Alon Feuerwerker
jornalista e analista político
bio -> https://pt.wikipedia.org/wiki/alon_feuerwerker
segunda-feira, 30 de agosto de 2021
Calmaria
sábado, 28 de agosto de 2021
Equilíbrio instável
Um exercício preliminar na análise deste momento é procurar
quando e por que aconteceu o ponto de inflexão que transformou o equilíbrio
estável em instável. Um objeto está em equilíbrio estável quando qualquer
pequena perturbação nele tende a fazê-lo retornar para a situação de
equilíbrio. E o instável é quando mesmo uma pequena perturbação tem o poder de
desorganizar a situação.
Um exemplo clássico é o da bolinha numa bacia. Se a bacia
está de boca para cima e a bolinha sofre um pequeno deslocamento, ela tende a
retornar para o centro. Mas se a bacia está de boca para baixo e a bolinha é
deslocada, ela tende a rolar e ir embora.
O governo Jair Bolsonaro atravessou seu primeiro período em
equilíbrio estável por duas razões principais: maioria parlamentar sólida para
o essencial de seu programa econômico -e para evitar um impeachment- e
manutenção da expectativa de poder, da capacidade de reeleger-se. Quando,
devido principalmente à condução na pandemia, em particular na vacinação, o
segundo pilar entrou em corrosão, o primeiro também passou a sofrer.
Todos os sinais são de termos ingressado num período de
equilíbrio instável. No qual aumenta a possibilidade de os desejos dos
personagens serem tragados pelas circunstâncias. Um erro habitual na política é
fazer os cálculos baseando-se só nos fatores da racionalidade. Quando a
situação passa a ser de equilíbrio instável, aumenta bem o poder das
circunstâncias. Em vez de os personagens conduzirem, tendem a ser conduzidos.
Na linguagem militar, a situação passa a ser de perda da
capacidade de iniciativa.
E são conduzidos, no mais das vezes, pelas personas que
criaram para si mesmos. Como é que o presidente da República vai poder, a certa
hora, dizer que aceita qualquer resultado na eleição do ano que vem, com a urna
eletrônica? Pois é disso que se trata. A única saída pacífica possível para o
atual impasse é todos estarem de acordo em que todos disputem a eleição e quem
ganhar, pelo atual sistema de coleta de votos, toma posse e governa.
O problema é que quase ninguém está confortável com assumir
esse tipo de compromisso. Daí o superaquecimento conjuntural. Para baixar a
temperatura, seria necessário um freio de arrumação. Faltam duas coisas para
isso. Como dito acima, falta que todos aceitem não apenas o sistema de regras
eleitorais, mas também os prováveis desfechos. E talvez falte alguém com
liderança para fiar o acordo coletivo.
Entrementes, vamos de soluço em soluço, subindo um degrau de
cada vez. 7 de setembro será um dia importante, em que Bolsonaro imagina reunir
gente suficiente para dar uma demonstração de força. Mas, mesmo supondo que
tudo corra pacificamente no feriado, e isso não é tão provável assim, e depois?
Qual é a estratégia de saída de cada ator? Um dado decisivo ainda não suficientemente claro.
Pois nem a oposição tem força para fazer
o impeachment, ou mesmo para a Câmara afastar o presidente em caso de denúncia
por crime comum, nem Bolsonaro tem força, mantido íntegro o ordenamento
jurídico, para impor os desejos dele sobre como vai acontecer a eleição. Um nó
górdio à espera de que alguém o corte.
sexta-feira, 27 de agosto de 2021
Nunca mais?
E os últimos dias assistiram ao enterro da 17ª ação judicial
contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Advogados e apoiadores dele
festejaram mais uma pá de terra sobre a Lava Jato.
Se nenhum obstáculo jurídico aparecer até outubro de 2022, e
se o acaso não pregar nenhuma peça, o petista caminhará elegível para as urnas
eletrônicas, hoje alvo preferencial do até agora principal adversário dele, o
presidente Jair Messias Bolsonaro.
O incumbente, aliás, enfrenta especulações algo semelhantes
às ameaças que acabaram removendo Lula de 2018. Um cerco judicial que ronda
tirá-lo da eleição. Como, ainda não se sabe muito bem.
Um problema, para certos personagens que sonham com 2022 sem
Bolsonaro, é a possibilidade de parte dos votos dele acabarem migrando para
Lula e assim ajudarem a liquidar a fatura logo de cara.
Sobre esse pessoal, e essa possibilidade, Talleyrand
repetiria que não aprenderam nada e não esqueceram nada.
Diante do risco, uma solução especulada nos círculos do
“lavajatismo pós-Lava Jato” é simplesmente tirar os dois. Por enquanto, nenhum
gênio das alquimias de Brasília descobriu o caminho, mas acham que não custa
sonhar. E, segundo a sabedoria empresarial, sonhar grande e sonhar pequeno dá o
mesmo trabalho.
Enquanto a turma sonha, a crise já vem contratada, pois
estamos a anos-luz de algum consenso nas regras do jogo.
O único ponto de contato no discurso dos atores políticos
neste momento é afirmarem estar preocupados apenas e somente com a preservação
da liberdade e da democracia. Qual é o problema? Para quase todos eles,
Bolsonaro incluído, a “verdadeira democracia” supõe certos adversários não
poderem assumir o governo, em nenhuma hipótese, pois representariam um risco à
própria democracia.
A transição de 1984-85 impôs o “nunca mais” aos que apoiaram
o regime militar. Depois de 2002, reinou o “nunca mais PSDB”. Aí a era petista
terminou e abriu-se o ciclo do “nunca mais PT”. Que deu em Bolsonaro, que
carrega a tocha do antipetismo. Mas o capitão agora enfrenta um “nunca mais” todinho
só dele.
A tara pelo "nunca mais" é um sintoma. A atual
instabilidade decorre em última instância de ter colapsado o acordo fundamental
que fez nascer a hoje agonizante Nova República.
Que acordo? As diversas forças políticas conviverem num
ambiente de democracia constitucional, e as diferenças serem resolvidas nas
urnas. E entre duas eleições os conflitos serem dirimidos no Legislativo. É
sabido que as circunstâncias históricas levaram a um desgaste desse pacto,
afinal sepultado em algum ponto da viagem entre 2013 e 2018.
E cá estamos nós de novo à beira de uma grave crise
institucional. Fenômeno que os otimistas, ou ingênuos, achavam ser coisa do
passado. É inevitável? Ainda não, mas o trem está em marcha. E se acontecer, de
quem será a culpa, a responsabilidade histórica?
Periga tornar-se mais um assunto de debate e disputa entre
políticos, historiadores, jornalistas, profissionais e amadores, para todo o
sempre.
====================
Publicado na revista Veja de 01 de setembro de 2021, edição nº 2.753
quarta-feira, 25 de agosto de 2021
Terceira dose?
A polêmica do momento em torno das vacinas contra a Covid-19 é sobre aplicar ou não a terceira dose, ou dose de reforço, diante do repique de casos e mortes provocado, segundo se acredita, pelas novas variantes.
segunda-feira, 23 de agosto de 2021
Curvas atualizadas
sábado, 21 de agosto de 2021
Enfim, a crise
A palavra “crise” vem sendo vulgarizada há décadas entre nós, a ponto de a psique nacional ter normalizado a sensação de estarmos sempre em crise. O que costuma ser exagero retórico. Mas desta vez parece que vamos para uma crise mesmo, pois esboça-se um cenário inédito nos últimos quase sessenta anos: não há consenso sobre o método e as circunstâncias que vão decidir a luta pelo Planalto.
A aceitação consensual das normas que orientam e regulamentam a
alternância no governo é talvez o pilar fundamental da paz política em regimes
como o nosso. Ou seja, se os jogadores e os times não estão de acordo sobre as
regras, ou sobre quem pode jogar ou não, é difícil o jogo acabar bem. Não é obrigatório que acabe mal, mas a
chance é grande. Exatamente a situação agora do processo político brasileiro,
a caminho da desestabilização.
A existência desse consenso fez o edifício resistir com
certa estabilidade ao impeachment de Fernando Collor. Aí vieram Itamar Franco,
que não podia se candidatar à reeleição, e em seguida dois nomes do “mainstream”,
Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Que resistiram às
turbulências também por aceitar um fato: o poder não é espaço vazio à espera
do vencedor da eleição, é prédio habitado que troca de zelador.
Essa realidade não havia sido respeitada por Collor, nem foi em
boa medida por Dilma Rousseff. Nem na largada por Jair Bolsonaro. Não
significa que ele vá ter o destino dos dois, pois fez ajustes a tempo e conta,
até o momento, com proteções que certa hora faltaram a ambos. Por exemplo a
presidência e a maioria da Câmara dos Deputados (onde começam os impeachments), e apoio militar. E a crise agora escalou quando falta pouco para a eleição.
Este último aspecto deveria, teoricamente, oferecer a
possibilidade de uma desanuviada no ambiente, e fazer os políticos voltarem-se
para a preparação da disputa eleitoral. Costuma funcionar como válvula de
escape. E por que não está funcionando agora? Precisamente porque falta o
acordo essencial de que todos disputarão, e com as regras de agora, e quem
tiver mais votos assume a cadeira no Palácio do Planalto em janeiro de 2023.
Daí que a política esteja enredada num novelo de difícil
desembaraço. Hoje, Bolsonaro iria ao segundo turno e perderia de Lula. E a
chamada terceira via teria os cerca de 20% que Marina Silva teve em 2010 e 2014,
exatamente por ser a única “terceira via”. Num país mais próximo da
normalidade, os insatisfeitos com esse cenário estariam cuidando de buscar
alianças e de fixar imagens programáticas favoráveis. Não no Brasil de 2021.
Um novo impedimento de Lula tornou-se possibilidade
remotíssima, após as decisões do Supremo Tribunal Federal a respeito. Resta,
portanto, hoje, uma vaga na decisão. Bolsonaro, enfraquecido pelos erros na
condução da pandemia, mas ainda apoiado por um terço, resiste ao cerco, alimentando,
por convicção ou conveniência, dúvidas sobre a higidez do processo eleitoral. Se
perder mesmo a eleição, parece visualizar aí uma trincheira de resistência.
Entre os adversários, o PT e Lula começam a se movimentar,
nos périplos e nas alianças. Na esquerda, o grande problema é que falta muito
tempo para as urnas, mas se até lá nada mudar estará tudo bem. O difícil é nada
mudar até lá, pois todos estão vendo o mesmo jogo.
Já para a terceira via é imperioso criar um fato novo, que
lipoaspire ou impeça um dos dois favoritos. E quem está agora na situação mais vulnerável
é Bolsonaro. Que, como se sabe, talvez tenha cometido um equívoco complicado,
na política e na guerra: errar na identificação do inimigo principal, e também no
diagnóstico de onde vai vir o ataque mais perigoso.
Pois ele está vindo, como era previsível e foi previsto, exatamente
dos companheiros de viagem no auge da glória da Lava Jato, das jornadas de rua pela
derrubada de Dilma e das decisões estratégicas na eleição de 2018.
quarta-feira, 18 de agosto de 2021
O desafio
O desafio do momento no Brasil é fazer a vacinação completa avançar mais rapidamente. Na comparação com países que começaram a vacinar mais cedo, já emparelhamos quando o tema é a primeira dose. Mas ainda estamos atrás na aplicação da segunda (leia).
Isso fica ainda mais relevante quando dois movimentos convergem: a reabertura acelerada das atividades econômicas e a provável chegada com mais intensidade da variante Delta, que aparentemente surgiu na Índia e caminha para ter a hegemonia planetária.
O cenário mais provável é o Brasil enfrentar uma nova onda de casos, mas, a crer no observado em outros países, a curva de mortes não acompanhar. Por causa da combinação de fatores, como alguma imunização natural, muita vacinação e uma população relativamente mais resistente ao agravamento da doença.
Só uma coisa é certa: mesmo com o aumento previsto no número de casos, as condições políticas e sociais para novos lockdowns são bem mais baixas que nos outros dois momentos quando as ondas começaram a avolumar por aqui nesta pandemia.
segunda-feira, 16 de agosto de 2021
Reabertura
São Paulo liberou 100% de público para o GP de Fórmula 1 em novembro (leia), e para o mesmo mês está prevista a volta dos espectadores aos estádios (leia). É a tendência, na medida em que a vacinação chega à esmagadora maioria da população adulta.
Inclusive porque mesmo onde a curva de casos apresenta algum repique, onda provocada por novas variantes mais contagiosas, a curva de mortes não acompanha no mesmo grau. Ao menos por enquanto.
E alguma hora as atividades precisariam mesmo voltar a alguma normalidade.
Melhor seria se isso acontecesse junto com o controle da propagação viral, como por exemplo na China. Mas perdemos esse trem lá trás, e a saída agora é um duplo movimento: liberar as atividades econômicas e apertar medidas como a vacinação, o uso de máscaras e a higienização das mãos.
Pelo jeito, teremos de conviver com o SARS-CoV-2 durante muito tempo. Mesmo quem está vacinado pode adoecer, mas os fatos mostram que a vacina, qualquer uma, aumenta a proteção contra as formas graves da doença.
O desejável seria um planejamento de longo prazo coordenado das autoridades nacionais com estados e municípios, para otimizar as medidas de proteção e prevenção. Pena que a guerra política esteja atrapalhando.
A conta disso está sendo paga em vidas.
domingo, 15 de agosto de 2021
A urna e as pesquisas
Uma expressão usada pelo presidente da República é “jogar
dentro das quatro linhas da Constituição”. O problema de Jair Bolsonaro: quem
interpreta o que a Constituição quer dizer não é ele. É o Supremo Tribunal
Federal.
E, no processo histórico de construção do nosso “bonapartismo
distribuído”, as diversas forças políticas gastaram as décadas recentes
estimulando o STF a adotar interpretações cada vez mais elásticas da Carta,
conforme a conveniência do momento.
E as decisões passaram a depender mais da correlação
momentânea de forças e menos do texto.
E voltamos à inevitável citação do Conselheiro Acácio: as
consequências vêm sempre depois.
Foi a oposição de esquerda que inaugurou, nos anos 90, o hábito de recorrer ao Supremo quando perdia votações no Congresso, ou quando não gostava de alguma decisão do governo e faltavam-lhe votos no Legislativo para reverter.
Basta procurar nos arquivos da imprensa a profusão de episódios
com a foto dos principais líderes da oposição protocolando recursos no
tribunal.
Nos anos recentes, a direita incorporou-se à
caravana e passou a liderá-la, especialmente no período de glória da Lava Jato.
Talvez o episódio mais agudo desse último movimento tenha
sido o STF aprovar a prisão após condenação em segunda instância. Tempos depois, a decisão foi revertida, mas o estrago estava feito.
No passar dos anos, esse ativismo judicial passou a ser
anunciado como tendo vindo para melhorar a República. Alguns veem também a
oportunidade de “refundar” a dita cuja, e por outros meios que não o cansativo
caminho de convencer o eleitor a dar os votos para construir a hegemonia no Executivo e Legislativo.
O ativismo judicial é um vetor da “nova política”, ou
política de novo tipo. Agora parece termos enveredado por uma política de tipo
inteiramente novo.
Política em que o Judiciário é arrastado a um papel
equivalente ao dos outros dois protagonistas da Praça dos
Três Poderes. E na qual o Executivo flerta com trazer as Forças Armadas para desequilibrar (ou equilibrar) o jogo. A parada em 2022 será decidida
nessa moldura.
A raiz das tensões políticas, como costuma acontecer na História do Brasil, é a sucessão presidencial. No cenário de hoje, Jair Bolsonaro iria ao segundo turno e perderia para Luiz Inácio Lula da Silva. E o desempenho da “terceira via” ainda engatinha.
Se fosse um político
convencional, o presidente estaria 100% concentrado em melhorar sua
popularidade por meio de ações governamentais no combate à pandemia e no
relançamento da economia.
Decidiu, porém, ir por outro caminho. Insistir que só
perderá a eleição se for roubado. Mas quem decidirá se a eleição foi ou não
limpa não vai ser ele, será a Justiça Eleitoral, que ele não controla. E quem
vai resolver qualquer imbroglio na última instância é o Supremo Tribunal
Federal, onde tampouco o presidente tem maioria.
E ambos os tribunais têm também como buscar apoio
planetário. E o Brasil se candidata a ser mais uma “photo op” para os tais
“observadores internacionais”.
O método brasileiro de coleta de votos pode ser
aperfeiçoado, como todo método de coleta de votos. Mas talvez Bolsonaro devesse
ter aberto esse debate em janeiro de 2019, e não só quando a má condução das
políticas na pandemia e a elegibilidade de Lula fizeram notar que a reeleição
tinha subido no telhado.
Abrir esse debate quando na prática não há mais tempo hábil
para mudanças radicais pode fazer desconfiar que o problema do presidente não é
tanto com a urna eletrônica, mas sim com as pesquisas.
sexta-feira, 13 de agosto de 2021
À espera do desempate
O nó da conjuntura está na fraqueza das forças. Nem a
oposição a Jair Bolsonaro tem até agora músculos para remover o presidente ou
tirá-lo do segundo turno, nem ele parece reunir reservas no momento para
transmitir a seus potenciais apoiadores a segurança de que irá derrotar Luiz
Inácio Lula da Silva em 2022. Daí o cenário ser, como descreve a literatura
política, um “empate catastrófico”, equilíbrio crônico de forças (ou fraquezas)
que produz degradação progressiva. Uma evidência pode ser vista nas reformas eleitoral
e tributária.
Na teoria, o palco para o desempate será a eleição.
Bolsonaro luta para manter coeso o núcleo ideológico da sua base, com as
bandeiras já bem conhecidas. É seu passaporte para o segundo turno. Mas o
movimento principal é buscar recursos orçamentários que turbinem programas
sociais. Nem que tenha de aumentar impostos. O candidato Jair Bolsonaro era
crítico de aumentar impostos e de as pessoas dependerem de governos. Mas na
hora do aperto cresce a tentação de engatar o vagão das ideias na locomotiva das
necessidades.
No ano passado, o pagamento do auxílio emergencial de
seiscentos reais coincidiu com uma melhora na avaliação do presidente. Agora, a
retomada daquele suporte financeiro, mas com menos da metade do valor e para
menos gente, não parece estar ajudando a atenuar a dificuldade política. É
possível que o novo Bolsa Família mude isso, mas será preciso esperar para ver.
Até porque a inflação anda turbinada, especialmente nas compras do povão.
E inflação incomodando em ano eleitoral nunca é boa notícia
para quem está no poder e quer continuar.
Se o esforço na área social funcionar, será a deixa para
alguma distensão na política. Se o atalho for insuficiente, é provável mais
turbulência lá na frente. Está bastante enganado quem acha que a derrota da PEC
do voto impresso/auditável encerra a disputa sobre a urna eletrônica.
Uma tendência da conjuntura é o azeitado rolo compressor
governista na Câmara acabar transferindo as fagulhas da crise para o Senado.
Onde a articulação palaciana é bem menos consistente, como mostra a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19.
Em meio à agitação desencadeada com a mobilização pelo voto
impresso, temas como os novos programas sociais e os frequentes arreganhos do
Executivo ajudam a reduzir o impacto comunicacional da CPI, cuja
hora da verdade está chegando. Aguarda-se o relatório para ver se a comissão
tem mesmo garrafas para entregar. Ou se vai fazer barulho mas alcançar apenas
bagrinhos. Ou ex-bagrinhos.
A incógnita-chave do momento é o que poderia mudar o ânimo
popular o suficiente para inverter a tendência das pesquisas. No mundo
objetivo, o presidente e o governo têm os instrumentos para tomar providências
financeiras que caiam no gosto da massa. No subjetivo, o Planalto ainda tateia
por onde resolver a encrenca que criou para si mesmo na pandemia. Pois em
épocas de grandes ameaças e riscos, as pessoas costumam preferir os
resolvedores de problemas aos que têm mais vocação para criar.
====================
Publicado na revista Veja de 18 de agosto de 2021, edição nº 2.751
segunda-feira, 9 de agosto de 2021
Reino Unido, Israel, Estados Unidos, Brasil, Chile e Uruguai: uma comparação instantânea
O gráfico acima traz a média móvel de sete dias de novos casos de Covid-19 em seis países: Israel, Estados Unidos, Reino Unido, Brasil, Chile e Uruguai. Neste momento, os sul-americanos vão melhor no quesito quando comparados às estrelas da vacinação do primeiro mundo.
As explicações ficam para os especialistas. Pode ser que a variante Delta, nascida aparentemente na Índia, esteja demorando mais para chegar por aqui. Podem ser também os diferentes graus de vacinação, ou as diferentes vacinas. Ou alguma outra coisa.
Mas os gráficos do Financial Times mostram de todo modo que o jogo é mais complicado, e que os diagnósticos definitivos sobre a pandemia correm permanentemente o risco de se verificarem, afinal, provisórios.
Ou seja, é bom debater e buscar as certezas, mas sempre de olho na possibilidade de elas precisarem ser revisadas a cada novo achado na realidade. E brigar com os fatos não costuma ser inteligente. Ainda mais numa pandemia.
sábado, 7 de agosto de 2021
A raiz da instabilidade
Daí que, para governar, o presidente eleito em 2018, qualquer que fosse, veria pela frente uma batalha morro acima pela retomada de poder. Inclusive o Moderador, que formalmente foi revogado com a República mas na prática permaneceu em vigor na mão do Executivo até bem pouco tempo atrás. A Constituição de 1988 deu mais músculos ao Legislativo, mas pelo menos até o primeiro mandato de Dilma os presidentes vinham submetendo deputados e senadores.
Bolsonaro estava manobrando com alguma eficiência nesse teatro de operações. Um exemplo? Livrou-se do até então dito superministro Sergio Moro sem maior custo político imediato. E emplacou com alguma facilidade os indicados ao Supremo Tribunal Federal, à Procuradoria Geral da República e ao TCU. E viu a vitória de um aliado para comandar a Câmara dos Deputados. Mas em Brasília não dá para deixar flanco desprotegido. E assim estava o Senado Federal, como se viu na hora complicada.
E vieram a pandemia, e os lapsos de avaliação e condução de Jair Bolsonaro. Algum dia talvez se explique como e por que o presidente conseguiu distanciar sua imagem o máximo possível, e simultaneamente, do isolamento e afastamento sociais, do uso de máscaras e da vacinação. Podia ter escolhido esta última, e teve a deixa quando o STF empoderou governadores e prefeitos. Não fez. E nesse ínterim Luiz Inácio Lula da Silva teve a elegibilidade devolvida pelo STF.
E a maioria da Câmara que bloqueia o impeachment não é de incondicionais, tem um custo orçamentário inédito.
A correlação de forças resultante dos fatores objetivos e subjetivos acabou ilhando o presidente no núcleo mais fiel dos eleitores dele e nos políticos menos condicionais. A ideia de que a popularidade de Bolsonaro está derretendo é falsa, ele mantém cerca 30%, a maior parte disso dispostos a votar nele no primeiro turno e o restante no segundo. O problema (dele) é que os não incondicionais estão se agrupando contra. E isso parece cristalizar-se. E aumenta o custo político de manter uma base.
Mas o jogo não está jogado. O governo aposta na retomada da economia, nos novos benefícios sociais aos mais pobres e na contenção da Covid-19. A dúvida está em quanto a adesão a Bolsonaro será elástica em relação a cada uma dessas variáveis, e ao conjunto delas. Isso só o futuro dirá, mas por agora a eleição está configurada de modo amplamente desfavorável ao presidente.
Mais ou menos como no judô, quando você está imobilizado e precisa dar um jeito de sair da imobilização antes de o tempo regulamentar esgotar-se.
Na análise política, uma pergunta sempre útil é: “Se nada acontecer, acontece o quê?” Claro que é remota a possibilidade de na política brasileira faltando um ano e dois meses para a eleição nada se passar de relevante pró-governo até lá. Mas a raiz de toda a instabilidade política e, no limite, institucional, é o fato de, se nada acontecer de muito diferente, o presidente estar apontado para entrar na temporada eleitoral pressionado pelos números e precisando ele próprio alterar o cenário.
segunda-feira, 2 de agosto de 2021
Disputa de pautas
Está em curso uma disputa pela pauta. A da pandemia desgasta Jair Bolsonaro, e portanto interessa à oposição. E para essa finalidade a oposição tem a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 no Senado, onde o governo está em minoria. Já o presidente concentra a disputa política na anabolização das desconfianças sobre a correção e a fidedignidade do voto puramente eletrônico. E as pesquisas indicam que, por enquanto, a posição presidencial sobre o assunto ganha algum terreno.
E o bate-boca segue, ainda que o desfecho em ambos os casos seja algo previsível. O relatório final da CPI deverá ser extremamente desfavorável ao governo e ao presidente. Mas como o oferecimento de denúncia é privativo do Ministério Público Federal, passa a ser provável (ou pelo menos possível) que o relatório só sirva mesmo é para a disputa eleitoral. Sempre há, claro, o risco de se abrir um processo na Câmara dos Deputados por crime de responsabilidade, mas hoje é remoto.
Quanto às eleições, elas acontecerão na urna eletrônica. Não há número no Legislativo ou no Judiciário para mudar essa realidade. A alternativa é não ter eleição, mas quem conseguiria impor isso? E o Brasil tem uma autoridade judiciária com autonomia para organizar a realizar o processo eleitoral. Ou seja, para não ter eleição seria necessária uma ruptura institucional. Hoje não está no horizonte. O problema? Palavras ditas não voltam. Mas na política o dito hoje não precisa necessariamente valer amanhã.