segunda-feira, 28 de março de 2016

O problema? Dilma pouco tem a oferecer à política que a política não possa ter sem ela

  • Presidente vê fechar-se a longa janela de oportunidade
  • Diferente de Sarney e FHC, Dilma cai no vazio de poder
  • Establishment concentra-se na possibilidade de remover o PT
  • Só um descarrilamento barra o trem de Michel Temer

    Dilma Rousseff teve uma janela de ano e meio para evitar o isolamento que a ameaça com o cadafalso. Os obstáculos à “governabilidade” já estavam delineados depois da eleição. Menos pela vitória estreita e mais pelo contraste brutal entre o cenário descrito na campanha e a realidade pós-urna.

    A mesma estratégia que trouxe a vitória eleitoral plantou a semente da derrota política, talvez por um erro de cálculo. Talvez a presidente e seu círculo mais próximo supusessem que a estratégia de Sarney/1986 e Fernando Henrique/1998 bastaria: uma conversa bonita na eleição e depois agarrar-se à institucionalidade para atravessar os anos de vacas magras.

    Acontece que Sarney e Fernando Henrique nunca caíram na ausência de poder. Sempre mantiveram, mesmo nos piores momentos, comando sobre o Estado, maioria parlamentar, forte apoio da imprensa para concluir o mandato e espaço de ação no Judiciário. Dilma II não manda na polícia, no Congresso, no Banco Central, não pode aumentar impostos nem nomear ministros, e assiste à caçada midiático-policial-judicial contra ela e os aliados.

    Num trade-off, o establishment decidiu aproveitar a presidente fraca para remover o PT do governo, mesmo arriscando turbulência política e social, e não apoiar um governo petista que se mostrou permeável a aplicar medidas pedidas pelo establishment. E o economicismo sai de cena, de mãos dadas com o legalismo. A preliminar é tirar a presidente. As formalidades vêm depois. Isso dá a Dilma e ao PT a narrativa da defesa da legalidade. Boa para construir o amanhã, mas insuficiente para resistir hoje.

    A margem de manobra estreitou-se demais também porque Dilma pouco ou nada tem a oferecer aos aliados e aos adversários que eles próprios não possam obter sem ela. O PMDB esperou, até trazer o apoio do PSDB e receber o sinal verde da opinião pública, tradicionalmente crítica ao PMDB. Agora, com a Presidência ao alcance, não tem por que persistir na subalternidade. Restam os bolsões peemedebistas resistentes à hegemonia do grupo de Michel Temer, mas não parece suficiente para brecar o trem que vai rumo à estação do poder.

    Dilma levitou durante mais de um ano graças à falta de consenso mínimo para a alternativa. Mas não teve força para resistir à blitzkrieg deste março, mês para agosto nenhum botar defeito. Mais do que os fatos em si, a sequência deles fez os políticos concluírem que a paralisia do núcleo se tornara uma ameaça ao conjunto do sistema. E parecem cada vez mais preferir o risco do colapso à certeza de que o colapso virá.

    O que poderia, a esta altura, frear a composição peemedebista-oposicionista? Só um descarrilamento. O governo pode até vencer a primeira votação de impeachment, que provavelmente será sucedida por um novo pedido de impedimento. Já há alguns na fila. Só o que pode mudar a partida por um tempo é algum imprevisto com o vice. Pois mesmo com o jogo jogado não parece haver massa crítica para sustentar o presidente da Câmara no Planalto, ainda que interino.

    E tem a Lava-Jato. Se o andamento da operação é, felizmente, incontrolável, seus efeitos imediatos sobre a política dependem não apenas das investigações em si, mas de como a política consegue montar um dique para conter os efeitos políticos das revelações.

    Isso é possível? Um exemplo é o presidente da Câmara, cujas atribulações não são suficientes para deslegitimá-lo diante da opinião pública que trabalha para derrubar Dilma. E aí concluiremos que o que aparece como luta contra a corrupção embute a luta violenta pelo poder.

    Porcentagens, considerando que o PMDB romperá com o governo: Impeachment 55%, TSE 25%. Dilma fica, sem poder 20%.

    Prestar atenção:

  • Se o PMDB une-se na saída do governo
  • Se o STF autoriza Lula a ser ministro
  • A continuidade das delações premiadas e dos vazamentos
  • segunda-feira, 21 de março de 2016

    Dilma na armadilha: saída interessa a quem quer a mudança e também a quem não quer

    • Governo e PT chegam isolados ao desfecho
    • Sistema político pede quem o proteja
    • Obstáculo a uma saída negociada é a Lava-Jato

    Os campos chegam definidos ao final desta etapa da guerra. O movimento oposicionista-liberal que desde janeiro de 2015 trabalha para derrubar o governo alcançou vantagem no momento decisivo. Tem dois terços de apoio social, alinhamento da imprensa profissional, suporte das maiores entidades empresariais e uma narrativa fartamente nutrida pela Lava-Jato.

    Já o campo governamental-progressista isolou-se. Apesar de inteiro e de agrupar a maioria da esquerda, sua fraqueza progressiva fez perder as condições de puxar o centro. Algumas razões: 1) a incapacidade de atrair confiança para liderar a retomada econômica, 2) o contraste brutal entre os fatos da Lava-Jato e sua simbologia historicamente construída e 3) a impotência diante das pressões entrópicas sobre o sistema político.

    No ponto 3, se o poder não consegue se proteger e defender o sistema que o produziu e o sustenta, o próprio sistema procura livrar-se do inútil e perigoso corpo estranho. Então, se é verdade que os empresários estão atrás de uma saída que estimule a retomada dos negócios, e se o cidadão comum deseja a degola dos poderosos que vê indevidamente favorecidos, o ecossistema político busca quem evite a desagregação final.

    É a armadilha em que Dilma se deixou capturar: sua saída interessa a quem deseja mudar, e também aos que precisam que quase nada mude.

    A estratégia da presidente era apresentar-se como ilha de segurança, correção e firmeza. Para que funcionasse melhor, precisaria de mais liderança pessoal, mais capacidade de comunicação e condições de, em certo momento, romper com as fontes primárias de seu poder. Requisitos para um certo bonapartismo. Não se faz bonapartismo sem Bonapartes.

    Entretanto, apesar de este jogo caminhar para o final, ainda não acabou. Será interessante acompanhar se terminará à brasileira, em alguma negociação, ou se caminharemos para a ruptura que produziria longo período de (ainda mais) conflagração político-social. Não há hoje como os vitoriosos aniquilarem rapidamente os derrotados sem ferirem a democracia.

    A principal dificuldade para a saída negociada é que ela precisaria incluir o destino político-jurídico do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seu partido, e não parece que o poder em gestação para o pós-PT tenha, no momento, consenso interno para tal ou força para impor isso à Lava-Jato.

    E é difícil imaginar um campo progressista relativamente apaziguado depois de, pelo seu ângulo, ver-se arrancado brutalmente do poder, ter seu líder maior encarcerado e enxergar a ameaça da aniquilação. Que é exatamente o que o público antipetista vai exigir do eventual próximo governo, e é o que os políticos antipetistas querem, para olhar 2018 com mais leveza.

    Quem terá papel importante para o desfecho? Lula. Ele enfrenta um duplo desafio: no plano pessoal-familiar, defender-se e defender os seus. No político, cuidar do patrimônio partidário, eleitoral e simbólico que acumulou na vida. Ou seja, manter-se o líder indisputado de uma esquerda forte. Evitar a desagregação que o Partido Comunista sofreu no pós-64, acusado de passividade diante do golpe de estado.

    O Lula surpreendentemente pacífico que subiu ao palanque na Paulista dia 18 é a melhor aposta de Lula para atingir os dois objetivos. Há porém, riscos. Um, como em 64, é abrir espaço à esquerda. Este é pequeno, no momento, pois o PT pode adotar a política do “big stick”. O segundo risco são os fatos. Como lembrei semana passada, eles costumam ser teimosos.

    Probabilidades: Impeachment 50%, cassação TSE 20%, Dilma fica, sem poder 30%.

    Prestar atenção:

    • A posição do PMDB do Senado
    • Os votos na Câmara para o impeachment
    • A Lava-Jato

    segunda-feira, 14 de março de 2016

    PMDB ocupa o centro para ser alternativa
 e busca apoio para não se tornar “o breve”

  • Blitzkrieg contra o governo acelera a crise
  • Na prática, Planalto só mantém apoio de PT e PCdoB
  • PMDB apresenta-se como a alternativa
  • Mas só tem por enquanto apoio para realizar uma transição

    As últimas semanas de forte ofensiva político-jurídico-policial contra o governo Dilma Rousseff aceleraram seu isolamento no Congresso e na sociedade, e desencadearam articulações finais para o desempate do jogo. O PMDB do vice-presidente Michel Temer movimenta-se para ocupar o centro, em busca de reunir massa crítica e formar o polo de aglutinação de uma nova maioria.


    Como vimos apontando há um ano, dois vetores operam em tensão na conjuntura de crise em que o governo desliza para a fraqueza extrema. O primeiro diz que ele só cai quando houver outro pronto a assumir. O segundo diz que se faltar governo por tempo suficiente alguma alternativa aparecerá para ocupar o vácuo.

    Dilma atravessou 2015 agarrada à primeira boia. Não havia entre os adversários consenso mínimo sobre a operação da transição. Mas o Palácio do Planalto, em larga medida, desperdiçou a extensa janela de oportunidade. Principalmente pela incapacidade de apontar rumos e conduzir o país à recuperação econômica.



    A Operação Lava-Jato teria forte impacto em qualquer cenário, mas ela só empurra a administração para o precipício pela fragilidade inerente à coalizão governamental, em que o partido do poder não reúne nem 15% do Congresso. É possível sobreviver assim quando as vacas estão gordas e o líder tem forte apoio popular. Mas se elas emagrecem e o líder está enfraquecido, torna-se mais difícil.



    Uma dificuldade adicional do governo é que o PT, muito atingido pela Lava-Jato, comporta-se como se preferisse marchar heroicamente para a oposição em vez de tentar manter o poder. Espaço de que se aproveita o PMDB. Mas este também tem problemas. O principal é garantir que, na hipótese de tomar a caneta, não venha a ser derrubado na sequência.



    A situação do PMDB é paradoxal. Se a política pudesse operar à margem da sociedade, o partido estaria confortável. Sobra-lhe capacidade para formar uma maioria parlamentar funcional. Falta-lhe porém apoio social. Pergunte-se às multidões que foram ontem às ruas o que pensam do PMDB. Dificilmente haverá surpresas nas respostas. E a legenda não está imune, ao contrário, às vicissitudes com a Lava-Jato.



    A fraqueza terminal deste governo Dilma, combinada à ausência de instrumentos para sua substituição em prazo curto pela via eleitoral e ao déficit de legitimidade dos personagens na linha de sucessão, empurra a política para alguma solução de transição. Como há muitos candidatos a Lenin, mas nenhum candidato a Kerensky, a coisa demandará trabalho. Enquanto isso, a política escorrega para decidir esta etapa na votação sobre o impeachment.



    A decisão está prevista para demorar algumas semanas, o que costuma ser muito tempo em política. Nesse hiato, Dilma cogitará fazer concessões. O espaço é limitadíssimo. Os fatos darão a palavra final. Eles são teimosos.



    Probabilidades; Impeachment, 40%, Cassação da chapa pelo TSE, 20%. Dilma fica, sem poder 35%. Dilma fica, com poder 5%. Aqui, algum cuidado deve-se tomar, porque agora o impeachment pode não eliminar completamente a hipótese de cassação pelo TSE.

    Atenção:

    • O que o STF vai decidir sobre o parlamentarismo


    • O PMDB vai mesmo recusar a Secretaria de Aviação Civil?

    • O tamanho das manifestações anti-impeachment dia 18



    • A Lava-Jato

  • segunda-feira, 7 de março de 2016

    Centro some, campos definem-se em busca de um improvável desempate

  • Oposição ganha momentum para tentar derrubar o governo
  • Ausência de conciliadores mostra que crise mudou de patamar
  • É improvável que qualquer lado aceite uma primeira derrota
  • Por isso, projeção é de alongamento dos impasses

    As últimas ações da Lava-Jato injetaram combustível nos grupos que trabalham pela derrubada do governo Dilma. E os movimentos recentes trouxeram fato novo: silenciaram o centro politico e catalisaram a demarcação clara de dois campos: um exige o fim do governo, pelo meio que for, e o outro mostra-se disposto a resistir, também por qualquer meio.

    As trincheiras são cavadas no parlamento, na imprensa, nos partidos, nas organizações sociais e nas ruas, a caminho da radicalização. Não há neutralidade. Ambos os lados forçam a saída do duradouro “empate catastrófico”, imagem gramsciana de quando nenhum bloco de poder tem força para se impor.

    Mas preparar não implica conseguir imediatamente. Dada a correlação de forças, mais provável é que não haja solução capaz de um desempate real.

    Dois cenários são mais palpáveis. Se a presidente escapar do atual impeachment (e ela tem hoje como reunir os votos necessários) é improvável que os adversários aceitem o resultado. Certamente virão com nova ação de impedimento enquanto, abastecidos pela Lava-Jato, estimulam a cassação no TSE. Na outra hipótese, o campo politico e social desalojado pelo que considerará um golpe recusará qualquer conciliação.

    Situações assim costumam evoluir para solução de força, que nas atuais condições brasileiras não parece provável. O PT não teria como calar a imprensa, subjugar o Congresso e controlar o Ministério Público. E um eventual governo provisório antipetista não conseguiria dissolver partidos, fechar sindicatos e colocar a oposição na cadeia.

    Uma dificuldade para qualquer solução política pacífica é quando não basta resolver o hoje, por causa da sombra do amanhã. Depois da 24a. fase da Lava Jato e corolários, se a oposição aceitar Dilma até 2018 estará dando fôlego a Lula-2018. E fazer dura oposição a um eventual governo-tampão (que parte ponderável da sociedade verá como ilegal e ilegítimo) e a suas prováveis medidas de austeridade será o caminho natural de quem foi desalojado do poder pelo que considerará um ato de força.

    É diferente de quando Fernando Collor foi deposto. Itamar Franco (que não poderia se reeleger e portanto não era ameaça a ninguém) parecia ser peça neutra para 1994. Depois, viu-se que não era bem assim, mas a eleição já estava suficientemente próxima.

    Um segundo problema é que o duro ajuste de 2015 parece estar no final, e alguns resultados positivos devem aparecer ainda este ano. Também por isso a oposição corre contra o tempo. E o governo, enxergando a luz no fim do túnel, lutará para alcançá-la.

    É prudente evitar o pensamento mágico de que uma primeira solução congressual vá permitir a superação rápida da crise política e, portanto, acelerar a retomada econômica. Sem uma aceitação mútua de regras do jogo e sem que um lado capitule, a tendência é de agravamento dos impasses. Nunca é demais lembrar: no teatro da política, o personagem costuma ser escravo do papel.

    Decidimos refinar nossos parâmetros sobre Dilma ficar ou sair. Em vez de tratar o impeachment em geral, analisaremos sempre o atual pedido de impeachment. A delação do senador Delcídio do Amaral certamente produzirá um novo, a não ser na hipótese de aditamento, a verificar. Porcentagens: Impeachment (20%), TSE (25%), Dilma fica (55%).

    Variáveis a monitorar:

  • O tamanho dos atos do dia 13 e das mobilizações pró-governo
  • Se o agravamento do quadro fará o PMDB romper
  • Se a Lava-Jato trará provas definitivas contra Dilma-Temer 2014
  • Se a Força-Tarefa conseguirá neutralizar o contra-ataque de Lula
  • O imponderável (em situações assim ele ganha relevância)