segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Dispersão eleitoral nos municípios é sintoma de imprevisibilidade política

Enquanto o teatro do impeachment atrai a atenção dos sequiosos por um espetáculo, a largada das eleições municipais oferece elementos interessantes para projetar o futuro, especialmente o futuro de daqui a dois anos, quando estará em disputa o poder central.

A marca distintiva desta corrida pelas prefeituras é a dispersão. No passado, era possível auscultar a corrida local para fazer um diagnóstico, ainda que arriscado, das tendências da cena nacional. Hoje isso tornou-se praticamente impossível.

O brutal desgaste dos partidos tradicionais e a corresponsabilidade deles pelo cenário de crise poderia, inclusive, abrir espaço para uma alternativa partidária nova. Mas nem isso acontece, graças principalmente ao engessamento legal do sistema.

As primeiras pesquisas de intenção de voto na eleição municipal mostram a prevalência absoluta do localismo. O vetor nacional expressa-se no desgaste do PT, mas isso não deve ser absolutizado. Mesmo o PT colhe, em última instância, os números nascidos das qualidades e defeitos da gestão local.

No passado, podiam identificar-se ondas que permitiam projetar para o futuro. Em 1988, por exemplo, uma onda petista foi prenúncio de que Luiz Inácio Lula da Silva seria competitivo no ano seguinte, nas primeiras eleições diretas para presidente.

Agora, por enquanto, não há como olhar o palco municipal e dele tirar qualquer tendência para 2018. É possível, claro, que ao longo da campanha e na hora da urna as coisas se afunilem e surja pelo menos um rascunho para o futuro. Mas não é provável.

Houve um tempo em que as pessoas tenderam a votar no MDB para opor-se à Arena. Depois votaram no PSDB para varrer os defeitos da Nova República. Depois votaram no PT para afastar o PSDB. Depois voltaram ao PSDB para tentar desalojar o PT. Agora o quadro é nebuloso.

A dispersão político-partidária-eleitoral é uma oportunidade para o "inteiramente novo", talvez na forma de um juiz ou promotor ou advogado que se apresente para enfrentar o que se apresenta como, e o público acredita que é, o principal problema nacional: a corrupção.

Mas também é uma oportunidade para o poder. Num quadro de dispersão, há um elemento que invariavelmente não se dispersa: o poder. Normalmente, o contraponto às estruturas dominantes é um partido ou movimento que personifica a possibilidade de um futuro diferente. Quando essa alternativa não se delineia, o poder tem uma oportunidade.

Um exemplo é a eleição americana deste ano. Depois de fortes movimentos de contestação pela direita e pela esquerda, quem lidera a corrida é representante do mais típico establishment. Nada está definido, mas o candidato republicano enfrenta uma batalha morro acima, como se diz. E Bernie Sanders ficou na poeira.

A busca do eleitor por concretude e previsibilidade é uma janela de oportunidade para o grupo político agrupado em torno de Michel Temer, se este conseguir atravessar, como parece que vai acontecer, a barreira final para virar presidente efetivo com mandato até 2018.

O PT parece estar reduzido a Lula, e este enfrenta suas próprias vicissitudes. O PSDB precisa ainda reafirmar sua força nos redutos tradicionais, o que não parece garantido. Já o PMDB está pronto a assumir o poder central por um bom tempo.

Num quadro de dispersão, o poder pode funcionar como um ímã.

Prestar atenção:

• Efeitos do depoimento de Dilma Rousseff no Senado

• Prenúncios de reforma ministerial

• Ainda a crise no Mercosul

• A polêmica sobre as delações premiadas na Lava-Jato

Temer aproveita-se do que favorecia Dilma. Lava-Jato é a incognita a olhar

Agora que Dilma Rousseff enfrenta a reta final de seu afastamento, com chances maciças (95%) de ser removida definitivamente, é útil relembrar um fator que teoricamente a beneficiava ao longo do processo, para compreender que esse mesmo vetor tende a estabilizar uma eventual administração definitiva Michel Temer. Mas que nunca é definitivo.

Um trunfo de Dilma era sua saída não ser a melhor solução para quase ninguém. Ainda que o PT pudesse estar seduzido por livrar-se do fardo de um governo pessimamente avaliado, e sem chance real de conseguir apoio político consistente, deixar o poder é sempre duvidoso como solução para problemas. E na oposição tucano-democrata não havia qualquer consenso para o impeachment.

No próprio PMDB persistiram por muito tempo sérias desconfianças. A maior parte das facções peemedebistas preferia acomodar-se num status quo já bastante favorável, pelo número de ministérios e abundante espaço politico. Além disso, o peemedebismo temia que sem o PT no palco, o PMDB virasse alvo preferencial da Lava-Jato. A divulgação dos áudios de Sérgio Machado mostrou que estavam certos.

Mas, como se viu mais uma vez nos JJOO, não basta ser favorito, tem de entrar em campo e ganhar. E quem ousa lutar tem sempre chance de vitória. Ninguém está garantido se conta apenas com a inércia. Ela agora joga a favor de Temer. Ninguém tem interesse real na sua derrubada. Mas Temer e seu governo precisam construir o triunfo, se não querem ser sugados pela mesma dinâmica que tragou Dilma.

O temerismo precisa em primeiro lugar mostrar que a recuperação econômica é para valer. Sem Dilma no Alvorada, as cobranças tendem a agudizar-se. O novo governo precisará passar no Congresso alguma medida de austeridade, para o que enfrenta dois tipos de barreiras: 1) pouca disposição na sociedade para aceitar sacrifícios e 2) pouca disposição dos aliados para fortalecer decisivamente o governo.

Outra incógnita são os prováveis baixos multiplicadores sociais da melhora econômica que vem aí. Tudo indica que será um ciclo de intensa busca de produtividade pelas empresas. Somada à prudência trazida pelas incertezas, deve resultar em uma recuperação lenta, ou estagnação, do emprego. Isso se não vier o cenário em “L”: produção de um desemprego estrutural de longo prazo que melhore a competitividade da economia.

E tem a Lava-Jato. O cenário mais provável é que a operação siga autonomamente, com bombas sendo lançadas aqui e ali, mas com o ecossistema politico buscando reduzir seus efeitos. Há conversas sobre alguma iniciativa legal de anistia, mas a probabilidade de algo assim avançar no Congresso é por enquanto baixa, Não há ambiente social.

Pelo conjunto de fatores, o futuro projetado continua sendo de “mediocridade morna”, com sobressaltos periódicos provocados pela Lava-Jato, mas com impacto politico declinante. Desde que, naturalmente, não surjam elementos estruturalmente fortes contra Temer.

*

O sucesso esportivo e organizativo do Brasil nas Olimpíadas dá a medida da oportunidade perdida por Dilma quando se deixou convencer de que deveria descolar sua imagem dos grandes eventos trazidos ao Brasil pelo padrinho politico e antecessor.

O sucesso dos grandes eventos dos últimos anos no Brasil permanecerá como um case de desperdício maciço de capital politico.

Prestar atenção:

• Últimas manobras de Dilma para evitar o desfecho

• Elementos que possam perturbar a tendência no Senado

• A crise no Mercosul

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Com impeachment a caminho, agenda do governo deve manter tendência minimalista

Há um mito no debate politico desta interinidade (que não é tão interina assim) de Michel Temer: terminada a etapa provisória, ele terá força para impor ao Congresso uma plataforma liberal na economia, com congelamento de gastos públicos e reforma da previdência social, entre outras medidas impopulares.

A tese sustenta-se na premissa de que, uma vez afastada Dilma definitivamente, Temer erguer-se-á como presidente pleno, com apoio maciço no Legislativo e na opinião pública para “fazer o que deve ser feito”. Essa premissa permite a Temer por enquanto um certo período de graça junto aos agentes econômicos empresariais.

Nossa hipótese principal aponta para algo menos ambicioso. A interinidade de Temer na prática já acabou, pois a probabilidade de Dilma Rousseff reverter o quadro no Senado situa-se, com otimismo (para ela), na faixa de 5%. E a análise fria não permite supor que haverá mudanças radicais na configuração política quando Dilma se for.

Alguns fatores limitam o ângulo de ação de Temer hoje, e devem permanecer após a votação definitiva no Senado: 1) a Lava-Jato, 2) a fragmentação parlamentar, com o consequente baixo índice de disciplina nas bancadas dos partidos que compõem a base governamental, quando se trata de enfrentar os grupos de pressão e as corporações, e 3) o risco de cassação pelo TSE.

Sobre o primeiro fator, se é verdade que a Lava-Jato não parece ter no momento força para levar o governo de Temer ao colapso, também é verdade que as delações premiadas a caminho tendem a causar transtornos, que no limite podem ter efeito semiparalisante, com o governo enredado em crises de trocas de ministros e instabilidade congressual.

Sobre o segundo fator, a troca de comando não terá mexido no pilar principal da resistência a reformas liberais: a baixa aderência da sociedade a uma agenda que traga mais liberdade e menos obrigações para o capital, menos direitos aos trabalhadores da economia formal e menos participação do Estado na economia.

Diferentemente do que supõe o senso comum cultivado ao longo destas décadas, e assentado em nossa tradição autoritária, não basta a vontade política presidencial para fazer o transatlântico Brasil mudar de rumo, para um lado ou para outro. Essa direção depende essencialmente do estado de espírito da sociedade e da opinião pública, com seu impacto no Congresso.

E não há qualquer sinal de que o PT esteja sendo removido do poder porque o Brasil se cansou do Estado e quer mais capitalismo. O petismo está de saída porque foi fragilizado políticamente, pois produziu uma retração selvagem na economia. A rigor, o PT sofre porque frustrou os que desejam um governo e um Estado eficaz para protegê-los da incertezas econômicas.

E há o TSE. Com o avanço da Lava-Jato e das delações premiadas, e com o PT fora do poder, é provável que cresçam os elementos perturbadores da legalidade da chapa vitoriosa em 2014. Mesmo que esse fator atinja também os derrotados, o fato de terem sido derrotados reduz o impacto prático sobre eles, concentrando o foco sobre Temer.

Esse conjunto de fatores nos leva a acreditar que o governo Temer manterá seu caráter minimalista após a votação decisiva para o afastamento definitivo da presidente eleita, e que o ano de 2017 será marcado por uma polarização política preparatória da disputa do ano seguinte.

Prestar atenção:

• Lava-Jato e seus alvos

• Eduardo Cunha e sua luta contra a cassação

• Algum evento extraordinário na Olimpíada.

Até a semana que vem.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Turbulências na reta final não parecem ter força para mudar o desfecho anunciado

Só dois assuntos atraem de fato a atenção das pessoas neste agosto. Qual será o desempenho do Brasil na tabela de classificação da Olimpíada? Quando será afinal o afastamento definitivo de Dilma Rousseff e o fim da interinidade de Michel Temer?

Os primeiros dias de Jogos vêm empurrando para o esquecimento as profecias catastróficas sobre a organização do evento. É sempre arriscado afastar o imponderável, mas a não ser que ele dê as caras as coisas tendem a correr dentro da normalidade.

Quem se preparou para capitalizar politicamente os aspectos negativos da Olimpíada corre alto risco de sair frustrado. E os que investiram seu capital no sucesso? Devem auferir algum benefício, mas nada que signifique um “game changer”, especialmente no plano federal.

Mas um eventual fraco desempenho esportivo tende a aprofundar o mau humor já disseminado. E os primeiros resultados não chegam a ser animadores, apesar de toda a verba federal despejada em federações e atletas ao longo dos anos de preparação.

Passada a festa ou a autoflagelação, a vida voltará à rotina, e o país se defrontará com a transição tão aguardada, para um governo Temer definitivo ou, numa possibilidade remota (algo em torno de 5%), para a ressurreição milagrosa de Dilma.

Há decepções aqui e ali com a falta de “punch” de Temer no impulso a um programa econômico liberal, mas quem acreditou nisso subestimou 1) a tendência fortemente centrista do PMDB e 2) as dificuldades de o Congresso aprovar medidas contras as corporações e os grupos de pressão.

Do lado da presidente afastada, ela não conseguiu até agora produzir as condições mínimas para o retorno. Faz pensar inclusive se de fato deseja retornar. Ao longo de todo o seu afastamento, ela limitou-se a denunciar o que considera o caráter golpista de sua deposição. É pouco.

Não se sabe, de Dilma, com quem governaria caso retornasse, ou o que faria, especialmente na economia. O líder nunca está no cargo por merecimento intrínseco, mas porque os liderados consideram-no capaz de trazer ganhos (ou evitar perdas) para todos.

Assim, a tendência (95%) é Temer vencer por inércia a batalha final para remeter Dilma Rousseff aos livros de História. Mesmo as mais recentes turbulências nascidas da Lava-Jato, talvez um último fator de desestabilização, parecem ter limitados efeitos destrutivos, no curto prazo.

Se a investigação vai seguir com autonomia inédita, reflexo do nosso estágio institucional e do nosso patamar civilizatório, é também verdade que seus efeitos políticos dependem essencialmente dos arranjos e desarranjos no universo político propriamente dito.

E não parece haver ator político de relevância, e com poder, interessado em deixar nas mãos da Lava-Jato o destino da política nacional. É um quadro já descrito aqui antes: num cenário de terra arrasada, em vez do suicídio coletivo, os políticos tendem a buscar um novo modus vivendi.

O PT quer Lula em condições de disputar 2018. Os quadros principais do PSDB também desejam estar aptos para a disputa. E Temer não tem qualquer interesse na implosão prematura do bloco político que formou para afastar a titular e governar no lugar dela.

Assim, na falta de algo melhor, um eventual governo Temer definitivo já está há tempos precificado pelo mundo político. E o barco seguirá navegando pelos mares tempestuosos deste agosto, rumo ao porto anunciado. Claro que na ausência de sua excelência, o imponderável.

Para acompanhar:

  • As possíveis ocorrências olímpicas relacionadas à segurança

  • As disputas políticas em torno do desempenho esportivo do Brasil

  • As articulações finais para a votação do afastamento de Dilma

  • Os movimentos para a votação da cassação de Eduardo Cunha