Alon Feuerwerker
jornalista e analista político
bio -> https://pt.wikipedia.org/wiki/alon_feuerwerker
sexta-feira, 31 de julho de 2020
A política em rede e das redes
quinta-feira, 30 de julho de 2020
Com a outra mão
quarta-feira, 29 de julho de 2020
Estão como gostam
Estão como pinto no lixo.
terça-feira, 28 de julho de 2020
Cuidar da própria vida
segunda-feira, 27 de julho de 2020
A política de olho no futuro
domingo, 26 de julho de 2020
Agitação e espuma dentro da bolha
E de tempos em tempos os olhos brilham quando surge alguma novidade no “Caso Queiroz”.
A realidade, porém, é que Bolsonaro por enquanto defende com sucesso a fatia de mercado conquistada por ele em 2018. O Brasil tinha então 147 milhões de eleitores e o candidato do PSL recolheu no primeiro turno 33% desse eleitorado, 49 milhões de votos, tudo em números arredondados. A esta altura você já percebeu. Os fatos vêm e vão, mas o percentual de “ótimo” e “bom” do presidente oscila sempre em torno desse mesmo um terço.
A taxa de aprovação de Bolsonaro só pode ser medida se se pergunta “você aprova ou desaprova?”, e não deve ser confundida com o ótimo+bom. Ela também oscila pouco, em torno de 40%. Interessante notar que essa ordem de grandeza corresponde ao market share do capitão no segundo turno. Aliás é também o patamar da fatia que aposta que o governo será bom ou ótimo ao final do mandato em 2022.
Eis por que é furada a tese do “somos 70%”. Serve como propaganda, mas estrategistas políticos que acreditam cegamente na própria propaganda estão a caminho de ter problemas.
Há, é claro, as variações. Uma foi em meados do ano passado, quando o tema das queimadas na Amazônia ganhou visibilidade. Outra, agora mesmo, na decolagem da pandemia. Mas essas oscilações costumam deslocar mais do “regular” para o “ruim/péssimo” que qualquer outra coisa. E Bolsonaro tem mostrado resiliência. Quando a pressão afrouxa, as curvas de avaliação dele tendem a voltar para o padrão de “um terço, um terço, um terço”.
Sempre supondo que a conjuntura correrá pelos trilhos desse “normal”, fica claro portanto que a base social de sustentação de Jair Bolsonaro é consistente e ampla o suficiente para ele se segurar na cadeira e ser competitivo em 2022. Poderá ser derrotado? Sim, desde que se encontre um candidato capaz de aglutinar todo o restante do eleitorado e que além disso consiga ganhar alguma margem levando para votar uma parte dos que têm insistido no absenteísmo.
Não é simples. Implicaria costurar uma alternativa em que todas as facções do antibolsonarismo estejam contempladas. Como diz o ditado, seria o casamento do jacaré com a cobra d'água. Por enquanto, o que cada facção antibolsonarista vem pedindo às demais é a capitulação incondicional em nome do combate ao adversário comum. Na real, hoje ainda inexiste na oposição um sentimento autêntico de "qualquer um menos Bolsonaro". Aliás, é o contrário.
Outro problema: a cada gesto de distensão do presidente, os ensaios de coalizão são lipoaspirados. E Bolsonaro tem sido hábil (ou tido sorte) na política, como mostrou a votação do Fundeb.
Enquanto o novelo não desenrola, vem restando ao antibolsonarismo repetir o antipetismo praticado na maior parte do extenso período do PT no poder. Promover agitação e criar espuma dentro da própria bolha. Não deixa de ser uma maneira de passar o tempo fazendo algo útil.
sexta-feira, 24 de julho de 2020
Alguém explica?
Agendas capturadas
A oposição de esquerda ao governo Jair Bolsonaro é: 1) contra a austeridade econômica, 2) a favor de programas de complementação de renda, 3) contra a agenda dita anti-ambiental, 4) contra o conservadorismo nos costumes e contra o armamentismo e 5) contra o que considera ameaças autoritárias vindas do Executivo.
É fácil notar que após um ano e meio de bolsonarismo a maior parte da agenda da oposição de esquerda ou foi capturada pelo governo ou pelo paragovernismo. Mesmo que este último ande em luta para dar a Bolsonaro o mesmo destino de Dilma Rousseff e Fernando Collor. Ou, pelo menos, para construir uma alternativa competitiva rumo a 2022.
Alguma hora é possível que o discurso da austeridade volte, mas por enquanto o auxílio emergencial vai vitaminando a simpatia por Bolsonaro nos bolsões resistentes a ele em 2018. E isso tem poder de convencimento no Planalto. E a Covid-19 faz a renda básica brilhar em dez entre dez discursos e artigos de economistas liberais.
No ponto 3, a aversão à política governamental para o meio-ambiente vai sendo não apenas encampada, mas quase comandada pela grande finança. A polarização neste quesito deixou de ser entre direita e esquerda, agora é entre nacionalismo e cosmopolitismo, e este encaixa quase naturalmente uma esquerda cada vez mais divorciada do anti-imperialismo.
Idem para o quarto ponto, que congrega talvez a frente antibolsonarista mais ampla, sob clara liderança liberal. Detalhe: aqui o bolsonarismo beneficia-se da boa (medida nas pesquisas) sustentação social da agenda conservadora.
Já no ponto 5 o assunto diluiu depois que o presidente da República conteve o verbo dos apoiadores dele, parou de produzir fatos conflitivos diários e entrou firme nas negociações com os demais poderes constituídos. Não se sabe se é estratégico ou apenas tático, mas alcançou-se o objetivo de dar uma acalmada.
Na maior parte dos anos de resistência ao regime militar persistiu um consenso vago sobre a redemocratização, mas só a esquerda defendia a anistia ampla geral e irrestrita e que a nova institucionalidade fosse construída por uma assembleia nacional constituinte livre, democrática e soberana. Qual é exatamente a bandeira que hoje só a esquerda defende? O que a distingue do resto?
No universo dito progressista, o debate predileto do momento é sobre a frente ampla versus a frente de esquerda. Na real, a dúvida de fundo é sobre a conveniência ou não de considerar desde agora o apoio a um “centro” em 2022. Mas a falta de clareza programática faz hoje a esquerda nem ter ideia do que reivindicar, de diferente, na eventualidade de ter de apoiar outra alternativa num possível segundo turno contra o bolsonarismo.
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Publicado originalmente na revista Veja 2.697, de 29 de julho de 2020
quinta-feira, 23 de julho de 2020
O que falta na equação
De tempos em tempos vota-se algum projeto para oferecer mais recursos ao ensino. É meritório.
quarta-feira, 22 de julho de 2020
Por enquanto
Ainda sobre os testes, os Estados Unidos são o país recordista em casos e mortes por SARS-CoV-2 e Donald Trump diz que é porque ninguém testa o mesmo tanto que os norte-americanos. Quem foi checar acha que não é bem assim (leia). De todo modo, uma coisa é inquestionável: onde se optou pela "imunidade de rebanho" (se ainda não sabe o que é isso clique aqui) está morrendo mais gente.
Por outro lado, e sempre tem um outro lado, é preciso ver como vai ficar a situação quando os países e localidades que optaram pelo isolamento social radical completarem a reabertura. Espera-se naturalmente um aumento de casos, e de mortes, já que o vírus não é o tipo de sujeito que se cansa de esperar e vai embora. Por enquanto, a contabilidade é amplamente favorável a quem decidiu fechar tudo. Por enquanto.
segunda-feira, 20 de julho de 2020
Disciplina lá, resiliência aqui
O G1 traz interessante reportagem sobre o sucesso do combate à Covid-19 na Mongólia, onde simplesmente não se registraram até agora transmissões locais do SARS-CoV-2 (leia). E nenhuma morte. Sim, zero mortes.
A receita? Medidas precoces, como fechamento radical de
fronteiras, monitoramento estrito de possíveis casos e casos confirmados e,
principalmente, alta disciplina social na implementação de providências de
isolamento e afastamento.
Mas nem tudo são flores. Lá, como cá, cresce a pressão pelo
afrouxamento das medidas draconianas. Lockdowns são como as guerras:
relativamente fáceis de entrar, bem mais difíceis de sair.
E o efeito de longo prazo na popularidade dos governantes?
Por aqui, num país recordista em números complicados, as pesquisas mostram que Jair Bolsonaro começa a
se recuperar do algum sofrimento que a popularidade dele viveu nos meses
recentes (leia).
O presidente da República parece manter a resiliência.
Aguardam-se os próximos capítulos.
domingo, 19 de julho de 2020
Dispersão municipal
Era um prenúncio de que no ano seguinte a “onda vermelha” daria um gás a candidatos ditos progressistas na primeira sucessão presidencial direta da redemocratização. Não deu outra: Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Leonel de Moura Brizola (PDT) disputaram cabeça a cabeça uma vaga no segundo turno.
No fim Lula passou mas não levou, deu Fernando Collor de Mello e o resto da história é conhecido.
Esse prolegômeno teve a finalidade de lembrar que eleições municipais, se não têm a propriedade de embasar mecanicamente previsões para futuros embates eleitorais, de vez em quando servem de termômetro. Foi o que se passou em 1988.
O país está absorvido pelas disputas políticas em torno da pandemia da Covid-19, de seus efeitos na estatística sanitária e na estatística econômica. A esta altura, em outros anos, as pessoas estariam começando a prestar atenção na eleição de prefeito e vereador.
Não é o que acontece agora.
Teremos uma campanha curtíssima, e que vai se desenvolver principalmente por meios remotos. E num cenário no qual ações heterodoxas de propaganda pela internet serão certamente motivo para processos de cassação de quem se aventurar a ilícitos.
A relação benefício/custo desse tipo de gambiarra anda cada vez mais desfavorável.
Mas o que está se desenhando para a eleição deste ano? Em primeiro lugar a dispersão. Não há nenhum partido com jeito de apontar como o novo candidato a disputar a hegemonia eleitoral do centro para a direita.
A nova legenda de Jair Bolsonaro não se viabilizou a tempo e a antiga não poderá contar desta vez incondicionalmente com o combustível do bolsonarismo.
O mesmo acontece por enquanto na esquerda, onde o PT leva jeito de vir a encarar sua mais difícil eleição municipal desde a fundação do partido. E os concorrentes nesse campo tampouco sinalizam um desempenho brilhante.
E tem a novidade da proibição das coligações para vereador. O que, na teoria, levará à multiplicação de candidatos inexpressivos a prefeito, e portanto a mais pulverização. Só depois dos resultados é que virá, ou começará a vir, a consolidação.
O presidente da República está em situação razoavelmente confortável. Não se prevê uma tendência plebiscitária nesta eleição. E depois dela Jair Bolsonaro poderá fazer a tradicional colheita entre prefeitos recém-eleitos e já com a corda das finanças no pescoço.
Mais desafiadora é a situação dos governadores, que precisam consolidar a base municipal para tentar a reeleição ou eleger o sucessor.
Vão ser entretanto favorecidos pela campanha curtíssima e pela anemia da mobilização de rua. E serão cabos eleitorais ainda mais importantes que de hábito. Isso embute riscos: eventuais derrotas de seus candidatos serão em grande medida derrotas deles próprios.
sexta-feira, 17 de julho de 2020
Tempos diferentes
quinta-feira, 16 de julho de 2020
Segunda onda
quarta-feira, 15 de julho de 2020
Rumo à judicialização no pós-pandemia
terça-feira, 14 de julho de 2020
Factoides
Parece que quis forçar a volta às aulas presenciais.
É comum governantes recorrerem a factoides, que de vez em quando podem até ser caracterizados como maluquices, para tentar atravessar corredeiras de crise. Mas a abordagem convencional do crítico também pode errar. De vez em quando o que parece que vai afundar o líder acaba ajudando-o.
Por aqui, falta algum método no debate sobre a Covid-19, sobre o que deveria ter sido feito e não foi, e que talvez tivesse poupado vidas. Isso poderia ser resolvido, por exemplo, comparando-se abordagens distintas no enfrentar da pandemia em nosso território e os diferentes resultados obtidos. Estamos longe disso aqui no Brasil.
País onde qualquer um que hoje em dia proponha debater racionalmente um assunto será provavelmente tratado como insano ou oportunista. No mínimo.
segunda-feira, 13 de julho de 2020
E nos EUA...
Assolada pela crescente curva de casos, a Califórnia deu marcha-a-ré na reabertura da economia (leia). E um estudo de universidade norte-americana (Harvard) informa que pelo menos 110 mil pequenos negócios fecharam as portas entre o início de março e o início de maio naquele país. Aliás vale a pena ler a reportagem do NYT sobre o drama das pequenas empresas ali (leia).
No final do ano tem eleição nos Estados Unidos. Não é o caso de subestimar
a preocupação sanitária, mas política é política. Donald Trump luta para
reduzir o sofrimento eleitoral dele, pelo menos na parte atinente aos efeitos econômicos
da Covid-19, Estão em alta no marketing dele as acusações contra a China. Com um problema: os
EUA, diferente da China, tiveram tempo para se preparar.
Mas infelizmente levam todo o jeito de não ter se preparado para a pandemia.
Hoje lideram em números ruins o grupo de países que em algum momento parecem ter
optado pela chamada imunização de rebanho. E isso está tendo um custo. Em casos
e, portanto, em mortes.
Qual será, afinal, o peso eleitoral dessa decisão?
domingo, 12 de julho de 2020
Segue o jogo entre o bolsonarismo e "o sistema"
Vai aqui uma linha do tempo político do governo Jair
Bolsonaro.
Foi eleito numa onda de bonapartismo (governar com o que considera "o
povo", por cima das instituições). Na largada, satisfez esse desejo do
eleitorado e não teve problemas reais com o Congresso e o Judiciário em 2019.
Seu único transtorno real era a ação da direita não bolsonarista, que removera Dilma Rousseff mas fora derrotada na eleição.
Aí este ano veio a Covid-19, com suas crises
sanitária e econômica. Aí o sistema (doravante sem aspas) viu uma oportunidade para contra-atacar.
Aí o presidente contra-contra-atacou radicalizando contra o sistema por meio
de apoio tácito a apoiadores verborrágicos e desejosos de coisas como fechamento do Congresso, fechamento do STF e intervenção militar com Bolsonaro no poder.
Aí Bolsonaro viu danificado o argumento dele de defensor
da liberdade (por ele mesmo definida) e o sistema contra-contra-contra-atacou. Aí reforçou-se o sonho de uma frente ampla antibolsonarista. Aí Fabrício Queiroz foi preso. Aí o
presidente acelerou a aproximação com o dito centrão e enveredou por uma linha
tática de moderação verbal. Aí a frente ampla começou a perder musculatura.
Mas o sistema continuou ganhando protagonismo, agora com a providencial ajuda do poder de polícia do STF, e é o estágio em que estamos. Uma etapa de
equilíbrio entre o bolsonarismo e o sistema. Se perdurar,
deslizaremos para a assim chamada guerra de posição. Que ainda não é um “empate catastrófico”.
Esse empate se dá quando o equilíbrio entre antagonistas
paralisa o processo. Não é o caso. O bolsonarismo momentaneamente liderado pela fração
dita realista e pragmática pode perfeitamente recompor-se com a maioria congressual e o establishment para fazer avançar a agenda, especialmente a econômica, mesmo que agora
temperada com pitadas de social. O “Renda Brasil” vem aí.
Mas nem isso garantiria com certeza - atenção - uma estabilidade
estável, pois o front judicial opera com algum grau de autonomia, pelas suas características heterogêneas. São muitos ali os postulantes a protagonista nas múltiplas
frentes: o Supremo, o TSE, o TCU, o STJ etc. Sem falar do arranca-rabo no MP.
É muita variável operando simultaneamente. Precisaria de um maestro dos bons.
Até o primeiro governo Dilma a ascendência do Executivo sobre os
demais poderes vinha funcionando.
O Executivo cumpria bem o papel. O bonapartismo de Bolsonaro veio como
tentativa de restaurar isso depois que Dilma e Michel Temer deixaram o poder
escorrer pelos dedos.
O governo vai indo meio aos trancos e barrancos, em algumas áreas melhor e noutras pior.
O Congresso não mostra disposição real de confronto, no máximo alguns
brilharecos em entrevistas coletivas e atos heterodoxos de alcance político
limitado, mas sempre capazes de gerar manchetes. Onde está o problema? No
Judiciário. Ali são vários os candidatos a herói.
E tem ela, a Covid-19. Que parece ter entrado num planalto
de mortes. Quem pagará a conta política? O núcleo duro do eleitorado
bolsonarista, cerca de um terço do estoque, parece firme, até agora. Os
governadores vinham com alguma folga, mas é preciso ver como será a
administração da popularidade deles na reabertura ainda com o SARS-CoV-2 forte
por aqui.
E tem a economia... Sempre ela.
sexta-feira, 10 de julho de 2020
Dar vazão à represa
Quando vamos acordar?
Esse é um exemplo de narrativa. Verdade que existem sempre hiatos, gaps, entre narrativas e fatos. De vez em quando, ou quase sempre, narrativas são instrumento útil para simplificar e embelezar uma realidade, com o propósito de construir argumentos para a disputa ideológica. Assim foi e continuará sendo a humanidade. Para todo o sempre.
Mas narrativas são importantes sim. Elas ajudam a forjar coesão social e política, sem o que nenhum agrupamento humano alcança objetivos. Disputas sobre valores e rumos não são jogos retóricos vazios. Constituem armas, especialmente quando as ideias nascidas da reflexão sobre os fatos conseguem elas próprias transformar-se em força material.
Dois pilares são estruturantes na ideia que a sociedade norte-americana faz dela própria: 1) não aceitar passivamente o apetite crescente do Estado por impostos. E 2) dar grande importância ao império da lei, que ali chamam de “rule of law”. E o grande programa social da China, responsável por tirar mais de um bilhão de seres humanos da pobreza, é o emprego.
Emprego criado especialmente na, e pela, iniciativa privada.
Por aqui, talvez nunca as ideias liberais tenham enfrentado tão pouca resistência quando neste Brasil de Jair Bolsonaro. E nunca houve entre nós tanto consenso majoritário de que cabe aos capitalistas ser o motor principal da retomada da prosperidade. Há debates em torno disso, mas nenhuma visão realista consegue apresentar alternativa com o mínimo de viabilidade.
Mas o discurso fica diferente quando se passa à fase de tirar as ideias do papel. Não sei se há algum outro lugar em que economistas liberais estejam propondo aumento de impostos em meio à recessão econômica provocada pela Covid-19. E num aspecto, reconheço, não somos originais: no apoio a episódios de manipulação da Justiça com objetivos político-eleitorais.
Por aqui a “rule of law”, como dizem, ainda está devendo. Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei.
E o emprego, o esquecido? Qual é a iniciativa real para fazer avançar a indústria, única capaz de produzir bons postos de trabalho em quantidade para absorver o estoque excedente de mão de obra, especialmente a mais jovem? O que estamos fazendo para aproveitar, neste ponto, o real desvalorizado e dar um grande salto também na exportação de manufaturados?
Os Estados Unidos chegaram onde chegaram com a “rule of law” e a poupança privada. Há alguma mitologia nisso? Sim, mas a narrativa reflete algo da realidade. A China construiu o maior programa social do mundo, e se apresenta como a nova superpotência do século 21, gerando empregos principalmente pela exportação de bens manufaturados.
E nós, vamos acordar quando?
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Publicado originalmente na revista Veja 2.695, de 15 de julho de 2020
quinta-feira, 9 de julho de 2020
O problema é a bagunça
Brasília vive o vaivém das decisões judiciais e do Executivo sobre abrir ou não abrir (leia). Pode até ser um caso relativamente pouco frequente em âmbito nacional, mas é sintomático de um dos nossos principais problemas no enfrentamento da Covid-19.
O problema é a bagunça. Ninguém sabe exatamente quem manda e
qual será a decisão que estará valendo amanhã. Troca-se o planejamento, nos
limites do que é possível planejar num quadro como o da pandemia, pela canetada
conforme o humor do momento.
E tudo sempre abrigado na casamata de uma hipotética “ciência”.
Não deve ser coincidência que os dois países mais afetados,
em valores absolutos, sejam as duas nações no momento mais mergulhadas em
guerras políticas intermináveis, duas federações em que “federação” parece ter virado sinônimo de fragmentação.
Uma parte da responsabilidade pela desorganização cai na
conta da liderança. No fim das contas, o líder sempre é o responsável em última
instância. Mas é inegável que certos sistemas políticos têm sido piores que
outros para enfrentar esta emergência.
quarta-feira, 8 de julho de 2020
Focalização?
Uma parte deve-se certamente ao chamado auxílio emergencial (leia), que não só manteve algum poder de compra nos mais pobres, mas inclusive aumentou. A dúvida? Como vai ser quando alguma hora isso tiver de parar, ao menos no volume em que é feito hoje. De todo modo, a experiência já oferece um argumento e tanto aos defensores da dita focalização.
Estes defendem que o Estado não precisa necessariamente investir mais em programas sociais, precisa investir melhor. Não deixam de ter alguma razão. Como já demonstrado em estudos, o Brasil consegue a façanha de ter gastos sociais que concentram renda.
terça-feira, 7 de julho de 2020
Queijo suíço
As últimas horas não foram só de boas notícias no front científico da luta contra o SARS-CoV-2. Cientistas agora suspeitam que o vírus pode se propagar “pendurado” em partículas suspensas no ar (leia).
E em Israel constatou-se que alguns recuperados da Covid-19
simplesmente não apresentam traço de anticorpos para o novo coronavírus (leia).
Não é que apresentem baixa quantidade de anticorpos: a taxa é zero.
Tudo ainda precisa ser confirmado, ou definitivamente
afastado, mas uma coisa, para usar o chavão, salta aos olhos. A ciência está
aprendendo a pilotar o avião da pandemia em pleno voo.
E não seria mesmo diferente, pois é um vírus novo. Mas
talvez a situação devesse fazer trocar a arrogância pela humildade, admitir que
não se sabe muita coisa sobre o vírus e sua ação. Deixar isso claro.
Só que não combina com a necessidade patológica que os
políticos têm de estar sempre certos. E desta vez usando a “ciência” como
escudo. E isso quando a mesma dá a impressão de queijo
suíço.
Cheia de buracos.
segunda-feira, 6 de julho de 2020
Achatamento longo?
Sempre é possível a surpresa, e elas têm acontecido, mas o Brasil parece mesmo ter achatado a curva de mortes. Ainda que num patamar altamente desconfortável.
É o que mostra o gráfico do Financial Times (veja abaixo) com
a escala logarítmica da média móvel de óbitos dos sete dias mais recentes.
O gráfico mostra a comparação entre
países de certa dimensão que estão agora no olho do furacão. Já os Estados Unidos, que vinham pior, parecem ter
fletido para baixo a curva. Ainda que de modo suave.
Resta torcer para que embiquemos logo para baixo, graças
inclusive a não ter havido entre nós até agora - que continue assim - colapso hospitalar,
inclusive nos cuidados intensivos.
O mais realista, porém, será adotar planejamentos para um
achatamento longo. Já saímos do trecho exponencial, mas não levamos jeito de
sair tão cedo do trecho com cara de progressão aritmética.
sábado, 4 de julho de 2020
Um desfecho pouco glorioso
Outro dia num bate-papo informal e algo provocativo propus
uma solução meio piadista e meio séria para a polêmica que divide a oposição:
se a aliança contra Jair Bolsonaro deve ser uma frente ampla democrática ou uma
frente de esquerda. “Façam como no Uruguai: criem uma frente de esquerda e
chamem de Frente Ampla.”
Claro que não solucionaria o cisma, hoje distante de solução,
mas seria um truque do tipo que Tancredo Neves e Magalhães Pinto operaram na
passagem dos anos 1970 para os 80. Criaram um partido de centro-direita e
chamaram do nome que na época era cogitado para rotular uma eventual frente de
esquerda: Partido Popular. Roubaram a marca. Acontece.
A história conta que depois o presidente João Figueiredo e
seu PDS, sucessor da Arena, impuseram o voto vinculado, e na urna de 1982 o
eleitor seria obrigado a votar de vereador a governador em candidatos do mesmo
partido. Aí os liberais sentiram-se traídos e a maioria deles reagruparam-se no
PMDB, que sucedera o MDB do bipartidarismo.
Essas histórias hoje já antigas ajudam a compreender que o
dito centro tem esse nome exatamente porque pendula conforme a circunstância,
mas sem nunca perder a identidade, que aponta mais para a direita que para a
esquerda. Aliás esse locus político tem como vocação principal não exatamente
apoiar outros, mas recolher apoio.
A frente ampla até vinha razoavelmente bem, daí Bolsonaro
resolveu jogar mais o jogo da política. Como se pode notar a partir dos fatos,
esses teimosos, as defecções nela agora têm sido mais frequentes. Vão desde os
que caíram fora da live do “Direitos Já” até quem de repente mudou de ideia e
passou a defender que não, não é hora de pensar em impeachment.
Mas a prova de fogo vai ser mesmo nas eleições. O que vai
prevalecer, em especial onde terá segundo turno? A frente contra a esquerda ou
a frente contra a direita? Ou não vai ter uma regra, uma tendência? Ou vai predominar,
dentro de cada campo, a guerra fratricida de olho na necessidade de atrapalhar
o fortalecimento excessivo de algum “aliado”?
Na real, não existe frente sem programa político. Frentes
“de resistência” são frágeis, também porque são óbvias. Uma ampla frente
político-social opõe-se, por exemplo, aos movimentos que pedem o fechamento do
Congresso Nacional e do STF. E do mesmo modo que facilmente se agrupa,
desmancha-se quando o “que fazer?” é colocado na mesa.
O MDB e depois o PMDB dos idos do regime militar tinham
objetivos programáticos claros. O principal era, no caso do primeiro, a
revogação da legislação excepcional. Do segundo, a volta das eleições diretas
em todos os níveis. Ambos foram vitoriosos, o AI-5 acabou em 1978 e as diretas
voltaram em duas etapas: 1982 e 1989.
Depois o PMDB teve um momento brilhante, no Plano Cruzado que
lhe deu safra gorda na eleição de 1986. Daí produziu uma Constituição, que
hoje agoniza, e entrou em declínio.
No momento, seus diversos spin-offs misturam-se aos
derivados da velha Arena para formar a constelação que a imprensa chama de centrão,
quando não aceita que negociem com o governo de turno. E que chama de “partidos
de centro” quando um governo que ela apoia precisa negociar para obter apoio no
Congresso.
Não chega a ser um desfecho glorioso.
sexta-feira, 3 de julho de 2020
O que falta resolver no MEC
quinta-feira, 2 de julho de 2020
Velho companheiro?
Amostras de esgoto da capital catarinense, Florianópolis, de novembro do ano passado apresentaram presença do SARS-CoV-2 (leia).
É um achado importante, mas não chega a ser páreo para
Barcelona, onde foi detectada presença do novo coronavírus em amostras de
esgoto de março de 2019 (leia).
Com a palavra os especialistas. Que mais credibilidade têm quando mais facilmente admitem muita coisa ainda não sabida sobre a Covid-19. Já entre os leigos a moda parecem ser as certezas absolutas.
Fariam melhor se seguissem a máxima de Sócrates (o ateniense): “Só sei que nada sei.”
Entrementes, o debate mundo afora divide-se entre a “segunda onda” (leia) e a organização da volta (leia). Ou da passagem ao "novo normal".
A respeito disso, Beatriz Kira, brasileira em Oxford, produziu um relatório
interessante sobre a situação aqui: “Is Brazil ready to relax COVID-19
response policies?” (leia).
A saída é informar-se e raciocinar. E praticar algum
ceticismo. E não descolar da realidade.
quarta-feira, 1 de julho de 2020
Sucesso e fracasso
Certo dia no agora longínquo março de 2020 a chanceler
alemã, Angela Merkel, disse que 70% da população do país dela seriam contaminados pelo
SARS-CoV-2 (leia). Chocou. Mas era um consenso já naquela época, o índice necessário para o vírus não encontrar
gente a quem contaminar no período em que ainda é capaz de causar dano.
As porcentagens podem mudar conforme o tempo passa e a pandemia é mais bem estudada, mas o que não mudou foi a constatação do óbvio: as políticas de afastamento e isolamento social têm só o objetivo de desacelerar o contágio, para evitar o colapso da rede hospitalar, especialmente das unidades de tratamento intensivo.
Para saber se afinal as coisas estão ou não funcionando, se
as políticas são um sucesso ou um fracasso, olhar o número de casos é inútil.
Eles vão crescer até se chegar a alguma porcentagem crítica de imunizados,
naturalmente ou pela vacina. Mais útil será tentar enxergar se o achatamento
das curvas está protegendo mesmo a rede hospitalar.
A taxa de ocupação de UTIs, a esta altura, é o que interessa
acompanhar.