sábado, 27 de fevereiro de 2021

Curva de aprendizagem na Câmara. E como funcionam as coisas por aqui

E o novo comando da Câmara dos Deputados vai percorrendo sua curva de aprendizagem. Ela tem um formato de leves semelhanças com os trechos inicial e intermediário da curva epidemiológica, agora popularizada pela Covid-19. De início, a proficiência acelera-se, depois desacelera e em seguida caminha para a estabilização. No caso específico da política brasileira, a estabilidade pode resultar em situações de equilíbrio estagnado ou de produção consensual. Vamos esperar para ver que bicho dá.

Na eleição para a mesa da Câmara, os vitoriosos perceberam que têm votos ali para impor derrotas eleitorais internas às correntes hegemônicas da opinião pública – ou publicada (copiei do Roberto Campos). Já nas votações do caso Daniel Silveira, até o momento, pôde-se notar um Legislativo independente apenas até o limite em que ouse um avanço decisivo contra a influência do eixo hegemônico construído ao longo dos últimos quase oito anos. Desde as “jornadas de junho” de 2013, e consolidado com a Operação Lava-Jato e a captura da política pelo Judiciário.

Os deputados até tentaram uma manobra inteligente, na teoria. Aprovaram por larga margem a prisão de Silveira (PSL-RJ). Com a condição de, em seguida, avançar a regulamentação da imunidade parlamentar. Vamos ver como caminha na comissão especial, foi a válvula de escape encontrada quando faltaram votos em plenário (mesmo no virtual) para aprovar qualquer coisa com significado prático. Mas, na semana que termina, os deputados e deputadas não resistiram a 72 horas do noticiário negativo que introduziu um “p” em “imunidade”.

Ou seja, neste início de 2021, a política mostra ter energia suficiente para definir suas relações internas e criar alguns constrangimentos para os ainda musculosos adversários. Mas não anda tão forte assim para poder traçar seus próprios caminhos, também porque sempre surge algum tipo de divisão interna. Como agora, quando o PT, na vigília à espera do juízo da Segunda Turma sobre as condenações impostas a Luiz Inácio Lula da Silva, revela-se um repentino defensor do Supremo Tribunal Federal na arenga em torno da imunidade parlamentar.

Desse relativo equilíbrio na correlação de forças nasce um certo empate. Que se expressa, por exemplo, na dura resistência dos senadores a desvincular recursos orçamentários como compensação a estender o auxílio emergencial. 

Tem lógica. Por que o parlamento vai ficar contra o senso comum popular se na hora "h" os operadores da opinião pública acabam apoiando toda e qualquer violência contra o Legislativo? Não seria esperto.

Donde se conclui que as prometidas reformas administrativa e tributária, para não empacar, vão precisar atender a requisitos capazes de produzir consensos legislativos, que necessariamente implicarão lipoaspirações. Até onde as propostas originais vão se enfraquecer? É a pergunta no ar.

A discussão da reforma administrativa  talvez seja menos complicada, porque os efeitos práticos dela só serão sentidos muito lá na frente. E sua votação oferecerá a tradicional photo-op para deputados e senadores aparecerem nas imagens celebratórias. Já a tributária é um enrosco maior, pela vigência quase imediata. Então, ou parte-se para uma versão simplificada, e simplificadora, ou também se jogam os efeitos dela para um futuro distante. A primeira opção é a mais viável. Mas, como sempre, será prudente aguardar.

E tem aquele outro detalhe. Estamos em plena segunda onda feroz da Covid-19, que leva jeito de querer consumir boa parte do que resta do semestre. Quando se abrir a segunda metade do ano, acelerar-se-á o processo eleitoral para 2022, inclusive porque eventuais mudanças nas regras precisarão ser aprovadas até outubro. E os candidatos a candidato já estão aquecendo na pista. Roncando os motores e queimando a borracha no asfalto.

É como funcionam as coisas por aqui.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Um ano

O Brasil completa um ano do primeiro caso registrado aqui pelo SARS-CoV-2, e está em plena segunda onda de casos e óbitos da Covid-19. Com um fato a agravar o cenário: o stress sobre o sistema hospitalar parece mais grave que no ápice da primeira onda, registrado em meados do ano passado.

Ainda que o número de novos casos diários esteja na mesma ordem de grandeza do primeiro pico.

Talvez a ação do novo coronavírus tenha agora efeitos mais graves sobre a saúde das pessoas. Uma parte da explicação talvez sejam as novas variantes. Mas não há ainda comprovação de terem atingido tal escala de contágio na população.

Uma coisa porém é fato. O sistema hospitalar Brasil afora não estava preparado para um repique de casos graves. É provável que o arrefecimento da primeira onda tenha trazido alívio em excesso não apenas na sociedade, mas entre as autoridades responsáveis pelos serviços de saúde.

Afinal, estamos todos aprendendo a pilotar o avião em pleno voo.

A Gripe Espanhola teve três ondas e durou mais de dois anos antes de desaparecer no rastro da imunidade coletiva. Talvez devamos nos preparar para algo assim.


Trunfos e fragilidades da oposição

A prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) e a mudança no comando da Petrobras expuseram ao longo dos últimos dias possíveis caminhos e também dificuldades para a formação de uma frente ampla contra Jair Bolsonaro em 2022. A oposição a ele terá mais liga se o foco do debate estiver na dita “questão democrática”. E menos se enveredar pela condução da economia.

(Isso já se sabia. Mas é sempre bom quando os fatos comprovam as teorias.)

Claro que em condições normais de temperatura e pressão. Se, por exemplo, o freio econômico trazido pela Covid-19 estender-se durante, pelo menos, mais um ano e meio, aí o discurso usual da “mudança” encontrará forte eco mesmo se a pauta for a economia. Mas, vamos supor, apenas por hipótese, que ela exiba leve ascensão na segunda metade de 2022. Com alguma recuperação sustentada da atividade e do emprego.

Até porque o governo tem instrumentos para criar o microclima favorável. E a mudança na Petrobras mostrou que o presidente não vai hesitar se precisar acionar o joystick.

Sobre Daniel Silveira, quando a prisão do deputado fluminense foi a voto em plenário, viu-se não apenas a coesão da esquerda contra ele, mas inclusive a luta dos parlamentares dela para assumir a linha de frente no apoio à decisão do Supremo Tribunal Federal. O objetivo político imediato de enfraquecer o bolsonarismo sobrepôs-se a preocupações da esquerda com tornar-se ela própria, algum dia, eventualmente, vítima do cerceamento à imunidade parlamentar.

Funcionou a máxima de que não se faz omelete sem quebrar os ovos. E assistiu-se finalmente à formação da frente amplíssima. Mas poucas horas depois o Planalto já dava sinais de a pauta dele ser outra: impedir que a autonomia absoluta do comando da Petrobras acabe provocando uma greve de caminhoneiros em meio à pandemia, um fato político 100% capaz de reintroduzir na agenda a desestabilização do governo.

E isso poucas semanas depois de Jair Bolsonaro ter afastado a ameaça de impeachment, pois os candidatos dele venceram as eleições para as presidências no Congresso. Em especial na Câmara, onde o bicho começa a pegar nesses casos.

A decisão do acionista controlador de trocar o CEO da petroleira rachou a frente ampla de poucas horas antes. Do centro para a direita, viu-se uma condenação unânime do ato presidencial. Já na esquerda, notou-se simpatia por quem rechaça que lucros e distribuição de dividendos devam ser a única variável quando a diretoria da Petrobras toma decisões.

Há um setor da esquerda disposto a pagar (quase) qualquer preço para ver Bolsonaro pelas costas em 1º de janeiro de 2023. Mas não é ainda majoritário. Inclusive porque a sucessão presidencial é fundamental, mas 2022 também tem eleição para um monte de outros cargos. E tem cláusula de desempenho a atingir. E os candidatos, de deputado estadual a senador, precisam estar munidos de alguma narrativa própria, distintiva, dizer coisas atraentes ao eleitor no delicado tema do sustento.

E defender reajustes dos combustíveis toda hora e bem acima da inflação não é propriamente algo popular.

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Publicado na revista Veja de 03 de março de 2021, edição nº 2.727

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Sem gripe. E o mistério argentino

Um efeito pouco explicado da Covid-19 nos Estados Unidos é praticamente ter inexistido a temporada da gripe comum. O número de casos de gripe está em queda livre (leia). Motivos possíveis: 1) o distanciamento social e medidas como o uso de máscaras, 2) o potente SARS-CoV-2 ter eliminado a, digamos assim, concorrência na disputa pelo mercado viral e 3) mais gente se vacinou contra gripe.

Ou outro motivo qualquer.

A Covid-19 ainda nos reserva certamente muitas surpresas, e será papel da ciência chegar às necessárias conclusões. Sempre respeitando o rigor científico. E uma das regras dele é não escolher os achados que comprovam nossas teorias, nem afastar os que eventualmente possam colocar em risco nossas premissas. Por mais que a vida, com seus fatos sempre teimosos, conspire para derrubar nossas certezas absolutas.

Por falar nisso, hoje saiu a previsão do recuo do PIB da Argentina em 2020: -10%. Mais que o dobro do previsto para o Brasil. E o duro e extenso lockdown dos vizinhos não vem impedindo que estejam empatados conosco nas mortes por milhão de habitantes causadas por Covid-19. 

Não seria razoável concluir apressadamente, só a partir do caso argentino, que lockdowns não funcionam. Mas tampouco será aceitável fingir que nada de inusual está acontecendo ali.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Estamos no jogo

A cobertura da imprensa traz o ritmo da vacinação no Brasil (leia) e mundo afora (leia). Apesar dos pesares, especialmente apesar da barafunda política, não estamos tão para trás. Esta tabela (clique aqui) mostra bem. Com um pouco de sorte, e quando a fabricação por aqui estiver no ritmo, poderemos dizer que se acendeu a luz no fim do túnel. Enquanto isso, seguem as medidas restritivas (leia).

A boa notícia é que nos países onde a vacinação vai mais acelerada (EUA, Reino Unido, Israel) se nota um declínio consistente do número de novos casos (leia). O quanto isso se deve à vacina ou à transmissão viral propriamente dita, cabe aos cientistas dizer. Mas não deixa de ser um alívio notar a melhora nos lugares que vacinam suas populações de modo mais agressivo, ou eficiente.

Por falar em eficiência, ou ineficiência, quem não vai bem no quesito é a Europa (leia). Em parte porque os laboratórios não estão entregando os imunizantes no ritmo prometido. Em parte por causa da desconfiança de segmentos em relação às vacinas. Este último problema, causado por desinformação e comunicação precária.

Não chega a ser um alívio completo, mas, olhando os números frios, estamos no jogo.


terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Dia de recuperação

Hoje as ações da Petrobras recuperaram num dia algo em torno da metade do que haviam perdido ontem. Uma explicação é o papel ter ficado barato. Outra, complementar, é talvez o bicho não ser tão feio quanto pintaram na véspera.

Será prudente acompanhar os próximos movimentos. Se a variação de preços for apenas suavizada, sem ônus excessivos à companhia, e se o resultado para os acionistas for devidamente cuidado, é razoável esperar recuperação das ações, ainda que deva levar um tempinho.

Com o passar dos dias, e a partir da normalização do cenário na Petrobras, é provável que o foco da disputa política se desloque para o Congresso, onde já aparece um fruto apetitoso a ser colhido pela equipe econômica: a desvinculação dos gastos orçamentários.

Ela é o troféu que o comando do Legislativo e o Planalto oferecem para mostrar a sobrevivência da agenda liberal. A trepidação na Petrobras teve efeito centrífugo na elite empresarial. É esperado que o governo agora vitamine as forças centrípetas.

Do episódio, uma leitura vai sedimentando: o recado de Bolsonaro é “toquem a agenda, mas não coloquem em risco meu mandato agora e minhas possibilidades de reeleição daqui a pouco menos de dois anos”.

Nota-se certa decepção com esse limite colocado aos movimentos do ministro da Economia. Mas seria irrealista esperar algo diferente. Em todo governo, como em toda instituição, qualquer subordinado precisa negociar com o chefe as questões mais delicadas.

E quando num governo, qualquer governo, você começar a ouvir falar em “superministro”, saiba que ele está a caminho de ser enquadrado ou de cair. Os mais inteligentes costumam encaixar-se na primeira opção.

Vamos além disso acompanhar as possíveis outras mudanças nos escalões superiores da República. Que certamente estarão voltadas para fortalecer o projeto presidencial para 2022. E ver como, e se, o Congresso entrega o desengessamento orçamentário.

E qual vai ser afinal o volume de gastos com o novo auxílio emergencial.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Covax em xeque

A Organização Mundial da Saúde informou que precisa de recursos para o Covax, o mecanismo internacional de compra e distribuição de vacinas contra a Covid-19 pelo planeta. Mas a OMS diz que enfrenta um problema adicional: por mais que haja, ou venha a existir, dinheiro, ele não resolverá os problemas se não houver vacinas para adquirir (leia).

O principal obstáculo, diz a OMS, é que países desenvolvidos estão comprando de modo muito agressivo, o que complica não apenas os acordos ainda por fechar entre a Covax e os laboratórios mas inclusive os já fechados. Como em geral acontece quando vêm as grandes crises, quem tem a força acaba impondo sua vontade por cima de qualquer mecanismo multilateral.

Se o diferencial entre os países ricos e os demais na vacinação continuar se ampliando, haverá ainda outro efeito colateral daninho: para se proteger das populações vindas de países com menor vacinação, os demais certamente vão endurecer as restrições ao ingresso de pessoas destes lugares. O que, além do custo humanitário imediato, será um freio para a recuperação econômica global.

Cabo de guerra

O mercado reagiu como esperado, e como previsto, ao anúncio da troca no comando da Petrobras. A queda nas ações da companhia estendeu-se a outras estatais e impactou o desempenho do mercado de capitais.

Um temor do mercado é quanto as pressões do governo para a suavização dos reajustes dos preços dos combustíveis vão refletir nos resultados da empresa, e portanto também nos dividendos distribuídos aos acionistas. Outra dúvida é sobre a continuidade dos planos de desinvestimento, especialmente das refinarias.

Aparentemente, ao precisar decidir entre um cabo de guerra com o mercado e o risco de uma greve de caminhoneiros em plena pandemia, o presidente da República preferiu a primeira alternativa. Agora que conseguiu estabilizar a relação com o Congresso, especialmente com a Câmara, Jair Bolsonaro parece querer fugir do risco da queda abrupta de apoio social.

Recorde-se, por exemplo, o mergulho de popularidade de Dilma Rousseff causado pelas manifestações de junho de 2013, e que foram apenas isso, manifestações. Qual seria o efeito, para o apoio ao presidente na população, de um colapso do abastecimento em plena pandemia e com a economia projetando recuo neste primeiro trimestre?

Hoje, a pesquisa CNT/MDA mostra ótimo+bom presidencial algo estável na ordem de grandeza de um terço do eleitorado (leia). Sem base orgânica de apoio no Legislativo, Jair Bolsonaro certamente não deseja sofrer uma corrosão de popularidade como a de Dilma na largada do segundo mandato. Seria a senha para uma crise política grave.

Michel Temer também viu o apoio popular mergulhar num certo momento, mas ao contrário de Dilma e de Bolsonaro mantinha base congressual sólida . Sem isso, um presidente impopular ou vira pato manco, como dizem os norte-americanos, ou cai.

Mas não convém tampouco apostar numa radicalização sem limites. Mais provável é o novo presidente da Petrobras procurar um caminho de conciliação, intermediário, entre os objetivos dos acionistas minoritários e os do majoritário. Resta acompanhar como será essa operação.

sábado, 20 de fevereiro de 2021

Como anda a luta pelo poder

Os dois principais acontecimentos políticos ao longo da semana ajudaram a sedimentar a configuração de poder em Brasília a esta altura do agitado mandato presidencial. O desenho passa, naturalmente, pelo presidente da República; pela relação cada vez mais estreita dele com os oficiais-generais da reserva que as crises vão aspirando para a máquina; e pelo domínio que hoje se pode chamar de absoluto dos partidos do dito centrão sobre o Congresso Nacional, especialmente sobre a Câmara.

O episódio do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) vem sendo exemplar. O parlamentar entrou numa briga que não era dele, com o objetivo de catapultar musculatura política. Deu tudo errado. Acabou oferecendo ao antes acossado Supremo Tribunal Federal a oportunidade de um contra-ataque no ponto mais vulnerável do front adversário, o Legislativo. Mas isso abriu para o presidente da Câmara uma via rápida de cristalização da autoridade sobre os pares. 

E atraiu para ele a simpatia de um setor da opinião pública que o via com um pé atrás. Ou, pelo menos, tirou-o momentaneamente da linha de tiro.

O segundo fato, a mudança no comando da Petrobras, ainda em curso, traz ao presidente da República a brecha para, finalmente, colocar uma cunha na, lá atrás, toda poderosa equipe econômica. Erros têm consequências, e a insensibilidade da petroleira diante da possibilidade de sua política de preços provocar uma greve nacional de caminhoneiros acabou custando a cabeça do presidente da estatal. Trocado convenientemente por um general, ex-ministro da Defesa e atual presidente de Itaipu.

Uma greve de caminhoneiros em meio às seriíssimas dificuldades provocadas pela pandemia teria forte potencial de desestabilização. É natural que os adversários desejem e estimulem. E é esperado que o Planalto procure evitar.

Vida que segue. Se tudo se passar como habitual no Brasil, haverá ainda alguma turbulência nos dois casos, mas rapidamente o mundo político-jornalístico retornará para o infindável debate sobre as vacinas da Covid-19 e sobre o novo auxílio emergencial, com que nome for. E o Congresso, agora mais arrumado politicamente, não deixará fechar a janela das reformas. Que precisarão ser negociadas, claro, mas cuja esperança de aprovação é o respirador a manter acesas duas luzes: a tranquilidade do Legislativo e o protagonismo do ministro da Economia.

Tudo pode desandar, dar errado para o Planalto? Sempre pode, mas a impressão de momento é as melancias continuarem se ajeitando na carroceria do caminhão conforme os solavancos da estrada. Um problema é o encolhimento da popularidade presidencial, causado pela atitude diante da pandemia e pela parada nas medidas de apoio emergencial. Mas em alguns meses estão previstas vacinas abundantes, da Fiocruz e do Butantan. E o Congresso vai acabar dando um jeito no socorro econômico. 

E quedas de popularidade, algo sempre arriscado no Brasil, podem ser mais confortavelmente administradas quando há aliados comandando as casas congressuais.

Para o projeto de Bolsonaro, o prestígio dele só precisa estar tinindo daqui a um ano e meio. O risco da popularidade baixa no meio do mandato é atiçar os apetites pelo impeachment. Isso está, no momento, muito distante depois das eleições no Legislativo.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Vem aí a polêmica do "passaporte imunológico"

Israel é uma espécie de laboratório global dos efeitos da vacinação em massa, pela acelerada velocidade com que vem aplicando o imunizante na população nacional. E um experimento ali certamente despertará polêmica: a instituição de "passaporte imunológico" para os vacinados (leia).

Que naturalmente desfrutarão de privilégios sobre os não-vacinados. Acesso a diversos serviços e direito de circular por certas áreas e frequentar certos estabelecimentos, como bares e restaurantes. E a coisa pretende ser toda controlada por meios digitais, por um app a ser baixado no smartphone.

Claro que é país pequeno, com população inferior à da cidade de São Paulo. Mas é provável replicarem o método por aí. E vão surgir as inevitáveis dúvidas éticas. Uma delas decorrente da notória desigualdade nos ritmos de vacinação entre o mundo desenvolvido e o resto.

E não só. A ordem da vacinação dentro de cada país não é definita aleatoriamente. E portanto será inevitável criar grupos privilegiados no direito de ir e vir, e de frequentar locais de diversão e lazer. Como cada sociedade vai lidar com isso?

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Austrália enfrenta as big techs

Facebook e Google decidiram adotar respostas diferentes para a iniciativa legislativa da Austrália que determinou às big techs compartilhar com produtores de conteúdo noticioso a receita obtida em publicidade e outras modalidades de remuneração nesses materiais (leia).

O Google topou adaptar-se, mas o FB não. E inclusive retirou do ar páginas de veículos de comunicação australianos. Uma briga boa, e ela vai se espalhar planeta afora. Pois a equação de uns terem os custos com a produção mas outros faturarem com a exposição não fecha.

E as disputas pelo mundo envolvendo as big techs não ficarão restritas ao faturamento.  Essa polêmica se acoplará àquela outra, sobre liberdade de expressão, já quente desde quando Donald Trump foi literalmente limado das redes sociais depois de apoiadores dele invadirem o Capitólio em 6 de janeiro.

Hoje, as big techs abocanham a parte do leão do mercado publicitário sem precisar produzir nada de material noticioso, e além disso decidem por conta própria quem pode e quem não pode frequentar o espaço público praticamente monopolizado por elas.

Está na cara que não continuará sendo assim indefinidamente.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Ultraconcentração de vacinas

Segundo a Organização das Nações Unidas, dez países concentram 75% das vacinas já aplicadas até agora contra a Covid-19. E 130 países ainda não aplicaram vacina nenhuma (leia). Os números foram trazidos por Antônio Guterres, secretário-geral do órgão, e expostos em reunião do Conselho de Segurança.

Ele apelou ainda ao G20, que reúne as principais economias do planeta, para enfrentar essa ultraconcentração. Que apenas ajuda a reforçar uma conclusão óbvia: a dita globalização subordina-se às lógicas nacionais. Segundo as quais, quem pode mais chora menos.

Além disso, tem outra complicação. Os países desenvolvidos vacinarem-se em massa mas deixarem o resto do mundo para trás só vai funcionar bem para eles se fecharem a fronteira a quem vem das nações dos "sem vacina". Ou, pelo menos, se dificultarem a circulação. 

Mas mesmo isso não vai ser garantia de nada. Se o SARS-CoV-2 tiver livre trânsito no mundo em desenvolvimento, como bem advertiu Guterres, isso facilitará o surgimento de novas cepas, eventualmente resistentes às vacinas conhecidas.

Dúvidas existenciais

Desde o início da pandemia, são poucas as ocasiões em que outro assunto ganha protagonismo. Hoje é um desses dias, com o contencioso entre o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) e o Supremo Tribunal Federal. Não se sabe ainda qual será o destino político do parlamentar, mas ele já colocou a Câmara numa sinuca.

Se revogam a prisão em flagrante, os deputados arriscam-se a aquecer os ânimos no STF contra os representantes do povo, muitos dos quais têm pendências na Corte. Se não revogam, endossam a criação de uma jurisprudência que pode atingir qualquer um deles mais à frente.

A situação é complexa especialmente para o PT. Suprimir um adversário político é sempre tentador, e já se nota o açodamento nas hostes petistas. De quebra, o partido faz um gesto para ministros a quem não tem dedicado palavras particularmente amistosas nos últimos anos.

Mas e se o STF sai, como se diz, empoderado desta pendenga? E se lá na frente mantém as condenações de Curitiba e do TRF-4 contra Luiz Inácio Lula da Silva? O PT vai aceitar e dizer que "decisão do STF não se discute, cumpre-se"? Ou vai espernear?

E qual será o limite aceitável do jus sperniandi?

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Covid Longa

Uma coalizão de hospitais realiza estudo sobre efeitos de longo prazo em quem foi infectado pelo SARS-CoV-2. Tenha tido a forma grave da Covid-19 ou mesmo as formas leves. O leitor saberá mais detalhes aqui (leia). É uma das múltiplas frentes de investigação mundo afora.

Se estamos no começo da vacinação (veja aqui o andamento dela pelo Brasil), mais incipiente ainda vai o conhecimento sobre a doença. A segunda onda global, por exemplo, foi em boa medida uma surpresa. Uma explicação é ela ter sido provocada pelo relaxamento após a primeira onda.

Mas essa é apenas uma tentativa de explicação. Na Gripe Espanhola, de cem anos atrás, uma hipótese bem aceita é a segunda onda (a mais mortal das três) ter sido provocada por mutação do vírus para uma forma bem mais agressiva (leia). Será igual aqui?

Como vai ser o desenrolar da Covid-19 diante do surgimento de novas cepas, mais infecciosas e mais letais? Enquanto se quebra a cabeça para responder, a humanidade corre atrás das vacinas. E torce para o espectro delas ser amplo o suficiente, pois o vírus não está "parado".




segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

É cada um por si. Mesmo

E o estado de São Paulo já registra seus casos da "cepa brasileira", a nossa variante do SARS-CoV-2 (leia). Uma boa quantidade está no município de Araraquara, que entrou em lockdown (leia). Era esperado. O vírus é paciente. Ou o rastreamento e o isolamento são radicais, como tem sido no Oriente, especialmente na China, ou uma hora o vírus dá um jeito de replicar.

E agora? Na hipótese otimista, as vacinas já desenvolvidas vão dar conta também das novas cepas. Aí talvez os imunizantes criados a partir do vírus inteiro levem vantagem. Por exemplo a CoronaVac do consórcio Sinovac-Butantã. Vamos torcer para isso. Seria uma beleza, até por termos a caminho uma fábrica aqui.

Essa é a variável-chave. Países que fabricam o imunizante estão mais confortáveis no processo de vacinação de suas populações. Os que não, estes dependem da boa vontade alheia. E apesar de três décadas de conversa sobre a globalização irrefreável e a obsolescência dos estados nacionais, na hora do aperto está cada governo cuidando em primeiro lugar de quem o elege, ou derruba (leia).


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

A frente ampla e a margem de manobra de Bolsonaro

As pesquisas convergem para duas constatações sobre 2022. O presidente Jair Bolsonaro permanece competitivo e tem uma reserva para ir ao segundo turno. Claro que nas condições normais, e atuais, de temperatura e pressão. Por outro lado, todos os levantamentos indicam um segundo turno duríssimo para ele. As margens hoje sobre os desafiantes são estreitas, além do que seria saudável para um incumbent, como dizem os americanos.

O estilo e a linha do presidente, sabe-se, têm dois efeitos. Garantem a fidelidade de um núcleo duro, mas também estimulam a aproximação entre os potenciais adversários. Este segundo movimento hoje acontece numa velocidade compatível com a era digital. A dúvida? Qual será a capacidade de o desafiante escolhido no primeiro turno agrupar o antibolsonarismo no segundo.

Trata-se do repisado tema da “frente ampla”. O benchmark mais abrangente é a coalizão formada na transição para a Nova República em 1985. O caso histórico bem conhecido do deslocamento para o oposicionismo de personagens que haviam apoiado a deposição de João Goulart em 1964. Na estocada final, um pedaço inteiro do governista PDS (antes Arena) juntou-se ao PMDB (antes MDB) com a marca de Frente Liberal. Depois viraria partido (PFL, hoje Democratas).

Mas ali foi a culminância de uma caminhada de duas décadas, na qual a esquerda e os progressivamente convertidos foram se aproximando ao longo de sucessivas eleições e movimentos político-sociais antirregime. Dois (quatro?) anos não são vinte. Ainda que, como foi dito, a velocidade seja bem maior no mundo da internet. E tem outro aspecto, ainda mais significativo. Ali havia um acordo: todos os grupos oposicionistas aceitavam-se na frente.

Mesmo Luiz Inácio Lula da Silva, que depois no PT construiria um caminho próprio, apoiou Fernando Henrique Cardoso (MDB) para o Senado em 1978.

Sobre aquela época, pode-se argumentar que a aceitação mútua era facilitada por um detalhe: a hegemonia ali estava pré-estabelecida, havia um único partido permitido de oposição e era completamente controlado pelo que hoje se chama de “centro”. Ainda que persistisse no MDB uma disputa entre “autênticos” e “moderados”. Estes últimos dispostos a uma eventual negociação com o regime em torno da transição.

Tem mais. Do emedebismo raiz à esquerda, todos estavam excluídos do poder. E aí certa hora juntaram-se para fazer a passagem. É possível argumentar que o PT não votou em Tancredo Neves. Verdade. Mas talvez tenha sido também porque a vitória do mineiro era garantida. Nunca saberemos - e esta afirmação leva a vantagem de não poder ser derrubada pelos fatos -, mas é possível que se os votos do PT fossem decisivos contra Paulo Maluf a posição do partido teria sido outra.

Mais um detalhe. Havia na oposição razoável consenso sobre a necessidade de uma política econômica à época rotulada de heterodoxa. Foi a era de ouro dos economistas nacionalistas, defensores do papel do Estado. Depois deu errado. José Sarney atravessou sucessivas borrascas econômicas, editou sucessivos planos econômicos, que fracassaram todos, e quase caiu. Até cruzar a linha de chegada com a língua de fora. Mas isso foi depois.

Hoje 1) uma gorda parte da possível frente ampla está aninhada no Estado, 2) não há acordo básico sobre, por exemplo, os de fora do segundo turno apoiarem quem for à decisão e 3) o neo-oposicionismo apoia resolutamente a condução da economia pela dupla Bolsonaro-Paulo Guedes.

São obstáculos intransponíveis para a formação da frente? Não. Mas indicam que, mesmo com todas as dificuldades, o governo mantém margem de manobra. Resta saber como, e se, vai usar.

PIB-2020

E o ensaio para a medida final da retração do nosso Produto Interno Bruto em 2020 está em -4,05%, diz o Banco Central (leia). Deve ficar por aí mesmo. Ruim, porque recessão é sempre uma desgraça, mas vai representar metade do que previram os analistas em certo momento.

A situação mundo afora, especialmente em alguns países desenvolvidos, está bem mais aguda (leia). Mas não chega a ser consolo para nós, especialmente porque vínhamos de anos complicados, com recessão feroz (2015-16) ou quase estagnação (2017-19)

Em resumo, o 2020 da Covid-19 veio coroar mais uma "década perdida". Com pequenos lapsos de exceção, é o cenário desde o processo redemocratizador dos anos 1980. Aliás, aquela transição foi catalisada pela tristeza com a inflação e a recessão. Deu-se um jeito na primeira, mas não na segunda.

E veio o cansaço com a Nova República, nascida ali. E vieram os surtos recentes de disrupção, que atingiram o ápice em 2018. A curiosidade? No que vão dar, desta vez, o cansaço e a frustração com a perenização da mediocridade econômica, na hipótese de isso se confirmar?

Governos têm de funcionar

Passada a eleição municipal e empossados os escolhidos, começa a corrida pela vaga de Jair Bolsonaro. Competição da qual participa o próprio, muito disposto a suceder a ele mesmo. As municipais são nossas “midterm”. Nos Estados Unidos, elas elegem todos os deputados, uma parte dos senadores e dos governadores. Aqui, todos os prefeitos e vereadores. O ponto médio do período de quatro anos é a largada para a eleição seguinte.

O universo da política gira sempre em torno de eleições. Daí haver certa ingenuidade (ou malandragem) quando se diz ao governante, nos diversos níveis, “desça do palanque e governe”. Mais honesto seria admitir: quem desce do palanque está arriscado a enfraquecer-se. Pior. Dada a quase impossibilidade, aqui, de o eleito trazer com ele da eleição a maioria parlamentar, se descer do palanque, aumenta o risco de ser derrubado.

Quem desce do palanque não governa, ou enfrenta imensas dificuldades, inclusive porque a periodicidade e a assiduidade das eleições exigem o reabastecimento permanente e atento da expectativa de poder, o que pede ao político alimentar uma projeção de futuro. Isso é mais fácil para quem está na oposição. Pois a pergunta “se está dizendo que vai fazer, por que não fez ainda?” vive exposta na prateleira do supermercado mercadológico eleitoral.

É sempre possível, claro, dizer que não fez ainda porque não deu tempo, porque pegou a situação com muitos problemas e precisa de mais quatro anos para completar a obra. Esse discurso colar depende de algumas coisas, duas delas muito importantes: a vida dos eleitores estar algo confortável e haver operadores eficientes empenhados na construção da narrativa “as alternativas não são boas, com elas a coisa poderia estar muito pior”.

Mas, regra geral, quem carrega a tocha da esperança é a oposição, então o governo precisa estar sempre mostrando serviço e com uma defesa bem articulada. Para fazer do presente a ponte da esperança de um futuro mais bonito. No caso de agora, Bolsonaro precisa, em 2021, mostrar serviço nas suas duas frentes principais: a vacinação e o suporte econômico aos mais vulneráveis na pandemia. Sem isso, será alvo fácil em 2022.

Todos dizem que é provável termos vacinas em grande quantidade a partir ainda deste semestre, e que isso é certo para o próximo. Se acontecer, colaborará para “retomar a retomada” econômica (até o governo já prevê retração neste começo de ano). O que pode fazer o povo chegar à eleição com um certo alívio. Se a turma estiver vacinada e a economia crescendo, o candidato a continuar terá credibilidade para falar de um futuro melhor.

Também por isso a vitória de Arthur Lira (PP-AL) foi tão estratégica. Permite a Bolsonaro atravessar estes meses mais delicados sem estar ameaçado pela guilhotina do impeachment. Se desse Baleia Rossi (MDB-SP), apesar de todas as declarações apaziguadoras, já se estaria armando o cadafalso habitual no Brasil. Mas, vamos repetir, o governo precisa funcionar. Nada, ou quase nada (na política o “quase” é importante), pode substituir isso.

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Publicado na revista Veja de 17 de fevereiro de 2021, edição nº 2.725

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Um palpite sobre o teto

Parecem convergir as preocupações dos políticos e das autoridades econômicas. O presidente da Câmara dos Deputados pede que o governo encontre rapidamente um caminho para retomar alguma modalidade de auxílio emergencial, mesmo com outro nome (leia). Natural.

Mas o presidente do Banco Central foi quem trouxe a novidade. Segundo ele, a queda da atividade decorrente do fim do auxílio emergencial está além do esperado (leia). Engenharia de obra feita é relativamente confortável, dirão, mas não era tão difícil assim imaginar que aconteceria.

Inexiste terceira opção. Ou a economia volta a operar num bom ritmo, e isso implica abrir mão de lockdowns mais amplos, ou se encontra espaço fiscal para apoiar os mais vulneráveis, e não só eles. Tem as empresas, os estados, os municípios...

E o teto de gastos, norma constitucional que deveria valer por vinte anos? Já não valeu em 2020, por causa da pandemia. Tampouco vai, pelo jeito, valer este ano. A explicação será a mesma. E o mundo político está em busca de uma solução permanente para situações de calamidade.

Querem um palpite? A próxima exceção serão os investimentos. Só esperar.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

As fichas vão caindo

E o governo federal vai continuar ajudando as prefeituras em 2021, o segundo ano da pandemia da Covid-19. Foi o que disse hoje o presidente da República (leia). Tem lógica. A doença leva todo o jeito de querer atravessar o ano. A vacina certamente vai ajudar a mitigar, mas é bom ir se habituando à convivência com o vírus até pelo menos 2022.

Outra ficha que já caiu foi a da necessidade de prorrogar o auxílio emergencial, tanto faz se com outro nome, e ainda que falte decidir o valor exato. Os fatos são teimosos. O comércio teve em dezembro a maior retração em duas décadas, mesmo que no acumulado do ano tenha mostrado um pequeno avanço sobre 2019 (leia). Mas o dezembro ruim é prenúncio de números complicados neste começo de 2021.

E chegamos às duas conclusões inescapáveis. A Covid-19 não irá embora tão cedo e o poder público precisará endividar-se para ajudar as pessoas, as famílias e as empresas. E tem uma terceira. Começa a balançar o teto de gastos, previsto para um período de normalidade (ainda que prever 20 anos de normalidade no Brasil tenha sido ousado) e agora confrontado com a vida real.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

A OMS em Huanan

A delegação da Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou à conclusão de não haver elementos factuais para afirmar que o epicentro da Covid-19 tenha sido o mercado de Huanan onde se descobriu o primeiro grupo conhecido de infecções em Wuhan, China (leia).

Tampouco é razoável, diz a OMS, asseverar que o SARS-CoV-2 tenha sido produzido em laboratório e vazado, ou escapado. Logo, a ciência segue em busca da certeza sobre como afinal o novo coronavírus transitou dos animais para a espécie humana.

Cada um é livre para acreditar no que bem entender, mas vai ficando claro que a origem da Covid-19 continua um razoável mistério. Até porque já existem faz tempo evidências de o vírus ter estado em circulação antes mesmo de ser oficialmente detectado na China pouco mais de um ano atrás.

Assim, vão perdendo força as explicações mais baseadas nas convicções e conveniências ideológicas e geopolíticas do que na ciência. Elas não ajudaram a salvar a reeleição de Donald Trump, apesar de todo o esforço dele. Sobreviverão, claro, nas franjas do debate político. E só.


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

O dia da Covid

O governo estuda formas de estender o auxílio emergencial, outras contrapartidas e, principalmente, outros valores (leia). Não tem mesmo muita saída. Várias previsões projetam alguma retração da economia neste primeiro trimestre (leia). E até que pelo menos uns 60% da população estejam imunizados a recuperação econômica robusta é pouco provável.

A boa notícia de hoje nesse sentido veio da Pfizer. Segundo a big pharma, a vacina dela neutraliza recentes variações do SARS-CoV-2 (leia). Por enquanto em laboratório, mas de qualquer jeito é um começo. Espera-se que as demais vacinas, especialmente no nosso caso as mais acessíveis aos países em desenvolvimento, consigam o mesmo efeito.

Enquanto isso, pouco a pouco, os estudantes vão voltando às aulas Brasil afora, espremidos em pinça pela política, ou politicagem, e pelo sindicalismo. Neste recomeço, a frequência ainda não está a mil (leia), mas tem sido só questão de tempo. Afinal, é cada vez mais complicado explicar por que as escolas deveriam ser o último universo a reabrir as portas, e não o contrário.


sábado, 6 de fevereiro de 2021

Instabilidade ou estabilidade?

Vitoriosas as candidaturas apoiadas pelo Planalto na eleição das mesas do Congresso Nacional, abriu-se o debate sobre a solidez da aliança entre Jair Bolsonaro e o assim chamado centrão. O discurso corrente é o pacto tender à fragilidade, pela contradição entre o programa liberal e austero, capitaneado pelo ministro da Economia, e uma dita tendência gastadora e estatista da coalizão parlamentar vencedora em 1º de fevereiro.

Ou seja, o vetor dominante seria de instabilidade.

Antes de entrar nessa discussão, vale notar que a “frente ampla” antibolsonarista mostrou bem mais vigor nas páginas da cobertura política pré-eleitoral do que na urna eletrônica propriamente dita. Arthur Lira (PP-AL) teve cerca de quinze a vinte votos além do que lhe davam as medições mais calibradas, mas Baleia Rossi (MDB-SP) recolheu no mínimo uns cinquenta a menos. Que provavelmente vazaram na maior parte para candidatos sem chance.

Ao final, a esmagadora maioria dos votos de Rossi vieram dos partidos “de oposição mesmo”, da esquerda e da rotulada centro-esquerda. A direita e a assim chamada centro-direita ficaram com Lira. A ideia de uma coligação tática entre, vamos simplificar, a esquerda e setores antibolsonaristas da direita não passou nem da fase de grupos neste primeiro teste. E aí irrompeu, como habitual, a explicação mais fácil: as verbas e os cargos.

E disso nasceu a suposição de que a união entre o presidente da República e a maioria reunida em torno de Lira e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) [o Senado não tem tanta utilidade assim para a análise, pois ali até o PT apoiou o vencedor] é frágil, baseada apenas na troca de favores. O futuro dirá, mas essa visão corre o risco de estar mais influenciada pela insatisfação com o desfecho da refrega do que pelos fatos à disposição do analista.

Por falar neles, os fatos, um é que a Câmara tem hoje, como vem tendo tradicionalmente, pelo menos dois terços de deputados eleitos do ponto médio para a direita, sobrando um terço para o outro campo. Como alguns segmentos da direita apoiavam os governos petistas em troca de espaço na Esplanada e poder sobre recursos orçamentários, floresce a teoria de que seriam parlamentares, digamos, sem lado, sem cor ideológica.

Será? Um problema sério da candidatura Baleia Rossi foi deputados do MDB, DEM e PSDB precisarem administrar nas suas bases estar aliados ao PT e à esquerda. Isso ajudou a induzir à ruptura do Democratas e quase levou à ruptura do PSDB. Aliás, basta relembrar qual tinha sido o clima nos municípios em que emedebistas, tucanos e demistas tiveram de enfrentar adversários da esquerda no ainda recente novembro de 2020.

Notou-se também na segunda feira, abertos os resultados, que se a oposição de verdade tivesse lançado um candidato do seu bloco possivelmente teria ficado em segundo lugar. E se houvesse segundo turno teria perdido nele para Lira. Aliás, o apoio da esquerda a Rossi foi explicado também pela impossibilidade de o chamado centro votar na esquerda. No fim, ele votou mesmo foi de cara no candidato do governo. Um banho de realidade.

A força centrípeta exibida pelo bolsonarismo na eleição das mesas deveria produzir alguma cautela nas previsões de instabilidade na relação com o Congresso. Se a popularidade de Bolsonaro não descer pelo ralo, a tendência é o presidente ir ao segundo turno em 2022 (na hipótese de haver dois turnos). Isso dá a ele uma expectativa de poder que serve de ímã. E não haveria dificuldade maior de a massa parlamentar acoplar-se a Bolsonaro na eleição.

O que poderia instabilizar essa fórmula? O surgimento, do outro lado, de uma força eleitoral capaz de expressar possibilidade real de poder. A correlação de forças está à espera desse adversário. É como a política funciona.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Um em cada cinco

Exames laboratoriais em uma amostra populacional concluíram que quase um terço da cidade de São Paulo carrega anticorpos contra o SARS-CoV-2 (leia). Ou seja, já teve contato com o novo coronavírus. Acontece que o número de casos comprovados da Covid-19 na capital paulista é algo como 20% disso.

Portanto, a crer no levantamento, a testagem só captura um em cada cinco infectados. E é razoável supor que a esmagadora maioria dos que continuam incógnitos sejam assintomáticos. Um lado da moeda é que talvez se esteja testando pouco. O outro é que talvez nunca se venha a testar o suficiente.

E além dos que carregam anticorpos, dizem os cientistas, mais gente pode estar protegida, por mecanismos de defesa celular (leia). Bem, os dados do estudo e outros devem sempre ser relacionados às taxas de curvas e mortes (leia) para tentar entender sua real dimensão.

De todo jeito, e sendo otimista (e é sempre útil ter um pouco de otimismo), se a taxa de infectados Brasil afora não estiver tão longe assim dos números de São Paulo (capital), e se a vacinação ao longo dos próximos meses caminhar bem, talvez possamos certa hora falar em luz no fim do túnel.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

A OMS na China

A missão da Organização Mundial da Saúde que está na China analisando a origem do SARS-CoV-2 informa não haver, por enquanto, sinais de que a coisa tenha sido fabricada e vazada deliberadamente. Vamos aguardar os resultados finais da expedição (leia).

O debate em torno da Covid-19 politizou-se a tal grau (era inevitável) que a discussão está em grande medida esvaziada de racionalidade. Se a OMS mantiver ao final essa conclusão, certamente alguns vão dizer que tudo faz parte de uma grande conspirata.

Paciência. Mas a irracionalidade tem um custo.

A falta de racionalidade, de ceticismo e de curiosidade diante de achados inesperados drena a possibilidade de diagnósticos mais realistas, e mais rapidamente. O que vai dificultar atingir com mais agilidade um estágio de conhecimento superior sobre a pandemia.

A politização da ciência impõe a ela a lógica da política. A narrativa importa mais que os fatos, e quando estes contrariam aquela trata-se de ignorá-los. Mais ou menos como seria se num teste de vacina os cientistas omitissem que ela talvez não tenha funcionado tão bem em certos casos.

Seria uma fraude, não é?

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

O que muda e o que fica igual

Finalmente elegeram-se por completo as mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Comandam ambas aliados do presidente da República. Se não aliados históricos, ao menos personagens que chegaram lá também pela força do governo.

O que muda em relação à situação anterior? Pela primeira vez em seis anos, haverá uma sincronia maior entre o Executivo e o Legislativo. E o risco de impeachment caiu verticalmente. Essa eventualidade depende agora de um desarranjo político ainda fora do radar.

Ou de surgir o assim sempre chamado (e por alguns esperado) fato novo. Que na política brasileira nunca é conveniente descartar. Mas ainda não está no horizonte. Uma possível fonte é o Judiciário, ainda que a Operação Lava Jato esteja no ocaso.

Ou seja, tudo indica que a pauta legislativa vai andar. Os juízes não vão mais travar o jogo. Mas o desafio maior continua do mesmo tamanho. O governo precisará reunir os votos. Foi competente para fazer isso na eleição das mesas. Vai ter a mesma competência para aprovar suas propostas?

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Olimpíada em 2021?

A Olimpíada que era para ter acontecido ano passado vai ser feita este ano, independentemente da evolução da pandemia. Quem diz são os organizadores no Japão. A questão, informam, não é "se", mas "como". Faz sentido. Alguém pode garantir quando finalmente o mundo estará livre da Covid-19? 

Se a resposta é "não", trata-se de encontrar as formas de organizar a vida social para minimizar os riscos da pandemia e ao mesmo tempo permitir algum grau de volta à normalidade. Vamos confiar que os japoneses encontrarão um meio de fazer sua Olimpíada segura. Confiar e torcer.

A favor do otimismo, registre-se que o desempenho de certas nações asiáticas no enfrentamento da Covid-19 está bem acima da média mundial. As razões ainda precisam ser explicadas, mas números são números. E certamente um dos fatores é a maior disciplina social, e independe até do regime político.

Testar, detectar, rastrear, isolar, acompanhar, liberar na hora certa, tudo em grande escala, são procedimentos que para serem eficazes exigem mesmo disciplina. Não apenas do Estado, mas de quem precisa obedecer as regras para que a coletividade esteja mais protegida.

Já em outros lugares, oscila-se entre o paroxismo do lockdown "até a vitória final" e relaxamentos que mais parecem o estouro da boiada. E os números são autoexplicativos para dizer quem está certo e quem está errado na metodologia.

Vento a favor do governo

O governo e o presidente Jair Bolsonaro conseguiram na tarde e na noite de ontem duas vitórias decisivas: ver eleitos para a presidência das casas do Congresso dois aliados. Haverá naturalmente a necessidade de negociações políticas em torno da pauta legislativa, mas essa é uma realidade posta permanentemente.

Serão negociações duras, porém com uma diferença em relação ao quadro anterior, principalmente na Câmara. Serão negociações feitas com aliados.

A chamada centro-direita votou em Jair Bolsonaro no segundo turno em 2018 para derrotar o PT, mas previsivelmente foi se afastando do presidente ao longo dos dois primeiros anos do mandato. Em parte por diferenças na condução das políticas governamentais, e na maior parte pelo desejo de buscar alternativa própria em 2022.

Não à toa, a oposição mais vitriólica a Bolsonaro passou a ser a da direita, ou centro-direita, tradicional. E que para a eleição de ontem apostou tudo no candidato apoiado pelo agora ex-presidente da Câmara dos Deputados. Apenas para ver o grosso das suas bases capturadas pela agressiva articulação política do Palácio do Planalto.

A aliança da direita não bolsonarista com a esquerda na tentativa de fazer o presidente da Câmara enfrentava um problema estrutural. Nos estados, essas duas correntes são habitualmente adversárias. Diz a sabedoria que toda política é em última instância local.

Se não foi simples para o PT explicar por que apoiava quem liderou o impeachment de Dilma Rousseff, tampouco era fácil para o PSDB, o MDB e o DEM explicar por que estavam aliados ao PT. O primeiro ainda pôde argumentar com o antagonismo entre o presidente da República e o governador de São Paulo, candidato ao Planalto. O segundo tinha o postulante à vaga em disputa ontem.

Mas para o Democratas certamente não era natural. A realidade comprovou.

Ainda restam a preencher os demais cargos da mesa, e distribuir as presidências das comissões. Será preciso esperar para ver como vai ser desatado o nó regimental em que o novo presidente da Câmara se baseou para anular a escolha ontem dos outros postos. Talvez seja resolvido ainda hoje.

Mas algumas coisas já podem ser ditas. O impeachment de Jair Bolsonaro transformou-se numa escalada de rocha vertical para a oposição. Fatos políticos geram tendências inerciais. A vitória de ontem faz o processo político agora correr a favor e não contra o presidente da República. A oposição precisará de bem mais do que tem hoje para reverter isso.

E as reformas? O governo se verá na contingência de negociá-las com o Congresso. Mas essa já era a realidade anterior. Bolsonaro nunca teve uma maioria automática e continua não tendo. A diferença agora é que o comando da Câmara não mais é parte de uma articulação cujo objetivo central é criar problemas para ele e no limite removê-lo.

É provável que os dois primeiros pontos de atenção do Congresso sejam novas medidas emergenciais econômicas para a pandemia e a vacinação contra a Covid-19. Outras reformas, estruturais, devem entrar na pauta, mas sempre de forma negociada com o comando das casas e com os líderes. Vamos aguardar para ver a ordem de prioridades.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Olhar a leste

Países europeus voltam-se para leste a fim de encontrar vacinas em quantidade para seus cidadãos, pois depender somente do Ocidente não está se mostrando razoável (leia). Governantes sabem que uma hora vão entrar em zona de risco se por circunstâncias geopolíticas deixarem seus povos sem imunizante.

Ainda não se sabe exatamente mundo afora quanto cada vacina vai funcionar, mas de uma coisa tem-se certeza: é melhor estar vacinado do que não estar. O debate científico é fundamental, as porcentagens são importantíssimas, mas o povão prefere não esperar pelo veredito final dos cientistas.

Até porque a sentença definitiva pode demorar muito para vir.

Hoje decidem-se os comandos dos dois pratos do Congresso Nacional para os próximos dois anos. Incertezas à parte sobre os próximos dias, semanas e mesmo meses, uma coisa está absolutamente garantida: o debate sobre a vacinação é candidato forte a estrela na reabertura dos trabalhos.

Se o governo for inteligente, deve fazer como estão fazendo, por exemplo, os insuspeitos alemães. Ir buscar vacina contra a Covid-19 onde ela estiver disponível, e brigar pelo abastecimento. Fica a dica.