subjetivas para montar uma ampla coalizão antilulista.
A maior dificuldade objetiva é que os dois partidos-guia do impeachment de Dilma Rousseff querem ambos o protagonismo político no novo governo, a caneta. Temer não vê por que ceder aos tucanos sem luta. E o PSDB, como outros, cultiva um permanente “projeto de poder”. Considera-se, e não se pode impedi-lo de achar isso, naturalmente indicado para governar.
O problema é contornável, se se quiser contornar, conforme o tempo decantar as ambições inviáveis e o establishment pressionar por uma “alternativa racional”. O recente antitemerismo de parte da elite cederá espaço ao temor de uma polarização definitiva Lula x Bolsonaro. O apelo “programático” virá forte, assim como as desconstruções focalizadas nos indesejáveis.
É sempre arriscado contar em excesso com a racionalidade política dos agentes, mas essa aliança à direita ainda é viável. O desafio maior é subjetivo: a forte dispersão ideológica. É muito mais simples hoje agrupar uma frente lulista do que uma antilulista. As tensões centrífugas operam com muito mais intensidade no segundo campo do que no primeiro.
O antilulismo de agora é formado por cinco afluentes principais: o antipetismo político, o pró-capitalismo radical, o conservadorismo moral, o horror à esquerda e a rejeição ao que se convencionou chamar de velha política. O problema dos alquimistas da direita é juntar todos esses ingredientes num único bolo que seja digerível. A busca frustrada do novo é sintoma da dificuldade.
Quanto do bolsonarismo se disporia a trocá-lo por um tucano clássico para vitaminar a frente antilulista? Quantos eleitores tucanos estariam dispostos a apoiar Bolsonaro contra Lula? O eleitorado de Marina na hora h vai à direita ou à esquerda? Em 2014 ele se dividiu. O agronegócio apoiaria Marina contra Lula? E a velha política, teria alguma razão para priorizar o antilulismo?
Outro complicador: o antilulismo popular declina à medida que a memória do governo Dilma dilui e ela vai ficando com o passivo, e Lula com o ativo. A campanha eleitoral reavivará a lembrança de “Dilma, a indicada de Lula”, mas convencer de que, por isso, um eventual governo Lula será ruim exigirá competência única dos construtores de narrativas. Não vai ser trivial.
Outra escolha não trivial é a do PSDB. Se ajudar a aprovar a reforma da Previdência, o otimismo econômico fortalecerá o governo. Se a reforma empacar e isso levar os investidores a colocar o pé no freio, à espera de qual bicho vai dar em outubro, quem se beneficia é Lula, ou o candidato de Lula. O PSDB, em resumo, conseguiu ser sitiado numa posição perde-perde.
Um efeito da resiliência de Lula e da anemia do festejado (por enquanto só na imprensa) centro será os olhares voltarem-se cada vez mais para o Judiciário. Não se faz omelete sem quebrar os ovos. Mas conforme o tempo passa aumenta a capacidade de transferência de votos de Lula para o “candidato do Lula”. É outro dado importante do Datafolha. Meio disfarçado, mas está lá.
A Lava-Jato vem com tudo no ano eleitoral, anunciam seus comandantes. Há duas maneiras de ela influir na eleição: 1) pedindo votos para candidatos que defendam as propostas da Lava-Jato e 2) criando fatos policiais e judiciais com impacto potencial no ânimo do eleitor. Esta eleição não terá como ser chata. Promete ser a mais animada de todos os tempos.
O Datafolha deste fim de semana traz como maior novidade a ampliação da vantagem de Lula sobre os adversários no segundo turno. Isso é consistente com duas variáveis. Uma mensurável: a taxa de rejeição do ex-presidente vem caindo. A outra não se mede com números: são as dificuldades objetivas e subjetivas para montar uma ampla coalizão antilulista.
A maior dificuldade objetiva é que os dois partidos-guia do impeachment de Dilma Rousseff querem ambos o protagonismo político no novo governo, a caneta. Temer não vê por que ceder aos tucanos sem luta. E o PSDB, como outros, cultiva um permanente “projeto de poder”. Considera-se, e não se pode impedi-lo de achar isso, naturalmente indicado para governar.
O problema é contornável, se se quiser contornar, conforme o tempo decantar as ambições inviáveis e o establishment pressionar por uma “alternativa racional”. O recente antitemerismo de parte da elite cederá espaço ao temor de uma polarização definitiva Lula x Bolsonaro. O apelo “programático” virá forte, assim como as desconstruções focalizadas nos indesejáveis.
É sempre arriscado contar em excesso com a racionalidade política dos agentes, mas essa aliança à direita ainda é viável. O desafio maior é subjetivo: a forte dispersão ideológica. É muito mais simples hoje agrupar uma frente lulista do que uma antilulista. As tensões centrífugas operam com muito mais intensidade no segundo campo do que no primeiro.
O antilulismo de agora é formado por cinco afluentes principais: o antipetismo político, o pró-capitalismo radical, o conservadorismo moral, o horror à esquerda e a rejeição ao que se convencionou chamar de velha política. O problema dos alquimistas da direita é juntar todos esses ingredientes num único bolo que seja digerível. A busca frustrada do novo é sintoma da dificuldade.
Quanto do bolsonarismo se disporia a trocá-lo por um tucano clássico para vitaminar a frente antilulista? Quantos eleitores tucanos estariam dispostos a apoiar Bolsonaro contra Lula? O eleitorado de Marina na hora h vai à direita ou à esquerda? Em 2014 ele se dividiu. O agronegócio apoiaria Marina contra Lula? E a velha política, teria alguma razão para priorizar o antilulismo?
Outro complicador: o antilulismo popular declina à medida que a memória do governo Dilma dilui e ela vai ficando com o passivo, e Lula com o ativo. A campanha eleitoral reavivará a lembrança de “Dilma, a indicada de Lula”, mas convencer de que, por isso, um eventual governo Lula será ruim exigirá competência única dos construtores de narrativas. Não vai ser trivial.
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Outra escolha não trivial é a do PSDB. Se ajudar a aprovar a reforma da Previdência, o otimismo econômico fortalecerá o governo. Se a reforma empacar e isso levar os investidores a colocar o pé no freio, à espera de qual bicho vai dar em outubro, quem se beneficia é Lula, ou o candidato de Lula. O PSDB, em resumo, conseguiu ser sitiado numa posição perde-perde.
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Um efeito da resiliência de Lula e da anemia do festejado (por enquanto só na imprensa) centro será os olhares voltarem-se cada vez mais para o Judiciário. Não se faz omelete sem quebrar os ovos. Mas conforme o tempo passa aumenta a capacidade de transferência de votos de Lula para o “candidato do Lula”. É outro dado importante do Datafolha. Meio disfarçado, mas está lá.
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A Lava-Jato vem com tudo no ano eleitoral, anunciam seus comandantes. Há duas maneiras de ela influir na eleição: 1) pedindo votos para candidatos que defendam as propostas da Lava-Jato e 2) criando fatos policiais e judiciais com impacto potencial no ânimo do eleitor. Esta eleição não terá como ser chata. Promete ser a mais animada de todos os tempos.
sexta-feira, 1 de dezembro de 2017
Centro é a vovozinha
Reclamar de estelionatos eleitorais é um desperdício de energia. “Tempo de guerra, mentira como terra“, diz o provérbio. Invertendo-se Clausewitz, a política é guerra, só que por outros meios, e a mentira é arma costumeira na luta pelo poder. Há todo tipo de mentira. A mentira completa, a omissão parcial dos fatos, a deformação proposital da realidade, a invenção de perigos inexistentes. E por aí vai.
O PMDB de Ulysses Guimarães iludiu o eleitor em 1986 quando prometeu que manteria o congelamento de preços do Plano Cruzado do governo Sarney. Isso rendeu ao partido uma vitória avassaladora nos estados e uma maioria igualmente esmagadora na Constituinte. Produziu também como efeito retardado, depois que a casa caiu e os preços subiram, o naufrágio de Ulysses na corrida pelo Planalto em 1989. Dali em diante foi só ladeira abaixo para o ex-senhor diretas.
Fernando Henrique Cardoso ocultou a verdade em 1998 quando garantiu que “juntos derrubamos a inflação, agora vamos vencer o desemprego”. O país estava quebrado, mas ele vendeu ao eleitor um cenário róseo. Abertas as urnas, a moeda derreteu. O país afundou na crise e o PSDB nunca mais conseguiu ganhar uma eleição presidencial. Mas FHC obteve para si quatro anos adicionais no Planalto à espera de passar a faixa ao sucessor. Ficou vegetando, mas e daí?
Dilma Rousseff arrancou a fórceps um quarto mandato para o PT à custa de duas ideias: 1) a economia estava muito bem e 2) os adversários, se eleitos, imporiam um plano duríssimo de austeridade, que, por a economia estar bem, era desnecessário e cruel. O resto da história é sabido. A economia não estava bem, a própria Dilma recorreu à austeridade, aí ela ficou fraca e os adversários aproveitaram para derrubá-la por uma questiúncula qualquer.
A diferença de Dilma para os vendedores de ilusões que a antecederam não foi a taxa de inverdades injetadas no ouvido do eleitor: foi a escassez de gordura política para queimar no inverno da impopularidade quando o logro fica evidente. Gordura parlamentar e gordura no establishment. Quando se abriu a chance de arrancar o PT do palácio, o PT percebeu que não fizera amigos verdadeiros nos tempos das vacas gordas. É um erro fatal desde José no Egito.
Uma manobra costumeira é apresentar-se como a única salvação para evitar o perigo iminente e depois esquecer-se do perigo, ou aliar-se a ele. O PT e o velho PMDB, quando este ainda acolhia os futuros tucanos, criaram-se em São Paulo em oposição ao malufismo. Os tucanos romperam com o PMDB tendo o antiquercismo como bandeira, coisa em que o PT era pioneiro. Mais adiante, PSDB, PT, Quércia e Maluf reencontraram-se em felizes alianças e ficou tudo por isso mesmo.
E qual será o vencedor entre os candidatos a mistificação do ano em 2018? Há vários na pista aguardando a largada. Um vem pela mão do PT, quando diz que é desnecessário reformar a Previdência. Se Michel Temer não a reformar agora, e se em 2019 o presidente for do PT, ou apoiado por ele, uma de suas primeiras medidas será tentar mudar a Previdência, como aconteceu em 2003. Até os turistas na Praça dos Três Poderes estão carecas de saber que não há como estabilizar a relação dívida/PIB sem isso.
Outro terreno na lua vem pelas mãos de quem promete governar sem trocar cargos e verbas orçamentárias por apoio no Congresso. O Brasil curte um neobonapartismo meio fascista. “O povo não sabe votar” e elege “maus políticos”, então que venham os salvadores da pátria para governar sem a política, diretamente com as massas. Nunca dá certo, mas sempre rende votos.
Um caminho promissor desta eleição será acusar o PT de fanático da gastança e apresentar tucanos, e outros menos prestigiados pela elite, como guerreiros da responsabilidade fiscal. Os números dizem o contrário. A dívida pública explodiu com FHC e foi contida nos governos Lula e Dilma 1. O governo Temer produziu um deficit primário recorde. Mas quem se importa com números?
Meu palpite principal para campeão da enganação deste pleito é o anunciado “centro”, o redentor. O Brasil estaria ameaçado por perigosos extremistas, e as pessoas de bem deveriam reunir-se mais ou menos ali pelo meio do caminho entre a direita e a esquerda. O centro, entendido como “nem de direita, nem de esquerda”, não resiste a meia dúzia de perguntas. O que seria uma reforma da Previdência de centro? Como seria uma política externa de centro? Como montar um ministério de centro?
Centro político é um conjunto vazio. As sociedades estão divididas por interesses antagônicos. “Centro” é uma palavrinha que direita e esquerda se autoplugam quando precisam escapar de dizer ao eleitor quem vai se dar bem e quem vai pagar a conta. É o Lobo Mau fantasiado de vovozinha esperando para abocanhar a Chapeuzinho Vermelho. Toda vez que você vir alguém se dizendo “de centro”, procure pela esquerda ou direita que pulsam no peito do “centrista”. É um exercício bacana para não fazerem você de bobo na urna eletrônica.
O PMDB de Ulysses Guimarães iludiu o eleitor em 1986 quando prometeu que manteria o congelamento de preços do Plano Cruzado do governo Sarney. Isso rendeu ao partido uma vitória avassaladora nos estados e uma maioria igualmente esmagadora na Constituinte. Produziu também como efeito retardado, depois que a casa caiu e os preços subiram, o naufrágio de Ulysses na corrida pelo Planalto em 1989. Dali em diante foi só ladeira abaixo para o ex-senhor diretas.
Fernando Henrique Cardoso ocultou a verdade em 1998 quando garantiu que “juntos derrubamos a inflação, agora vamos vencer o desemprego”. O país estava quebrado, mas ele vendeu ao eleitor um cenário róseo. Abertas as urnas, a moeda derreteu. O país afundou na crise e o PSDB nunca mais conseguiu ganhar uma eleição presidencial. Mas FHC obteve para si quatro anos adicionais no Planalto à espera de passar a faixa ao sucessor. Ficou vegetando, mas e daí?
Dilma Rousseff arrancou a fórceps um quarto mandato para o PT à custa de duas ideias: 1) a economia estava muito bem e 2) os adversários, se eleitos, imporiam um plano duríssimo de austeridade, que, por a economia estar bem, era desnecessário e cruel. O resto da história é sabido. A economia não estava bem, a própria Dilma recorreu à austeridade, aí ela ficou fraca e os adversários aproveitaram para derrubá-la por uma questiúncula qualquer.
A diferença de Dilma para os vendedores de ilusões que a antecederam não foi a taxa de inverdades injetadas no ouvido do eleitor: foi a escassez de gordura política para queimar no inverno da impopularidade quando o logro fica evidente. Gordura parlamentar e gordura no establishment. Quando se abriu a chance de arrancar o PT do palácio, o PT percebeu que não fizera amigos verdadeiros nos tempos das vacas gordas. É um erro fatal desde José no Egito.
Uma manobra costumeira é apresentar-se como a única salvação para evitar o perigo iminente e depois esquecer-se do perigo, ou aliar-se a ele. O PT e o velho PMDB, quando este ainda acolhia os futuros tucanos, criaram-se em São Paulo em oposição ao malufismo. Os tucanos romperam com o PMDB tendo o antiquercismo como bandeira, coisa em que o PT era pioneiro. Mais adiante, PSDB, PT, Quércia e Maluf reencontraram-se em felizes alianças e ficou tudo por isso mesmo.
E qual será o vencedor entre os candidatos a mistificação do ano em 2018? Há vários na pista aguardando a largada. Um vem pela mão do PT, quando diz que é desnecessário reformar a Previdência. Se Michel Temer não a reformar agora, e se em 2019 o presidente for do PT, ou apoiado por ele, uma de suas primeiras medidas será tentar mudar a Previdência, como aconteceu em 2003. Até os turistas na Praça dos Três Poderes estão carecas de saber que não há como estabilizar a relação dívida/PIB sem isso.
Outro terreno na lua vem pelas mãos de quem promete governar sem trocar cargos e verbas orçamentárias por apoio no Congresso. O Brasil curte um neobonapartismo meio fascista. “O povo não sabe votar” e elege “maus políticos”, então que venham os salvadores da pátria para governar sem a política, diretamente com as massas. Nunca dá certo, mas sempre rende votos.
Um caminho promissor desta eleição será acusar o PT de fanático da gastança e apresentar tucanos, e outros menos prestigiados pela elite, como guerreiros da responsabilidade fiscal. Os números dizem o contrário. A dívida pública explodiu com FHC e foi contida nos governos Lula e Dilma 1. O governo Temer produziu um deficit primário recorde. Mas quem se importa com números?
Meu palpite principal para campeão da enganação deste pleito é o anunciado “centro”, o redentor. O Brasil estaria ameaçado por perigosos extremistas, e as pessoas de bem deveriam reunir-se mais ou menos ali pelo meio do caminho entre a direita e a esquerda. O centro, entendido como “nem de direita, nem de esquerda”, não resiste a meia dúzia de perguntas. O que seria uma reforma da Previdência de centro? Como seria uma política externa de centro? Como montar um ministério de centro?
Centro político é um conjunto vazio. As sociedades estão divididas por interesses antagônicos. “Centro” é uma palavrinha que direita e esquerda se autoplugam quando precisam escapar de dizer ao eleitor quem vai se dar bem e quem vai pagar a conta. É o Lobo Mau fantasiado de vovozinha esperando para abocanhar a Chapeuzinho Vermelho. Toda vez que você vir alguém se dizendo “de centro”, procure pela esquerda ou direita que pulsam no peito do “centrista”. É um exercício bacana para não fazerem você de bobo na urna eletrônica.
segunda-feira, 27 de novembro de 2017
A viabilidade do novo enfrenta seu primeiro inverno. Além de tudo, Bolsonaro chegou antes.
As coisas podem mudar de repente, como diz o slogan, mas é visível a dificuldade de consolidar na corrida presidencial candidatos novos e já vitaminados. Um novo é João Amoêdo, que ainda não tem voto mas sobrevive, também por ser de fato novo e não apenas no nome do partido. Os demais carregam velhices no passivo, e isso cobra seu preço alguma hora.
João Doria entrou na arena política pelas mãos de Geraldo Alckmin, que governa São Paulo pela quarta vez. E o prefeito precisa mostrar serviço na cidade. Mas as vacas estão magras. Doria não pode nem pensar em brigar com Michel Temer. Sem um partido para chamar de seu, resta-lhe negociar com donos dos cartórios tradicionais. Vai ficando com cara de velho.
Luciano Huck é conhecido da TV. É um ativo, mas também embute um passivo potencial. Huck é o novo com trajetória empresarial aparentemente reta, mas construiu relações pessoais, de negócios e políticas com alguns alvos do momento na fogueira que queima o país. Há o risco de rápido envelhecimento quando exposto às labaredas de uma campanha presidencial.
Os candidatos a novo enfrentam um obstáculo adicional: boa parte do desejo de renovação vem sendo capturado por Jair Bolsonaro. Ele representa melhor a rejeição aos políticos que comandam o Brasil desde a redemocratização. Se Amoêdo é o cansaço com o Estado onipresente, Bolsonaro é o cansaço com a metodologia da Nova República, desde Tancredo-Sarney.
Bolsonaro é o novo mais autêntico porque não tem compromissos ou vínculos com as últimas três décadas da política nacional. E Amoêdo é o novo mais ideológico porque, sem nunca ter governado nada, pode prometer realizar o sonho do pedaço que detesta o Estado e enxerga na assim chamada livre-iniciativa o vetor de libertação da sociedade.
Os demais, velhos ou novos-velhos, têm os ônus da sua trajetória e suas circunstâncias, diria Ortega y Gasset. E, por enquanto, vão sendo descartados. Também porque o ambiente não anda mais tão propício assim para a agitação pura e a raiva. Como já disse em análise anterior, é possível que o cansaço com a confusão já esteja maior que o cansaço com os políticos.
Mas também pode ser que não. Enquanto os candidatos a novo vão deixando a cena e a política tradicional corre atrás da feitiçaria do momento, o tal centro, abre-se um espaço potencial para o crescimento de Bolsonaro e para que Amoêdo ganhe o mínimo de musculatura. Ou mesmo para que Marina Silva volte a abocanhar alguma fatia relevante no debate.
O ideal dos buscadores do novo é um nome que junte o novo e o centro. Mas não está fácil achar. Não há nada mais velho na política brasileira do que a esquerda ou a direita autoplugando-se a palavra “centro” para vestir um figurino palatável na eleição. E se há mesmo um desejo difuso de renovação, o sonho centrista está restrito por enquanto só aos alquimistas.
Michel Temer saiu da intervenção cardíaca mais animado para tentar a reeleição. Os movimentos são claros. Promove um expurgo no tradicionalmente flácido PMDB, não deixa desgarrar o PSDB aecista, insiste na reforma da previdência, sem o que seu brand reformista ficará baqueado. Aliás nem precisa fazer a reforma, basta que trabalhe por ela.
As previsões para o crescimento da economia brasileira em 2018 já oscilam em torno de 3%. Lula continuará com forte mercado eleitoral porque a recuperação do emprego não será igualmente brilhante e a memória de seu governo é forte, em emprego, renda e crédito. Mas, um ambiente de alívio depois da longa e brutal recessão vai ajudar o governismo.
Temer não precisaria ser candidato se houvesse um amplo acordo no bloco governista em torno de um nome que oferecesse e garantisse conforto político futuro às forças hoje no poder. A instabilidade do PSDB dificulta essa convergência. E se o governo estiver algo melhor em 2018 por que deveria oferecer gratuitamente o doce aos tucanos?
João Doria entrou na arena política pelas mãos de Geraldo Alckmin, que governa São Paulo pela quarta vez. E o prefeito precisa mostrar serviço na cidade. Mas as vacas estão magras. Doria não pode nem pensar em brigar com Michel Temer. Sem um partido para chamar de seu, resta-lhe negociar com donos dos cartórios tradicionais. Vai ficando com cara de velho.
Luciano Huck é conhecido da TV. É um ativo, mas também embute um passivo potencial. Huck é o novo com trajetória empresarial aparentemente reta, mas construiu relações pessoais, de negócios e políticas com alguns alvos do momento na fogueira que queima o país. Há o risco de rápido envelhecimento quando exposto às labaredas de uma campanha presidencial.
Os candidatos a novo enfrentam um obstáculo adicional: boa parte do desejo de renovação vem sendo capturado por Jair Bolsonaro. Ele representa melhor a rejeição aos políticos que comandam o Brasil desde a redemocratização. Se Amoêdo é o cansaço com o Estado onipresente, Bolsonaro é o cansaço com a metodologia da Nova República, desde Tancredo-Sarney.
Bolsonaro é o novo mais autêntico porque não tem compromissos ou vínculos com as últimas três décadas da política nacional. E Amoêdo é o novo mais ideológico porque, sem nunca ter governado nada, pode prometer realizar o sonho do pedaço que detesta o Estado e enxerga na assim chamada livre-iniciativa o vetor de libertação da sociedade.
Os demais, velhos ou novos-velhos, têm os ônus da sua trajetória e suas circunstâncias, diria Ortega y Gasset. E, por enquanto, vão sendo descartados. Também porque o ambiente não anda mais tão propício assim para a agitação pura e a raiva. Como já disse em análise anterior, é possível que o cansaço com a confusão já esteja maior que o cansaço com os políticos.
Mas também pode ser que não. Enquanto os candidatos a novo vão deixando a cena e a política tradicional corre atrás da feitiçaria do momento, o tal centro, abre-se um espaço potencial para o crescimento de Bolsonaro e para que Amoêdo ganhe o mínimo de musculatura. Ou mesmo para que Marina Silva volte a abocanhar alguma fatia relevante no debate.
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O ideal dos buscadores do novo é um nome que junte o novo e o centro. Mas não está fácil achar. Não há nada mais velho na política brasileira do que a esquerda ou a direita autoplugando-se a palavra “centro” para vestir um figurino palatável na eleição. E se há mesmo um desejo difuso de renovação, o sonho centrista está restrito por enquanto só aos alquimistas.
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Michel Temer saiu da intervenção cardíaca mais animado para tentar a reeleição. Os movimentos são claros. Promove um expurgo no tradicionalmente flácido PMDB, não deixa desgarrar o PSDB aecista, insiste na reforma da previdência, sem o que seu brand reformista ficará baqueado. Aliás nem precisa fazer a reforma, basta que trabalhe por ela.
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As previsões para o crescimento da economia brasileira em 2018 já oscilam em torno de 3%. Lula continuará com forte mercado eleitoral porque a recuperação do emprego não será igualmente brilhante e a memória de seu governo é forte, em emprego, renda e crédito. Mas, um ambiente de alívio depois da longa e brutal recessão vai ajudar o governismo.
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Temer não precisaria ser candidato se houvesse um amplo acordo no bloco governista em torno de um nome que oferecesse e garantisse conforto político futuro às forças hoje no poder. A instabilidade do PSDB dificulta essa convergência. E se o governo estiver algo melhor em 2018 por que deveria oferecer gratuitamente o doce aos tucanos?
segunda-feira, 20 de novembro de 2017
O risco de duas ondas opostas deve preocupar o PT. E pode abrir caminho para uma candidatura Temer
Um primeiro olhar sobre o cenário eleitoral mostra o campo à esquerda relativamente coeso em torno de Lula, com alguns pequenos focos de dispersão. Já do lado oposto prevalecem por enquanto as forças centrífugas. Bolsonaro parece ter um público cativo que é de um terço a metade do de Lula. O resto pulveriza-se entre alguns e o nenhum.
Lula tem uma força e uma fraqueza. A força é dele próprio, ele é o dono dos votos de um terço dos brasileiros. A fraqueza relativa é de seu campo político, que hoje está algo isolado. O PT ganhou quatro eleições presidenciais fazendo alianças com pedaços da direita. A urna ainda está longe, mas os sinais são de que isso pode ser mais difícil agora.
A direita tem uma fraqueza e uma força. A fraqueza está na relativa anemia eleitoral exibida por enquanto pelos pré-nomes. O protagonista habitual, o PSDB, não aparece bem, e ninguém desponta até o momento para ocupar o espaço. A força está no antipetismo e no antilulismo: esse argumento tem potencial para criar uma onda antivermelha num eventual segundo turno.
Lula sabe disso, e manobra para abrir caminhos de aliança, mas as circunstâncias da queda de Dilma e a competente narrativa de denúncia e resistência da esquerda, se ajudam a coesionar, também alimentam radicalização. Não seria sábio subestimar o equilibrismo de Lula, mas mesmo para ele não será trivial. E a falta da caneta também atrapalhará.
Um risco para o PT está na possibilidade de duas ondas opostas: uma vermelha no primeiro turno, talvez até para desagravar o eventualmente impedido Lula, e a antivermelha no segundo, fazendo convergir a direita, o “novo”, a antipolítica e uma parte do eleitorado que ficou em casa no primeiro. Tudo para evitar a volta do PT ao poder.
Assim, é lógico que na, digamos, situação a briga seja de foice. Quem for ao segundo turno, se houver, terá uma narrativa pronta e um magnetismo natural para atrair a maioria dos votos “desperdiçados” no primeiro. Por isso está agitado o PSDB e por isso pululam as ambições. E também por isso começa a surgir a possibilidade de Temer candidato.
Michel Temer possui a caneta e terá o discurso de alguma recuperação econômica. Pode inclusive usar o argumento de que apenas ele tem o compromisso com as reformas liberais e também a capacidade de fazê-las andar. O pior que pode lhe acontecer é perder e ser ejetado do cargo em 2019. Mas isso é o que está programado se ele não for candidato.
A movimentação em torno de uma eventual candidatura Temer, já ensaiada na semana que passou, pode atrapalhar a reforma da previdência e portanto enfraquecer o argumento temerista de que ele é capaz de fazer a coisa passar no Congresso. Mas também pode reforçar o discurso de que só ele tem compromisso verdadeiro com a agenda liberal.
Além do mais, ao correr sozinho, o PMDB adia a decisão sobre quem apoiar. A opção seria uma aliança desde o início com o PSDB. Entretanto, o mundo tucano parece eletrizado pela hipótese de disputar o voto como força de oposição. Não se sabe bem como isso poderia ser explicado ao eleitor, mas sonhar costuma ser grátis, pelo menos até a hora em que a conta chega.
O detalhe é que uma candidatura Temer certamente seria do agrado do PT, ao manter e ampliar a confusão do outro campo. E, já que Lula, inteligentemente, anunciou ter perdoado os que ele chamou de golpistas, nunca é demais lembrar que PT e PMDB estiveram juntos durante pelo menos uma década antes do divórcio de 2016. É bom ficar de olho.
A lógica projeta que a direita e o automaquiado centro vão acabar convergindo em torno de um nome para ultrapassar Bolsonaro e ir ao segundo turno. Mas nem sempre a lógica prevalece. Na corrida para prefeito de São Paulo, foi tão feroz a disputa pela vaga contra Doria no segundo turno que ele acabou ganhando no primeiro.
Uma boa maneira de Lula e o PT evitarem a onda antivermelha no segundo turno é aproveitar a confusão do outro lado e ganhar no primeiro. É muito difícil, mas não impossível.
Lula tem uma força e uma fraqueza. A força é dele próprio, ele é o dono dos votos de um terço dos brasileiros. A fraqueza relativa é de seu campo político, que hoje está algo isolado. O PT ganhou quatro eleições presidenciais fazendo alianças com pedaços da direita. A urna ainda está longe, mas os sinais são de que isso pode ser mais difícil agora.
A direita tem uma fraqueza e uma força. A fraqueza está na relativa anemia eleitoral exibida por enquanto pelos pré-nomes. O protagonista habitual, o PSDB, não aparece bem, e ninguém desponta até o momento para ocupar o espaço. A força está no antipetismo e no antilulismo: esse argumento tem potencial para criar uma onda antivermelha num eventual segundo turno.
Lula sabe disso, e manobra para abrir caminhos de aliança, mas as circunstâncias da queda de Dilma e a competente narrativa de denúncia e resistência da esquerda, se ajudam a coesionar, também alimentam radicalização. Não seria sábio subestimar o equilibrismo de Lula, mas mesmo para ele não será trivial. E a falta da caneta também atrapalhará.
Um risco para o PT está na possibilidade de duas ondas opostas: uma vermelha no primeiro turno, talvez até para desagravar o eventualmente impedido Lula, e a antivermelha no segundo, fazendo convergir a direita, o “novo”, a antipolítica e uma parte do eleitorado que ficou em casa no primeiro. Tudo para evitar a volta do PT ao poder.
Assim, é lógico que na, digamos, situação a briga seja de foice. Quem for ao segundo turno, se houver, terá uma narrativa pronta e um magnetismo natural para atrair a maioria dos votos “desperdiçados” no primeiro. Por isso está agitado o PSDB e por isso pululam as ambições. E também por isso começa a surgir a possibilidade de Temer candidato.
Michel Temer possui a caneta e terá o discurso de alguma recuperação econômica. Pode inclusive usar o argumento de que apenas ele tem o compromisso com as reformas liberais e também a capacidade de fazê-las andar. O pior que pode lhe acontecer é perder e ser ejetado do cargo em 2019. Mas isso é o que está programado se ele não for candidato.
A movimentação em torno de uma eventual candidatura Temer, já ensaiada na semana que passou, pode atrapalhar a reforma da previdência e portanto enfraquecer o argumento temerista de que ele é capaz de fazer a coisa passar no Congresso. Mas também pode reforçar o discurso de que só ele tem compromisso verdadeiro com a agenda liberal.
Além do mais, ao correr sozinho, o PMDB adia a decisão sobre quem apoiar. A opção seria uma aliança desde o início com o PSDB. Entretanto, o mundo tucano parece eletrizado pela hipótese de disputar o voto como força de oposição. Não se sabe bem como isso poderia ser explicado ao eleitor, mas sonhar costuma ser grátis, pelo menos até a hora em que a conta chega.
O detalhe é que uma candidatura Temer certamente seria do agrado do PT, ao manter e ampliar a confusão do outro campo. E, já que Lula, inteligentemente, anunciou ter perdoado os que ele chamou de golpistas, nunca é demais lembrar que PT e PMDB estiveram juntos durante pelo menos uma década antes do divórcio de 2016. É bom ficar de olho.
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A lógica projeta que a direita e o automaquiado centro vão acabar convergindo em torno de um nome para ultrapassar Bolsonaro e ir ao segundo turno. Mas nem sempre a lógica prevalece. Na corrida para prefeito de São Paulo, foi tão feroz a disputa pela vaga contra Doria no segundo turno que ele acabou ganhando no primeiro.
Uma boa maneira de Lula e o PT evitarem a onda antivermelha no segundo turno é aproveitar a confusão do outro lado e ganhar no primeiro. É muito difícil, mas não impossível.
domingo, 19 de novembro de 2017
E se Stálin tivesse os EUA?
Desde a morte de Mao Tsé-Tung, a China procura combinar um sistema político socialista e uma economia com fortes componentes capitalistas. E a espetacular prosperidade chinesa destes anos assenta-se, também e principalmente, no acesso aos capitais e ao mercado de consumo do Ocidente, especialmente dos Estados Unidos. Um dia, Mao e Richard Nixon enxergaram longe.
Neste um século da Revolução Bolchevique, nota-se o desejo de sentenciar o sistema da União Soviética como fadado desde o início a fracassar, o que acabou acontecendo em 1991. A derrocada teria duas razões principais: os comunistas soviéticos não preservaram a democracia liberal, desde quando fecharam a Assembléia Constituinte, e garrotearam o mercado.
Quando a ideologia dá espaço à observação da realidade, a tese vira queijo suíço. Não só a China, mas também os Tigres asiáticos, antigos e novos, alcançaram ciclos longos de prosperidade sob governos que um liberal chamaria de despóticos. Alguns transitaram para formas mais ou menos convictas de república constitucional. Alguns não. E todos vão bastante bem, obrigado.
"Ah, mas o modelo não é politicamente sustentável no tempo." Bem, aí já é futurologia. Que tal, então, um pouco de "passadologia"? E se a URSS tivesse tido ao menos quatro décadas de paz e acesso a capitais e mercados de consumo do Ocidente? E se a Nova Política Econômica tivesse podido durar mais?
A NEP (sigla em inglês) foi a distensão pró-mercado que a Rússia/ URSS praticou por um tempo nos anos 20. Por que durou pouco? Sem acesso a capitais e tecnologia externos, o nascente governo soviético centralizou a economia, estatizou o excedente agrícola e investiu tudo na industrialização acelerada.
Os custos humanos foram imensos. Mas esse desenvolvimento permitiu à URSS enfrentar e derrotar a máquina de guerra da Alemanha nazista, a um custo de 25 milhões de mortos - os americanos foram cerca de 500 mil. Não é juízo moral, mas político. Sem a industrialização soviética dos anos 30, Hitler teria arrastado as fichas na Europa.
Depois do conflito de 1939-45, após uma curta paz, veio a Guerra Fria. Ao final, a URSS não conseguiu competir e colapsou. Ironia: Mao rompeu com os soviéticos nos anos 60 também por discordar da "coexistência pacífica, competição pacífica" com o capitalismo, uma tentativa da URSS nos anos pós-Stálin de romper o bloqueio. Mais na frente, foi a China quem aplicou, com grande sucesso, a linha antes renegada.
Mas por que o socialismo soviético precisava da colaboração dos capitalistas? Não é uma contradição? Sim, e a resposta é sabida: por circunstâncias históricas, a revolução aconteceu na Rússia, o assim chamado "elo mais fraco na cadeia imperialista". Quando se tentou fazê-la em seguida na Alemanha, foi esmagada. Em vez de nascer num país capitalista maduro, ela eclodiu e ficou ilhada no país europeu com mais traços feudais.
A URSS acabou já faz um quarto de século. Enquanto isso, a República Popular da China, após quatro décadas de plena integração aos estoques de capital e aos mercados consumidores, decola. Na economia e na geopolítica. E, já que especular é grátis, fica a pergunta incômoda: o que teria sido Josef Stálin se lhe tivessem dado quatro décadas de paz e cooperação com o mundo capitalista desenvolvido?
ALON FEUERWERKER é jornalista e analista político na FSB Comunicação; foi secretário de Redação da Folha
——————————
Publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 19/11/2017
Neste um século da Revolução Bolchevique, nota-se o desejo de sentenciar o sistema da União Soviética como fadado desde o início a fracassar, o que acabou acontecendo em 1991. A derrocada teria duas razões principais: os comunistas soviéticos não preservaram a democracia liberal, desde quando fecharam a Assembléia Constituinte, e garrotearam o mercado.
Quando a ideologia dá espaço à observação da realidade, a tese vira queijo suíço. Não só a China, mas também os Tigres asiáticos, antigos e novos, alcançaram ciclos longos de prosperidade sob governos que um liberal chamaria de despóticos. Alguns transitaram para formas mais ou menos convictas de república constitucional. Alguns não. E todos vão bastante bem, obrigado.
"Ah, mas o modelo não é politicamente sustentável no tempo." Bem, aí já é futurologia. Que tal, então, um pouco de "passadologia"? E se a URSS tivesse tido ao menos quatro décadas de paz e acesso a capitais e mercados de consumo do Ocidente? E se a Nova Política Econômica tivesse podido durar mais?
A NEP (sigla em inglês) foi a distensão pró-mercado que a Rússia/ URSS praticou por um tempo nos anos 20. Por que durou pouco? Sem acesso a capitais e tecnologia externos, o nascente governo soviético centralizou a economia, estatizou o excedente agrícola e investiu tudo na industrialização acelerada.
Os custos humanos foram imensos. Mas esse desenvolvimento permitiu à URSS enfrentar e derrotar a máquina de guerra da Alemanha nazista, a um custo de 25 milhões de mortos - os americanos foram cerca de 500 mil. Não é juízo moral, mas político. Sem a industrialização soviética dos anos 30, Hitler teria arrastado as fichas na Europa.
Depois do conflito de 1939-45, após uma curta paz, veio a Guerra Fria. Ao final, a URSS não conseguiu competir e colapsou. Ironia: Mao rompeu com os soviéticos nos anos 60 também por discordar da "coexistência pacífica, competição pacífica" com o capitalismo, uma tentativa da URSS nos anos pós-Stálin de romper o bloqueio. Mais na frente, foi a China quem aplicou, com grande sucesso, a linha antes renegada.
Mas por que o socialismo soviético precisava da colaboração dos capitalistas? Não é uma contradição? Sim, e a resposta é sabida: por circunstâncias históricas, a revolução aconteceu na Rússia, o assim chamado "elo mais fraco na cadeia imperialista". Quando se tentou fazê-la em seguida na Alemanha, foi esmagada. Em vez de nascer num país capitalista maduro, ela eclodiu e ficou ilhada no país europeu com mais traços feudais.
A URSS acabou já faz um quarto de século. Enquanto isso, a República Popular da China, após quatro décadas de plena integração aos estoques de capital e aos mercados consumidores, decola. Na economia e na geopolítica. E, já que especular é grátis, fica a pergunta incômoda: o que teria sido Josef Stálin se lhe tivessem dado quatro décadas de paz e cooperação com o mundo capitalista desenvolvido?
ALON FEUERWERKER é jornalista e analista político na FSB Comunicação; foi secretário de Redação da Folha
——————————
Publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 19/11/2017
segunda-feira, 13 de novembro de 2017
Para entender 2018 convém olhar a luta entre os dois cansaços: 1) com os políticos e 2) com a confusão
É cômodo caracterizar a disputa interna do PSDB como uma luta de éticos contra fisiológicos, puros contra impuros, tucanos originais contra tucanos perdidos. Uma guerra em que todos sairão mais fracos. Nesta era de ditadura das narrativas e de opressão sobre os fatos, é uma narrativa confortável. Como toda narrativa confortável, convém desconfiar, ao menos para testar.
Também teria sido razoável desconfiar da ideia de que o governo Michel Temer tinha desistido da reforma da previdência. Pela simples razão de que a única razão de o governo Temer existir é tentar fazer as reformas assepticamente chamadas de pró-mercado. Sem apontar para elas, ele não teria ultrapassado as duas votações na Câmara.
O contra-ataque do establishment tucano e o apego do governo Temer às reformas são os dois movimentos fundamentais na dança-tentativa de construir uma candidatura antipetista capaz de ganhar a eleição e também governar. Diferentemente de outras ocasiões em que se buscou um “novo”, é provável que desta vez o segundo vetor tenha um protagonismo relevante.
A sucessão presidencial será decidida num combate entre candidatos, partidos e blocos, sim. Mas também num braço de ferro entre dois cansaços: o cansaço com os políticos e o cansaço com a confusão. Seria um erro subestimar tanto um como outro. O Brasil parece querer livrar-se de ambos num único movimento, num único voto. Mas, e se não for possível?
Se, na eleição, o cansaço com os políticos estiver maior que o cansaço com a confusão, é provável que o eleitor decida por mais confusão para finalmente tentar dar cabo da atual elite política. Mas, se o cansaço com a confusão prevalecer, é possível que ele se incline para um dito político, na esperança de acabar com a confusão, ou impedir sua volta.
O apelo pelo “novo” é periodicamente sexy, mas enfrentará agora pelo menos dois problemas. 1) Os dois últimos presidentes, cada um à sua moda, “novos” foram derrubados e 2) a economia parece ter saído do estado de depressão profunda. Se o medo sempre tem um papel a desempenhar em campanhas eleitorais, não é tão difícil projetar que ele terá aqui uma oportunidade. Inflação baixa e algum crescimento não são de se jogar fora.
Eis por que há espaço para a movimentação de Lula e de Alckmin. Ambos buscam o perfil ideal, cada um em seu campo. Tentam consolidar a ideia de que conseguirão governar, sem entretanto deixar de se colocar como força de renovação. O tucano cultiva suas conexões com os cabeças-pretas, enquanto o petista lança sinais de que governará com menos compromissos.
Claro que a vida real é mais complicada. Nem Alckmin pode simplesmente lançar o velho PSDB ao mar, nem Lula pode se dar ao luxo de desprezar possíveis alianças. Sendo ele próprio candidato ou com outro nome, Lula sabe que uma coisa é ir ao segundo turno numa onda vermelha, outra coisa é fechar a eleição com metade mais um do voto válido. A lembrança de 1989 está disponível.
Observemos os fatos. Já disse algumas vezes: eles costumam ser teimosos.
*
A reforma da previdência será aprovada. Agora. Ou em 2018. Ou em 2019. Nenhum futuro governo escapará de fazê-la, ou continuá-la, pela simples razão de que se alguma reforma da previdência não for feita o teto de gastos garroteará o orçamento e não será possível governar. O teatro da política talvez imponha ao eleitor um novo estelionato. Com os riscos nele embutidos.
*
É da política que se tente aproveitar a fragilidade jurídica de Lula para recolher parte do capital político dele, eventualmente desgarrado. Vêm desse fato tanto ensaios como Luciano Huck, com sua suposta penetração entre os pobres, como as candidaturas de esquerda supostamente críticas ao PT.
É da política, mas tanto num como noutro caso será preciso avaliar se foi a tática mais inteligente. Dispersar forças não costuma ser inteligente.
Também teria sido razoável desconfiar da ideia de que o governo Michel Temer tinha desistido da reforma da previdência. Pela simples razão de que a única razão de o governo Temer existir é tentar fazer as reformas assepticamente chamadas de pró-mercado. Sem apontar para elas, ele não teria ultrapassado as duas votações na Câmara.
O contra-ataque do establishment tucano e o apego do governo Temer às reformas são os dois movimentos fundamentais na dança-tentativa de construir uma candidatura antipetista capaz de ganhar a eleição e também governar. Diferentemente de outras ocasiões em que se buscou um “novo”, é provável que desta vez o segundo vetor tenha um protagonismo relevante.
A sucessão presidencial será decidida num combate entre candidatos, partidos e blocos, sim. Mas também num braço de ferro entre dois cansaços: o cansaço com os políticos e o cansaço com a confusão. Seria um erro subestimar tanto um como outro. O Brasil parece querer livrar-se de ambos num único movimento, num único voto. Mas, e se não for possível?
Se, na eleição, o cansaço com os políticos estiver maior que o cansaço com a confusão, é provável que o eleitor decida por mais confusão para finalmente tentar dar cabo da atual elite política. Mas, se o cansaço com a confusão prevalecer, é possível que ele se incline para um dito político, na esperança de acabar com a confusão, ou impedir sua volta.
O apelo pelo “novo” é periodicamente sexy, mas enfrentará agora pelo menos dois problemas. 1) Os dois últimos presidentes, cada um à sua moda, “novos” foram derrubados e 2) a economia parece ter saído do estado de depressão profunda. Se o medo sempre tem um papel a desempenhar em campanhas eleitorais, não é tão difícil projetar que ele terá aqui uma oportunidade. Inflação baixa e algum crescimento não são de se jogar fora.
Eis por que há espaço para a movimentação de Lula e de Alckmin. Ambos buscam o perfil ideal, cada um em seu campo. Tentam consolidar a ideia de que conseguirão governar, sem entretanto deixar de se colocar como força de renovação. O tucano cultiva suas conexões com os cabeças-pretas, enquanto o petista lança sinais de que governará com menos compromissos.
Claro que a vida real é mais complicada. Nem Alckmin pode simplesmente lançar o velho PSDB ao mar, nem Lula pode se dar ao luxo de desprezar possíveis alianças. Sendo ele próprio candidato ou com outro nome, Lula sabe que uma coisa é ir ao segundo turno numa onda vermelha, outra coisa é fechar a eleição com metade mais um do voto válido. A lembrança de 1989 está disponível.
Observemos os fatos. Já disse algumas vezes: eles costumam ser teimosos.
*
A reforma da previdência será aprovada. Agora. Ou em 2018. Ou em 2019. Nenhum futuro governo escapará de fazê-la, ou continuá-la, pela simples razão de que se alguma reforma da previdência não for feita o teto de gastos garroteará o orçamento e não será possível governar. O teatro da política talvez imponha ao eleitor um novo estelionato. Com os riscos nele embutidos.
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É da política que se tente aproveitar a fragilidade jurídica de Lula para recolher parte do capital político dele, eventualmente desgarrado. Vêm desse fato tanto ensaios como Luciano Huck, com sua suposta penetração entre os pobres, como as candidaturas de esquerda supostamente críticas ao PT.
É da política, mas tanto num como noutro caso será preciso avaliar se foi a tática mais inteligente. Dispersar forças não costuma ser inteligente.
domingo, 12 de novembro de 2017
Um Congresso de Viena no século 21
A passagem dos 100 anos da Revolução Bolchevique enseja, também no Brasil, um desfile de pseudoanálises marcadas pela a-historicidade. Um divórcio absoluto entre o fato histórico e suas circunstâncias, seu contexto. Ignoram-se, principalmente, os constrangimentos que as limitações da realidade impunham aos personagens.
É a “história de supermercado”. E supermercado chique. Os protagonistas disporiam de múltiplas opções, como os produtos finos numa bem abastecida gôndola, e devem ser julgados conforme suas escolhas tenham sido “certas” ou “erradas”.
A Revolução Russa é a única sobre a qual se debatem “erros” e “acertos”. Não há uma polêmica real, por exemplo, sobre supostos “erros” da Revolução Americana, ou da Francesa. Os Estados Unidos tornaram-se independentes sem abolir a escravidão. Tirando o “lunatic fringe” multiculturalista, ninguém propõe renegar Washington e Jefferson por causa disso.
A bizarrice pseudoanalítica sobre Lenin e os seus tem duas razões principais: uma é o envolvimento pessoal pretérito de analistas e comentaristas de hoje com movimentos que de algum modo beberam dos fatos de outubro/novembro de 1917. Há uma necessidade psíquica patológica de “estar certo” ou “ter estado certo”, por exemplo, na escolha de lados entre Trotsky e Stalin.
A segunda razão é mais sofisticada: debater a sério a Revolução de Outubro é abrir o cérebro para a possibilidade de o capitalismo talvez não ser eterno. Caricaturar o socialismo russo é como trancar Napoleão Bonaparte em Santa Helena e tocar adiante um Congresso de Viena sem hora para acabar, e em pleno século 21. Oferece a sensação de ter travado a perigosa marcha dos acontecimentos.
Um exemplo prático de a-historicidade são as lamúrias sobre a “oportunidade democrática perdida” quando o poder bolchevique instituído insurrecionalmente fechou a Assembleia Constituinte, eleita antes da insurreição. “Ah, como teria sido bom se os mencheviques tivessem ganhado!”.
Mas não se costuma perguntar por que a Constituinte não conseguiu oferecer qualquer resistência ao seu fechamento. Ou por que os bolcheviques venceram a guerra civil contra a ampla coalizão de potências estrangeiras e adversários internos. Ou por que, um quarto de século depois, a União Soviética foi o único país europeu a oferecer resistência militar real contra o nazismo, derrotando-o afinal.
Essas perguntas têm uma resposta óbvia, habitual e convenientemente ignorada: a revolução e o socialismo russos dispuseram, durante longas décadas, de esmagador apoio social. Porque foram ao encontro das demandas históricas da multidão de oprimidos pelo czarismo.
Porque tiraram a Rússia da desastrosa Primeira Guerra Mundial. Porque fizeram finalmente a reforma agrária sempre barrada pelos czares. Porque socializaram as grandes empresas e deram cidadania aos operários e camponeses. Porque em pouco mais de duas décadas realizaram, nas novas condições, o sonho de Pedro, o Grande: arrancaram o país do feudalismo e transformaram numa superpotência industrial.
Porque evitaram o colapso nacional definitivo e a escravização do povo eslavo que decorreria de uma derrota para Adolf Hitler.
Os russos e o conjunto da humanidade têm um débito com os povos e líderes da então União Soviética.
Essa constatação não é nem deve ser salvo-conduto para a adulação, ou para a cegueira. Mas deveria funcionar, até por pudor, como freio à ignorância propositalmente induzida e ao consumo indiscriminado de falsificações históricas. Elas fazem mal à saúde intelectual. E ideologia demais emburrece.
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Artigo publicado originalmente no site poder360.com.br
É a “história de supermercado”. E supermercado chique. Os protagonistas disporiam de múltiplas opções, como os produtos finos numa bem abastecida gôndola, e devem ser julgados conforme suas escolhas tenham sido “certas” ou “erradas”.
A Revolução Russa é a única sobre a qual se debatem “erros” e “acertos”. Não há uma polêmica real, por exemplo, sobre supostos “erros” da Revolução Americana, ou da Francesa. Os Estados Unidos tornaram-se independentes sem abolir a escravidão. Tirando o “lunatic fringe” multiculturalista, ninguém propõe renegar Washington e Jefferson por causa disso.
A bizarrice pseudoanalítica sobre Lenin e os seus tem duas razões principais: uma é o envolvimento pessoal pretérito de analistas e comentaristas de hoje com movimentos que de algum modo beberam dos fatos de outubro/novembro de 1917. Há uma necessidade psíquica patológica de “estar certo” ou “ter estado certo”, por exemplo, na escolha de lados entre Trotsky e Stalin.
A segunda razão é mais sofisticada: debater a sério a Revolução de Outubro é abrir o cérebro para a possibilidade de o capitalismo talvez não ser eterno. Caricaturar o socialismo russo é como trancar Napoleão Bonaparte em Santa Helena e tocar adiante um Congresso de Viena sem hora para acabar, e em pleno século 21. Oferece a sensação de ter travado a perigosa marcha dos acontecimentos.
Um exemplo prático de a-historicidade são as lamúrias sobre a “oportunidade democrática perdida” quando o poder bolchevique instituído insurrecionalmente fechou a Assembleia Constituinte, eleita antes da insurreição. “Ah, como teria sido bom se os mencheviques tivessem ganhado!”.
Mas não se costuma perguntar por que a Constituinte não conseguiu oferecer qualquer resistência ao seu fechamento. Ou por que os bolcheviques venceram a guerra civil contra a ampla coalizão de potências estrangeiras e adversários internos. Ou por que, um quarto de século depois, a União Soviética foi o único país europeu a oferecer resistência militar real contra o nazismo, derrotando-o afinal.
Essas perguntas têm uma resposta óbvia, habitual e convenientemente ignorada: a revolução e o socialismo russos dispuseram, durante longas décadas, de esmagador apoio social. Porque foram ao encontro das demandas históricas da multidão de oprimidos pelo czarismo.
Porque tiraram a Rússia da desastrosa Primeira Guerra Mundial. Porque fizeram finalmente a reforma agrária sempre barrada pelos czares. Porque socializaram as grandes empresas e deram cidadania aos operários e camponeses. Porque em pouco mais de duas décadas realizaram, nas novas condições, o sonho de Pedro, o Grande: arrancaram o país do feudalismo e transformaram numa superpotência industrial.
Porque evitaram o colapso nacional definitivo e a escravização do povo eslavo que decorreria de uma derrota para Adolf Hitler.
Os russos e o conjunto da humanidade têm um débito com os povos e líderes da então União Soviética.
Essa constatação não é nem deve ser salvo-conduto para a adulação, ou para a cegueira. Mas deveria funcionar, até por pudor, como freio à ignorância propositalmente induzida e ao consumo indiscriminado de falsificações históricas. Elas fazem mal à saúde intelectual. E ideologia demais emburrece.
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Artigo publicado originalmente no site poder360.com.br
segunda-feira, 6 de novembro de 2017
As pesquisas não mostram polarização entre extremos, mostram Lula e uma momentânea pulverização
A ideia de que as pesquisas trazem uma polarização entre extremos para as eleições do ano que vem é útil para vender a necessidade de uma
candidatura dita de centro, mas tem pouca aderência à realidade. Ainda não há polarização, o autodeclarado centro não é tão de centro assim e é duvidoso que Lula venha com uma plataforma radical.
1) Ainda não há polarização
As pesquisas mostram Lula com algo entre 40% ou um pouco mais de votos válidos. Tem sido o patamar dele ou do candidato dele desde 2002, no primeiro turno. Há portanto uma aglutinação natural de bases sociais a favor de um nome, Lula, que tem clara liderança sobre esse pedaço da sociedade, à esquerda no leque político.
Do outro lado, há uma ainda dispersão, também natural, por causa de um certo vácuo de liderança política e de movimentos especulativos. A direita hoje se divide entre conservadores radicais, liberais de vários tons e outsiders sobrevoando a batalha à espera da hora de pousar para devorar os cadáveres. É razoável supor também aqui certa convergência futura.
2) Só o grupo de Marina está ao centro
O centro político é construção mercadológica útil para uma direita ou uma esquerda que buscam evitar a estigmatização político-eleitoral. Um centrismo mais viável é o ajuntamento de gente de direita e de esquerda por ganhos táticos, com uma disputa mortal já contratada para depois da chegada ao poder. A única pré-candidatura hoje com esses traços é Marina.
No segundo turno de 2014, os votos dela migraram em proporções substanciais para os dois lados. Caso ela não vá à decisão ano que vem, é razoável supor que o fenômeno se repita. No caso dos demais, a migração será maciçamente para o nome da direita que estiver na disputa. Assim como os votos de Ciro Gomes teriam destino certo para Lula.
3) Fazer previsões definitivas sobre Lula é um risco
Os adversários caracterizarem Lula como radical é caminho tão previsível quanto arriscado. O próprio Lula pode desmontar isso facilmente com gestos simples em direção ao empresariado e ao sistema político tradicional, movimentos para os quais tem know-how acumulado. O antilulismo é uma escolha óbvia, mas é também uma armadilha.
O maior desafio do eleito em 2018 será acelerar e melhorar a qualidade da criação de empregos. A agenda será de libertação de forças produtivas. A disputa de 2018 não será entre pró-capitalistas e anticapitalistas, mas sobre como fazer o bolo crescer e melhor distribuí-lo. Lula leva vantagem até agora pois está mais identificado com a prosperidade e o distributivismo.
Entretanto...
4) O centro não existe, mas é uma marca. Ser “de centro” é um ativo
A construção em torno do centrismo é ficcional, mas a realidade virtual também é real. Por isso, não só Lula, mas também os candidatos da direita fazem e farão movimentos para mostrar que não estão nos extremos. Uns vão aos Estados Unidos para elogiar o liberalismo, outros mostram preocupação social, outros ainda apoiam causas comportamentais da moda.
Lula levar a candidatura até o limite do limite do limite faz sentido como cálculo eleitoral. A barafunda jurídica não vai economizar confusões, e não apenas na corrida presidencial. O espírito do tempo faz prever grande protagonismo e ativismo do Judiciário na eleição. Com sentenças e recursos em profusão. A bagunça vem aí.
Quanto mais perto da eleição Lula estiver quando -e se- for finalmente impugnado, maior será seu poder de transferência de votos para um eventual substituto ou até, em hipótese aí sim extrema, para o puro e simples boicote. Que não seria totalmente inédito, pois já aconteceu no regime militar. Talvez inéditas seriam suas proporções.
1) Ainda não há polarização
As pesquisas mostram Lula com algo entre 40% ou um pouco mais de votos válidos. Tem sido o patamar dele ou do candidato dele desde 2002, no primeiro turno. Há portanto uma aglutinação natural de bases sociais a favor de um nome, Lula, que tem clara liderança sobre esse pedaço da sociedade, à esquerda no leque político.
Do outro lado, há uma ainda dispersão, também natural, por causa de um certo vácuo de liderança política e de movimentos especulativos. A direita hoje se divide entre conservadores radicais, liberais de vários tons e outsiders sobrevoando a batalha à espera da hora de pousar para devorar os cadáveres. É razoável supor também aqui certa convergência futura.
2) Só o grupo de Marina está ao centro
O centro político é construção mercadológica útil para uma direita ou uma esquerda que buscam evitar a estigmatização político-eleitoral. Um centrismo mais viável é o ajuntamento de gente de direita e de esquerda por ganhos táticos, com uma disputa mortal já contratada para depois da chegada ao poder. A única pré-candidatura hoje com esses traços é Marina.
No segundo turno de 2014, os votos dela migraram em proporções substanciais para os dois lados. Caso ela não vá à decisão ano que vem, é razoável supor que o fenômeno se repita. No caso dos demais, a migração será maciçamente para o nome da direita que estiver na disputa. Assim como os votos de Ciro Gomes teriam destino certo para Lula.
3) Fazer previsões definitivas sobre Lula é um risco
Os adversários caracterizarem Lula como radical é caminho tão previsível quanto arriscado. O próprio Lula pode desmontar isso facilmente com gestos simples em direção ao empresariado e ao sistema político tradicional, movimentos para os quais tem know-how acumulado. O antilulismo é uma escolha óbvia, mas é também uma armadilha.
O maior desafio do eleito em 2018 será acelerar e melhorar a qualidade da criação de empregos. A agenda será de libertação de forças produtivas. A disputa de 2018 não será entre pró-capitalistas e anticapitalistas, mas sobre como fazer o bolo crescer e melhor distribuí-lo. Lula leva vantagem até agora pois está mais identificado com a prosperidade e o distributivismo.
Entretanto...
4) O centro não existe, mas é uma marca. Ser “de centro” é um ativo
A construção em torno do centrismo é ficcional, mas a realidade virtual também é real. Por isso, não só Lula, mas também os candidatos da direita fazem e farão movimentos para mostrar que não estão nos extremos. Uns vão aos Estados Unidos para elogiar o liberalismo, outros mostram preocupação social, outros ainda apoiam causas comportamentais da moda.
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Lula levar a candidatura até o limite do limite do limite faz sentido como cálculo eleitoral. A barafunda jurídica não vai economizar confusões, e não apenas na corrida presidencial. O espírito do tempo faz prever grande protagonismo e ativismo do Judiciário na eleição. Com sentenças e recursos em profusão. A bagunça vem aí.
Quanto mais perto da eleição Lula estiver quando -e se- for finalmente impugnado, maior será seu poder de transferência de votos para um eventual substituto ou até, em hipótese aí sim extrema, para o puro e simples boicote. Que não seria totalmente inédito, pois já aconteceu no regime militar. Talvez inéditas seriam suas proporções.
segunda-feira, 30 de outubro de 2017
A dança do empresariado local, do neotenentismo e do establishment político para 2018. O PT calcula e age
O governo Dilma Rousseff foi removido quando viu convergir contra ele uma ampla coalizão das principais forças e blocos da economia e da política brasileiras. E o afastamento do PT, como era previsível, fez aguçarem as contradições no interior desse leque, o que está na base da perda de substância conjuntural do governo Michel Temer.
Mas Temer caminha para o apagar das luzes, e os interesses começam a buscar 2018. Para monitorar a eleição que vem, será útil acompanhar a dança dessas mesmas forças. Seu alinhamento ou desalinhamento influirá decisivamente na escolha dos personagens que estarão traduzindo eleitoralmente (“vote em fulano”) as opções de coalizão.
Dilma foi digerida por uma aliança entre 1) o capitalismo local, que ela tentou enquadrar 2) o neotenentismo togado, que ela tentou surfar e 3) o establishment político, que ela acreditou poder degolar. No fim, juntaram-se todos contra ela, já fragilizada pela recessão inevitável após as escolhas econômicas do início de seu segundo governo. E ela caiu.
O petismo é forte, mas não resistiu à poderosa aliança contra. Removido o PT, o neotenentismo foi para cima do establishment político, que vem sobrevivendo graças a uma liga fortíssima com o capitalismo local, na lógica do “agora ou nunca” para as reformas liberais. E o que faz o PT? Procura reorganizar-se aproveitando as rachaduras na coalizão que o derrubou.
O PT não é um partido de estratégias, mas de táticas. Principalmente eleitorais. Isso explica a só aparente esquizofrenia petista quando 1) ataca a Lava-Jato por supostamente perseguir Lula e 2) surfa na Lava-Jato quando o alvo desta são os adversários do PT. Política não é jogo de argumentos, mas de forças. Se a Lava-Jato está contra os inimigos, viva a Lava-Jato.
Se o PT mantiver os oponentes constrangidos pela Lava-Jato, acredita que tem mais chance de ganhar a eleição, com ou sem Lula. Já a lógica do outro lado é a inversa. Buscam um candidato que reúna, sem grandes perdas, as forças anti-Dilma. Alguém simpático aos capitalistas, fora do alcance dos neotenentes e aceitável pelo establishment político.
O ótimo é inimigo do bom. João Doria um dia pareceu ser ótimo, mas o establishment político só aceitará o #novo se não tiver opção. Por enquanto, o lugar de #bom está sendo conquistado por Geraldo Alckmin, cujas pendências com a Lava-Jato não parecem, até agora, suficientemente complicadas para fazê-lo perder momentum na corrida.
Há dois outros vetores, hoje enfraquecidos. 1) Os nacionalistas, aliados potenciais do PT, ressentidos da ainda viva e desagradável memória de um governo dito nacionalista e do progressivo desaparecimento da categoria de empresário nacionalista; e 2) a imprensa, cuja coesão quebrou na recente guerra dos neotenentes contra o establishment político no #ForaTemer.
Observemos.
Já se sabe que o establishment político prepara petardos legislativos para o caso de precisar abrir fogo contra o neotenentismo daqui até a eleição. Os alvos mais maduros são o abuso de autoridade e os supersalários no Judiciário e no Ministério Público. Os episódios de Temer e Aécio Neves convenceram o establishment político de que pode haver vida sem o alinhamento absoluto à opinião pública. A revigorada popularidade de Lula também ajuda.
O caso da portaria do trabalho escravo mostrou a hegemonia exuberante do “jornalismo de causas”. Não há qualquer possibilidade de debater racionalmente assuntos em que o jornalismo definiu, por antecipação, qual é o “lado do bem”. Principalmente quando há uma tentadora “oportunidade de progressismo” para quem se cansou de ser catalogado na coluna da direita.
Mas Temer caminha para o apagar das luzes, e os interesses começam a buscar 2018. Para monitorar a eleição que vem, será útil acompanhar a dança dessas mesmas forças. Seu alinhamento ou desalinhamento influirá decisivamente na escolha dos personagens que estarão traduzindo eleitoralmente (“vote em fulano”) as opções de coalizão.
Dilma foi digerida por uma aliança entre 1) o capitalismo local, que ela tentou enquadrar 2) o neotenentismo togado, que ela tentou surfar e 3) o establishment político, que ela acreditou poder degolar. No fim, juntaram-se todos contra ela, já fragilizada pela recessão inevitável após as escolhas econômicas do início de seu segundo governo. E ela caiu.
O petismo é forte, mas não resistiu à poderosa aliança contra. Removido o PT, o neotenentismo foi para cima do establishment político, que vem sobrevivendo graças a uma liga fortíssima com o capitalismo local, na lógica do “agora ou nunca” para as reformas liberais. E o que faz o PT? Procura reorganizar-se aproveitando as rachaduras na coalizão que o derrubou.
O PT não é um partido de estratégias, mas de táticas. Principalmente eleitorais. Isso explica a só aparente esquizofrenia petista quando 1) ataca a Lava-Jato por supostamente perseguir Lula e 2) surfa na Lava-Jato quando o alvo desta são os adversários do PT. Política não é jogo de argumentos, mas de forças. Se a Lava-Jato está contra os inimigos, viva a Lava-Jato.
Se o PT mantiver os oponentes constrangidos pela Lava-Jato, acredita que tem mais chance de ganhar a eleição, com ou sem Lula. Já a lógica do outro lado é a inversa. Buscam um candidato que reúna, sem grandes perdas, as forças anti-Dilma. Alguém simpático aos capitalistas, fora do alcance dos neotenentes e aceitável pelo establishment político.
O ótimo é inimigo do bom. João Doria um dia pareceu ser ótimo, mas o establishment político só aceitará o #novo se não tiver opção. Por enquanto, o lugar de #bom está sendo conquistado por Geraldo Alckmin, cujas pendências com a Lava-Jato não parecem, até agora, suficientemente complicadas para fazê-lo perder momentum na corrida.
Há dois outros vetores, hoje enfraquecidos. 1) Os nacionalistas, aliados potenciais do PT, ressentidos da ainda viva e desagradável memória de um governo dito nacionalista e do progressivo desaparecimento da categoria de empresário nacionalista; e 2) a imprensa, cuja coesão quebrou na recente guerra dos neotenentes contra o establishment político no #ForaTemer.
Observemos.
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Já se sabe que o establishment político prepara petardos legislativos para o caso de precisar abrir fogo contra o neotenentismo daqui até a eleição. Os alvos mais maduros são o abuso de autoridade e os supersalários no Judiciário e no Ministério Público. Os episódios de Temer e Aécio Neves convenceram o establishment político de que pode haver vida sem o alinhamento absoluto à opinião pública. A revigorada popularidade de Lula também ajuda.
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O caso da portaria do trabalho escravo mostrou a hegemonia exuberante do “jornalismo de causas”. Não há qualquer possibilidade de debater racionalmente assuntos em que o jornalismo definiu, por antecipação, qual é o “lado do bem”. Principalmente quando há uma tentadora “oportunidade de progressismo” para quem se cansou de ser catalogado na coluna da direita.
segunda-feira, 23 de outubro de 2017
O desafio da direita é unir o campo antiesquerda e trazer a antipolítica para o voto útil. Não será trivial
Quatro anos após o levante antigovernamental de junho de 2013, e depois da remoção presidencial em 2016, a política brasileira caminha para uma eleição com promessas novidadeiras. Fala-se de ameaças à tradicional polarização PT-PSDB, hegemônica no último quarto de século. A fragilidade relativa está, entretanto, mais à direita, o que parece paradoxal.
Nas duas últimas eleições, a terceira via caminhou pela centro-esquerda. Agora, no ápice e epílogo de um ciclo fortemente antipetista, a dispersão ameaça, contraditória e principalmente, a direita. Proliferam as pré-candidaturas, o PSDB parece hoje dividido e enfraquecido, especula-se com todo tipo de malabarismo para chegar vestido de novidade ao eleitor.
Uma razão da relativa desorganização é conhecida: o PT no poder acoplou-se tão bem ao sistema político que para remover o partido precisaram implodir toda a edificação. Não se faz omelete sem quebrar ovos, mas isso criou um problema: muitos dos comandantes e combatentes antipetistas de primeira linha e primeira hora acabaram soterrados pelos escombros.
Agora a poeira começa a baixar, e o PT aparece algo preservado. Por duas razões, interligadas. 1) A maneira como foi ejetado do Planalto ofereceu-lhe a sempre preciosa narrativa de vitimização e, mais importante, 2) tem um único líder. Os 30% de Lula (quase 40% dos votos válidos) mais a ameaça de o crítico ser associado a um suposto golpismo produzem poderosa dissuasão.
Some-se a isso o perfil da recuperação econômica, fortemente baseada em ganhos de produtividade e nas exportações. A situação melhora, mas não haverá uma retomada brilhante do emprego, que impulsionou as vitórias de Lula, nem uma elevação explosiva do poder de compra dos mais pobres, o combustível para os triunfos de Sarney e Fernando Henrique.
O PT tem um problema grave, o isolamento político. Mas o corpo está inteiro. Já os adversários contabilizam baixas consideráveis. As pesquisas quantitativas são aritméticas ao medirem a perda de massa de cada um. E essa perda de musculatura à direita é o caldo de cultura do novo, que no momento está dividido em diversas facções. Uni-las é o desafio de quem deseja derrotar a esquerda.
Há os antiesquerdistas de raiz, conservadores e algo autoritários, que hoje se agrupam em torno de Bolsonaro. Mas há também os liberais, ou libertários, que defendem a liberação das drogas e do direito ao aborto, entre outras medidas para remover o jugo do Estado sobre o cidadão. Há os defensores do agronegócio, mas há também os adeptos radicais do socioambientalismo. E há muitos outros matizes.
E há os que preferem simplesmente dar as costas à política. A dificuldade de fundir esse mix num único vetor eleitoral fica clara nas pesquisas de intenção de voto, quando trazem o grande contingente potencial de brancos, nulos, não sei e nenhum. Se essa massa ficar à deriva, de todo o alarido em torno do novo poderá dar o velho, como recentemente na eleição extra no Amazonas.
Outro risco para a direita é o potencial de dispersão do assim chamado centro, enquanto parece haver boa convergência em torno da direita mais radical. A lógica diz que haverá um esforço gigantesco do establishment para levar um centrista ao segundo turno, pelo medo de uma direita escancarada perder. Mas, e se não der certo? E se a dispersão mantiver-se, como na última eleição de prefeito do Rio?
A direita tem uma carta forte, que é o potencial apelo ao antilulismo e ao antipetismo num eventual segundo turno. Mas Lula e o PT não estarão parados, e procurarão de todo jeito impedir que o campo adversário se agrupe. É esse jogo que vai definir o resultado final. E acompanhá-lo com sintonia fina será a principal utilidade das pesquisas.
A luta interna do PSDB tem uma explicação óbvia. No momento em que o nome tucano estiver definido, são enormes as chances de vir a ser ungido como o preferido do establishment para derrotar a esquerda num segundo turno. É um prato apetitoso demais para ser simplesmente deixado de lado. Ainda vai ter muita briga ali.
Até a semana que vem, ou até algum fato realmente novo pedir uma análise extra.
Nas duas últimas eleições, a terceira via caminhou pela centro-esquerda. Agora, no ápice e epílogo de um ciclo fortemente antipetista, a dispersão ameaça, contraditória e principalmente, a direita. Proliferam as pré-candidaturas, o PSDB parece hoje dividido e enfraquecido, especula-se com todo tipo de malabarismo para chegar vestido de novidade ao eleitor.
Uma razão da relativa desorganização é conhecida: o PT no poder acoplou-se tão bem ao sistema político que para remover o partido precisaram implodir toda a edificação. Não se faz omelete sem quebrar ovos, mas isso criou um problema: muitos dos comandantes e combatentes antipetistas de primeira linha e primeira hora acabaram soterrados pelos escombros.
Agora a poeira começa a baixar, e o PT aparece algo preservado. Por duas razões, interligadas. 1) A maneira como foi ejetado do Planalto ofereceu-lhe a sempre preciosa narrativa de vitimização e, mais importante, 2) tem um único líder. Os 30% de Lula (quase 40% dos votos válidos) mais a ameaça de o crítico ser associado a um suposto golpismo produzem poderosa dissuasão.
Some-se a isso o perfil da recuperação econômica, fortemente baseada em ganhos de produtividade e nas exportações. A situação melhora, mas não haverá uma retomada brilhante do emprego, que impulsionou as vitórias de Lula, nem uma elevação explosiva do poder de compra dos mais pobres, o combustível para os triunfos de Sarney e Fernando Henrique.
O PT tem um problema grave, o isolamento político. Mas o corpo está inteiro. Já os adversários contabilizam baixas consideráveis. As pesquisas quantitativas são aritméticas ao medirem a perda de massa de cada um. E essa perda de musculatura à direita é o caldo de cultura do novo, que no momento está dividido em diversas facções. Uni-las é o desafio de quem deseja derrotar a esquerda.
Há os antiesquerdistas de raiz, conservadores e algo autoritários, que hoje se agrupam em torno de Bolsonaro. Mas há também os liberais, ou libertários, que defendem a liberação das drogas e do direito ao aborto, entre outras medidas para remover o jugo do Estado sobre o cidadão. Há os defensores do agronegócio, mas há também os adeptos radicais do socioambientalismo. E há muitos outros matizes.
E há os que preferem simplesmente dar as costas à política. A dificuldade de fundir esse mix num único vetor eleitoral fica clara nas pesquisas de intenção de voto, quando trazem o grande contingente potencial de brancos, nulos, não sei e nenhum. Se essa massa ficar à deriva, de todo o alarido em torno do novo poderá dar o velho, como recentemente na eleição extra no Amazonas.
Outro risco para a direita é o potencial de dispersão do assim chamado centro, enquanto parece haver boa convergência em torno da direita mais radical. A lógica diz que haverá um esforço gigantesco do establishment para levar um centrista ao segundo turno, pelo medo de uma direita escancarada perder. Mas, e se não der certo? E se a dispersão mantiver-se, como na última eleição de prefeito do Rio?
A direita tem uma carta forte, que é o potencial apelo ao antilulismo e ao antipetismo num eventual segundo turno. Mas Lula e o PT não estarão parados, e procurarão de todo jeito impedir que o campo adversário se agrupe. É esse jogo que vai definir o resultado final. E acompanhá-lo com sintonia fina será a principal utilidade das pesquisas.
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A luta interna do PSDB tem uma explicação óbvia. No momento em que o nome tucano estiver definido, são enormes as chances de vir a ser ungido como o preferido do establishment para derrotar a esquerda num segundo turno. É um prato apetitoso demais para ser simplesmente deixado de lado. Ainda vai ter muita briga ali.
Até a semana que vem, ou até algum fato realmente novo pedir uma análise extra.
segunda-feira, 16 de outubro de 2017
Temer segue o roteiro tradicional rumo à mediocridade, mas uma eventual vitória na Câmara teria efeito positivo
Todos os governos brasileiros desde a redemocratização seguem um roteiro parecido. Alcançam o poder carregados de expectativas reformistas, para a esquerda ou para a direita, mas rapidamente perdem velocidade e atolam na mediocridade. Se há dinheiro, sorte ou gordura política, chegam vivos ao termo. Alguns chegam até populares. Mas o balanço é invariavelmente pífio.
As razões são conhecidas. O Estado brasileiro está bem organizado para o subdesenvolvimento. No centenário da Revolução Russa, a comparação com o czarismo terminal é óbvia. Uma burocracia estatal insaciável e insensível, uma inércia agrário-exportadora invencível, uma elite política ocupada só em sobreviver e uma elite econômica de baixa ambição relativa.
Mas mesmo a Rússia imperial teria continuado a vegetar nas suas contradições, não houvesse enveredado pela catastrófica Primeira Guerra Mundial. Os bolcheviques só chegaram ao poder porque o exército russo desmanchou e a fome empurrou a população para a rua. Foi uma circunstância especial. Quando ela não existe, a mediocridade pode perfeitamente perenizar.
Em sistemas como o nosso, ela costuma perpetuar pelo encurtamento das metas estratégicas. Diante da insolubilidade dos problemas, o objetivo do timoneiro resume-se a chegar vivo ao porto da próxima eleição. É o caso dos atuais governadores, com seus estados a caminho da insolvência, provocada principalmente pela inviabilidade da atual previdência pública.
À véspera da votação da nova autorização para um processo no STF, Michel Temer chegou ao denominador comum. Está ocupado apenas em sobreviver. E tem como: sua boia para pisar na praia é a agenda econômica. No grau em que for possível implementar. Os mercados olham mais o rumo que a velocidade. Os mercados também entendem de Brasil.
Onde sempre esteve o risco? Na janela de oportunidade que outros “candidatos a Temer” podem enxergar para oferecerem-se à missão de “tocadores da agenda”. Mas até nisso a fortuna agora ajuda o presidente. Faltando tão pouco para a eleição, é pouco crível que algum outro consiga construir uma liderança capaz de entregar mais do que o atual mandatário.
Pode dar zebra? O desarranjo do sistema político brasileiro alcançou taxas que tornam possível o “raio em céu azul”. Mas ainda não é provável. O tão atacado “centro fisiológico” parece continuar hígido para evitar uma degringolada. De todo modo, é conveniente monitorar o paciente em tempo real. Uma característica do imprevisível é a dificuldade de ele ser previsto.
As expectativas para a reta final de governo Temer são baixas, mas isso pode vir a ser um ativo. Se sobreviver à nova votação na Câmara, o presidente terá a oportunidade de apresentar algum roteiro de ações, além das privatizações e concessões, para o ano que resta. Até porque a melhora na economia deve lhe dar alguma proteção no ano eleitoral.
Lula está bem, mas por enquanto há muito voto em disputa num eventual segundo turno. Uma onda anti-Lula arrastaria muitos dos hoje brancos, nulos e “nenhum”. Se Lula é barbada para chegar à rodada final, é possível que outro nome de seu campo tenha mais facilidade para fechar a fatura. Desde que consiga passar do primeiro turno. Não é uma equação simples.
Não é inteligente contar com a desidratação automática de Jair Bolsonaro quando a campanha eleitoral entrar em campo. A intenção de voto espontânea dele já é alta, e ele parece ter adquirido alguma consistência nos apoios. E todos os adversários têm algum recall. Da lista, ele é o único que nunca disputou uma eleição majoritária. #FicaaDica.
Se o PT vota para salvar Aécio Neves, terá de arcar com o desgaste momentâneo impulsionado pela opinião pública sedenta de exemplos de que “todos os políticos são iguais". Se vota contra, como fará quando um dos seus eventualmente estiver na situação do senador mineiro? É uma decisão política algo complexa. Mas quem disse que a política é simples?
As razões são conhecidas. O Estado brasileiro está bem organizado para o subdesenvolvimento. No centenário da Revolução Russa, a comparação com o czarismo terminal é óbvia. Uma burocracia estatal insaciável e insensível, uma inércia agrário-exportadora invencível, uma elite política ocupada só em sobreviver e uma elite econômica de baixa ambição relativa.
Mas mesmo a Rússia imperial teria continuado a vegetar nas suas contradições, não houvesse enveredado pela catastrófica Primeira Guerra Mundial. Os bolcheviques só chegaram ao poder porque o exército russo desmanchou e a fome empurrou a população para a rua. Foi uma circunstância especial. Quando ela não existe, a mediocridade pode perfeitamente perenizar.
Em sistemas como o nosso, ela costuma perpetuar pelo encurtamento das metas estratégicas. Diante da insolubilidade dos problemas, o objetivo do timoneiro resume-se a chegar vivo ao porto da próxima eleição. É o caso dos atuais governadores, com seus estados a caminho da insolvência, provocada principalmente pela inviabilidade da atual previdência pública.
À véspera da votação da nova autorização para um processo no STF, Michel Temer chegou ao denominador comum. Está ocupado apenas em sobreviver. E tem como: sua boia para pisar na praia é a agenda econômica. No grau em que for possível implementar. Os mercados olham mais o rumo que a velocidade. Os mercados também entendem de Brasil.
Onde sempre esteve o risco? Na janela de oportunidade que outros “candidatos a Temer” podem enxergar para oferecerem-se à missão de “tocadores da agenda”. Mas até nisso a fortuna agora ajuda o presidente. Faltando tão pouco para a eleição, é pouco crível que algum outro consiga construir uma liderança capaz de entregar mais do que o atual mandatário.
Pode dar zebra? O desarranjo do sistema político brasileiro alcançou taxas que tornam possível o “raio em céu azul”. Mas ainda não é provável. O tão atacado “centro fisiológico” parece continuar hígido para evitar uma degringolada. De todo modo, é conveniente monitorar o paciente em tempo real. Uma característica do imprevisível é a dificuldade de ele ser previsto.
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As expectativas para a reta final de governo Temer são baixas, mas isso pode vir a ser um ativo. Se sobreviver à nova votação na Câmara, o presidente terá a oportunidade de apresentar algum roteiro de ações, além das privatizações e concessões, para o ano que resta. Até porque a melhora na economia deve lhe dar alguma proteção no ano eleitoral.
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Lula está bem, mas por enquanto há muito voto em disputa num eventual segundo turno. Uma onda anti-Lula arrastaria muitos dos hoje brancos, nulos e “nenhum”. Se Lula é barbada para chegar à rodada final, é possível que outro nome de seu campo tenha mais facilidade para fechar a fatura. Desde que consiga passar do primeiro turno. Não é uma equação simples.
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Não é inteligente contar com a desidratação automática de Jair Bolsonaro quando a campanha eleitoral entrar em campo. A intenção de voto espontânea dele já é alta, e ele parece ter adquirido alguma consistência nos apoios. E todos os adversários têm algum recall. Da lista, ele é o único que nunca disputou uma eleição majoritária. #FicaaDica.
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Se o PT vota para salvar Aécio Neves, terá de arcar com o desgaste momentâneo impulsionado pela opinião pública sedenta de exemplos de que “todos os políticos são iguais". Se vota contra, como fará quando um dos seus eventualmente estiver na situação do senador mineiro? É uma decisão política algo complexa. Mas quem disse que a política é simples?
segunda-feira, 9 de outubro de 2017
Por que o “novo” envelhece prematuramente. E a hipótese de um Benjamin Button eleitoral
O “novo para 2018” enfrenta, na primavera, um primeiro outono. Seu nome mais vistoso, João Doria, perde substância eleitoral. No front dos políticos, o establishment reagrupa-se contra o protagonismo do Judiciário. E a Lava-Jato segue, só que cada vez mais restrita ao plano operacional: as pessoas continuam sendo presas e processadas, mas o efeito político dilui-se.
Uma explicação é a progressiva mudança na correlação de forças. Quanto mais inimigos você decide ter, mais aumenta a dificuldade de derrotá-los todos de uma vez só. Por exemplo, desde o movimento da PGR contra o atual presidente da República, a “faxina” perdeu o apoio de quem a via apenas como útil instrumento para remover o governo Dilma Rousseff.
Papel decisivo nessa tendência tem tido a resistência de Michel Temer. Se conseguir travar na Câmara dos Deputados a segunda denúncia do ex-PGR, o mundo da política terá imposto aos adversários uma segunda e talvez decisiva derrota estratégica. Ainda haveria muitas vítimas fatais até o fim da guerra, mas já se saberia quem no fim vai ganhar e quem vai perder.
Nenhuma correlação de forças nos universos restritos da política e do jornalismo seria porém suficiente, não estivesse acompanhada de dois fatores econômicos decisivos: a baixa e declinante inflação, com o automático alívio nas contas dos mais pobres, e a política econômica agressivamente liberal, uma antiga reivindicação dos mais ricos.
Daí que o governo Temer viva uma situação aparentemente paradoxal: é o mais mal avaliado desde a redemocratização, e não vê nenhuma mobilização social relevante para mandá-lo para casa. Ajuda nisso também a proximidade da eleição. Pois ela passa a concentrar os planos de quem espera assumir o Palácio do Planalto em 1º de janeiro de 2019.
Mas se a eleição logo ali fosse o fator decisivo, talvez tivéssemos um cenário como no ocaso de José Sarney: um desgaste agudo dos nomes “velhos” e uma busca persistente pelo “novo”. Que acabou sendo Collor, como poderia ter sido Lula ou Brizola. Nunca Ulysses, Aureliano, Covas ou Maluf. A renitente hiperinflação era mesmo um obstáculo difícil de transpor.
2018 não está, por enquanto, com jeito de 1989. A melhora, mesmo lenta, do cenário econômico tira alguma musculatura do tentador discurso de “mudar tudo o que aí está”. O “novo” perde momentum. E há até espaço para que o próprio Temer, quem sabe?, venha a ter mais peso na sucessão do que autorizam extrapolações lineares para o futuro.
Se conseguir travar a segunda denúncia, Temer aumenta muito a chance de chegar sentado na cadeira no dia da eleição. Especialmente se conseguir relançar em algum grau sua agenda e evitar a degeneração vegetativa. A chance é pequena mas não é zero. E governo sempre é governo, nunca é demais lembrar. Ainda mais no Brasil.
O envelhecimento do “novo” autêntico abre espaço para um “velho” que consiga rejuvenescer no processo. Um Benjamin Button eleitoral. A aversão aos políticos e o medo da instabilidade econômica dão espaço para projetos de “mudança segura”. Pode ser Alckmin. Mas também pode ser Lula, se conseguir concorrer. O que hoje parece improvável.
A proibição das contribuições empresariais fará da eleição de 2018 um parque de diversões para os milionários, as igrejas e o crime organizado. Foi o caminho que se escolheu ao ceder à lógica de uma “política sem dinheiro”. Coisa aliás tão factível quanto, por exemplo, fazer jornalismo sem dinheiro. O inferno está mesmo lotado de boas intenções. Fica a dica.
Começou o bombardeio sobre Jair Bolsonaro. É razoável esquadrinhar os candidatos à presidência, em especial os mais fortes. Mas não é disso que se trata. Bolsonaro foi poupado enquanto era politicamente útil. Agora querem descartá-lo. Faz sentido. Ele deixa o eleitorado centrista exposto ao assédio da esquerda. Um risco desnecessário.
Uma explicação é a progressiva mudança na correlação de forças. Quanto mais inimigos você decide ter, mais aumenta a dificuldade de derrotá-los todos de uma vez só. Por exemplo, desde o movimento da PGR contra o atual presidente da República, a “faxina” perdeu o apoio de quem a via apenas como útil instrumento para remover o governo Dilma Rousseff.
Papel decisivo nessa tendência tem tido a resistência de Michel Temer. Se conseguir travar na Câmara dos Deputados a segunda denúncia do ex-PGR, o mundo da política terá imposto aos adversários uma segunda e talvez decisiva derrota estratégica. Ainda haveria muitas vítimas fatais até o fim da guerra, mas já se saberia quem no fim vai ganhar e quem vai perder.
Nenhuma correlação de forças nos universos restritos da política e do jornalismo seria porém suficiente, não estivesse acompanhada de dois fatores econômicos decisivos: a baixa e declinante inflação, com o automático alívio nas contas dos mais pobres, e a política econômica agressivamente liberal, uma antiga reivindicação dos mais ricos.
Daí que o governo Temer viva uma situação aparentemente paradoxal: é o mais mal avaliado desde a redemocratização, e não vê nenhuma mobilização social relevante para mandá-lo para casa. Ajuda nisso também a proximidade da eleição. Pois ela passa a concentrar os planos de quem espera assumir o Palácio do Planalto em 1º de janeiro de 2019.
Mas se a eleição logo ali fosse o fator decisivo, talvez tivéssemos um cenário como no ocaso de José Sarney: um desgaste agudo dos nomes “velhos” e uma busca persistente pelo “novo”. Que acabou sendo Collor, como poderia ter sido Lula ou Brizola. Nunca Ulysses, Aureliano, Covas ou Maluf. A renitente hiperinflação era mesmo um obstáculo difícil de transpor.
2018 não está, por enquanto, com jeito de 1989. A melhora, mesmo lenta, do cenário econômico tira alguma musculatura do tentador discurso de “mudar tudo o que aí está”. O “novo” perde momentum. E há até espaço para que o próprio Temer, quem sabe?, venha a ter mais peso na sucessão do que autorizam extrapolações lineares para o futuro.
Se conseguir travar a segunda denúncia, Temer aumenta muito a chance de chegar sentado na cadeira no dia da eleição. Especialmente se conseguir relançar em algum grau sua agenda e evitar a degeneração vegetativa. A chance é pequena mas não é zero. E governo sempre é governo, nunca é demais lembrar. Ainda mais no Brasil.
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O envelhecimento do “novo” autêntico abre espaço para um “velho” que consiga rejuvenescer no processo. Um Benjamin Button eleitoral. A aversão aos políticos e o medo da instabilidade econômica dão espaço para projetos de “mudança segura”. Pode ser Alckmin. Mas também pode ser Lula, se conseguir concorrer. O que hoje parece improvável.
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A proibição das contribuições empresariais fará da eleição de 2018 um parque de diversões para os milionários, as igrejas e o crime organizado. Foi o caminho que se escolheu ao ceder à lógica de uma “política sem dinheiro”. Coisa aliás tão factível quanto, por exemplo, fazer jornalismo sem dinheiro. O inferno está mesmo lotado de boas intenções. Fica a dica.
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Começou o bombardeio sobre Jair Bolsonaro. É razoável esquadrinhar os candidatos à presidência, em especial os mais fortes. Mas não é disso que se trata. Bolsonaro foi poupado enquanto era politicamente útil. Agora querem descartá-lo. Faz sentido. Ele deixa o eleitorado centrista exposto ao assédio da esquerda. Um risco desnecessário.
segunda-feira, 2 de outubro de 2017
As pesquisas e o mercado mostram que não há descolamento entre a política e a economia
A política e a análise política de vez em quando resvalam para o pensamento mágico, no qual a projeção do desejo substitui a realidade. A mais recente expressão disso é a teoria do descolamento entre a economia e a política. A primeira estaria em boa medida protegida das confusões e incertezas da segunda. Os números estariam aí para comprovar. Será?
Qual é a situação da política? Instabilidade micropolítica, mas razoável estabilidade macropolítica. A turbulência atinge sim Michel Temer. Mas, se prevalecer a, no momento, improvável hipótese de a Câmara dos Deputados determinar a saída dele, o governo ficará nas mãos de seu bloco político, que hoje traduz o poder de um bloco histórico pró-liberal na economia.
Com Temer, Maia ou qualquer outro, o governo prosseguiria as privatizações, renegociações tributárias etc, para cobrir despesas correntes e evitar o desastre no curto prazo. O sonho inicial do mercado era Temer equacionar a sustentabilidade de longo prazo da dívida, com uma forte reforma da previdência. Mas, também aqui, o ótimo é inimigo do bom.
Por isso, o mercado vai bem, apesar do noticiário político “trem fantasma”, um susto a cada curva. Mas, o que é “ir bem”? É essencialmente o reflexo da melhora da saúde e da lucratividade das empresas por ganhos expressivos de produtividade, sustentados essencialmente na ainda boa capacidade ociosa e no hoje gigantesco exército de mão de obra de reserva.
Se essa recuperação agrada às fontes tradicionais do jornalismo, não atende porém tanto assim ao desejo dos que o jornalismo costuma ouvir menos. Entre eles 1) os 13 milhões que procuram trabalho e não acham, 2) os que desistiram de procurar, 3) os que acharam, mas para ganhar bem menos e 3) os atingidos por cortes nas políticas públicas. E a todos esses acrescente-se suas famílias.
E temos então a segunda demonstração de não haver descolamento algum entre a economia e a macropolítica: as pesquisas de avaliação de governo e eleitorais. Para quem a economia vai bem, o governo é passável, apesar dos pesares. Para a maioria, nem pensar. E aí a intenção de voto mostra uma recomposição do bloco histórico que elegeu Lula/Dilma em 2006 e 2010.
Pouco a pouco, a má memória do segundo governo Dilma vai sendo diluída na esperança de ter de volta uma gestão baseada na expansão do emprego, do salário e do crédito. Os “de baixo” também têm pensamento mágico, e ele por enquanto garante a resiliência de Lula, apesar das dificuldades do ex-presidente com a Justiça e, portanto, com o noticiário.
Nesta nova fase, o antipetismo buscará refúgio no argumento de que o problema (a ameaça da volta do PT/esquerda) será resolvido com a inelegibilidade de Lula. Será? Nas pulverizadas projeções atuais, o bloco PT/esquerda tem potencial para colocar um nome no segundo turno. É o que diz por sinal o número dos que apoiariam um candidato de Lula.
Como esse quadro poderia ser revertido ou pelo menos amenizado? Um caminho proposto é a solução duvidosa de não apenas tirar Lula da eleição mas impedi-lo de fazer campanha. Mais seguro seria produzir um 2018 com forte expansão de emprego, renda e políticas públicas para os “de baixo”. Um novo 1994, atualizado. Por enquanto, não está visível. Quem sabe?
De tudo isso, fica o paralelo entre a recente história política brasileira e o front franco-alemão na Primeira Guerra Mundial. Muito canhão, muita bomba, muita arma química, muitas mortes. Quando a fumaça desce, os exércitos estão mais ou menos no mesmo lugar. Apesar do alarido e das baixas, os fatos ainda não produziram uma nova relação de forças.
Na corrida tucana, desce Dória e sobe Alckmin. Os tucanos têm um desafio: deslocar Bolsonaro e Marina. Parece hoje algo complicado, mas talvez não seja tanto. Em condição normal de temperatura e pressão, o establishment tem gás para colocar um nome no segundo turno. Basta uma adequada campanha de demolição da concorrência.
Assim como o PT, o PSDB (ou algum derivado) terá base social na eleição. Nunca se deve subestimar isso.
Qual é a situação da política? Instabilidade micropolítica, mas razoável estabilidade macropolítica. A turbulência atinge sim Michel Temer. Mas, se prevalecer a, no momento, improvável hipótese de a Câmara dos Deputados determinar a saída dele, o governo ficará nas mãos de seu bloco político, que hoje traduz o poder de um bloco histórico pró-liberal na economia.
Com Temer, Maia ou qualquer outro, o governo prosseguiria as privatizações, renegociações tributárias etc, para cobrir despesas correntes e evitar o desastre no curto prazo. O sonho inicial do mercado era Temer equacionar a sustentabilidade de longo prazo da dívida, com uma forte reforma da previdência. Mas, também aqui, o ótimo é inimigo do bom.
Por isso, o mercado vai bem, apesar do noticiário político “trem fantasma”, um susto a cada curva. Mas, o que é “ir bem”? É essencialmente o reflexo da melhora da saúde e da lucratividade das empresas por ganhos expressivos de produtividade, sustentados essencialmente na ainda boa capacidade ociosa e no hoje gigantesco exército de mão de obra de reserva.
Se essa recuperação agrada às fontes tradicionais do jornalismo, não atende porém tanto assim ao desejo dos que o jornalismo costuma ouvir menos. Entre eles 1) os 13 milhões que procuram trabalho e não acham, 2) os que desistiram de procurar, 3) os que acharam, mas para ganhar bem menos e 3) os atingidos por cortes nas políticas públicas. E a todos esses acrescente-se suas famílias.
E temos então a segunda demonstração de não haver descolamento algum entre a economia e a macropolítica: as pesquisas de avaliação de governo e eleitorais. Para quem a economia vai bem, o governo é passável, apesar dos pesares. Para a maioria, nem pensar. E aí a intenção de voto mostra uma recomposição do bloco histórico que elegeu Lula/Dilma em 2006 e 2010.
Pouco a pouco, a má memória do segundo governo Dilma vai sendo diluída na esperança de ter de volta uma gestão baseada na expansão do emprego, do salário e do crédito. Os “de baixo” também têm pensamento mágico, e ele por enquanto garante a resiliência de Lula, apesar das dificuldades do ex-presidente com a Justiça e, portanto, com o noticiário.
Nesta nova fase, o antipetismo buscará refúgio no argumento de que o problema (a ameaça da volta do PT/esquerda) será resolvido com a inelegibilidade de Lula. Será? Nas pulverizadas projeções atuais, o bloco PT/esquerda tem potencial para colocar um nome no segundo turno. É o que diz por sinal o número dos que apoiariam um candidato de Lula.
Como esse quadro poderia ser revertido ou pelo menos amenizado? Um caminho proposto é a solução duvidosa de não apenas tirar Lula da eleição mas impedi-lo de fazer campanha. Mais seguro seria produzir um 2018 com forte expansão de emprego, renda e políticas públicas para os “de baixo”. Um novo 1994, atualizado. Por enquanto, não está visível. Quem sabe?
De tudo isso, fica o paralelo entre a recente história política brasileira e o front franco-alemão na Primeira Guerra Mundial. Muito canhão, muita bomba, muita arma química, muitas mortes. Quando a fumaça desce, os exércitos estão mais ou menos no mesmo lugar. Apesar do alarido e das baixas, os fatos ainda não produziram uma nova relação de forças.
Establishment
Assim como o PT, o PSDB (ou algum derivado) terá base social na eleição. Nunca se deve subestimar isso.
segunda-feira, 25 de setembro de 2017
O principal problema de um Bonaparte militar seria a falta da estratégia de saída. Porque não tem mesmo uma
Diz a velha piada que revolução é o golpe que deu certo, e golpe é a revolução que deu errado. A antifascista Revolução dos Cravos em Portugal foi um golpe militar clássico. Idem nossa inicialmente liberal Revolução de 30. A “Intentona Comunista” de 1935 foi uma tentativa revolucionária militar derrotada, e portanto explicada até hoje como aventura golpista.
O assim denominado golpe de 64 foi inicialmente descrito como revolução anticomunista. O partido revolucionário eram as Forças Armadas. Os sucessivos presidentes militares foram escolhidos pelo partido. Melhor dizendo, pelo chefe da legenda, que às vezes considerava o sentimento e o movimento das bases. Como em todo partido, a escolha não era tranquila.
Tudo isso está bem detalhado na literatura disponível. Que mostra também a sabedoria dos nossos militares, ao terem percebido desde o começo que aquilo não seria para sempre. Aí vieram a descompressão, a distensão, a abertura. No fim, a caserna perdeu o controle da situação política em 1984/85 mas pôde voltar ao quartel organizadamente e sem maiores baixas.
Aquela estratégia de saída está na base da força e do prestígio hoje das FFAA, uma das instituições nacionais mais admiradas, senão a mais, pela população. Daí o terreno fértil para, apesar dos antecedentes, ecoar aqui e ali a ideia de que só a intervenção delas desfará o nó da nossa crise, em seus aspectos políticos, econômicos e, por que não?, morais.
Apesar do frenesi, isso está bem longe de acontecer de fato. A memória do processo de 64 ainda cobra uma fatura pesada dos quartéis. A convicção democrática entre nós ainda é razoavelmente forte. Algo assim enfrentaria também rejeição global. E, principalmente, porque uma intervenção militar não tem estratégia de saída viável ou visível.
Uma hipotética tomada do poder pelos militares poderia desdobrar-se em dois cenários: 1) a rápida devolução do poder aos civis, depois de uma “faxina moral”, ou 2) as FFAA tomarem para si o enfrentamento dos impasses nacionais. Qualquer um com a cabeça no lugar percebe o elevado risco, para elas, embutido em cada um dos dois possíveis caminhos.
São dois pântanos. Se as FFAA tomam o poder e dali a alguns meses devolvem a civis democraticamente eleitos, como garantir que estes não serão exatamente os que se queria remover? Quem faria a lista dos inelegíveis? Com base em que normas? Ou o “comando militar revolucionário” revogaria a legislação que o atrapalhasse, e imporia outra?
E o expurgo se daria só no plano federal ou desceria para os estados e municípios? E quem entraria no lugar dos expurgados? Os suplentes? Interventores militares? Civis nomeados pela “revolução ética”, após uma junta decidir que o sujeito está moralmente habilitado a desempenhar função pública? Vamos falar sério. Não parece minimamente operacional.
O segundo pântano é mais inimaginável ainda. Não dá para vislumbrar generais e coronéis tratando de resolver assuntos como a reforma da Previdência, a crise fiscal de estados e municípios, a reforma política, o financiamento da saúde e da educação diante da necessidade de cumprir o teto de gastos, o pavoroso déficit primário da União.
Claro que sempre seria possível convocar civis para tocar o serviço. Mas o poder político seria dos militares, e estes precisariam assumir em última instância a responsabilidade de descascar os espinhosos e ácidos abacaxis. Isso sem terem sido eleitos para tanto, e em plena era da internet, quando o controle da informação exige uma ditadura estatal absoluta.
Claro que tudo pode acontecer, mas a lógica ainda tem algum papel na análise. O bloqueio institucional e a pulverização do poder político em feudos impermeáveis à soberania popular são excelentes caldos de cultura para o bonapartismo, como já registrado algumas vezes aqui. Mas continua sendo mais provável que o Bonaparte venha da urna e não do quartel.
Quando tomados os votos válidos, as pesquisas mostram Lula batendo todos os adversários no segundo turno por algo em torno de 60% a 40%. Foi a divisão clássica do eleitorado entre 2002 e, digamos, 2013. Mas dificilmente Lula será candidato, e vai ser preciso esperar para ver se outro nome da esquerda consegue chegar ao 2o. turno, e reunir o rebanho na decisão.
O assim denominado golpe de 64 foi inicialmente descrito como revolução anticomunista. O partido revolucionário eram as Forças Armadas. Os sucessivos presidentes militares foram escolhidos pelo partido. Melhor dizendo, pelo chefe da legenda, que às vezes considerava o sentimento e o movimento das bases. Como em todo partido, a escolha não era tranquila.
Tudo isso está bem detalhado na literatura disponível. Que mostra também a sabedoria dos nossos militares, ao terem percebido desde o começo que aquilo não seria para sempre. Aí vieram a descompressão, a distensão, a abertura. No fim, a caserna perdeu o controle da situação política em 1984/85 mas pôde voltar ao quartel organizadamente e sem maiores baixas.
Aquela estratégia de saída está na base da força e do prestígio hoje das FFAA, uma das instituições nacionais mais admiradas, senão a mais, pela população. Daí o terreno fértil para, apesar dos antecedentes, ecoar aqui e ali a ideia de que só a intervenção delas desfará o nó da nossa crise, em seus aspectos políticos, econômicos e, por que não?, morais.
Apesar do frenesi, isso está bem longe de acontecer de fato. A memória do processo de 64 ainda cobra uma fatura pesada dos quartéis. A convicção democrática entre nós ainda é razoavelmente forte. Algo assim enfrentaria também rejeição global. E, principalmente, porque uma intervenção militar não tem estratégia de saída viável ou visível.
Uma hipotética tomada do poder pelos militares poderia desdobrar-se em dois cenários: 1) a rápida devolução do poder aos civis, depois de uma “faxina moral”, ou 2) as FFAA tomarem para si o enfrentamento dos impasses nacionais. Qualquer um com a cabeça no lugar percebe o elevado risco, para elas, embutido em cada um dos dois possíveis caminhos.
São dois pântanos. Se as FFAA tomam o poder e dali a alguns meses devolvem a civis democraticamente eleitos, como garantir que estes não serão exatamente os que se queria remover? Quem faria a lista dos inelegíveis? Com base em que normas? Ou o “comando militar revolucionário” revogaria a legislação que o atrapalhasse, e imporia outra?
E o expurgo se daria só no plano federal ou desceria para os estados e municípios? E quem entraria no lugar dos expurgados? Os suplentes? Interventores militares? Civis nomeados pela “revolução ética”, após uma junta decidir que o sujeito está moralmente habilitado a desempenhar função pública? Vamos falar sério. Não parece minimamente operacional.
O segundo pântano é mais inimaginável ainda. Não dá para vislumbrar generais e coronéis tratando de resolver assuntos como a reforma da Previdência, a crise fiscal de estados e municípios, a reforma política, o financiamento da saúde e da educação diante da necessidade de cumprir o teto de gastos, o pavoroso déficit primário da União.
Claro que sempre seria possível convocar civis para tocar o serviço. Mas o poder político seria dos militares, e estes precisariam assumir em última instância a responsabilidade de descascar os espinhosos e ácidos abacaxis. Isso sem terem sido eleitos para tanto, e em plena era da internet, quando o controle da informação exige uma ditadura estatal absoluta.
Claro que tudo pode acontecer, mas a lógica ainda tem algum papel na análise. O bloqueio institucional e a pulverização do poder político em feudos impermeáveis à soberania popular são excelentes caldos de cultura para o bonapartismo, como já registrado algumas vezes aqui. Mas continua sendo mais provável que o Bonaparte venha da urna e não do quartel.
60/40
Quando tomados os votos válidos, as pesquisas mostram Lula batendo todos os adversários no segundo turno por algo em torno de 60% a 40%. Foi a divisão clássica do eleitorado entre 2002 e, digamos, 2013. Mas dificilmente Lula será candidato, e vai ser preciso esperar para ver se outro nome da esquerda consegue chegar ao 2o. turno, e reunir o rebanho na decisão.
segunda-feira, 18 de setembro de 2017
No Brasil da autocracia pulverizada, a situação é de normalidade institucional ou de bloqueio institucional?
O senso comum informa que o Brasil vive situação de normalidade, com as instituições em pleno funcionamento, capacitadas a desfazer os nós da economia e da política. Uma prova seria o papel apenas marginal dos apelos pela ruptura, que aparecem principalmente à direita, nos chamados residuais à intervenção militar.
O senso comum ajuda a resolver quase todos os problemas. Por causa desse “quase”, também aqui convém fazer a saudável pergunta: "e se não?". E se não estivermos navegando para um desfecho protocolar, a alternância eleitoral no poder e a assunção de um governo com força congressual e social suficientes para aplicar seu programa? Qualquer que seja.
Liberdade e democracia estão de algum modo conectadas, mas não se confundem. A primeira é medida pela amplitude das possibilidades do indivíduo e dos grupos de indivíduos diante da coerção estatal necessária para manter funcionando o organismo social. A segunda é medida pela influência real da vontade política da coletividade nas decisões estatais.
A sustentabilidade política é alguma função do alinhamento das duas variáveis. Democracias com bom grau de liberdade são mais estáveis. Assim como autocracias com baixas taxas de liberdade. Observa-se que nas crises das autocracias o aumento do grau de liberdade, muitas vezes produzido pelo próprio regime, acelera a desestabilização.
Tecnicamente, a situação brasileira é de um bom grau de liberdade convivendo com taxas declinantes de democracia. A afirmação pode parecer chocante, mas é verificável. O poder estatal escorre dos organismos diretamente eleitos pela sociedade, Executivo e Legislativo, para um mosaico de entes burocráticos ou privados que passam a concentrá-lo.
Não há como a população eleger os integrantes do Ministério Público, os delegados e agentes da Polícia Federal, os membros do Judiciário, os líderes vocais empresariais, os comandantes e operadores da imprensa. Ao lado de grupos burocráticos menos relevantes, eles hoje concentram o poder de definir a agenda e decidir quem e como é “democrático” reprimir.
Essa “autocracia pulverizada” não é sustentável no tempo se precisa agir por meio de entes estatais sujeitos ao escrutínio popular num ambiente de razoável liberdade. Basta verificar a paralisia progressiva do Executivo e do Legislativo, imprensados entre a necessidade de obedecer ao “governo de fato” e o desejo de reproduzir seu próprio poder, mesmo anêmico, nas eleições.
Uma saída seria algum sistema de voto capaz de produzir maioria legislativa clara e alinhada com o desejo da maioria do eleitorado. Um Congresso com força para reduzir o desalinhamento entre os graus de liberdade e de democracia. Mas isso enfrenta a oposição combinada do poder real dos sem-voto e da corporação política interessada só em sobreviver.
Se nada for feito, 2019 trará um presidente cercado de altas expectativas, mas dotado de baixa capacidade resolutiva. E de quem se exigirá que imponha ao Congresso uma agenda a que este vai resistir, se ela não tiver tido respaldo eleitoral. E isso em meio a uma recuperação econômica apenas medíocre e à continuada degradação dos orçamentos públicos.
E há a contradição entre a agenda e os privilégios dos agentes burocrático-estatais, que ajudam a manter o Executivo e o Legislativo na defensiva, o que é essencial para fazer avançar a agenda. Se a primeira missão de um Bonaparte aqui seria enquadrar o poder derivado do voto, a segunda seria dar um jeito na cobra de múltiplas cabeças da burocracia estatal e aliados.
Do jeito que vai a coisa, os apelos por um Bonaparte só tendem a crescer.
A tática petista derivada de considerar a Lava-Jato seu inimigo principal, por ameaçar a elegibilidade de Lula, pode ao fim resultar na sobrevivência do principal adversário político, a aliança PSDB-PMDB, e, paradoxalmente, na inelegibilidade só de Lula. É para onde aponta a conjuntura.
Errar na definição do inimigo principal costuma levar ao desastre.
O senso comum ajuda a resolver quase todos os problemas. Por causa desse “quase”, também aqui convém fazer a saudável pergunta: "e se não?". E se não estivermos navegando para um desfecho protocolar, a alternância eleitoral no poder e a assunção de um governo com força congressual e social suficientes para aplicar seu programa? Qualquer que seja.
Liberdade e democracia estão de algum modo conectadas, mas não se confundem. A primeira é medida pela amplitude das possibilidades do indivíduo e dos grupos de indivíduos diante da coerção estatal necessária para manter funcionando o organismo social. A segunda é medida pela influência real da vontade política da coletividade nas decisões estatais.
A sustentabilidade política é alguma função do alinhamento das duas variáveis. Democracias com bom grau de liberdade são mais estáveis. Assim como autocracias com baixas taxas de liberdade. Observa-se que nas crises das autocracias o aumento do grau de liberdade, muitas vezes produzido pelo próprio regime, acelera a desestabilização.
Tecnicamente, a situação brasileira é de um bom grau de liberdade convivendo com taxas declinantes de democracia. A afirmação pode parecer chocante, mas é verificável. O poder estatal escorre dos organismos diretamente eleitos pela sociedade, Executivo e Legislativo, para um mosaico de entes burocráticos ou privados que passam a concentrá-lo.
Não há como a população eleger os integrantes do Ministério Público, os delegados e agentes da Polícia Federal, os membros do Judiciário, os líderes vocais empresariais, os comandantes e operadores da imprensa. Ao lado de grupos burocráticos menos relevantes, eles hoje concentram o poder de definir a agenda e decidir quem e como é “democrático” reprimir.
Essa “autocracia pulverizada” não é sustentável no tempo se precisa agir por meio de entes estatais sujeitos ao escrutínio popular num ambiente de razoável liberdade. Basta verificar a paralisia progressiva do Executivo e do Legislativo, imprensados entre a necessidade de obedecer ao “governo de fato” e o desejo de reproduzir seu próprio poder, mesmo anêmico, nas eleições.
Uma saída seria algum sistema de voto capaz de produzir maioria legislativa clara e alinhada com o desejo da maioria do eleitorado. Um Congresso com força para reduzir o desalinhamento entre os graus de liberdade e de democracia. Mas isso enfrenta a oposição combinada do poder real dos sem-voto e da corporação política interessada só em sobreviver.
Se nada for feito, 2019 trará um presidente cercado de altas expectativas, mas dotado de baixa capacidade resolutiva. E de quem se exigirá que imponha ao Congresso uma agenda a que este vai resistir, se ela não tiver tido respaldo eleitoral. E isso em meio a uma recuperação econômica apenas medíocre e à continuada degradação dos orçamentos públicos.
E há a contradição entre a agenda e os privilégios dos agentes burocrático-estatais, que ajudam a manter o Executivo e o Legislativo na defensiva, o que é essencial para fazer avançar a agenda. Se a primeira missão de um Bonaparte aqui seria enquadrar o poder derivado do voto, a segunda seria dar um jeito na cobra de múltiplas cabeças da burocracia estatal e aliados.
Do jeito que vai a coisa, os apelos por um Bonaparte só tendem a crescer.
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A tática petista derivada de considerar a Lava-Jato seu inimigo principal, por ameaçar a elegibilidade de Lula, pode ao fim resultar na sobrevivência do principal adversário político, a aliança PSDB-PMDB, e, paradoxalmente, na inelegibilidade só de Lula. É para onde aponta a conjuntura.
Errar na definição do inimigo principal costuma levar ao desastre.
segunda-feira, 11 de setembro de 2017
As perguntas, respostas e probabilidades para projetar o essencial do futuro próximo do Brasil
1) Michel Temer terminará o mandato em 31 de dezembro de 2018 ou antes?
A chance de Rodrigo Maia decidir desencadear o impedimento do presidente da República por crime de responsabilidade é baixa neste momento. Em torno de 10%. As acusações derivadas da delação dos colaboradores da J&F não são facilmente caracterizáveis como tal. E a recente turbulência na colaboração deles dá mais motivos de prudência ao presidente da Câmara.
A probabilidade de a Câmara dos Deputados autorizar um processo contra o presidente por crime comum é ascendente, mas continua baixa (20%). Há muita especulação sobre o conteúdo da colaboração de Lúcio Funaro, assim como em torno de eventuais colaborações de Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima, mas elas precisariam trazer o assim chamado smoking gun contra Temer.
O presidente continua beneficiando-se da agenda. Quem elege presidente é o povo, mas quem derruba é a elite. Esta não tem motivo de queixa contra Temer. A economia ensaia alguma recuperação e o Planalto impulsiona agressivamente as privatizações e concessões. Se o #ForaTemer da esquerda é apenas ritual, do outro lado do campo ele desperta entusiasmo zero.
Problema para um fragilizado Temer é a dúvida sobre sua força para continuar a avançar reformas liberais. Mas não há certeza de que um temerismo sem ele, eventualmente liderado por Maia, possa acelerar ou trazer musculatura para, por exemplo, a reforma da Previdência. Nenhuma ruptura está 100% garantida contra a instabilidade subsequente.
2) Se Temer sair, qual é o risco para a agenda da sua coalizão?
Muito baixo. Só não é zero porque a política cultiva o imponderável. Mas, se a probabilidade de Temer não concluir o mantado é de 30%, a chance de a agenda, sem ele, ser substituída por alguma modalidade de nacional-estatal-desenvolvimentismo está em torno de 5%. Ou seja, tende a zero. Até por não haver no momento alternativa, sequer em construção.
3) Lula conseguirá ser candidato a presidente?
Cada vez menos provável. Hoje o número está em torno de 30%. A bateria de denúncias do MPF e a maciça propagação jornalística vão criando um ambiente de condenação política antecipada. A inércia empurra Lula para a inelegibilidade, até por não haver um movimento musculoso em contraposição. A iniciativa está com os adversários.
4) Qual é o espaço real para um outsider em 2018?
O aparente estancamento da piora econômica e, principalmente, a baixa inflação ajudam a manter em estado potencial a aversão aos políticos. Continuam relativas as chances dos outsiders autênticos (em torno de 20%). Mas elas podem crescer num cenário de terra arrasada.
Principalmente se Lula não puder mesmo se candidatar. Não há nenhum personagem relevante suficientemente desembaraçado de problemas para poder decolar com leveza. O que melhor caracteriza o grid para 2018 são as âncoras dos atuais pré-concorrentes.
5) Qual é a margem de segurança destas projeções?
É mais provável que elas estejam certas (70%). Mas não é desprezível (30%) a probabilidade de um terremoto político. Os sismógrafos precisam estar ligados e monitorados. Nunca na história brasileira a autoridade do poder esteve tão debilitada. A impressão é que só não há uma ruptura por não haver candidatos com massa crítica para liderá-la. Por enquanto.
Até a semana que vem. Ou a qualquer momento, se o fato novo decisivo, ou algo que dê essa impressão, resolver finalmente dar as caras.
A chance de Rodrigo Maia decidir desencadear o impedimento do presidente da República por crime de responsabilidade é baixa neste momento. Em torno de 10%. As acusações derivadas da delação dos colaboradores da J&F não são facilmente caracterizáveis como tal. E a recente turbulência na colaboração deles dá mais motivos de prudência ao presidente da Câmara.
A probabilidade de a Câmara dos Deputados autorizar um processo contra o presidente por crime comum é ascendente, mas continua baixa (20%). Há muita especulação sobre o conteúdo da colaboração de Lúcio Funaro, assim como em torno de eventuais colaborações de Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima, mas elas precisariam trazer o assim chamado smoking gun contra Temer.
O presidente continua beneficiando-se da agenda. Quem elege presidente é o povo, mas quem derruba é a elite. Esta não tem motivo de queixa contra Temer. A economia ensaia alguma recuperação e o Planalto impulsiona agressivamente as privatizações e concessões. Se o #ForaTemer da esquerda é apenas ritual, do outro lado do campo ele desperta entusiasmo zero.
Problema para um fragilizado Temer é a dúvida sobre sua força para continuar a avançar reformas liberais. Mas não há certeza de que um temerismo sem ele, eventualmente liderado por Maia, possa acelerar ou trazer musculatura para, por exemplo, a reforma da Previdência. Nenhuma ruptura está 100% garantida contra a instabilidade subsequente.
2) Se Temer sair, qual é o risco para a agenda da sua coalizão?
Muito baixo. Só não é zero porque a política cultiva o imponderável. Mas, se a probabilidade de Temer não concluir o mantado é de 30%, a chance de a agenda, sem ele, ser substituída por alguma modalidade de nacional-estatal-desenvolvimentismo está em torno de 5%. Ou seja, tende a zero. Até por não haver no momento alternativa, sequer em construção.
3) Lula conseguirá ser candidato a presidente?
Cada vez menos provável. Hoje o número está em torno de 30%. A bateria de denúncias do MPF e a maciça propagação jornalística vão criando um ambiente de condenação política antecipada. A inércia empurra Lula para a inelegibilidade, até por não haver um movimento musculoso em contraposição. A iniciativa está com os adversários.
4) Qual é o espaço real para um outsider em 2018?
O aparente estancamento da piora econômica e, principalmente, a baixa inflação ajudam a manter em estado potencial a aversão aos políticos. Continuam relativas as chances dos outsiders autênticos (em torno de 20%). Mas elas podem crescer num cenário de terra arrasada.
Principalmente se Lula não puder mesmo se candidatar. Não há nenhum personagem relevante suficientemente desembaraçado de problemas para poder decolar com leveza. O que melhor caracteriza o grid para 2018 são as âncoras dos atuais pré-concorrentes.
5) Qual é a margem de segurança destas projeções?
É mais provável que elas estejam certas (70%). Mas não é desprezível (30%) a probabilidade de um terremoto político. Os sismógrafos precisam estar ligados e monitorados. Nunca na história brasileira a autoridade do poder esteve tão debilitada. A impressão é que só não há uma ruptura por não haver candidatos com massa crítica para liderá-la. Por enquanto.
Até a semana que vem. Ou a qualquer momento, se o fato novo decisivo, ou algo que dê essa impressão, resolver finalmente dar as caras.
segunda-feira, 4 de setembro de 2017
2018 é uma oportunidade para o desconhecido, e uma oportunidade tão grande quanto para o conhecido
Mantém-se a dúvida sobre o vetor que dominará a eleição presidencial. Uma possibilidade, depois de cinco anos de desgaste acelerado da política, é a emergência do novo. Isso é mais visível por enquanto na direita, com Bolsonaro e Doria em momentânea superposição ideológica. Na esquerda, se Lula não concorrer, o PT estará credenciado a usar a carta.
Vale a pena um exercício prospectivo. A direita poderá fundir dois elementos: o novo e o antipetismo. Sustentam a narrativa a ruína econômica do governo Dilma e a rejeição ao PT produzida por mais de quatro anos de Lava-Jato. É um capital propagandístico não desprezível, e seria a escolha protocolar de largada de um candidato conservador.
E na esquerda? As circunstâncias deram vida a uma improbabilidade. Nenhum partido ou grupo nem ensaiou ocupar o espaço de renovação progressista. Veio então uma nova chamada ao próprio PT, que colhe alento depois da borrasca. O tempo passa, mas os demais atores do seu campo continuam a depender do que Lula vai fazer ou deixar de fazer.
Na narrativa óbvia da esquerda, a bonança dos anos Lula servirá de vacina contra a má lembrança de Dilma2. E sempre estará à mão a possibilidade de pintar o adversário com as cores do fascismo. Um #antifa brasileiro tem base, também porque nos anos recentes estruturou-se uma direita sem medo de parecer de direita. E há também a ubiquidade da Lava-Jato.
E a carta da economia? Vai em retomada modesta. O situacionismo dirá que o governo Temer salvou o Brasil do desastre petista. A oposição dirá que se trata de voo de galinha, e que é preciso uma política econômica desenvolvimentista-distributivista para produzir prosperidade real às massas e alavancar o mercado interno.
Tudo razoavelmente previsível, mas, e se não? O palco está montado mais uma vez para o habitual teatro de mistificações. Mas, e se de repente abrir-se uma janela para o debate competentemente abortado pela vitoriosa campanha petista de 2014? E se os candidatos precisarem finalmente dizer como vão enfrentar os impasses nacionais?
Um método na análise é olhar para a hipótese contrária ao que parece totalmente provável. É provável que 2018 traga de novo teatralidades vazias, a demonização, a fuga da realidade. Mas nunca o país esteve tão maduro para uma dose de racionalidade fria. Inclusive porque o longo circo de horrores destes anos servirá de antídoto ao uso gratuito da emoção.
O que emocionaria o distinto público em 2018? Difícil vislumbrar. Num ambiente de ceticismo, desilusão e algum conforto econômico, talvez seja possível exigir que os candidatos digam o que farão com a previdência social, com as estatais, com o salário mínimo, com o meio ambiente, com a indústria nacional, com os problemas políticos dos vizinhos sul-americanos…
2018 é uma oportunidade para o desconhecido, e uma oportunidade tão grande quanto para o conhecido. Se este apresentar consistência programática. Por isso convém prestar atenção no velho, em meio ao consenso de que ele não será competitivo. Não é possível enganar todos todo o tempo, já se disse um dia.
Vem aí mais um round do #FicaTemer x #ForaTemer. O cenário de momento indica vitória do primeiro, a um custo político mais substancial. Sempre será prudente entretanto observar o andamento. A alternativa Rodrigo Maia ainda não é sólida, mas está à mão. É a variável a monitorar. Se os movimentos ficarem mais pronunciados, tem carne debaixo do angu.
O #ForaxFica é assunto para os políticos, para quem se interessa um tanto a mais pela política ou está profissionalmente ligado ao universo dela. No resto, nota-se a indiferença. Seja quem for o presidente até 2018, a orientação governamental será esta, idem a base parlamentar. E a agenda vai conforme a correlação de forças. Que não mudou desde o impeachment.
Vale a pena um exercício prospectivo. A direita poderá fundir dois elementos: o novo e o antipetismo. Sustentam a narrativa a ruína econômica do governo Dilma e a rejeição ao PT produzida por mais de quatro anos de Lava-Jato. É um capital propagandístico não desprezível, e seria a escolha protocolar de largada de um candidato conservador.
E na esquerda? As circunstâncias deram vida a uma improbabilidade. Nenhum partido ou grupo nem ensaiou ocupar o espaço de renovação progressista. Veio então uma nova chamada ao próprio PT, que colhe alento depois da borrasca. O tempo passa, mas os demais atores do seu campo continuam a depender do que Lula vai fazer ou deixar de fazer.
Na narrativa óbvia da esquerda, a bonança dos anos Lula servirá de vacina contra a má lembrança de Dilma2. E sempre estará à mão a possibilidade de pintar o adversário com as cores do fascismo. Um #antifa brasileiro tem base, também porque nos anos recentes estruturou-se uma direita sem medo de parecer de direita. E há também a ubiquidade da Lava-Jato.
E a carta da economia? Vai em retomada modesta. O situacionismo dirá que o governo Temer salvou o Brasil do desastre petista. A oposição dirá que se trata de voo de galinha, e que é preciso uma política econômica desenvolvimentista-distributivista para produzir prosperidade real às massas e alavancar o mercado interno.
Tudo razoavelmente previsível, mas, e se não? O palco está montado mais uma vez para o habitual teatro de mistificações. Mas, e se de repente abrir-se uma janela para o debate competentemente abortado pela vitoriosa campanha petista de 2014? E se os candidatos precisarem finalmente dizer como vão enfrentar os impasses nacionais?
Um método na análise é olhar para a hipótese contrária ao que parece totalmente provável. É provável que 2018 traga de novo teatralidades vazias, a demonização, a fuga da realidade. Mas nunca o país esteve tão maduro para uma dose de racionalidade fria. Inclusive porque o longo circo de horrores destes anos servirá de antídoto ao uso gratuito da emoção.
O que emocionaria o distinto público em 2018? Difícil vislumbrar. Num ambiente de ceticismo, desilusão e algum conforto econômico, talvez seja possível exigir que os candidatos digam o que farão com a previdência social, com as estatais, com o salário mínimo, com o meio ambiente, com a indústria nacional, com os problemas políticos dos vizinhos sul-americanos…
2018 é uma oportunidade para o desconhecido, e uma oportunidade tão grande quanto para o conhecido. Se este apresentar consistência programática. Por isso convém prestar atenção no velho, em meio ao consenso de que ele não será competitivo. Não é possível enganar todos todo o tempo, já se disse um dia.
Carne no angu
Vem aí mais um round do #FicaTemer x #ForaTemer. O cenário de momento indica vitória do primeiro, a um custo político mais substancial. Sempre será prudente entretanto observar o andamento. A alternativa Rodrigo Maia ainda não é sólida, mas está à mão. É a variável a monitorar. Se os movimentos ficarem mais pronunciados, tem carne debaixo do angu.
Importância relativa
O #ForaxFica é assunto para os políticos, para quem se interessa um tanto a mais pela política ou está profissionalmente ligado ao universo dela. No resto, nota-se a indiferença. Seja quem for o presidente até 2018, a orientação governamental será esta, idem a base parlamentar. E a agenda vai conforme a correlação de forças. Que não mudou desde o impeachment.
sábado, 26 de agosto de 2017
O nó da reforma política não está nos eleitos, está nos eleitores. E estes são mais difíceis de reformar.
Busca-se, pela enésima vez, o modelo político-eleitoral ótimo, que idealmente será alcançado por meio de uma reforma amplamente desejada. Mais uma vez, entretanto, a montanha parirá um rato. O motivo disso seria a resistência do sistema, supostamente maligno, a mudanças supostamente benignas. É a explicação óbvia. Convém desconfiar dela.
Não é tão difícil desenhar modelos “melhores” que o atual. Mas, melhores para quem? Um problema é a dispersão de objetivos, conforme as conveniências. Quem está no governo, ou acha que vai chegar lá, quer facilitar a governabilidade. Mas só para si próprio. Além disso, os papéis flutuam conforme a conjuntura momentânea de cada ator.
Há, por exemplo, uma maneira simples de dar ao presidente eleito maioria sólida na Câmara dos Deputados. Basta combinar alguma cláusula de barreira com o seguinte dispositivo: cada partido ou coligação elegeria em cada estado uma bancada, em lista aberta ou fechada, proporcional aos votos válidos recebidos ali pelo seu candidato à Presidência.
Aliás esse mecanismo poderia ser facilmente replicado para governadores e assembleias, e para prefeitos e câmaras.
A dispersão cairia dramaticamente. Se a lista fosse fechada, o custo da eleição de deputado ou vereador iria para perto de zero. Diversos objetivos dos reformistas seriam atingidos. Haveria inclusive mais legitimidade para algum semipresidencialismo, dada a conexão direta entre o voto para o executivo e a escolha dos parlamentares que aprovariam o gabinete.
Mas nada parecido com isso será implantado. Num sistema assim, o PT e aliados próximos fariam em 2018 no mínimo 40% da Câmara. Os aparentemente fanáticos da governabilidade do governo Temer sabem fazer conta, principalmente as de chegada. A governabilidade do próximo presidente é desejável, desde que ele tenha determinada agenda.
O nó da nova reforma política tem a ver com esse detalhe. A caçada atual pelo “bom sistema” é apenas cobertura para a busca de algum mecanismo que garanta o apoio da maioria do próximo Congresso à agenda deste governo. Agenda que, infelizmente para os proponentes, não tem apoio social suficiente para passar tranquila no Legislativo. Neste ou no próximo.
Essa tensão entre o que se gostaria de aprovar no Congresso e o que é possível, dada a correlação social de forças, é o caldo de cultura de uma farta mitologia. Um mito fascinante é o da renovação. Repete-se que o problema está na dificuldade de eleger pessoas novas, e portanto (sic) boas. É o contrário. Nossa Câmara tem uma das maiores taxas de renovação do mundo, perto de 50%. Na dos EUA costuma ser de 10%.
Com o voto distrital ou misto (distrital+lista), a taxa de renovação nas eleições para o Legislativo despencaria. É só olhar pelo mundo. Mas o distrital é apresentado como a melhor alternativa pelos mesmos que insistem na premência de renovar os quadros políticos, para que os maus deem lugar aos bons. E que por isso não aceitam o distritão.
Não perca seu tempo, caro leitor, procurando racionalidade nesse debate. O problema dos nossos reformistas é que em quase qualquer sistema a vontade da maioria acaba se infiltrando em algum grau na representação política. O nó do alto custo político das reformas liberais não está nos eleitos, mas nos eleitores. E esses são mais complicados de reformar.
Privatizar faz algum sentido quando é para abater dívida que custa mais do que a estatal entrega para o Tesouro. Ou para ter dinheiro para investir. Vender ativo para cobrir despesa corrente é ruim. Vendido determinado bem, a despesa continuará ali. Os mesmos empresários que pedem isso ao governo demitiriam o executivo que fizesse algo assim nas suas empresas.
O Brasil foi programado para quebrar. As despesas estão protegidas, especialmente as mais indefensáveis. Quando a receita cai, resta caçar fontes extraordinárias para fechar as contas. Se o Brasil não existisse precisaria ser inventado: o Estado quebrou nos três níveis, mas festeja-se a existência de uma lei de responsabilidade fiscal.
Não é tão difícil desenhar modelos “melhores” que o atual. Mas, melhores para quem? Um problema é a dispersão de objetivos, conforme as conveniências. Quem está no governo, ou acha que vai chegar lá, quer facilitar a governabilidade. Mas só para si próprio. Além disso, os papéis flutuam conforme a conjuntura momentânea de cada ator.
Há, por exemplo, uma maneira simples de dar ao presidente eleito maioria sólida na Câmara dos Deputados. Basta combinar alguma cláusula de barreira com o seguinte dispositivo: cada partido ou coligação elegeria em cada estado uma bancada, em lista aberta ou fechada, proporcional aos votos válidos recebidos ali pelo seu candidato à Presidência.
Aliás esse mecanismo poderia ser facilmente replicado para governadores e assembleias, e para prefeitos e câmaras.
A dispersão cairia dramaticamente. Se a lista fosse fechada, o custo da eleição de deputado ou vereador iria para perto de zero. Diversos objetivos dos reformistas seriam atingidos. Haveria inclusive mais legitimidade para algum semipresidencialismo, dada a conexão direta entre o voto para o executivo e a escolha dos parlamentares que aprovariam o gabinete.
Mas nada parecido com isso será implantado. Num sistema assim, o PT e aliados próximos fariam em 2018 no mínimo 40% da Câmara. Os aparentemente fanáticos da governabilidade do governo Temer sabem fazer conta, principalmente as de chegada. A governabilidade do próximo presidente é desejável, desde que ele tenha determinada agenda.
O nó da nova reforma política tem a ver com esse detalhe. A caçada atual pelo “bom sistema” é apenas cobertura para a busca de algum mecanismo que garanta o apoio da maioria do próximo Congresso à agenda deste governo. Agenda que, infelizmente para os proponentes, não tem apoio social suficiente para passar tranquila no Legislativo. Neste ou no próximo.
Essa tensão entre o que se gostaria de aprovar no Congresso e o que é possível, dada a correlação social de forças, é o caldo de cultura de uma farta mitologia. Um mito fascinante é o da renovação. Repete-se que o problema está na dificuldade de eleger pessoas novas, e portanto (sic) boas. É o contrário. Nossa Câmara tem uma das maiores taxas de renovação do mundo, perto de 50%. Na dos EUA costuma ser de 10%.
Com o voto distrital ou misto (distrital+lista), a taxa de renovação nas eleições para o Legislativo despencaria. É só olhar pelo mundo. Mas o distrital é apresentado como a melhor alternativa pelos mesmos que insistem na premência de renovar os quadros políticos, para que os maus deem lugar aos bons. E que por isso não aceitam o distritão.
Não perca seu tempo, caro leitor, procurando racionalidade nesse debate. O problema dos nossos reformistas é que em quase qualquer sistema a vontade da maioria acaba se infiltrando em algum grau na representação política. O nó do alto custo político das reformas liberais não está nos eleitos, mas nos eleitores. E esses são mais complicados de reformar.
Privatizar faz algum sentido quando é para abater dívida que custa mais do que a estatal entrega para o Tesouro. Ou para ter dinheiro para investir. Vender ativo para cobrir despesa corrente é ruim. Vendido determinado bem, a despesa continuará ali. Os mesmos empresários que pedem isso ao governo demitiriam o executivo que fizesse algo assim nas suas empresas.
O Brasil foi programado para quebrar. As despesas estão protegidas, especialmente as mais indefensáveis. Quando a receita cai, resta caçar fontes extraordinárias para fechar as contas. Se o Brasil não existisse precisaria ser inventado: o Estado quebrou nos três níveis, mas festeja-se a existência de uma lei de responsabilidade fiscal.
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