segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

O estado e as variáveis da corrida presidencial na virada de um ano animado para outro que promete

O que esperar e observar daqui até a eleição?

Oposição de esquerda. A variável decisiva será mesmo Lula. O ex-presidente atingiu por enquanto um objetivo: manter a autoridade absoluta no seu campo político. Os petardos da Justiça e da imprensa sobre ele e o PT, não necessariamente nesta ordem, poderiam ter enfraquecido a hegemonia sobre o conjunto da esquerda. Não aconteceu.

Há aqui e ali ensaios de alternativa. Mas não mostram por enquanto força para desafiar a ordem unida do chefe da tribo. Parecem mais movimentos para se fazerem ouvir por Lula e pelo PT, não polos reais de contestação à liderança tradicional. Se o PT não se complicar, os alternativos certa hora serão bem pressionados a caminhar com a formação principal.

A tática petista para enfrentar a quase certa inelegibilidade de Lula é inteligente, ou a única possível: levar a candidatura às últimas consequências e transformar os processos contra o ex-presidente em fatos 100% da política, terreno bem mais fácil para Lula defender-se. Mas a tática embute um risco importante. Os prazos podem conspirar contra o plano.

Um partido só pode trocar de candidato ao Executivo a até vinte dias da eleição. Se a impugnação definitiva de Lula vier antes, ele possivelmente indicará um substituto no PT. Mas, e se for depois? Lula e o partido ficarão espremidos entre boicotar e eleição ou apoiar um nome das legendas que estiverem na disputa. Ou substituir antes de a Justiça decidir. Complicado.

Se não será simples resolver, menos ainda executar. Outro fator é que se Lula for recondenado pelo TRF-4 e impugnado é provável que aumentem as pressões para tirá-lo não apenas da eleição mas também de circulação. Impedi-lo de fazer campanha e articular por um eventual substituto. Especialmente se as pesquisas futuras confirmarem as atuais sobre transferência.

Situação e novos. No estoque de votos não lulistas e fora da esquerda clássica, as variáveis a monitorar serão 1) a convergência ou não entre PSDB e PMDB/governo, 2) a resiliência de Bolsonaro, 3) o potencial de crescimento de Marina e Álvaro Dias, 4) as incógnitas, como João Amoêdo. O cenário projeta que aqui a pulverização deve permanecer até pelo menos agosto.

Ainda é cedo para dizer que o governo entrou em trajetória de recuperação de imagem, mas se as próximas pesquisas confirmarem vai esquentar a disputa para ver quem será o candidato oficial, mesmo com Temer amargando más avaliações. A narrativa de manter a reanimação da economia e evitar a volta do PT seria competitiva tanto num como noutro turno.

O risco principal para Lula e os dele é o campo governista aparecer com um novo no velho, um nome leve mas montado em ampla aliança de partidos e contando com o apoio de um governo que já não esteja em situação desastrosa. A vida do PT também complica se tucanos e peemedebistas convergirem. Mais ainda se for em torno do tal nome leve. Mas não está fácil.

Sobre os novos sem máquina, têm como fazer alguma colheita na forte rejeição à política e aos políticos. E devem contar com a ajuda talvez involuntária, mas objetiva, de novos e espetaculares fatos na esfera policial-judicial. Entretanto, além de lhes faltar apoio político estruturado, enfrentam ainda outra barreira: a aparente resiliência de Bolsonaro. Ele durará?

Todas as projeções apostam na economia rodando acima de 3% ao ano na eleição. Mesmo que não leve às nuvens um candidato do governismo, isso enfraqueceria o apelo para mudanças radicais, tanto pelo PT como pelo novo. O desejo de continuidade é diretamente proporcional ao risco de perda. Foi assim que o PT ganhou as últimas eleições.

E tem o imprevisível. Como já se disse aqui algumas vezes, uma característica do imprevisível é a dificuldade de prever quando ou como vem. Mas é sempre bom contar com ele na hora de fazer projeções.

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Se tudo correr conforme o roteiro, esta análise de conjuntura volta quando o processo eleitoral for precipitado pelo julgamento do recurso de Lula no TRF-4. Ou antes, se algum fato exigir.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

O parlamentarismo que os parlamentaristas não curtem

O parlamentarismo volta e meia dá as caras como panaceia para enfrentar as crises de falta de hegemonia do Executivo. É preciso mesmo resolver esse problema. O Brasil virou um país cronicamente ingovernável, e é urgente restabelecer o poder moderador da chefia de governo. O atual "caos de baixa intensidade” é também resultado da movimentação muitas vezes atabalhoada dos demais poderes e do Ministério Público para tentar preencher o vácuo.

No parlamentarismo cresce em tese o estímulo a que o Congresso se alinhe ao Executivo, para evitar o risco de dissolução e convocação de novas eleições. Claro que na prática é possível um parlamentarismo com seguidas trocas de governo, ao sabor dos realinhamentos no Legislativo, mesmo entre dois pleitos. Ainda mais com nossa grande quantidade de partidos. Mas na teoria seria um sistema com menos freios para o Planalto tocar suas políticas.

Um complicador: a coisa já foi rejeitada duas vezes quando se chamou o eleitor brasileiro a decidir em plebiscito. A razão é sabida. Foram duas tentativas de mexer na soberania popular, transferindo poderes de presidentes (ou vices) eleitos diretamente, para Congressos de baixíssimo prestígio. Da última vez, o apoio do establishment econômico, político e comunicacional foi maciço, mas insuficiente para convencer o eleitor. O instinto da massa prevaleceu de novo.

As tentativas de implantar o parlamentarismo no Brasil costumam carregar um fardo: o de virem pelas mãos de quem quer muito o poder mas tem pouco voto. A exceção que confirmou a regra: os parlamentaristas não lembraram de implantar o sistema quando chegaram ao Palácio do Planalto. O PSDB poderia ter tomado a iniciativa no governo de Fernando Henrique Cardoso. Preferiu introduzir a reeleição para presidente. Isso deve querer dizer algo.

Um mesmo conceito pode virar do avesso em novas circunstâncias. O parlamentarismo nasceu como instrumento para impor a soberania popular contra monarquias absolutistas. Onde teve esse papel acabou emplacando, em certos casos até hoje. Quando se tenta fazer o contrário, limitar o poder do povo sobre o governo, o contexto passa a ser completamente outro. Por isso, dizer que “vai funcionar aqui porque funciona em países desenvolvidos” é bobagem.

Se os parlamentaristas querem convencer de que o parlamentarismo é bom, precisam primeiro dar um jeito de ele vir para aumentar a influência da população sobre o governo, e não diminuir. E não é tão difícil assim construir argumentos. Numa contribuição ao debate, segue abaixo um punhadinho de mexidas que ajudariam a reduzir a resistência do povão, acho eu. Só não sei se os parlamentaristas vão curtir, mas sugerir não tira pedaço.

Poderiam começar estendendo para a Câmara dos Deputados o princípio de “um homem, um voto”, que hoje já vale na eleição de presidente. Cada estado teria deputados federais na exata proporção do eleitorado. Em caso de voto distrital, cada distrito teria aproximadamente o mesmo número de eleitores, em todo o país. Se o voto de todos é igual para eleger o presidente no presidencialismo, é justo que seja igual para indicar o primeiro-ministro no parlamentarismo.

Num segundo passo, a eleição dos primeiros-ministros ficaria bem parecida com a de presidente hoje, mas ligada à formação do Congresso. Ao votar no premiê, o eleitor daria automaticamente o voto a uma lista estadual de deputados federais ou a um candidato distrital. Cada partido ou coalizão teria um nome nacional na disputa de primeiro-ministro. Lula lideraria um bloco. Alckmin poderia liderar outro. Nesse sistema, até FHC se animaria, quem sabe?, a testar sua liderança.

Com essas duas medidas singelas o financiamento das campanhas estaria bem encaminhado. Cada partido ou coalizão teria os mesmos recursos e tempo de TV, desde que tivesse recebido, digamos, 5% dos votos das eleições anteriores para a Câmara dos Deputados. Todas as legendas ou alianças que não tivessem atingido os 5% no último pleito poderiam arrecadar de pessoas físicas e empresas até o limite da cota partidária.

Mas tenho dúvidas se os parlamentaristas topam. Você, leitor, que é inteligente, já percebeu por quê. Porque haveria o risco de eleger primeiro-ministro no parlamentarismo quem de todo modo se elegeria presidente no presidencialismo, só que com mais chance de ter maioria parlamentar para governar tranquilo. Mas não é isso que os parlamentaristas querem? Governo com maioria parlamentar que lhe dê estabilidade? Sim, mas só se for o governo deles. Eis a questão.

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Publicado originalmente no www.poder.com.br

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Dois vetores opostos sobre a reforma da previdência no ano eleitoral. E uma dica de Mark Twain

O senso comum faz concluir que é mais difícil votar em ano eleitoral uma reforma da previdência redutora de direitos. É verdade. Os deputados e senadores candidatos à reeleição ou a outra coisa ficam mais sensíveis à sensibilidade do eleitor. E a maioria dos eleitores brasileiros são contra as mudanças previdenciárias propostas pelo governo de Michel Temer.

O mesmo senso comum diz que em ano de eleição de presidente os candidatos ao cargo serão pressionados a dizer o que farão nos principais temas da pauta econômica, se chegarem lá. E a reforma da previdência é o principal ponto da agenda proposta para estabilizar ou até trazer para baixo a curva que mostra a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto.

Três pontos parecem favoritos a polarizar o debate presidencial de 2018, não necessariamente nesta ordem. Quem é mais honesto. Quem vai mudar os métodos de governar. E o que fazer para acelerar a retomada do crescimento econômico e da criação de empregos. Outros itens, como por exemplo a segurança, prometem produzir mais barulho do que decisão de voto.

O emperramento da reforma da previdência pode acabar criando um problema para o candidato finalmente vitorioso. Por isso, a esquerda esbraveja contra, mas tem esperança de ganhar a eleição e no íntimo torce para que Temer consiga passar algo que libere o novo presidente dessa pauta. Estelionatos eleitorais têm consequências, sabe-se cada vez melhor.

Do outro lado, o cenário é mais complexo. Uma bandeira desse campo serão as reformas liberais. E a disputa pelo apoio do establishment a um ou outro candidato se dará também em função de que nome vai ser mais capaz de vencer e reunir apoio político para dar andamento à agenda proposta pelas forças que depuseram Dilma Rousseff em 2016.

Eis por que, para o governo Temer, tentar passar a reforma ao longo do todo o ano de 2018 talvez seja tão importante, ou até mais importante, do que obter uma vitória rápida. Esta teria certamente bons efeitos na economia, mas o alongamento do debate daria de mão beijada uma narrativa pronta a um eventual candidato do governo ao Planalto.

Em condições normais de temperatura e pressão, a cadeira cativa de candidato liberal-reformista estaria já ocupada pelo PSDB. Mas os tropeços tucanos abrem caminho a outras possibilidades. Geraldo Alckmin ainda pode reagrupar seu campo político habitual. Entretanto, se o governo achar um candidato leve em outro partido a coisa pode complicar-se para os tucanos.

O PMDB comeu poeira do PSDB nos oito anos de Fernando Henrique. Comeu poeira do PT nos oito de Lula e nos quase seis de Dilma. É impensável que o núcleo de governo não esteja pensando num jeito de não voltar à situação de coadjuvante. E a falta de apoio do PSDB à reforma da previdência é uma oportunidade de ouro para alimentar a tentação de abrir outro caminho.

Some-se o fato de que nunca desde 1989 o PSDB largou tão atrás na corrida presidencial, e com tantos problemas. Ou seja, o governo neste momento não enfrenta ainda um adversário consolidado em seu campo. É uma baita janela de oportunidade. Os movimentos do ministro da Fazenda são o melhor sintoma de que alguém já entendeu o essencial do cenário da guerra.

Há portanto dois vetores opostos agindo sobre o andamento da votação da reforma. Vai crescer o medo de votar, para não chatear o eleitor. E vai crescer também o interesse do governo de mostrar que tem compromisso com ela. E o andar do tempo vai aumentar a pressão sobre o PSDB para ajudar a passar uma medida que o partido sempre disse ser indispensável.

Seria prudente adotar para a reforma da previdência a máxima de Mark Twain, quando certo dia anunciaram erradamente que ele tinha morrido. “As notícias sobre minha morte foram muito exageradas", brincou o escritor. De tanto que já anunciaram o fim do mundo e não aconteceu, será inteligente a cada anúncio esperar para ver se o mundo vai acabar mesmo.

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Se o PT tivesse de planejar o cenário ideal para dar verossimilhança à narrativa de que foi e está sendo vítima de um golpe de estado continuado, dificilmente faria melhor do que fazem por ele os adversários e inimigos nas várias esferas. Lula, que curte as metáforas futebolísticas, sabe que não basta o goleiro ser bom, precisa ter sorte. Disso ele não pode se queixar.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

A divisão entre herbívoros e carnívoros mudou de lado

Tempos atrás havia um debate sobre hábitos alimentares da esquerda latino-americana. Tinha a carnívora, liderada pelo venezuelano Hugo Chávez e inspirada em Fidel Castro. E tinha a herbívora, comandada por Luiz Inácio Lula da Silva e mais ideologicamente alinhada com o socialismo europeu ocidental. A separar as duas, o grau de aceitação do capitalismo e da democracia que os clássicos do marxismo chamavam de "burguesa".

Depois que, pelo menos no Brasil, a preferência por uma alimentação puramente vegetal foi insuficiente para evitar o cerco e a tentativa de aniquilamento, a distinção perdeu muito da utilidade prática. Quem ainda tiver dúvidas, faça a experiência: compareça a um encontro qualquer do PT para defender que o PSDB continua, como na origem, uma força política de centro-esquerda. Disponível portanto para alianças progressistas.

Se a classificação pelo tipo de dieta vai perdendo substância na esquerda, ela reaparece agora com esplendor do outro lado, neste prefácio de sucessão presidencial. As engrenagens de modelagem ideológica vão construindo a tese de haver uma direita carnívora, bem retratada por Jair Bolsonaro, em oposição a uma herbívora. Diante da clássica dificuldade de a direita pátria assumir-se como tal, ela sobe ao palco da política com a novíssima narrativa do “centro”.

O que seria esse centro? Talvez uma política econômica de direita com concessões à esquerda nos campos comportamental e ambiental. A combinação da “racionalidade" econômica com a luta "contra todo tipo de preconceito” e “em defesa do meio ambiente". Essa construção avança na disputa pela hegemonia, facilitada desde que a esquerda, pragmaticamente, trocou a velha luta de classes por disputas em que o capitalismo, até o mais voraz, pode adotar o "lado do bem” a um custo baixíssimo (1).

As consequências são nítidas no debate e no noticiário, políticos e econômicos. O nacionalismo era marca registrada da esquerda, mas foi quase abandonado, depois de ter sido carimbado pela direita como sintoma de “atraso”, por recusar a inevitável marcha da história. O curioso é que acreditar em uma “inevitável marcha da história” era até outro dia ridicularizado como sintoma de fossilização intelectual... da esquerda! Quem se beneficia desse abandono da questão nacional? A direita nacionalista, claro.

A esquerda vem sendo tangida para o cercadinho da luta por uma globalização mais humana, mais justa e mais ambientalmente responsável. Longe vão os dias em que o “outro mundo possível” saía no braço nas reuniões do G-8, contra o Fundo Monetário Internacional, contra o Banco Mundial e outros menos votados. Agora estão todos de mãos dadas, sempre diligentes para cuidar que a exploração do homem pelo homem aconteça de um jeito “sustentável”.

Os ideólogos teriam mais trabalho para vender a miragem centrista se nossa esquerda estivesse atenta a temas como: o altíssimo spread bancário (um recorde mundial), os juros escorchantes, a concentração da terra, a necessidade de uma reforma urbana. Qual foi a última vez em que você viu uma liderança expressiva da esquerda hegemônica falando dessas coisas?

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(1) O melhor que li disso, quando já matutava sobre o tema, foi “From Progressive Neoliberalism to Trump - and Beyond”, de acadêmica Nancy Fraser (New School for Social Research, de Nova York). Vale a leitura. O link -> https://americanaffairsjournal.org/2017/11/progressive-neoliberalism-trump-beyond/.

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Publicado originalmente no poder.com.br

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

A batalha morro acima do PSDB e um possível efeito-bumerangue da condenação e inabilitação de Lula

Desde 1994, quando o PSDB conquistou a hegemonia no campo que ocupa as faixas do meio para a direita, tem sido possível prever com razoável certeza o desfecho das corridas presidenciais: um tucano contra um petista. Na esquerda, a hegemonia está definida desde 1989, quando Lula superou Brizola por diferença estreitíssima e foi ao segundo turno.

Há perturbações de tempos em tempos. A rejeição ao governo Fernando Henrique fez Serra passar aperto com Garotinho e Ciro em 2002. Marina apareceu com votos em 2010, e ameaçou Aécio em 2014. Mas no fim a inércia acabou impondo-se e a disputa sempre convergiu para a polarização entre vermelhos e azuis.

Lula e o PT consolidaram a liderança absoluta em seu campo quando, no governo, conquistaram os pobres e o Nordeste. Há pobres e “nordestes” espalhados por todo o país. E, até o impeachment de Dilma, o PSDB vinha sacando confortavelmente da conta aberta quando Fernando Henrique, montado no Real, aliou-se ao PFL para ser o anti-Lula e ganhar a eleição.

2018 ensaia uma certa perturbação no enredo clássico. O paradoxo é a desorganização aparecer no lado vencedor das recentes batalhas políticas. O “se” não resolve nada, mas se Dilma tivesse conseguido ir até o fim é provável que o lado de Lula estivesse agora tão bagunçado quanto. Ou pelo menos algo bagunçado. Até agora, as contestações a ele são residuais.

Já o candidato do PSDB, muito provavelmente Alckmin, tem problemas novos a resolver. Começa atrás, pelo menos, de Marina e Bolsonaro. E precisa ganhar musculatura para trazer o apoio do PMDB e/ou dos partidos que apoiam o governo do PMDB. Só conseguirá se mostrar força e competitividade no campo da direita para desestimular outras ambições.

Para tirar votos de Bolsonaro, o PSDB precisa falar ao eleitor de Bolsonaro. Para tirar de Marina, precisa falar ao dela. Fazer as duas coisas ao mesmo tempo é complexo. Parece que o governador decidiu nesta primeira etapa mirar o hoje vice-líder nas intenções de voto. Tem lógica, mas talvez não vá ser tão simples. O eleitor de Bolsonaro leva jeito de estar entrincheirado.

Bolsonaro oscila em torno dos 10% na pesquisa espontânea. É um estoque bem razoável nesta altura do campeonato. É metade de um Lula. E o eleitor de Bolsonaro é mais convicto que a média. E está pouco propenso a mudar de opinião. E é bem mais militante, hoje, que o eleitor do PSDB. Basta olhar as redes sociais para perceber.

A opção seria tentar sacar do estoque de brancos, nulos, não sei e não vou votar, mas é pouco provável que o voto da antipolítica se converta à política nos primeiros momentos da corrida. Talvez adira no final, não para eleger alguém, mas para evitar a volta de alguém. Por isso, Alckmin é, na teoria, um candidato melhor para o segundo turno do que para o primeiro.

Assim como Lula parece melhor para o primeiro do que para o segundo. Dos nomes do PT e da esquerda, se Lula tem de longe mais chances de passar ao turno final, é o que mais deve enfrentar dificuldades para fechar a eleição. “Evitar a volta do Lula” pode, sim, mobilizar um pedaço ainda adormecido do eleitorado e portanto facilitar a vida dos adversários.

Duvidar do que dizem os políticos é sempre saudável. Os tucanos dizem preferir enfrentar Lula na urna a vê-lo impugnado. É o contrário: eles preferem o petista fora da eleição e esperam o muito provável, que o TRF-4 confirme a primeira instância. Até porque sem Lula a disputa no primeiro turno passa a ser, pelo menos no começo, por duas vagas e não uma só.

Mas, se as pesquisas estiverem certas, e se forem confirmadas, um “candidato de Lula” tem boas chances de passar à decisão. Uma vez ali, com menor rejeição que o ex-presidente, pode ter até mais facilidade para reunir os apoios necessários. Sim, uma eventual inabilitação de Lula pode ter efeito-bumerangue. A beleza da política está também na volatilidade.

E tem Marina, posicionada para colher os frutos da aversão ao establishment político. Ela já tem massa crítica e pode ser um desaguadouro quando, e se, as danças em torno do “novo” derem em nada.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

“Jerusalém Ocidental não é e não será ponto de negociação na busca de um acordo de paz definitivo"

1) Quais serão as consequências (simbólicas e práticas) com a decisão de Donald Trump de mudar a embaixada americana para Jerusalém?

A posição dos Estados Unidos somente reconhece uma realidade, que Jerusalém Ocidental é a capital de Israel. Essa parte da cidade já estava toda dentro da área de soberania de Israel mesmo antes da Guerra dos Seis Dias. Faz parte do território internacionalmente reconhecido como israelense por todos os países que apoiam o direito do estado judeu à existência. Ou seja, não é e não será objeto de negociação na busca de um acordo de paz definitivo. Dentro das fronteiras pré-1967, Israel coloca sua capital onde quiser. Como todo país normal.

2) Há quem diga que esse movimento dos EUA coloca uma pá de cal em negociações de paz que poderiam acontecer. É um passo atrás na solução de dois estados?

Coloca uma pá de cal na ideia de que Israel tem soberania apenas relativa sobre seu território enquanto não aceitar as condições dos países árabes e dos palestinos. Nesse aspecto, enfraquece uma das barreiras à paz, reduz o estímulo a que os palestinos perpetuem o impasse na esperança de que o passar do tempo imponha suas condições para um acordo final. Se você parte da premissa de que o tempo joga a favor dos palestinos, é natural que eles busquem prolongar o impasse. Mas se o tempo começa a jogar contra, cresce o estímulo a encontrar uma solução negociada.

3) Acredita que essa mudança pode dar início a uma nova onda de violência entre israelenses e palestinos?

A violência faz parte da paisagem do Oriente Médio, infelizmente. Então é sempre razoável contar com essa possibilidade. Mas as experiências anteriores mostram que os resultados não foram bons para os palestinos na maioria das vezes. Seria inteligente que buscassem aproveitar a situação do governo Trump, que fez um gesto importante agora a favor de Israel e portanto tem mais legitimidade para apoiar reivindicações palestinas e árabes. Mas nunca é demais lembrar a máxima de Abba Eban: ele dizia que os árabes (na época não se usava a expressão “palestinos") nunca perdem a oportunidade de perder uma oportunidade.

4) Há quem afirme que essa decisão é apenas um reconhecimento histórico. Você concorda?

É essencialmente um gesto político. Os Estados Unidos reconheceram no seu talvez principal aliado de hoje um país com plena soberania sobre seu território. Tem muita lógica do ângulo das relações internacionais.

========== Entrevista ao Instituto Brasil-Israel

Jerusalém é apenas uma questão de soberania

Israel é um país soberano com fronteiras internacionalmente reconhecidas nos limites anteriores à Guerra dos Seis Dias, de 1967. Jerusalém Ocidental faz parte do território israelense anterior a 1967, onde funcionam o Executivo, o Legislativo e o Judiciário do país. Todas as autoridades, inclusive brasileiras, mantêm encontros com autoridades de Israel em Jerusalém Ocidental. Lula esteve lá. Ou seja, na prática, Jerusalém Ocidental é a capital de Israel.

Mas, se se aceita a soberania de Israel sobre as terras que compunham o país antes de 1967, deve-se admitir também que Jerusalém Ocidental é a capital de direito. É lógica elementar. Que norma dá à comunidade internacional a prerrogativa de dizer se a capital dos Estados Unidos deve ser Washington ou Nova York? Ou se a brasileira deve ficar em Brasília ou voltar para o Rio de Janeiro? Isso seria considerado uma ingerência inaceitável.

Na partilha da Palestina, há 70 anos, foi decidido que Jerusalém deveria manter um status especial, internacional. Isso foi ultrapassado pelos fatos no terreno. De 1949 a 1967 Jerusalém Oriental esteve sob a soberania da Jordânia. Passou à soberania israelense quando os exércitos árabes combinados foram derrotados em junho de 1967. Hoje, os palestinos reivindicam a parte oriental da cidade como capital de seu futuro estado.

O destino de Jerusalém Ocidental não está em questão. Sempre foi, é, e será parte de Israel. Com exceção das forças que declaram o propósito de aniquilar Israel, o que só seria possível com o aniquilamento da população local, a soberania do Estado judeu sobre as terras a oeste da Cidade Velha é ponto pacífico. Assim como deveria ser ponto pacífico o direito de os israelenses instalarem sua capital em qualquer pedaço de seu território de antes de 1967.

Uma das sedes da Copa da Rússia será em Kaliningrado. Antes da Segunda Guerra ali era Konigsberg, a capital alemã da muito alemã Prússia Oriental. Uma “olhadela” no mapa (sempre é bom consultar mapas antes de opinar sobre disputas territoriais) revela que não há continuidade entre a região de Kaliningrado e a Rússia desde que a URSS acabou e os países bálticos ganharam independência. Isso diz algo.

Imaginar que certo dia Israel vá abrir mão da soberania em Jerusalém Ocidental é tão realista quanto acreditar que a Rússia vai devolver Kaliningrado à Alemanha, ou que os Estados Unidos vão devolver o Texas para o México. Entretanto, a decisão do presidente Donald Trump de colocar em prática uma lei do então presidente Bill Clinton e reconhecer Jerusalém como capital de Israel é classificada como imprudente e polêmica.

A decisão de Trump só é polêmica para quem não admite a soberania de Israel em nenhuma parte da área entre o Jordão e o Mediterrâneo. Quanto ao argumento de que a área foi conquistada militarmente, e não em negociações de paz, talvez deva-se universalizar o critério. Talvez a ONU devesse reabrir o debate sobre todas as fronteiras no planeta decorrentes de realidades no campo de batalha. Incluindo as terras brasileiras a oeste de Tordesilhas.

Só há um caminho para a paz entre israelenses e palestinos: reconhecer as realidades no terreno, aceitar ambas as soberanias sobre territórios demograficamente definidos, estabelecer mecanismos firmes de segurança, promover a integração econômica que abra caminho para a convivência frutífera de ambos os povos. Mas isso não será possível enquanto os palestinos acreditarem que, com guerras ou artimanhas diplomáticas, vão eliminar o estado judeu. E é apenas disso que se trata.

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Artigo publicado originalmente no site poder360.com.br

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Lula retoma músculos conforme aumentam as tensões que atrapalham a convergência da coalizão antilulista

Eleições em dois turnos, ou com apenas dois candidatos viáveis, como nos Estados Unidos, tendem a ser decididas com forte influência da taxa de rejeição. Mais que para eleger, a urna mobiliza-se para evitar a eleição de alguém, ou alguéns. As últimas quatro disputas presidenciais no Brasil, por exemplo, deram a vitória a blocos liderados pelo PT, mas antitucanos.

O Datafolha deste fim de semana traz como maior novidade a ampliação da vantagem de Lula sobre os adversários no segundo turno. Isso é consistente com duas variáveis. Uma mensurável: a taxa de rejeição do ex-presidente vem caindo. A outra não se mede com números: são as dificuldades objetivas e subjetivas para montar uma ampla coalizão antilulista.

A maior dificuldade objetiva é que os dois partidos-guia do impeachment de Dilma Rousseff querem ambos o protagonismo político no novo governo, a caneta. Temer não vê por que ceder aos tucanos sem luta. E o PSDB, como outros, cultiva um permanente “projeto de poder”. Considera-se, e não se pode impedi-lo de achar isso, naturalmente indicado para governar.

O problema é contornável, se se quiser contornar, conforme o tempo decantar as ambições inviáveis e o establishment pressionar por uma “alternativa racional”. O recente antitemerismo de parte da elite cederá espaço ao temor de uma polarização definitiva Lula x Bolsonaro. O apelo “programático” virá forte, assim como as desconstruções focalizadas nos indesejáveis.

É sempre arriscado contar em excesso com a racionalidade política dos agentes, mas essa aliança à direita ainda é viável. O desafio maior é subjetivo: a forte dispersão ideológica. É muito mais simples hoje agrupar uma frente lulista do que uma antilulista. As tensões centrífugas operam com muito mais intensidade no segundo campo do que no primeiro.

O antilulismo de agora é formado por cinco afluentes principais: o antipetismo político, o pró-capitalismo radical, o conservadorismo moral, o horror à esquerda e a rejeição ao que se convencionou chamar de velha política. O problema dos alquimistas da direita é juntar todos esses ingredientes num único bolo que seja digerível. A busca frustrada do novo é sintoma da dificuldade.

Quanto do bolsonarismo se disporia a trocá-lo por um tucano clássico para vitaminar a frente antilulista? Quantos eleitores tucanos estariam dispostos a apoiar Bolsonaro contra Lula? O eleitorado de Marina na hora h vai à direita ou à esquerda? Em 2014 ele se dividiu. O agronegócio apoiaria Marina contra Lula? E a velha política, teria alguma razão para priorizar o antilulismo?

Outro complicador: o antilulismo popular declina à medida que a memória do governo Dilma dilui e ela vai ficando com o passivo, e Lula com o ativo. A campanha eleitoral reavivará a lembrança de “Dilma, a indicada de Lula”, mas convencer de que, por isso, um eventual governo Lula será ruim exigirá competência única dos construtores de narrativas. Não vai ser trivial.

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Outra escolha não trivial é a do PSDB. Se ajudar a aprovar a reforma da Previdência, o otimismo econômico fortalecerá o governo. Se a reforma empacar e isso levar os investidores a colocar o pé no freio, à espera de qual bicho vai dar em outubro, quem se beneficia é Lula, ou o candidato de Lula. O PSDB, em resumo, conseguiu ser sitiado numa posição perde-perde.

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Um efeito da resiliência de Lula e da anemia do festejado (por enquanto só na imprensa) centro será os olhares voltarem-se cada vez mais para o Judiciário. Não se faz omelete sem quebrar os ovos. Mas conforme o tempo passa aumenta a capacidade de transferência de votos de Lula para o “candidato do Lula”. É outro dado importante do Datafolha. Meio disfarçado, mas está lá.

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A Lava-Jato vem com tudo no ano eleitoral, anunciam seus comandantes. Há duas maneiras de ela influir na eleição: 1) pedindo votos para candidatos que defendam as propostas da Lava-Jato e 2) criando fatos policiais e judiciais com impacto potencial no ânimo do eleitor. Esta eleição não terá como ser chata. Promete ser a mais animada de todos os tempos.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Centro é a vovozinha

Reclamar de estelionatos eleitorais é um desperdício de energia. “Tempo de guerra, mentira como terra“, diz o provérbio. Invertendo-se Clausewitz, a política é guerra, só que por outros meios, e a mentira é arma costumeira na luta pelo poder. Há todo tipo de mentira. A mentira completa, a omissão parcial dos fatos, a deformação proposital da realidade, a invenção de perigos inexistentes. E por aí vai.

O PMDB de Ulysses Guimarães iludiu o eleitor em 1986 quando prometeu que manteria o congelamento de preços do Plano Cruzado do governo Sarney. Isso rendeu ao partido uma vitória avassaladora nos estados e uma maioria igualmente esmagadora na Constituinte. Produziu também como efeito retardado, depois que a casa caiu e os preços subiram, o naufrágio de Ulysses na corrida pelo Planalto em 1989. Dali em diante foi só ladeira abaixo para o ex-senhor diretas.

Fernando Henrique Cardoso ocultou a verdade em 1998 quando garantiu que “juntos derrubamos a inflação, agora vamos vencer o desemprego”. O país estava quebrado, mas ele vendeu ao eleitor um cenário róseo. Abertas as urnas, a moeda derreteu. O país afundou na crise e o PSDB nunca mais conseguiu ganhar uma eleição presidencial. Mas FHC obteve para si quatro anos adicionais no Planalto à espera de passar a faixa ao sucessor. Ficou vegetando, mas e daí?

Dilma Rousseff arrancou a fórceps um quarto mandato para o PT à custa de duas ideias: 1) a economia estava muito bem e 2) os adversários, se eleitos, imporiam um plano duríssimo de austeridade, que, por a economia estar bem, era desnecessário e cruel. O resto da história é sabido. A economia não estava bem, a própria Dilma recorreu à austeridade, aí ela ficou fraca e os adversários aproveitaram para derrubá-la por uma questiúncula qualquer.

A diferença de Dilma para os vendedores de ilusões que a antecederam não foi a taxa de inverdades injetadas no ouvido do eleitor: foi a escassez de gordura política para queimar no inverno da impopularidade quando o logro fica evidente. Gordura parlamentar e gordura no establishment. Quando se abriu a chance de arrancar o PT do palácio, o PT percebeu que não fizera amigos verdadeiros nos tempos das vacas gordas. É um erro fatal desde José no Egito.

Uma manobra costumeira é apresentar-se como a única salvação para evitar o perigo iminente e depois esquecer-se do perigo, ou aliar-se a ele. O PT e o velho PMDB, quando este ainda acolhia os futuros tucanos, criaram-se em São Paulo em oposição ao malufismo. Os tucanos romperam com o PMDB tendo o antiquercismo como bandeira, coisa em que o PT era pioneiro. Mais adiante, PSDB, PT, Quércia e Maluf reencontraram-se em felizes alianças e ficou tudo por isso mesmo.

E qual será o vencedor entre os candidatos a mistificação do ano em 2018? Há vários na pista aguardando a largada. Um vem pela mão do PT, quando diz que é desnecessário reformar a Previdência. Se Michel Temer não a reformar agora, e se em 2019 o presidente for do PT, ou apoiado por ele, uma de suas primeiras medidas será tentar mudar a Previdência, como aconteceu em 2003. Até os turistas na Praça dos Três Poderes estão carecas de saber que não há como estabilizar a relação dívida/PIB sem isso.

Outro terreno na lua vem pelas mãos de quem promete governar sem trocar cargos e verbas orçamentárias por apoio no Congresso. O Brasil curte um neobonapartismo meio fascista. “O povo não sabe votar” e elege “maus políticos”, então que venham os salvadores da pátria para governar sem a política, diretamente com as massas. Nunca dá certo, mas sempre rende votos.

Um caminho promissor desta eleição será acusar o PT de fanático da gastança e apresentar tucanos, e outros menos prestigiados pela elite, como guerreiros da responsabilidade fiscal. Os números dizem o contrário. A dívida pública explodiu com FHC e foi contida nos governos Lula e Dilma 1. O governo Temer produziu um deficit primário recorde. Mas quem se importa com números?

Meu palpite principal para campeão da enganação deste pleito é o anunciado “centro”, o redentor. O Brasil estaria ameaçado por perigosos extremistas, e as pessoas de bem deveriam reunir-se mais ou menos ali pelo meio do caminho entre a direita e a esquerda. O centro, entendido como “nem de direita, nem de esquerda”, não resiste a meia dúzia de perguntas. O que seria uma reforma da Previdência de centro? Como seria uma política externa de centro? Como montar um ministério de centro?

Centro político é um conjunto vazio. As sociedades estão divididas por interesses antagônicos. “Centro” é uma palavrinha que direita e esquerda se autoplugam quando precisam escapar de dizer ao eleitor quem vai se dar bem e quem vai pagar a conta. É o Lobo Mau fantasiado de vovozinha esperando para abocanhar a Chapeuzinho Vermelho. Toda vez que você vir alguém se dizendo “de centro”, procure pela esquerda ou direita que pulsam no peito do “centrista”. É um exercício bacana para não fazerem você de bobo na urna eletrônica.