quarta-feira, 30 de junho de 2021

Esperança

A turbulência política em torno da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19, turbulência alimentada por revelações diárias (às vezes mais de uma por dia), acaba deixando em segundo plano um fato cada vez mais claro: a vacinação já parece estar estancando o crescimento dos casos e mortes por aqui da doença que assola o planeta desde o fim de 2019.

Nesta quarta, o Brasil superou as 100 milhões de doses de vacina aplicadas, e as curvas da pandemia parecem permitir um certo alívio. Mas sempre cauteloso, porque o SARS-CoV-2 tem mostrado grande capacidade de produzir variantes. Sendo que a mais em evidência, a Delta, ainda não aparenta ter dado as caras completamente por aqui.

De todo modo, a combinação da imunidade produzida por meio das vacinas e a natural parece estar contendo a aceleração dos contágios. Os números trágicos ainda são muito altos, e a vacinação certamente poderia estar indo algo melhor. Mas em meio ao pessimismo generalizado e às acusações contra a gestão das políticas de combate à Covid-19, sempre é bom dar alguma margem para a esperança.

terça-feira, 29 de junho de 2021

Toda política é local

O político norte-americano Thomas Phillip "Tip" O'Neill Jr (leia) ficou célebre não apenas pela longevidade parlamentar. Representou seu distrito de Boston, Massachusetts, por mais de três décadas na Câmara dos Representantes (deputados), que presidiu por dez anos. E nos Estados Unidos a sobrevivência dos deputados é colocada em jogo a cada dois anos, a duração do mandato. Metade daqui.

Tip celebrizou a expressão "toda política é local" (leia), lição que tirou da sua única derrota nas urnas, na primeira eleição, para vereador. Trata-se de uma verdade verificável nas mais diversas situações. Por que toda política é local? Porque com exceção das raras situações em que alguém busca um mandato nacional (presidente e vice, por exemplo), o político pensa antes de tudo em como manter o estoque local de apoio.

Inclusive porque, regra geral, é esse estoque que o alavanca para posições na esfera nacional. É sua fonte de reprodução de poder.

O "provincianismo" dos políticos costuma ser um prato apetitoso para a imprensa, especialmente quando eles lutam, por exemplo, para ser incluídos em comitivas presidenciais ou ministeriais aos seus estados, quando disputam a indicação de cargos federais na sua base, quando exigem do Executivo a liberação de recursos para obras na jurisdição das autoridades locais que os apoiaram, ou vão apoiar.

Hoje a Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19 deu mais uma demonstração de que toda política é local. Em pauta, a responsabilidade dos governantes do Amazonas na trágica segunda onda, provocada pela cepa originária, aparentemente, da capital, Manaus. Um breve interregno dos trabalhos mais focalizados na esfera federal.

segunda-feira, 28 de junho de 2021

Botucatu

Os resultados da aplicação em massa da vacina Oxford/AstraZeneca em Botucatu (SP) foram um sucesso, como já tinha acontecido com a CoronaVac em Serrana (SP) (leia). Pouco a pouco, a vacinação em grande escala vai comprovando também aqui no Brasil, a exemplo do que vem acontecendo em outros países, a sua essencialidade no combate à pandemia da Covid-19.

Os dados colhidos das duas vacinas em ambas as cidades paulistas deveriam ser um estímulo ao protagonismo da racionalidade sobre as pendengas políticas. Mas esperar isso no Brasil de 2021 é ingenuidade, esse defeito que é um dos únicos imperdoáveis na política. 

Quem paga a conta da guerra eterna? A população. Verdade que a média móvel de óbitos entre nós parece estar contida, graças também à vacina. Mas há poucas dúvidas de que a situação poderia estar bem melhor caso tivéssemos seguido o princípio simples e objetivo de que quanto mais vacina, e mais rápido, melhor.

Há dúvidas sobre as vacinas? Claro, afinal estamos consertando o avião (a pandemia) em pleno voo. Mas mesmo em lugares onde se intalaram polêmicas sobre a eficácia delas, como no Uruguai, pouco a pouco os dados vão comprovando que vacinar é bem melhor que não vacinar (leia).



sábado, 26 de junho de 2021

Mais pesquisas

As pesquisas recentes de intenção de voto para 2022 divergem em certo grau na distância entre os principais candidatos, mas algumas constatações são consensuais:

Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva estão bem à frente dos demais tanto no voto espontâneo quanto no estimulado.

Se uma terceira opção conseguir agrupar razoavelmente os insatisfeitos com Bolsonaro e Lula, deve largar de algo entre 10% e 15%.

As margens aqui variam bastante, mas hoje Lula ganharia de Bolsonaro no segundo turno.

Isso se deve principalmente por o presidente, no momento, superar o ex na disputa de mais rejeição.

Pesquisas devem sempre ser lidas com muita prudência, especialmente quando feitas com tanta distância. Aliás, até levantamentos de véspera e bocas de urna têm errado mais que o razoável.

Mas pesquisas são um dos únicos instrumentos disponíveis no voo rumo à pista de pouso da urna no dia da eleição. Em vez de brigar com elas, trata-se de utilizá-las da melhor maneira possível, o que inclui sempre lembrar que elas erram.

E é exatamente por isso que existe a chamada “margem de erro”.

E pesquisas podem até ser mais importantes longe do que perto das eleições. Elas balizam decisões preliminares relevantes dos atores políticos centrais.

Um caminho para reduzir a outra margem de erro, não das pesquisas propriamente ditas, mas da interpretação delas, é olhar não no que diferem, mas para o que têm em comum. E se partimos dos levantamentos de avaliação de governo notamos também que:

O ótimo+bom de Jair Bolsonaro deslizou para algo em torno dos 25%, mas o “aprova” continua entrincheirado em um terço do eleitorado. Aliás, se você quer saber a aprovação do governo pergunte exatamente isso. Pois sempre um pedaço do “regular” mais aprova que desaprova. E isso não aparece no ótimo+bom.

E o ruim+péssimo oscila em torno da metade dos eleitores.

É preciso tomar cuidado com a aritmética bruta, pois uma parte do eleitorado não vota. E no Brasil pesquisas não costumam perguntar se o eleitor vai comparecer. Diferente dos Estados Unidos, onde se levantam duas estatísticas: a colhida nos “registered voters” (eleitores registrados) e a nos “likely voters” (prováveis votantes).

A síntese das pesquisas eleitorais relativas ao presidente, ao governo federal e à corrida de 2022 está algo clara. Jair Bolsonaro preserva o market share dele no primeiro turno de 2018, em torno de um terço do eleitorado (não confundir com os 46% do voto válido). Mas enfrenta a apatia, a desconfiança ou a rejeição no restante do mercado eleitoral.

Muito em função de como vem conduzindo as políticas para enfrentar a Covid-19.

As próximas pesquisas deverão medir o efeito dos últimos acontecimentos na adesão do eleitor bolsonarista ao candidato à reeleição. Inclusive qual será a reação do núcleo duro da base social dele.

Mas a incógnita-chave é como estará o humor da população ano que vem, especialmente em meados de 2022. Qual será o peso das consequências da pandemia, após a vacinação em massa? Em que ritmo estará a recuperação econômica? Qual terá sido o impacto da possível crise energética decorrente da escassez de água nos reservatórios? O que vai pesar mais: a crítica aos erros do governo na Covid-19 ou a euforia por ela, ou a maior parte dela, ter passado?

E quem vai se sintonizar melhor com o humor do povão?


sexta-feira, 25 de junho de 2021

Imbroglio indiano

No dia algo agitado de depoimentos na Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19, a oposição colheu duas pontas de fios da meada: 1) a atitude do presidente da República diante de uma acusação trazida a ele sobre eventuais irregularidades e 2) os limites da ação do governo diante da pressão de parlamentares para influir na destinação de verbas contra a pandemia. 

Será necessário ver os próximos capítulo para concluir sobre o grau de dificuldade da CPI em chegar a fatos materiais que embasem eventuais pedidos de indiciamento neste caso, .

O governo tem um trunfo, que é o contrato em pauta (Covaxin) não ter sido consumado. Mas a oposição pode esgrimir, por exemplo, a diferença do senso de urgência exibido pelas autoridades sanitárias nos casos da Pfizer e da vacina indiana. E há o problema do preço. A oposição diz que é a vacina mais cara de todas. O governo argumenta que o valor negociado é o menor de tabela.

E há o detalhe da tal terceira empresa não citada em contrato e que de repente apareceu no circuito. E tem as dúvidas sobre a empresa que representa os indianos no Brasil.

O presidente da República precisará afastar as nuvens de uma eventual suspeita de prevaricação, mas poderá reafirmar que não há acusação de corrupção contra ele. Entretanto, como o governo fará para controlar uma situação em que parte da sua base vier a ser investigada pela Polícia Federal e o Ministério Público?

Se há algum risco político trazido pelo Caso Covaxin é este: gerar instabilidade nas relações do Palácio do Planalto com a base principal de sustentação do governo no Congresso, e que o vem protegendo até agora das flechadas desferidas pela oposição e pelo antibolsonarismo extraparlamentar.

Já se viu no caso do agora ex-ministro Ricardo Salles que, mesmo com as alterações na cúpula da Polícia Federal, é ingenuidade imaginar que o governo tem controle absoluto sobre o andamento de investigações.

quinta-feira, 24 de junho de 2021

Covaxin

E eis que a Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19 acredita ter chegado à pista da sua "bala de prata" contra Jair Bolsonaro. Trata-se do imbroglio envolvendo a vacina indiana Covaxin. Falta ainda achar a prova irrefutável, mas desde a Lava Jato isso está definitivamente relativizado. Aliás, a Lava Jato foi sepultada ontem no Supremo Tribunal Federal (não que não possa ser exumada), com a definitiva suspeição de seu condutor, mas o lavajatismo anda bem vivo.

As revoluções podem até morrer, mas deixam sempre algum legado.

De volta ao assunto do momento, seria ingenuidade, entretanto, imaginar que o desfecho de CPIs e governos dependa essencialmente de achados factuais irrefutáveis. Talvez esteja mais para o inverso: quando se estabelece uma dada correlação de forças, busca-se (e acha-se) algo que possa dar algum recheio jurídico, ou cara jurídica, ao movimento político que se quer desencadear. Aí aparecem as "Fiat Elba" (que nada tinha a ver com qualquer tipo de crime de responsabilidade) e as "pedaladas".

Acontece que achados factuais podem, eles também, interferir no balanço das forças políticas. Isso acontece quando fatos, ou sua descrição, ajudam a criar um ambiente psicossocial extremo. A Revolução de 30, por exemplo, foi catalisada pelo assassinato de João Pessoa. Depois descobriu-se que o homicídio nada tivera a ver com a política. Mas aí os gaúchos já tinham amarrado seus cavalos no obelisco e Getúlio Vargas estava bem acomodado na presidência com a caneta na mão.

E Júlio Prestes já tinha ficado a ver navios.

O governo Jair Bolsonaro sustenta-se no terço duro do eleitorado fiel a ele, na maioria do Congresso (especialmente da Câmara), que vê no governo dele a janela de oportunidade para avançar reformas impossíveis num governo de esquerda e acumula poder inédito sobre o orçamento federal, e num fato singelo: o que os políticos ganhariam depondo um presidente que hoje depende deles (Bolsonaro) para instalar um que não?

Será que o caso Covaxin vai mexer em algum desses alicerces?

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Vacinar todo mundo

Israel tem quase 120 doses de vacina Pfizer, contra Covid-19, aplicadas para cada 100 habitantes. Ou seja, em média cada um recebeu 1,2 doses. E Israel assiste a um repique de casos da doença causada pelo novo coronavírus (leia). Uma hipótese é o SARS-CoV-2 ter acelerado a circulação entre não vacinados, especialmente os jovens. A ordem lá agora é começar a vacinar as crianças.

No Chile, cuja proporção de vacinas aplicadas é só ligeiramente inferior a Israel, acontece algo parecido. Cresce, por exemplo, a pressão sobre as UTIs. Ali a vacina predominante é CoronaVac. As notícias dão conta de que cerca de 85% dos pacientes sob cuidados intensivos são não vacinados. Mais um exemplo de que o único objetivo razoável numa campanha de vacinação é vacinar todo mundo.

A guerra de informação impulsionada no âmbito da guerra comercial e política induz as pessoas, e os países, a perder tempo discutindo se a vacina A apresenta tantos pontinhos percentuais a mais ou a menos de eficácia que a vacina B. Isso, a rigor, não tem a menor importância. Aliás o debate carrega um risco. O risco de países passarem a priorizar a aplicação de novas doses em quem já foi vacinado, em vez de vacinar mais gente.

Repetindo: a missão é vacinar todo mundo. O resto é diversionismo.

terça-feira, 22 de junho de 2021

O estado das forças

Há hoje algumas constatações no Congresso Nacional em relação aos efeitos políticos da epidemia de Covid-19. O presidente da Câmara dos Deputados deixou claro que no momento não há correlação de forças para a abertura de um processo contra o presidente da República por crime de responsabilidade (leia). Inclusive porque, segundo ele, a proporção ali dos a favor e contra o governo é de 2 para 1.

Do lado oposto da polarização, cristaliza-se na Comissão Parlamentar de Inquérito uma proporção quase igual, mas inversa, de 7 a 4. Anda cada vez mais difícil para o governo virar essa equação, pois os sete, chamados também sintomaticamente de G7, já foram longe demais, não teriam como justificar publicamente uma mudança radical de lado. Ainda que na política quase tudo possa acontecer. Ou tudo.

Por enquanto, o desfecho mais provável da CPI no Senado da Covid-19 é um relatório final duríssimo, com múltiplos pedidos de indiciamento (CPI não indicia, pede indiciamento), e que irá seguir seu curso no Ministério Público e no Judiciário, eventualmente com mais investigações. Será difícil para os listados, mas é altamente improvável que a coisa venha ter um desfecho judicial antes das eleições.

Claro que alguma hora pode aparecer a chamada bala de prata, e isso desencadear um movimento irreversível de remoção do presidente, mas o fato é que até agora não apareceu. E os movimentos de oposição retomaram a presença na rua, mas por enquanto têm sido manifestações majoritariamente de militantes e já alinhados. De ambos os lados aliás.

E tem o calendário eleitoral, que vai ficando cada vez mais apertado. Poderia interessar à oposição que Bolsonaro entrasse na corrida enfrentando um processo político? Com certeza. Mesmo que o desfecho mais provável fosse perder. O problema é que, de novo, o presidente tem um aliado na presidência da Câmara, ao qual, inclusive para efeito da política no estado, não há qualquer vantagem, até agora, em romper com Jair Bolsonaro.

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Números da economia

As instituições financeiras consultadas pelo Banco Central (Boletim Focus) elevaram de novo a previsão de crescimento da economia este ano. Passou a 5,0%, contra 4,85% na semana anterior. Quatro semanas atrás estava em 3,52% (leia). Estamos na fronteira do primeiro para o segundo semestre, época em que naturalmente as previsões começam a correr menos risco de acabar divergindo da realidade.

Se os números otimistas se confirmarem, haverá, é claro, duas leituras. O governismo dirá que crescer esse tanto é um sucesso. Já o oposicionismo contestará que se tratou apenas de recuperar a queda do ano anterior, com um pequeno troco. Será a típica situação em que os dois lados têm razão, mas a pergunta que interessa é outra: qual será a percepção do eleitorado, considerando que tem eleição ano que vem?

Outra certeza é que esse relativo otimismo dos chamados mercados ainda depende, para concretizar-se, de atravessar duas incertezas: 1) haverá uma nova onda, uma nova aceleração de casos e óbitos pelo novo coronavírus? e 2) qual será o efeito, sobre a economia, do encarecimento da energia provocado pela crise hídrica? O Boletim Focus indica que os entrevistados responderam com otimismo às duas perguntas.

sábado, 19 de junho de 2021

A economia separa os dois antibolsonarismos

A correlação de forças na Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19 é um certo termômetro da movimentação política nesta antevéspera do processo eleitoral. Ali, refletindo o país, é visível a cristalização de um antibolsonarismo à moda de alguns "anti" das décadas passadas. Juntam-se visões antagônicas, mas unidas pelo propósito único de remover o governante. As diferenças? Ficam para depois.

Há, entretanto, uma distinção, mesmo ainda sutil, na comparação com eventos históricos relevantes anteriores. Vamos lembrar os dois momentos recentes mais emblemáticos de hegemonia política, e emocional, do “anti”: a superação do regime militar pela Aliança Democrática de Tancredo Neves e a remoção do PT na deposição do governo Dilma Rousseff. Os dois episódios foram resultado de coalizões heterogêneas.

Mas bem menos que esta agora, potencial, contra Bolsonaro.

Nos dois casos citados, acabou se solidificando um consenso razoável tanto na política quanto na economia. A Aliança de 1984/85 queria a redemocratização, mas também o desenvolvimentismo. E o antipetismo de 2015/16 desejava tirar Dilma, mas também vinha coeso em torno de avançar o que acabou entre nós ganhando o nome de “agenda liberal”. Que resiste bem, como mostram as votações para privatizar a Eletrobras.

A situação tem algo de curioso. O antibolsonarismo está vivo na vontade de tirar Bolsonaro. Mas não tem coesão na economia. O antipetismo está vivo, entre outras coisas, no desejo de manter o rumo da política econômica aplicada pelo menos desde Michel Temer e continuada por Paulo Guedes. E aqui vem uma encrenca para quem busca o poder em 2022: o que vai pesar mais na urna, o impulso para trocar o presidente ou para manter o trajeto econômico?

Note-se que parece haver uma janela potencial para alternativas que proponham substituir Jair Bolsonaro, mas sem romper com a agenda liberal. Qual o problema, por enquanto? De novo, a capacidade de um candidato com esse perfil superar a barreira de entrada: a fidelidade de pelo menos um terço do eleitorado ao presidente e do mesmo tanto ao principal adversário no momento, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Por falar nele, sempre é possível especular com um deslocamento de Lula ao “centro” na política econômica. Esta semana ele disse que vai revogar o teto de gastos. Mas convém prudência. Será imprudente supor que Lula se aferrará a uma determinada linha econômica se ela trouxer risco de derrota eleitoral. Especialmente se em meados do próximo ano a economia e o emprego estiverem em expansão.

Pesquisas temáticas costumam indicar que a maioria no Brasil quer mais Estado na economia, mas há um amplo consenso na elite contra políticas econômicas menos privatistas que a atual. Na teoria, o vencedor na urna precisará manter equilibrados e rodando esses dois pratinhos sobre as varetas. Ou então pode tentar ganhar a eleição dizendo uma coisa e depois fazer o contrário. 

Da última vez não deu muito certo.

sexta-feira, 18 de junho de 2021

Inovação

Hoje a CPI no Senado da Covid-19 realmente inovou. No dia dos depoimentos de dois médicos favoráveis ao chamado tratamento precoce da doença causada pelo novo coronavírus, o relator e o restante da bancada de oposição saíram da sessão, para não ter de fazer perguntas aos dois depoentes. 

Com isso, reduziram drasticamente a exposição pública dos trabalhos da CPI neste dia, que seria naturalmente desfavorável ao oposicionismo.

Também naturalmente, haverá um custo político. Aliás, é só que resta de dúvida na CPI. Qual será o custo político para cada lado. 

Pois não há dúvidas sobre o teor do relatório final, visto que a comissão está blocada desde o início num 7 a 4 contra o governo. E vai ser uma grande surpresa se o presidente da República não aparecer no texto, pois daí a CPI terá servido para pouca coisa, só para pescar os peixes pequenos e ex-peixes. 

Terá sido muito barulho por nada. É improvável.

Vamos ver quais serão as descobertas na nova fase aberta hoje com a passagem de diversos personagens de testemunha a investigado. A CPI chegará ao pote de ouro no final do arco-íris? Encontrará a bala de prata? Ou terminará restrita à construção de narrativas eleitoralmente úteis?

Entrementes, Jair Bolsonaro foi ao Pará. Faz como Luiz Inácio Lula da Silva em 2005/06, quando acossado pela crise desencadeada pelas acusações de Roberto Jefferson. Evita permanecer o tempo todo numa Brasília intoxicada pela guerra política.

O tira-teima? Por enquanto está marcado para 2022. Para antecipar o calendário, só a tal bala de prata e a rua. E as pesquisas. Por enquanto, como mostrou a votação da Eletrobras no Senado, o jogo continua equilibrado. 

Uma ponta não fecha

Quem se debruça agora sobre a condução que Jair Bolsonaro vem dando aos desafios da pandemia conclui que o próprio presidente melhorou as condições para a emergência de uma ampla coalizão contra ele ano que vem.

Pelo menos no segundo turno da eleição.

Bolsonaro vem se orientando por um único parâmetro desde a chegada da Covid-19. É evidente que, na visão dele, os adversários só querem mesmo é usar a epidemia para provocar o colapso econômico, e assim impedir a sua vitória em 2022.

Mas tem um detalhe, uma ponta que não fecha.

Qual seria então a atitude racional para confrontar essa eventual estratégia inimiga? Concentrar todos os esforços na obtenção de vacinas. Em paralelo, apoiar medidas simples, e economicamente pouco destrutivas, de proteção individual e social (máscaras, higienização), até em contraponto ao radicalismo do “lockdown até a vitória final”.

E isso independeria de acreditar, ou não, no efeito curativo dos fármacos que o presidente propagandeia para a doença.

Mas em algum momento dessa história Bolsonaro parece ter perdido a mão, ter ficado enredado da teia dos acontecimentos, dos preconceitos, da ideologia e das pressões.

Em primeiro lugar, sua inclinação ao conflito como método preferencial de ação política permitiu ao governador de São Paulo atraí-lo para uma armadilha. Talvez João Doria não venha a ser o beneficiário final, eleitoral, da birra do presidente contra a CoronaVac, mas alguém com certeza vai faturar.

Tampouco se deve subestimar outro detalhe: Jair Bolsonaro nunca quis desafiar o núcleo duro da sua base, no qual florescem as teorias antivacina. E somam-se a outras ideias exóticas (por exemplo contra as máscaras) e à obsessão antichinesa. Um resultado prático é a grande dificuldade de o presidente ligar a imagem dele à vacinação.

E até que ela vai razoavelmente, para um país que ainda não fabrica autonomamente o imunizante.

A maioria da CPI da Covid-19 sustenta a tese de Bolsonaro ter apostado, desde o início, na aceleração da imunidade de rebanho. Mas, mesmo que tenha sido, isso não explica o incômodo com as vacinas. Pois elas ajudariam, como ajudarão, a antecipar a imunidade coletiva, e portanto a reabertura e a recuperação da economia.

E não é razoável acreditar que Bolsonaro desconhecesse o efeito eleitoral negativo de centenas de milhares de mortes. A conclusão? Uma mistura de excesso de submissão à base, ou falta de liderança (dá na mesma), e erros sérios na projeção dos efeitos letais da livre transmissão viral.

Terá consequência eleitoral? Saberemos daqui a pouco mais de um ano.

Mas suponha-se que Jair Bolsonaro consiga a reeleição em outubro de 2022. Aí as análises com engenharia reversa concluirão que o presidente fez tudo certo, e os adversários tudo errado. Claro que as coisas não são bem assim, todo mundo erra e acerta, e no final quem pode mais chora menos.

E a condução das políticas durante a pandemia fez com que agora Bolsonaro esteja dependendo mais que antes dos erros dos adversários. Quando lá atrás eram estes que dependiam totalmente dos erros dele.

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Publicado na revista Veja de 23 de junho de 2021, edição nº 2.743

quinta-feira, 17 de junho de 2021

Uma nova variável

E a Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19 vai se encaminhando para onde costumam ir todas as CPIs: arrolar os investigados e projetar os pedidos de indiciamento. As sessões continuarão, mas a comissão, hoje de cristalizada maioria oposicionista, não vai se furtar a aumentar a pressão sobre os apoiadores do presidente da República e o próprio. Inclusive com situações de opróbrio que dariam inveja à tão criticada, por esses mesmos políticos, Lava-Jato.

Imaginar CPIs como entidades que em algum momento possam se orientar por critérios objetivos, metodologias técnicas e busca da justiça e da verdade é coisa que pertence ao universo dos contos de fadas. Acredita quem quer. O fato? O governo colhe na CPI o resultado de ter descuidado da construção da hegemonia no Senado, ao contrário do que fez na Câmara dos Deputados. Sem maioria em plenário, não conseguiu nem equilibrar o jogo na comissão, muito menos impedir sua instalação.

Três são as frentes de luta até o momento na CPI. O caso de Manaus mira principalmente o general e ex-ministro da Saúde. O do assim chamado tratamento precoce, ou inicial, enreda um universo mais amplo. Mas o ponto crítico está nas vacinas. Aqui não há muita polêmica: quanto mais vacinas e mais rápido, mais gente fica protegida contra o SARS-CoV-2. Mesmo que a proteção oferecida pelo imunizante não seja de 100%. Desde o ano passado sabe-se que o governo abriu um flanco no tema.

As curvas de casos e mortes seguem em nível bem preocupante, mas tudo indica que os níveis de vacinação já atingidos estejam segurando em parte a aceleração da marcha mortal da segunda onda epidêmica. Vamos ver se essa hipótese otimista se confirma. Nos próximos dias, atingiremos o meio milhão de mortos pelo novo coronavírus. Por dever de ofício, o analista terá de ficar de olho no efeito político do atingimento da trágica marca.

Que trará uma nova variável para a mesa: será que o Brasil vai acabar se tornando o país com mais mortos por Covid em todo o mundo? E qual será o impacto político, e eleitoral, se isso acontecer?

quarta-feira, 16 de junho de 2021

Conta-gotas

E a Agência Nacional de Vigilância Sanitária continua liberando a vacinação com a Sputnik V, mas a conta-gotas (leia). Método que não foi aplicado a nenhuma outra vacina. Pode-se argumentar que é por razões de segurança. Mas aí aparece um problema: se a vacina é segura, por que não liberar de vez como as demais, e se não é segura, por que não simplesmente vetar?

É legítimo que o leigo olhe isso e deduza estar o Brasil imerso num ambiente irracional. Mas o caso da Sputnik V é um ponto fora da curva, até neste nosso bizarro ecossistema. Precisamos de vacinas. Urgentemente. A velocidade da vacinação parece ser a variável decisiva no combate à propagação entre nós do SARS-CoV-2. Ainda mais agora com as novas cepas, mais transmissíveis. E ao que assistimos?

Assistimos a um jogo de empurra. Em vez de um esforço nacional coordenado para trazer todas as vacinas disponíveis, e o mais rápido que der, ficam uns e outros criando problema com a vacina alheia. A Anvisa é teoricamente um órgão mais técnico que político. A Sputnik V, ao contrário de outras, até agora não deu problema em lugar nenhum. A conclusão deveria ser lógica.

terça-feira, 15 de junho de 2021

Manaus na CPI

A sessão de hoje da CPI no Senado da Covid-19 foi dedicada à tragédia de Manaus no início do ano. Até o momento, é um dos pontos fortes que a oposição tem para caminhar rumo a um relatório final de condenação do governo. Mas a oposição continua com o mesmo desafio: como fazer para incriminar diretamente o presidente da República. Pois para maximizar o efeito político não bastará chegar aos peixes pequenos. Que aliás já estão suficientemente enredados.

Já o governismo insiste no esforço para transformar a CPI da pandemia numa CPI da corrupção na pandemia. Trata-se de batalha morro acima. Em primeiro lugar, por o governo não ter maioria na comissão. Em segundo, por não haver, parece, maior interesse da opinião pública nesse aspecto dos fatos. Ao menos por enquanto. Pois está sedimentada a ideia de que a grande e insuportável quantidade de mortes Brasil afora tem mais a ver com o atraso na vacinação e com terapias de efeito duvidoso.

Mas, e Manaus? Ali parece ter se formado a tempestade perfeita. Quando a primeira onda de Covid-19 refluiu, talvez tenha havido a ilusão de terem atingido a imunidade de rebanho. Daí veio uma nova cepa, bem mais contagiosa. Mas aí os leitos adicionais de UTI já tinham sido desativados. E chegou-se à superlotação hospitalar. E faltou oxigênio. E Manaus não tem ligação por terra ao sul. E o assunto foi inicialmente tratado de modo e com ritmo burocráticos pelas autoridades.

Sem falar no esforço dispendido para implementar o chamado tratamento precoce. E some-se a isso a encrenca com a Venezuela, que poderia ajudar no fornecimento emergencial de oxigênio. Mas aí teriam de pedir a Nicolás Maduro, que é o presidente de fato ali mas não é reconhecido pelo Brasil. E, convenhamos, pedir ajuda a Juan Guaidó não adiantaria nada, visto que o próprio não tem qualquer controle sobre o país vizinho.

E tem o aspecto da corrupção.

Um baita imbróglio, que a população manauara pagou em sofrimento e vidas.

segunda-feira, 14 de junho de 2021

Acelerando

Estados e municípios começam a acelerar fortemente a vacinação. O Maranhão faz mutirões, São Paulo antecipou o calendário em 30 dias, a cidade do Rio corre para não ficar atrás. Cada um e uma têm seus méritos. A CoronaVac abriu a picada, a AstraZeneca parece ter entrado em ritmo de cruzeiro, a Pfizer e a Janssen chegaram, a SputnikV começa a derrubar as inexplicáveis barreiras burocráticas.

As estatísticas oficiais apontam que aqui um quarto da população vacinável já tomou pelo menos uma dose, e mais de 10% completaram a vacinação. Os números ainda estão longe de alcançar os índices necessários para suprimir a transmissão viral, mas é razoável trabalhar com a hipótese de que essas taxas, mais a de já infectados e curados, e portanto portadores de alguma imunidade, estejam freando a escalada das ondas.

As análises objetivas apontavam meses atrás que a virada do semestre assistiria a um acelerar da vacinação, a partir da contabilidade de entregas de vacinas determinadas em contratos. E que entre agosto e setembro seria provável uma maior reabertura das atividades, a partir da ampla aplicação das segundas doses, nas vacinas que necessitam desse reforço.

Será muito bom se essas previsões se confirmarem.