sexta-feira, 26 de maio de 2023

O governo equilibra os pratos, para continuar jogando em casa

As diferentes forças políticas reagem cada uma a sua moda diante da realidade: nenhuma delas saiu da eleição com poder suficiente para subjugar as demais. Até agora, quem atua de maneira mais pragmática é o presidente da República, que reconhece explicitamente a necessidade de negociar com um Congresso de maioria à direita. E vai equilibrando os pratos.

Adeptos de Luiz Inácio Lula da Silva prefeririam que ele se aliasse ao Supremo Tribunal Federal para tentar “enquadrar” o Legislativo, mas o presidente é mais esperto que isso. Uma operação assim teria dois resultados possíveis: 1) o fracasso, com a consequente anabolização ainda maior do Congresso; 2) um “sucesso” que faria de Lula refém do STF.

Haveria ainda, na teoria, uma terceira opção: mobilizar as ruas para ajudar o Executivo na desejada reconcentração de poder. Há aí, entretanto, dois problemas: 1) os movimentos sociais da esquerda, em particular o movimento sindical, são pálida sombra do que foram um dia; e 2) transferir a disputa política para as ruas abre espaço para a mobilização social da oposição.

Hoje, a oposição ao governo do PT é contida pelos freios judiciais impostos pelo empoderado Supremo e está em minoria no Legislativo. Então interessa ao situacionismo continuar “jogando em casa”, e não repetir junho de 2013, quando a confusão de rua começou beneficiando a esquerda -e pelas mãos da esquerda-, mas acabou como uma festa da direita.

Há contraexemplos, como na Colômbia, mas uma diferença é óbvia. Ali, o governo de esquerda de Gustavo Petro é novidade histórica, a direita está acuada, a esquerda ainda desfruta uma imagem de pureza, e os movimentos sociais autonomeados progressistas estão na ponta dos cascos. Não é, definitivamente, o caso brasileiro.

A dúvida é por onde o governo deveria trabalhar para alterar a correlação de forças, e parece nítido que isso só será possível se Lula colocar o Brasil numa rota de crescimento econômico consistente, de criação de empregos e geração e distribuição de renda. Talvez seja a única forma de descongelar a persistente divisão social e política meio a meio.

A aposta da equipe econômica desenha um ajuste fiscal baseado na elevação da carga tributária, para aí permitir o afrouxamento da política monetária e alavancar a economia com base na redução dos juros. A dúvida é se retirar recursos do setor privado não vai desestimular o investimento, sem que o governo tenha como compensar com investimento público.

Até o momento, Lula mantém a fatia eleitoral do segundo turno, uns 39% do estoque total de votos no país. No começo do governo, como mostraram as pesquisas, metade dos que não tinham votado nele manifestava alguma boa vontade. Mas isso parece estar se erodindo, ainda que lentamente. O governo precisa da economia para reverter a tendência.

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P.S.: No momento, a oposição e os “aliados” da direita ajudam Lula a moderar a turma dele, o que em determinados pontos lhe é útil. Mas, se a popularidade cair, o outro lado e os companheiros circunstanciais de viagem vão crescer o olho.

sábado, 20 de maio de 2023

O equilíbrio possível. E a troca das máscaras no teatro grego da política

Era previsível, e foi previsto, que o desfecho da corrida eleitoral de 2022 traria uma de duas arquiteturas políticas bem distintas. Vencesse Jair Bolsonaro, o cenário se desenharia numa aproximação entre Executivo e Legislativo para isolar o Judiciário crescentemente ativista. Como deu Luiz Inácio Lula da Silva, a aliança informal é entre esse Judiciário e o Planalto, para, se necessário, esquentar a chapa sob os pés de deputados e senadores.

Mas alienar completamente o Congresso Nacional seria de alto risco para o novo governo, que não dispõe, na real, de base parlamentar. E, bem ou mal, algumas propostas oficialistas precisam ser votadas ali. Então, além da coerção, como diria Antonio Gramsci, é preciso algum consenso. Que é obtido pelo tradicional meio de usar o orçamento e espaços na máquina para ajudar as excelências do Legislativo a aumentar a probabilidade de reproduzir o próprio poder.

Daí que, mesmo aos trancos e barrancos, a vida siga nas relações entre Executivo e Congresso com alguma produtividade. Polvilhada por sobressaltos, mas nada que preocupe demais. E a contradição entre a maioria conservadora de deputados e senadores e um governo petista? No que der, como é o caso do “arcabouço”, vota-se. No que não der, chama-se o STF para abrir caminho aos desejos do Palácio do Planalto.

Eis então que tenhamos chegado a algum equilíbrio, em que todo mundo está contemplado em certo grau. Menos, naturalmente, o núcleo bolsonarista, o “inimigo público” da hora, como um dia foi o PT. E menos também os ícones da Lava-Jato, objeto da ira particular da autoridade presidencial. A política é dinâmica, e, nesse teatro grego, entre um ato e outro, trocam-se as máscaras de garantistas e punitivistas, porque, acima de tudo, o espetáculo tem de continuar.

E sua excelência, o eleitor? Este anda mais preocupado com a economia, em especial com a alta dos preços e com a possibilidade de perder o emprego. A desocupação acendeu algumas luzes amarelas no primeiro trimestre, mas é preciso esperar para saber se não foi sazonalidade. A inflação parece enjaulada pelos juros, ainda que o núcleo dela esteja rugindo dentro da jaula e a disseminação das pressões altistas preocupe.

O risco potencial para o governo, contemplado nesta largada com uma boa vontade de opinião pública acima do habitual em começos de mandato (deve agradecer a Bolsonaro), é uma eventual sensação de mesmice econômica impregnar negativamente o humor popular. O povão se cansar do circo Lula x Bolsonaro e começar a pedir mais pão. O Bolsa Família acima de 600 reais na média funciona como proteção poderosa, mas é bom ficar de olho.

De olho na economia e nas pesquisas. Lula mantém, na essência, a fatia de mercado eleitoral que deu a ele a vitória no segundo turno em outubro. Mas, por enquanto, não está ampliando, ainda que conte com alguma boa vontade de parte dos que não votaram nele. Apoio popular sempre é bom, ainda mais para quem não tem uma maioria programática nem na Câmara dos Deputados nem no Senado Federal.

Governo sem base está sempre vulnerável à imponderabilidade.