A palavra “polarização” incorporou entre nós o atributo da ubiquidade. É a descrição de tudo, a explicação para tudo. Faz algum sentido, pois a disputa eleitoral aparece monopolizada não apenas por um presidente e um ex, mas por dois líderes de massa. Duas circunstâncias originais nas eleições brasileiras desde a retomada do voto direto presidencial em 1989.
Talvez a polarização explique a notável estabilidade dos números, que aguardam agora os possíveis efeitos das entrevistas e debates, mas principalmente dos programas e inserções no rádio e na TV. Uma consequência da estabilidade é jornalistas e analistas encararem a dura tarefa de ocupar espaços e desenvolver análises a partir de oscilações dentro das margens de erro. Não está fácil para ninguém.
Mas foi dada a largada das grandes entrevistas e debates, e do horário eleitoral, e na nova etapa do jogo a atenção volta-se ansiosa para os impactos nas pesquisas, efeito que possivelmente demore um tantinho, à espera da natural decantação dos efeitos da propaganda oficial das campanhas e da maior exposição dos contendores.
Sobre este último ponto, escrevi há poucos dias em “Boxe sem programa”.
Uma curiosidade é se a renovada exposição permitirá à dita terceira via ganhar massa crítica para criar um fato novo. Até agora não aconteceu. Ciro Gomes (PDT) continua estacionado em seu público fiel, na esperança de, pelo menos, não sofrer um ataque especulativo fatal na véspera do primeiro turno. A pressão vinda da esquerda com o argumento de não dar sopa para o azar será (está sendo) grande.
Simone Tebet (MDB) fez uma boa entrevista no Jornal Nacional da TV Globo, mas ainda precisa mostrar musculatura eleitoral para animar os cerca de 10% do eleitorado que não admitem votar nem em Luiz Inácio Lula da Silva nem em Jair Messias Bolsonaro. A terceira via continua repetindo a saga das sempre anunciadas e nunca concretizadas visitas de Frank Sinatra ao Brasil.
Mas um dia Sinatra acabou vindo…
Um paradoxo da eleição: ela está dominada pela polarização, mas a chave para a vitória de um ou outro candidato depende de alguns grandes estoques de voto nos quais a disputa não está polarizada. São as mulheres, os pobres e o Nordeste. Nos três contingentes, Lula está muito à frente de Bolsonaro.
Para fechar a atual diferença contra Lula, Bolsonaro não precisa virar o jogo nesses estoques, basta reduzir a diferença. Cada redução aí impacta com boa força no quadro geral. E é razoável supor que onde a diferença entre os dois é muito grande há mais facilidade para produzir movimentações eleitorais relevantes.
Desta semana em diante as pesquisas começarão a mostrar o efeito da maior exposição dos candidatos e do início da campanha eleitoral oficial.
Nas eleições recentes, os incumbentes e situacionistas em busca de fazer o sucessor cresceram no período, pela possibilidade de furar a bolha da cobertura negativa (ou crítica, conforme o gosto do freguês) de imprensa. Vale acompanhar para saber se Bolsonaro vai repetir o roteiro.
Se conseguir, a eleição vai apertar.
Alon Feuerwerker
jornalista e analista político
bio -> https://pt.wikipedia.org/wiki/alon_feuerwerker
sábado, 27 de agosto de 2022
sexta-feira, 26 de agosto de 2022
Boxe sem programa
Debates e entrevistas duras em disputas eleitorais são como lutas de boxe. O primeiro objetivo é não ser nocauteado. Por isso, saber defender-se é tão ou mais importante quanto saber atacar. Melhor ainda quando se consegue encaixar um contragolpe e marcar uns pontinhos.
Nocautes são raríssimos em entrevistas e debates eleitorais. A regra é a luta acabar em uma discussão sobre quem ganhou por pontos, com a vantagem de não haver juízes para decidir. Cada lado é livre para tentar impor sua narrativa.
Nem o resultado final da eleição serve de veredito a respeito de quem “ganhou o debate”. Sempre haverá quem recorra a grupos focais, a medições nas redes sociais, a pesquisas quantitativas. Mas nunca será definitivo. Sempre haverá viés.
Então, qual deve ser o objetivo principal de quem entra nesse ringue? Simples: fazer seu eleitor orgulhar-se de você. Para armá-lo, o seu eleitor, de argumentos na batalha por novos votos e nas refregas com eleitores adversários.
Debates não costumam acabar em nocautes, mas eleições sim. E o exército que luta com mais vontade e convicção tem um “plus a mais” na busca da vitória.
Líderes políticos são medidos, em última instância, pela capacidade de conduzir os liderados à vitória. Pouco mudou a esse respeito desde sempre. O chefe da tribo não é julgado pelos seus atributos morais, mas pelo talento para chefiar na guerra pela sobrevivência e sucesso material.
Daí que os valores na política tenham peculiaridades.
A tão glamorizada coerência pode eventualmente levar a desastres. Na política, desdizer hoje o que foi dito ontem não necessariamente é pecado. Se a mudança puder ser vendida ao público como uma alteração de rota indispensável para a vitória, será absorvida e até saudada.
E a insistência no erro, por coerência, é pecado capital quando coloca a tribo em perigo. Situação em que o líder corre o risco de ser guilhotinado, real ou metaforicamente, pelos dele.
A eleição presidencial deste ano é peculiar por estar na prática monopolizada, até o momento, entre dois políticos que exibem como principal atributo precisamente a liderança tribal. Em terceiro, vem um personagem na sua quarta tentativa de chegar à Presidência, sempre defendendo uma fatia em torno de 10% do voto válido.
Tal circunstância acaba reforçando precisamente o escrutínio das capacidades do líder, ou candidato a líder, deixando nas sombras o julgamento do que, afinal, cada um deles pretende fazer com o país. É rotineiro nas eleições brasileiras, mas desta vez o traço anda bem exacerbado.
Mesmo nas raras abordagens ditas “programáticas”, os contendores buscam reforçar antes de mais nada seu “preparo” e clarividência. No que são facilitados pelo até agora aparente desinteresse do jornalismo em aprofundar e destrinchar os caminhos de cada um para tratar dos assuntos da vida prática dos cidadãos.
É confortável para os boxeadores, que vislumbram para o vencedor um cheque em branco. Pode até ser ilusão deles nesta nossa República retalhada pelos diversos núcleos de poder. Mas não deixa de ser apetitoso.
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Publicado na revista Veja de 31 de agosto de 2022, edição nº 2.800
Nocautes são raríssimos em entrevistas e debates eleitorais. A regra é a luta acabar em uma discussão sobre quem ganhou por pontos, com a vantagem de não haver juízes para decidir. Cada lado é livre para tentar impor sua narrativa.
Nem o resultado final da eleição serve de veredito a respeito de quem “ganhou o debate”. Sempre haverá quem recorra a grupos focais, a medições nas redes sociais, a pesquisas quantitativas. Mas nunca será definitivo. Sempre haverá viés.
Então, qual deve ser o objetivo principal de quem entra nesse ringue? Simples: fazer seu eleitor orgulhar-se de você. Para armá-lo, o seu eleitor, de argumentos na batalha por novos votos e nas refregas com eleitores adversários.
Debates não costumam acabar em nocautes, mas eleições sim. E o exército que luta com mais vontade e convicção tem um “plus a mais” na busca da vitória.
Líderes políticos são medidos, em última instância, pela capacidade de conduzir os liderados à vitória. Pouco mudou a esse respeito desde sempre. O chefe da tribo não é julgado pelos seus atributos morais, mas pelo talento para chefiar na guerra pela sobrevivência e sucesso material.
Daí que os valores na política tenham peculiaridades.
A tão glamorizada coerência pode eventualmente levar a desastres. Na política, desdizer hoje o que foi dito ontem não necessariamente é pecado. Se a mudança puder ser vendida ao público como uma alteração de rota indispensável para a vitória, será absorvida e até saudada.
E a insistência no erro, por coerência, é pecado capital quando coloca a tribo em perigo. Situação em que o líder corre o risco de ser guilhotinado, real ou metaforicamente, pelos dele.
A eleição presidencial deste ano é peculiar por estar na prática monopolizada, até o momento, entre dois políticos que exibem como principal atributo precisamente a liderança tribal. Em terceiro, vem um personagem na sua quarta tentativa de chegar à Presidência, sempre defendendo uma fatia em torno de 10% do voto válido.
Tal circunstância acaba reforçando precisamente o escrutínio das capacidades do líder, ou candidato a líder, deixando nas sombras o julgamento do que, afinal, cada um deles pretende fazer com o país. É rotineiro nas eleições brasileiras, mas desta vez o traço anda bem exacerbado.
Mesmo nas raras abordagens ditas “programáticas”, os contendores buscam reforçar antes de mais nada seu “preparo” e clarividência. No que são facilitados pelo até agora aparente desinteresse do jornalismo em aprofundar e destrinchar os caminhos de cada um para tratar dos assuntos da vida prática dos cidadãos.
É confortável para os boxeadores, que vislumbram para o vencedor um cheque em branco. Pode até ser ilusão deles nesta nossa República retalhada pelos diversos núcleos de poder. Mas não deixa de ser apetitoso.
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Publicado na revista Veja de 31 de agosto de 2022, edição nº 2.800
sábado, 20 de agosto de 2022
Os fatos e os entraves
Todas as pesquisas, algumas antes outras depois, vêm mostrando melhora na percepção popular sobre o estado da economia. A evolução mais acentuada é nas expectativas, especialmente sobre a inflação. Se houver mesmo segundo turno em outubro, será por esse sentimento. Toda eleição é, em última instância, uma disputa sobre continuar, porque está dando certo, ou mudar, porque está dando errado.
Mas eleição não é transformação automática de percepções objetivas sobre a realidade em votos. A transmissão não é linear, há assincronias e assimetrias. Tem gente que não vota no situacionismo, mesmo avaliando bem a situação. E tem gente que deseja a continuidade, mesmo reprovando o trabalho de quem ocupa o poder. “É a economia, estúpido”, mas ela não está sozinha no baile.
Isso fica bem evidenciado num certo atraso, ou dificuldade, de Jair Bolsonaro transformar em intenção de voto a melhora da percepção popular sobre o estado da economia. Na base da sociedade, o presidente enfrenta um cenário de apoio fiel a Luiz Inácio Lula da Silva, e o objetivo governamental aí não é sobrepujar o adversário, mas reduzir a diferença nesse principal estoque de votos. Quase metade do eleitorado ganha até dois salários mínimos.
A resistência dos pobres a Bolsonaro repousa em três fatores: 1) os governos do PT implementaram, ao longo de catorze anos, um leque de programas sociais; e, por isso, 2) não teria credibilidade o governo recorrer ao tradicional truque de dizer que, se a oposição ganhar, vai acabar com as medidas que beneficiam a base da pirâmide social; e 3) os recentes benefícios aos mais pobres só estão garantidos por lei até 31 de dezembro.
Bolsonaro vem sendo prejudicado pela percepção de que as medidas de seu governo a favor dos pobres costumam demorar, só saem a fórceps e, agora, não estão garantidas para o próximo ano. O governo pode até explicar que as dificuldades derivam da preocupação com o equilíbrio fiscal. Mas os fatos são teimosos: como, ao fim e ao cabo, ele acaba adotando as medidas, fica a impressão de ter feito a contragosto.
E isso é um veneno eleitoral.
No topo social, o problema é outro: a convicção disseminada de Bolsonaro pretender implantar um regime autoritário. Importa menos se esse fato está perto ou distante da realidade. Na política, especialmente em eleições, vale a percepção. Por ação ou omissão, o governo deixou a ideia cristalizar. E tal circunstância, ademais, oferece uma oportunidade única de o habitual adesismo, atraído gravitacionalmente pela expectativa de poder, revestir-se de desprendimento em defesa da democracia. Chega a ser irresistível.
A evolução do cenário eleitoral depende das taxas de transmissão das variações entre três índices: 1) a percepção sobre a economia, pessoal e geral; 2) como isso impacta a avaliação do governo; e 3) em que medida isso se transforma em voto. É razoável supor que a melhora no primeiro quesito impacte positivamente o segundo e, por tabela, o terceiro. Os números não mentem. A dúvida é quanto os entraves vão retardar essa transmissão.
Mas eleição não é transformação automática de percepções objetivas sobre a realidade em votos. A transmissão não é linear, há assincronias e assimetrias. Tem gente que não vota no situacionismo, mesmo avaliando bem a situação. E tem gente que deseja a continuidade, mesmo reprovando o trabalho de quem ocupa o poder. “É a economia, estúpido”, mas ela não está sozinha no baile.
Isso fica bem evidenciado num certo atraso, ou dificuldade, de Jair Bolsonaro transformar em intenção de voto a melhora da percepção popular sobre o estado da economia. Na base da sociedade, o presidente enfrenta um cenário de apoio fiel a Luiz Inácio Lula da Silva, e o objetivo governamental aí não é sobrepujar o adversário, mas reduzir a diferença nesse principal estoque de votos. Quase metade do eleitorado ganha até dois salários mínimos.
A resistência dos pobres a Bolsonaro repousa em três fatores: 1) os governos do PT implementaram, ao longo de catorze anos, um leque de programas sociais; e, por isso, 2) não teria credibilidade o governo recorrer ao tradicional truque de dizer que, se a oposição ganhar, vai acabar com as medidas que beneficiam a base da pirâmide social; e 3) os recentes benefícios aos mais pobres só estão garantidos por lei até 31 de dezembro.
Bolsonaro vem sendo prejudicado pela percepção de que as medidas de seu governo a favor dos pobres costumam demorar, só saem a fórceps e, agora, não estão garantidas para o próximo ano. O governo pode até explicar que as dificuldades derivam da preocupação com o equilíbrio fiscal. Mas os fatos são teimosos: como, ao fim e ao cabo, ele acaba adotando as medidas, fica a impressão de ter feito a contragosto.
E isso é um veneno eleitoral.
No topo social, o problema é outro: a convicção disseminada de Bolsonaro pretender implantar um regime autoritário. Importa menos se esse fato está perto ou distante da realidade. Na política, especialmente em eleições, vale a percepção. Por ação ou omissão, o governo deixou a ideia cristalizar. E tal circunstância, ademais, oferece uma oportunidade única de o habitual adesismo, atraído gravitacionalmente pela expectativa de poder, revestir-se de desprendimento em defesa da democracia. Chega a ser irresistível.
A evolução do cenário eleitoral depende das taxas de transmissão das variações entre três índices: 1) a percepção sobre a economia, pessoal e geral; 2) como isso impacta a avaliação do governo; e 3) em que medida isso se transforma em voto. É razoável supor que a melhora no primeiro quesito impacte positivamente o segundo e, por tabela, o terceiro. Os números não mentem. A dúvida é quanto os entraves vão retardar essa transmissão.
sábado, 13 de agosto de 2022
Uma armadilha nas pesquisas
Há um detalhe delicado nas pesquisas eleitorais: a diferença entre o não voto (brancos, nulos e abstenção) que será verificado na urna e os que, em pesquisas estimuladas, não escolhem nenhum candidato quando a lista é apresentada. No dia da eleição, o não voto tem rondado os 30%, mas nas pesquisas estimuladas esse contingente é apenas um terço disso. Cerca de 20% dos pesquisados indicam candidato na estimulada mas provavelmente não votarão em ninguém.
Daí a necessidade de prestar muita atenção ao cenário espontâneo, em que o pesquisado não é apresentado à lista. Aqui, o não voto costuma estar bem mais próximo do que será no dia da eleição. Até porque em 2 de outubro (e talvez dali a quatro semanas) a escolha do eleitor terá de ser espontânea, ele precisará decidir sem ter diante dele as opções disponíveis para os diversos cargos em disputa.
Num cenário ideal, a “quebra” entre a intenção de voto na pesquisa estimulada e a realidade na urna deveria distribuir-se proporcionalmente entre os candidatos, mas é preciso ter alguma cautela na projeção. O absenteísmo eleitoral não é homogêneo nos diversos grupos sociais, nem nas diferentes áreas territoriais. Essa é uma das explicações frequentes para quando os institutos precisam justificar por que a pesquisa disse uma coisa, e a urna disse outra.
Uma maneira razoável de buscar reduzir essa “margem de erro” é esmiuçar com o eleitor 1) quanto está interessado na eleição; 2) se vai ou não votar em outubro; e 3) se votou em 2018. Claro que isso não é ciência exata, o pesquisado pode ter se esquecido se compareceu quatro anos atrás (ou mentir), pode dizer, por conveniência (voto obrigatório), que vai votar agora (e no dia não votar). E “grau de interesse” é variável algo subjetiva.
Mas, mesmo com as limitações, o cruzamento entre a intenção de voto e essa aproximação à “probabilidade real” de o entrevistado/eleitor ir votar costuma ser útil. E o que o cruzamento nos diz hoje? Quando o número é depurado, a distância entre Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro reduz-se em algo da ordem de 30%. Portanto, hoje, o eleitor do presidente está algo mais mobilizado para votar que o eleitor do ex-presidente.
Isso tem consistência com a diferença das rejeições. Se Bolsonaro é mais rejeitado que Lula, é razoável supor que Lula tem proporcionalmente mais gente tendendo a votar nele por puro antibolsonarismo do que Bolsonaro atrai simpatizantes por puro antipetismo ou antilulismo. Essa hipótese também é consistente com outro achado das pesquisas: ainda que na margem de erro, no momento, Bolsonaro tem proporcionalmente mais eleitores convictos que Lula.
A partir dessas hipóteses e constatações, é possível deduzir numericamente que hoje a diferença real entre Lula e Bolsonaro está entre 5 e 10 pontos percentuais e tem tido certa resiliência. Esse parece ser o estado real da corrida. Daqui em diante, será preciso acompanhar quem terá mais sucesso em elevar a rejeição ao adversário e em motivar seu eleitor potencial a ir votar.
Daí a necessidade de prestar muita atenção ao cenário espontâneo, em que o pesquisado não é apresentado à lista. Aqui, o não voto costuma estar bem mais próximo do que será no dia da eleição. Até porque em 2 de outubro (e talvez dali a quatro semanas) a escolha do eleitor terá de ser espontânea, ele precisará decidir sem ter diante dele as opções disponíveis para os diversos cargos em disputa.
Num cenário ideal, a “quebra” entre a intenção de voto na pesquisa estimulada e a realidade na urna deveria distribuir-se proporcionalmente entre os candidatos, mas é preciso ter alguma cautela na projeção. O absenteísmo eleitoral não é homogêneo nos diversos grupos sociais, nem nas diferentes áreas territoriais. Essa é uma das explicações frequentes para quando os institutos precisam justificar por que a pesquisa disse uma coisa, e a urna disse outra.
Uma maneira razoável de buscar reduzir essa “margem de erro” é esmiuçar com o eleitor 1) quanto está interessado na eleição; 2) se vai ou não votar em outubro; e 3) se votou em 2018. Claro que isso não é ciência exata, o pesquisado pode ter se esquecido se compareceu quatro anos atrás (ou mentir), pode dizer, por conveniência (voto obrigatório), que vai votar agora (e no dia não votar). E “grau de interesse” é variável algo subjetiva.
Mas, mesmo com as limitações, o cruzamento entre a intenção de voto e essa aproximação à “probabilidade real” de o entrevistado/eleitor ir votar costuma ser útil. E o que o cruzamento nos diz hoje? Quando o número é depurado, a distância entre Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro reduz-se em algo da ordem de 30%. Portanto, hoje, o eleitor do presidente está algo mais mobilizado para votar que o eleitor do ex-presidente.
Isso tem consistência com a diferença das rejeições. Se Bolsonaro é mais rejeitado que Lula, é razoável supor que Lula tem proporcionalmente mais gente tendendo a votar nele por puro antibolsonarismo do que Bolsonaro atrai simpatizantes por puro antipetismo ou antilulismo. Essa hipótese também é consistente com outro achado das pesquisas: ainda que na margem de erro, no momento, Bolsonaro tem proporcionalmente mais eleitores convictos que Lula.
A partir dessas hipóteses e constatações, é possível deduzir numericamente que hoje a diferença real entre Lula e Bolsonaro está entre 5 e 10 pontos percentuais e tem tido certa resiliência. Esse parece ser o estado real da corrida. Daqui em diante, será preciso acompanhar quem terá mais sucesso em elevar a rejeição ao adversário e em motivar seu eleitor potencial a ir votar.
sexta-feira, 12 de agosto de 2022
10 milhões de eleitores em disputa
Um contingente muito específico de eleitores está no foco da disputa entre os dois principais competidores, no momento, da sucessão presidencial. São cerca de dez milhões de pessoas que nas duas últimas décadas já votaram tanto no PT de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff quanto contra o PT. Estiveram em parte com o PSDB de 2006 a 2014 e maciçamente com Jair Bolsonaro em 2018.
Esse grupo abandonou o PT quatro anos atrás principalmente por causa das denúncias de corrupção, mas é simplista parar por aí. As denúncias de Roberto Jefferson em 2005 não impediram o petismo de sobrepujar, e bem, os adversários em 2006 e 2010. As ações foram julgadas e as condenações proferidas no primeiro mandato de Dilma. Mesmo assim ela conseguiu um segundo quadriênio.
A fórmula explosiva que levou ao impeachment dela teve não um, mas dois ingredientes: a Lava Jato e a recessão. Governos até se salvam de escândalos quando têm sólida base político-parlamentar e a economia caminha pelo menos razoavelmente, do ângulo do povão. Quando a economia engasga, a intolerância com denúncias de malfeitos cresce aceleradamente. Aconteceu em 2015-16.
A economia costuma comandar, mesmo quando outras variáveis têm mais visibilidade. O mecanismo parece repetir-se. Segundo as pesquisas, a percepção de melhora no cenário econômico começa a mexer nos índices de aprovação do governo. Será uma surpresa se isso não repercutir em algum grau nas intenções de voto do candidato à reeleição. Mesmo enredado em outras polêmicas.
A recuperação econômica era previsível, e foi prevista, pela volta completa das atividades produtivas e comerciais, mesmo que a Covid-19 ainda esteja matando por aqui mais de duas centenas por dia. Mas isso aparentemente deixou de ser notícia. Ajudam também as exportações anabolizadas pelo câmbio, mesmo com a tormenta econômica global provocada em torno da guerra na Ucrânia.
E a recuperação vem acompanhada da queda do desemprego.
Até semanas atrás, o que travava a sensação de melhora era a inflação resistente, mas a conjugação das medidas agressivas para baixar o preço dos combustíveis com o igualmente agressivo aperto monetário promovido pelo Banco Central parece estar contendo a alta dos preços. É provável que a eleição transcorra num ambiente de emprego em recuperação e menos inflação.
A oposição programou-se para uma jornada eleitoral com a população tomada pela sensação de agudo mal-estar com a economia. As dificuldades ainda são muitas, especialmente entre os mais pobres, a inflação da comida machuca, mas a irritação persistente com o governo na classe média e na elite econômica parece registrar alguma dissipação. E agora começou a ser pago o Auxílio Brasil de 600 reais.
Resta saber se haverá tempo para que a virada na conjuntura econômica se cristalize nas intenções de voto - e no voto. O tempo teoricamente é curto, mas em períodos eleitorais ele costuma correr de um modo diferente.
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Publicado na revista Veja de 17 de agosto de 2022, edição nº 2.798
Esse grupo abandonou o PT quatro anos atrás principalmente por causa das denúncias de corrupção, mas é simplista parar por aí. As denúncias de Roberto Jefferson em 2005 não impediram o petismo de sobrepujar, e bem, os adversários em 2006 e 2010. As ações foram julgadas e as condenações proferidas no primeiro mandato de Dilma. Mesmo assim ela conseguiu um segundo quadriênio.
A fórmula explosiva que levou ao impeachment dela teve não um, mas dois ingredientes: a Lava Jato e a recessão. Governos até se salvam de escândalos quando têm sólida base político-parlamentar e a economia caminha pelo menos razoavelmente, do ângulo do povão. Quando a economia engasga, a intolerância com denúncias de malfeitos cresce aceleradamente. Aconteceu em 2015-16.
A economia costuma comandar, mesmo quando outras variáveis têm mais visibilidade. O mecanismo parece repetir-se. Segundo as pesquisas, a percepção de melhora no cenário econômico começa a mexer nos índices de aprovação do governo. Será uma surpresa se isso não repercutir em algum grau nas intenções de voto do candidato à reeleição. Mesmo enredado em outras polêmicas.
A recuperação econômica era previsível, e foi prevista, pela volta completa das atividades produtivas e comerciais, mesmo que a Covid-19 ainda esteja matando por aqui mais de duas centenas por dia. Mas isso aparentemente deixou de ser notícia. Ajudam também as exportações anabolizadas pelo câmbio, mesmo com a tormenta econômica global provocada em torno da guerra na Ucrânia.
E a recuperação vem acompanhada da queda do desemprego.
Até semanas atrás, o que travava a sensação de melhora era a inflação resistente, mas a conjugação das medidas agressivas para baixar o preço dos combustíveis com o igualmente agressivo aperto monetário promovido pelo Banco Central parece estar contendo a alta dos preços. É provável que a eleição transcorra num ambiente de emprego em recuperação e menos inflação.
A oposição programou-se para uma jornada eleitoral com a população tomada pela sensação de agudo mal-estar com a economia. As dificuldades ainda são muitas, especialmente entre os mais pobres, a inflação da comida machuca, mas a irritação persistente com o governo na classe média e na elite econômica parece registrar alguma dissipação. E agora começou a ser pago o Auxílio Brasil de 600 reais.
Resta saber se haverá tempo para que a virada na conjuntura econômica se cristalize nas intenções de voto - e no voto. O tempo teoricamente é curto, mas em períodos eleitorais ele costuma correr de um modo diferente.
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Publicado na revista Veja de 17 de agosto de 2022, edição nº 2.798
sábado, 6 de agosto de 2022
Rasteiras e mandonismos
O período de definição das alianças e candidaturas fechou com o costumeiro espetáculo de rasteiras proporcionado pelas direções partidárias. Nem nomes competitivos escaparam do festival de mandonismo, que reforçou uma regra básica da política brasileira: ou você é dono de partido ou está completamente à mercê de um deles, que faz o que bem entende.
Poder agora reforçado pelo monopólio de facto do dinheiro disponível para as campanhas.
Não por acaso, o debate da sempre propalada reforma política, mesmo descrita como “a mãe de todas as reformas", nunca chega a resvalar nessa questão fundamental. Entre as anomalias teratológicas resultantes da Carta de 1988 e seus desdobramentos, o Brasil restringiu a disputa do poder a donos de agremiações generosamente contemplados com recursos vindos dos impostos, mas totalmente desobrigados de praticar qualquer traço de democracia interna.
O mecanismo ainda exibe alguma, digamos, legitimidade quando o dono do partido também é o dono dos votos. Mas é exceção da exceção. Na ampla maioria dos casos, a força do proprietário da legenda deriva da posição burocrática ocupada. Esse poder absoluto permite-lhe dissolver instâncias, nomear à vontade comissões provisórias, dizer quem vai ter dinheiro e quem não vai, etc.
E usar pré-candidatos como laranjas para na reta final mercadejar apoios e alianças em condições mais favoráveis.
Mas isso agora é passado, segue a partida, e entramos no segundo tempo de um jogo de mais dois ou três tempos: 1) o “início oficial” das campanhas no primeiro turno, 2) o horário eleitoral e, talvez, 3) o segundo turno. Doravante, e tirando os imprevistos, dois aspectos devem chamar a atenção: 1) a taxa de transferência entre a percepção de melhora na economia e o desempenho de Jair Bolsonaro e 2) o que a Justiça deixará que seja dito na campanha.
Sim, pois, como previsto, a dito “combate às fake news” vem servindo menos para limitar a difusão de mentiras no debate político e mais para os bem situados em posições de poder chamarem para si, com objetivos políticos, o poder absoluto de definir o que é “a verdade”. Isso já tem sido bastante relevante no dia a dia, mas adquire importância decisiva na eleição.
É altamente improvável que se consiga proibir os políticos de mentir (quem conseguisse isso mereceria um Nobel, talvez de Química), então o mais provável é o processo escorregar para outro mandonismo: os detentores (ou detentor) da prerrogativa de definir o que é verdade ou mentira usarem o “combate às fake news" para ajudar uns e atrapalhar outros.
E a elasticidade economia-votos de Bolsonaro? Será preciso olhar a relação entre quatro variáveis: 1) as condições objetivas, que costumam se expressar em números e não dependem de interpretação, 2) a percepção do eleitor sobre a própria situação, 3) a percepção do eleitor sobre a situação do país e 4) a percepção do eleitor sobre a conveniência de manter Bolsonaro no cargo para que a situação da economia, pessoal e geral, melhore.
A guerra da informação influi pouco ou quase nada nas duas primeiras variáveis, que estão melhorando, mas pesa bem nas duas últimas, que parecem meio paradas.
Poder agora reforçado pelo monopólio de facto do dinheiro disponível para as campanhas.
Não por acaso, o debate da sempre propalada reforma política, mesmo descrita como “a mãe de todas as reformas", nunca chega a resvalar nessa questão fundamental. Entre as anomalias teratológicas resultantes da Carta de 1988 e seus desdobramentos, o Brasil restringiu a disputa do poder a donos de agremiações generosamente contemplados com recursos vindos dos impostos, mas totalmente desobrigados de praticar qualquer traço de democracia interna.
O mecanismo ainda exibe alguma, digamos, legitimidade quando o dono do partido também é o dono dos votos. Mas é exceção da exceção. Na ampla maioria dos casos, a força do proprietário da legenda deriva da posição burocrática ocupada. Esse poder absoluto permite-lhe dissolver instâncias, nomear à vontade comissões provisórias, dizer quem vai ter dinheiro e quem não vai, etc.
E usar pré-candidatos como laranjas para na reta final mercadejar apoios e alianças em condições mais favoráveis.
Mas isso agora é passado, segue a partida, e entramos no segundo tempo de um jogo de mais dois ou três tempos: 1) o “início oficial” das campanhas no primeiro turno, 2) o horário eleitoral e, talvez, 3) o segundo turno. Doravante, e tirando os imprevistos, dois aspectos devem chamar a atenção: 1) a taxa de transferência entre a percepção de melhora na economia e o desempenho de Jair Bolsonaro e 2) o que a Justiça deixará que seja dito na campanha.
Sim, pois, como previsto, a dito “combate às fake news” vem servindo menos para limitar a difusão de mentiras no debate político e mais para os bem situados em posições de poder chamarem para si, com objetivos políticos, o poder absoluto de definir o que é “a verdade”. Isso já tem sido bastante relevante no dia a dia, mas adquire importância decisiva na eleição.
É altamente improvável que se consiga proibir os políticos de mentir (quem conseguisse isso mereceria um Nobel, talvez de Química), então o mais provável é o processo escorregar para outro mandonismo: os detentores (ou detentor) da prerrogativa de definir o que é verdade ou mentira usarem o “combate às fake news" para ajudar uns e atrapalhar outros.
E a elasticidade economia-votos de Bolsonaro? Será preciso olhar a relação entre quatro variáveis: 1) as condições objetivas, que costumam se expressar em números e não dependem de interpretação, 2) a percepção do eleitor sobre a própria situação, 3) a percepção do eleitor sobre a situação do país e 4) a percepção do eleitor sobre a conveniência de manter Bolsonaro no cargo para que a situação da economia, pessoal e geral, melhore.
A guerra da informação influi pouco ou quase nada nas duas primeiras variáveis, que estão melhorando, mas pesa bem nas duas últimas, que parecem meio paradas.
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