domingo, 28 de maio de 2017

O que falta, nesta crise específica, para uma correlação de forças decisiva

As guerras são decididas quando se chega a uma correlação de forças decisiva. Aí, ou um lado capitula ou sabe que será subjugado, antes de precisar capitular. Também pode acontecer a destruição pura e simples de quem ficou em desvantagem. Dizem que Churchill tomou um porre, homérico até para os padrões dele, quando o Japão atacou Pearl Harbor. Foi uma celebração. Ele entendia de correlação de forças.

Inverta-se a máxima de Clausewitz, e olhe-se a política como uma guerra, apenas que por outros meios. Temer só sairá em consequência de uma correlação de forças decisiva. Como aconteceu com Collor em seu tempo e com Dilma mais recentemente. O presidente entrou em imponderabilidade. Está caindo, ainda que pareça flutuar. Mas o desfecho do processo depende de um certo "alinhamento de astros".

A crise política dos últimos anos no Brasil pode ser descrita como uma macroconjuntura de conflito que envolve quatro grandes exércitos. Eles alinham-se (é "alinham", não "aliam") conforme a microconjuntura. Não têm necessariamente tamanhos equivalentes e serão nomeados aqui, para simplificar (e toda simplificação é um risco), como: o da 1) Direita, o da 2) Esquerda, o da 3) Lava-Jato (lato sensu) e o da 4) Imprensa.

Dilma caiu porque em certa hora alinharam-se contra ela três dos quatro, e o que sobrou estava muito enfraquecido para resistir sozinho. E veio um presidente a favor de quem houve um certo arranjo de dois dos quatro. O derrotado passou a ser contra, e a Lava-Jato prosseguiu em seu objetivo de subjugar os dois primeiros ("refundar a república"). Era uma conjuntura instável, pela precariedade do alinhamento.

Eis por que o governo Temer começou em meio a turbulências. Mas a análise fria indicava que o alinhamento das forças lhe permitiria aprovar em algum grau as reformas econômicas liberais. Para o novo bloco governante, elas eram (e continuam sendo) a esperança de uma retomada e, portanto, de construção de uma candidatura continuísta para 2018. Com o candidato que tenha sobrevivido à ação do terceiro exército, a Lava-Jato.

E a coisa estava indo, aos trancos e barrancos, conforme o plano, até que uma nova megadelação desestabilizou o arranjo. Pois um presidente ferido é ameaça à agenda. E um presidente todo encrencado será um passivo e tanto a carregar até 2018, e em 2018. Como é que o candidato do exército da Direita vai atacar "a corrupção do PT"? Um Cavalo de Tróia não pode ter a barriga transparente e as vísceras à mostra. Não funciona.

É visível uma certa bagunça. O exército da Direita, pela primeira vez em três anos, desarquiva a "defesa do estado de direito" e passa a atacar as delações, que enquanto desorganizavam principalmente o da Esquerda eram intocáveis. O da Imprensa, normalmente coeso, divide-se por tensões nascidas de disputas internas, e de janelas de oportunidade na batalha particular por ganhos de imagem, essenciais no negócio.

Do outro lado, o exército da Esquerda não tem como se alinhar contra Temer sem medo de ser feliz, pois não controla um movimento que pode levar à inelegibilidade de seu principal ativo para 2018. Mas tampouco pode enfileirar-se de peito aberto com o da Direita, pois não haverá garantia de que um suposto acordo de "blindagens" e elegibilidades será cumprido. Juscelino apoiou Castelo na indireta e foi cassado logo depois. #ficaadica.

A eleição de 1965 não aconteceu. Apesar das paranoias, isso não vai se repetir agora. O objetivo principal do exército da Esquerda é que Lula possa disputar. Na Direita, impedir que Lula dispute e, depois da J&F, evitar que a eventual gangrena se transforme em septicemia, pondo a perder 2018, mesmo com alguma recuperação econômica. E outro problema: como resolver agora sem acertar também a configuração para 2018?

Em meio ao desarranjo e aos desalinhamentos, Temer vai ficando. Tenta fazer andar a agenda congressual para mostrar-se essencial à Direita e manter dividida a Imprensa. E conta com a dúvida da Esquerda sobre se vale a pena derrubá-lo e ver o surgimento de um novo nome, que poderá na cadeira ser a melhor solução para a continuidade. E vitaminar a Lava-Jato continua não interessando à Esquerda. Pelos motivos já conhecidos.

O problema do Planalto é a insustentabilidade do "vai ficando". Pois, para complicar, o terceiro exército está à toda.

domingo, 21 de maio de 2017

O presidente está na imponderabilidade, parece flutuar mas o movimento é de queda

Imponderabilidade é a situação descrita, erradamente, como ausência de gravidade. Por exemplo, astronautas na órbita da Terra estão sim sob a ação do campo gravitacional do planeta, mas parecem flutuar dentro da espaçonave. Porque na verdade ambos, humanos e nave, estão "caindo" com a mesma aceleração.

Depois da megadelação da J&F, o governo e o presidente Michel Temer entraram no estado de imponderabilidade. Parecem flutuar mas estão caindo. Atenção: não garanto aqui que vão cair, afirmo que entraram em queda. Na política, enquanto há vida há esperança. Mas o movimento desencadeado desde a semana passada não permite dúvidas. Ele é claro.

Impopular, Temer vinha buscando legitimação no programa econômico que executa. Suas reformas não têm apoio social, mas até outro dia ele parecia vir construindo uma maioria congressual para aprová-las. Havia dificuldades, grandes mas não intransponíveis. Nada que não pudesse ser resolvido com uma boa negociação tradicional de última hora.

Na nova situação, é bastante improvável que o governo consiga impor ao Congresso Nacional a disciplina necessária para confrontar a desconfiança e a resistência _quase repulsa_ da ampla maioria da sociedade às reformas trabalhista e da previdência. Governantes precisam ter prestígio e força, ou pelo menos um dos dois em alto grau, para pedir ou impor sacrifícios.

Sem condições de manter sua ampla maioria parlamentar, e sem portanto projetar a aprovação de seu programa, o governo Temer deixa de ter outra utilidade que não seja abrir e fechar diariamente as portas do Planalto até 31 de dezembro de 2018. É pouca coisa para muito tempo. Principalmente porque o Brasil vive longa recessão, e não aceita vegetar mais ano e meio.

Se o presidente só tem isso a oferecer, qualquer um percebe que chegaríamos à eleição do ano que vem cavalgando gravíssimas tensões sociais, resultado da recessão sem fim. O que seria um prato feito para a oposição. Lembram-se da tese de deixar Dilma sangrando? Agorá é em franjas do PT que se especula sobre a conveniência de deixar Temer sangrando.

O resultado dessa projeção é não haver ainda um mínimo consenso sobre o pós-Temer. E aí ele vai ficando. Mas na imponderabilidade. Só que o relógio político não para. O bloco hoje hegemônico precisa de um nome para fazer a transição e preparar 2018. E Temer está ferido. E obviamente o PT e a esquerda não têm motivo para ajudar a montar um replay de 1994.

Eis por que _e a política é fascinante também por causa destes detalhes_ é possível notar uma convergência tática entre o temerismo na UTI e certos movimentos do petismo e satélites. A nenhum dos dois interessa um novo personagem mais capaz que Temer de manter reunido e operante o bloco liberal-conservador que removeu Dilma Rousseff e chegou ao poder.

O problema: a situação atual não é sustentável no tempo. Como _viu-se_ não era a de Dilma. De tanto cair, o corpo em imponderabilidade uma hora cai mesmo. E é improvável que o novo bloco de poder vá assistir passivamente à sua própria derrocada e à ressurreição de uma esquerda forte. Ou Temer mostra capacidade de reação política, ou será ejetado.

Já explicava Jack London no imperdível "The Call of the Wild". O líder da alcateia, quando muito enfraquecido ou muito ferido, vira uma ameaça à sobrevivência do grupo. E o próprio coletivo encarrega-se de eliminá-lo. Na política, a selvageria sempre dá as caras, e os próximos dias e semanas se encarregarão de mostrar isso mais uma vez.


O PT e aliados partem de uma posição confortável na luta pelas "diretas já". Se der certo, Lula é forte candidato. Se não der, pelo menos evita a formação de um consenso automático em torno da solução-tampão indireta. Em qualquer cenário, o campo petista retomará um protagonismo que até ontem pareceria coisa de doido ou de quem troca a realidade pelos desejos.

A política é dinâmica, já explicavam as nuvens do ex-governador mineiro Magalhães Pinto, quando mudavam entre duas olhadelas para o céu.

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Nova megadelação desorganiza os blocos e abre caminho para um novo candidato

O principal efeito da megadelação dos controladores e executivos da J &F será, pela primeira vez desde a eclosão da crise, há três anos, desorganizar os dois grandes blocos que disputam o poder. Também deve abrir caminho para um novo personagem, mas não necessariamente um personagem novo, na disputa de 2018.

Até aqui a crise evoluía de modo razoavelmente organizado. O PMDB rompeu a aliança com o PT e atraiu o PSDB para uma coligação não apenas de transição. Foi também projetada para vencer em 2018 com base num programa de reformas liberais e na esperança da retomada do investimento privado, para alavancar o crescimento e o emprego.

A narrativa estava pronta: era a aliança que tinha tirado o Brasil do desastre econômico produzido pelo governo Dilma Rousseff e pelo PT. Isso de algum modo também definia a narrativa adversária: tratar-se-ia de retomar o ciclo virtuoso de Lula, interrompido por um golpe conservador que tinha mergulhado o país no caos político e quebrado a economia.

Uma dúvida era se Lula poderia concorrer. Se não pudesse, haveria um candidato de Lula para erguer a bandeira. Do outro lado, a disputa seria entre o candidato "de novo tipo" e o "de tipo inteiramente novo". Provavelmente sairia do PSDB, mas não era prudente acreditar que o grupo em torno de MIchel Temer cederia o espaço sem luta.

A delação da J&F desorganiza o quadro porque, ao inviabilizar o governo Temer e, provavelmente, o próprio chefe do governo, abre caminho para um novo personagem. Pois, se houver, e é provável que haja, um novo presidente, ou este será um foco de crise, com alto risco de também cair, ou se tornará um polo aglutinador para reconstruir o projeto original da aliança governista.

Do lado da oposição, se há motivo para festejar agora o infortúnio adversário, será prudente aguardar os efeitos da delação sobre Lula e o PT. As importantes relações entre o grupo empresarial e o partido recém-desalojado do Planalto autorizam prever, com certeza, que o impacto judicial, e portanto político, estará bem longe de ser neutro.

Que lado sairá menos ferido do abalroamento? E dos próximos? Se, na hipótese da saída de Temer, a aliança governista conseguir eleger um presidente na eleição indireta, com base no compromisso de manter algo das reformas trabalhista e previdenciária, o bloco liberal terá um ponto de apoio para a reorganização.

Mas as condições para esse desdobramento serão cada vez vez mais complicadas. A resistência social e popular a restrições no que a população considera serem seus direitos tende a crescer, alimentada pelo evidente déficit de legitimidade. Mas se der certo o novo presidente será um candidato natural à própria sucessão no próximo ano.

Se, via PEC ou por decisão do STF, a eventual eleição for direta, não é possível prever que vença um candidato liberal-reformista. O ambiente político e social favorecerá a exacerbação eleitoral alimentada pelo cansaço com o longo ciclo recessivo e a ubiquidade dos casos de corrupção. Ou seja, o momentum estará nos extremos.

A única coisa razoavelmente certa é que um eventual substituto de Temer tenderá a ser um polo da disputa. Claro que sempre poderá aparecer uma solução de conciliação e apenas transição, mas seria ingênuo acreditar na perenidade desse tipo de acordo político numa conjuntura tão volátil. E, naturalmente, será necessário acompanhar os fatos policiais dos próximos dias para acurar a análise.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

O novo será o novo e sua circunstância, como já nos advertia Ortega y Gasset

Num sistema eleitoral flexível e pouco engessado, como o francês, é viável reorganizar rapidamente a estrutura partidária, e isso aumenta a probabilidade de trazer o novo para a contenda real. Também é possível em lugares como os Estados Unidos, onde os edifícios, mesmo mais rígidos, são permeáveis a disputas internas verdadeiras.

Em 2007-08, Barack Obama derrotou Hillary Clinton nas primárias democratas. Em 2015-16, Donald Trump repetiu a façanha de bater o establishment, agora entre os republicanos. Emmanuel Macron elegeu-se presidente da França por um partido realmente novo, e normas elásticas permitem a ele buscar, de modo saudável, uma maioria parlamentar.

Entre nós, os passeios intelectuais em torno do "novo" costumam ignorar que, no Brasil, as estruturas partidárias são protegidas da concorrência externa, pelo oligopólio das verbas e do chamado "tempo de televisão". E também da concorrência interna, pelo monopólio de poder dos caciques dentro das legendas. Aqui ninguém derruba no voto direção de partido.

A consequência: os ensaios sobre certo novo para 2018 pouco mais são que estratagemas do velho para aparecer com cara de novo. O fenômeno não é simples, carrega contradições internas, há sim no ar um componente de renovação, mas nossa tendência atávica ao farsesco nunca deve ser subestimada. É o que a história nos ensina. E ela se repete.

Vamos à vida real. Suponhamos que o PT, assustado com a rejeição a Lula, decidisse procurar um nome completamente imunizado contra os graves problemas que afetam a imagem do partido. E suponhamos que encontrasse. Para ser realmente novo, a esse candidato não bastaria não ser Lula, ele precisaria atacar Lula, romper com Lula para ter credibilidade.

Vale o mesmo para o PSDB. Qualquer novo que se pretenda imaculado mas não rompa com quem está acossado pela Lava-Jato será olhado como farsante, um cavalo de troia, novo por fora mas que carrega o velho dentro da barriga. Uma vez transpostos os portões do Planalto, o cavalo trataria de despejar em palácio o poder de sempre. Mais um estelionato eleitoral.

Mesmo considerando a influência de uma imprensa progressivamente militante, não será portanto simples a missão de quem precisa vender o velho como novo. Estamos na era da internet e tudo que é sólido se desmancha no ar com rapidez. Para emplacar como novo, o candidato precisará convencer de que vai mesmo romper com o velho.

E um candidato assim tem chance de ganhar? A mediocridade econômica estimula a mudança, mas a queda da inflação amortece a possibilidade de uma rebelião. A Lava-Jato vai firme, mas há o "risco reality show": na hora de cuidar da vida, talvez as pessoas prefiram mudar de canal. E a resiliência do establishment político empurra o novo para os extremos.

Quem explicaria melhor a situação do novo seria José Ortega y Gasset, que um dia disse: "Yo soy yo y mi circunstancia, y si no la salvo a ella no me salvo yo". Ou seja, não haverá como o novo divorciar-se de suas circunstâncias. A tentativa de fazer da eleição uma disputa entre o velho e o novo tende assim a ser rapidamente soterrada pela disputa de blocos.

Muitos bits e bytes serão ainda consumidos em cortinas de fumaça, mas ao fim e ao cabo não haverá como o país escapar da discussão que conta: para retomar a atividade econômica, criar empregos, distribuir renda, melhorar a saúde, a educação e a segurança, é melhor aprofundar as políticas de Temer ou voltar às políticas de Lula?

Não que as políticas de Lula, em particular no período 2003-06, tenham sido fundamentadas em princípios antagônicos aos que sustentam o programa de Temer. Mas isso importa menos. Na cabeça do povo, o antagonismo é entre o que se fez no governo de Lula e o que se faz no governo de Temer. Nenhum candidato escapará de remar nessa corredeira.

E a escassez de recursos das campanhas, com o amadurecimento forçado da consciência popular após anos de Lava-Jato e guerra política aberta, vai diminuir o espaço para mistificações e tentativas de engambelar o distinto público. Pode parecer otimista, mas é o que tende a acontecer.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

A dúvida entre um político, um cavalo de troia e um de fora. E a boca do jacaré

Há dois assuntos nas plateias que pedem previsões. Se Michel Temer vai conseguir aprovar as reformas e quem vai levar em 2018. Com a primeira resposta, espera-se iluminar o curto prazo. Com a segunda, o médio e o longo. A primeira variável mantém alguma autonomia em relação à segunda, mas essa autonomia, obviamente, declina no tempo.

A queda de Dilma Rousseff trouxe para o PT a imensa desvantagem de ser ejetado da máquina, sempre uma ferramenta poderosa de reprodução do poder. Mas trouxe pelo menos uma vantagem. Ao ver-se dispensado do obrigatório realismo de uma narrativa governista, foi premiado com a possibilidade de voltar a oferecer sonhos. Eleição e sonho têm tudo a ver.

Assim é que o bloco político-social à esquerda também volta a agrupar-se em torno do PT e Lula. O partido e seu principal líder venceram a primeira etapa da luta pela sobrevivência no pós-impeachment: com a narrativa oferecida pelos adversários, a de vítima de um golpe autoritário e antipopular, o PT lipoaspirou possíveis dissidências viáveis à esquerda.

Já o PSDB abocanhou algo que estava fora do alcance desde 2003, o comando sobre gordas torneiras do orçamento federal. Mas vê a incômoda ascensão do bolsonarismo e de tensões internas que até há pouco eram do adversário. Tem alguma graça que os tucanos estejam às voltas com pressões por "autocrítica" e por "refundação".

Não convém entretanto subestimar a força de ser governo. Das onze eleições presidenciais diretas desde o fim do Estado Novo, o bloco político-social situacionista só perdeu duas: para Jânio Quadros em 1960 e Lula em 2002. E perdeu também porque a derrota dos aliados permitiria a Juscelino e FHC sonhar com uma volta adiante. Os resultados são sabidos.

Então é natural que, mesmo com o inevitável desgaste, as forças hoje governistas caminhem para aprovar alguma reforma agora. As tendências centrípetas são poderosas. Haverá diluição de metas, porque políticos não têm vocação para o suicídio, mas PSDB e PMDB sabem que a divisão da frente antipetista alargará a avenida em que Lula e o PT já trafegam.

E, enquanto seguem o enredo oferecido pela empoderada opinião pública stricto sensu, peemedebistas e tucanos são úteis aos vetores que convergiram para depor o governo derrubado. Isso sempre ajuda em tempos de uma feroz Lava-Jato, imparável na sua tentativa de remover o que considera uma crosta de políticos corruptos voltados a assaltar o país.

Cada um está portanto bem encaixado em seu papel nesse teatro, restando escolher os personagens principais: os candidatos. No PT, o candidato é Lula. Ou será indicado por ele. Se Lula não puder ser, a dúvida é se estará apenas inelegível, podendo portanto participar da campanha, ou se os adversários darão um jeito de ele nem conseguir gravar para o #YouTube.

Já do outro lado, a dúvida é se apresentará 1) um nome clássico, como o do governador de São Paulo, 2) um cavalo de troia, como os prefeitos de São Paulo e Salvador, ou 3) será obrigado, no fim das contas, a descarregar em alguém de fora, ainda que na reta final. Como aconteceu nas eleições de Jânio e Collor. Hoje eu apostaria na primeira ou na segunda hipóteses.

E o que conduzirá a eleição? No lado petista, a narrativa está pronta. Criou-se no país um ambiente de terror policial e caça às bruxas para mergulhar a economia no caos e instalar um governo dos ricos, que governa para os ricos e as potências estrangeiras. E a possibilidade de estancar essa ofensiva reacionária é eleger Lula, ou o candidato de Lula.

No outro campo, também. A situação não está fácil mas é preciso evitar a volta de um governo atolado na corrupção e que mergulhou o país na mais grave crise econômica de sua história. E se as reformas ainda não produziram resultados brilhantes é porque não foram aplicadas na intensidade necessária para estimular um novo ciclo de crescimento.

O que vai prevalecer no fim? Como disse, a tradição no Brasil manda apostar em governos. Mas a Lava-Jato ensinou que tudo sempre pode sair do script. Especialmente em épocas de grande potencial disruptivo e pouca credulidade popular. Se você precisa antecipar tendências, um caminho é prestar atenção na boca do jacaré.

Há duas curvas a observar: a sensibilidade popular às acusações de corrupção e a irritação com a mediocridade econômica. A primeira é declinante e a segunda, ascendente. Mesmo que haja soluços, essa boca de jacaré está fechando. Isso ajuda o PT. Mas se ela voltar a abrir, quem ganha fôlego é a aliança PSDB-PMDB.

terça-feira, 2 de maio de 2017

Cenário projeta risco de vitória de Pirro nas reformas, e de possível figueiredização

Um exercício na análise prospectiva é especular como terminará o governo de Michel Temer. As expectativas são essenciais, garantem os economistas, então é preciso sempre tentar interpretar os futuros pontos de passagem. Um deles é a sucessão presidencial de 2018. Se soubermos como este governo acabará, teremos uma ideia aproximada do que virá depois.

Quando Temer chegou ao poder, a aposta otimista, dos dele, era um novo Itamar Franco. A maioria parlamentar garantiria a transição para um programa econômico saudável, o que permitiria ao grupo no poder sonhar com a projeção para além de 2018, talvez na pessoa do ministro da Fazenda, o condutor da mudança benigna na economia.

Mas a vida real mostrou-se mais complexa. A Lava-Jato avançou e ampliou-se, e o sofrimento político daí decorrente foi dificultando desatar o nó econômico. E as apostas de itamarização deram lugar aos palpites de sarneyzação, mesmo sem hiperinflação. Um epílogo fraquíssimo, com uma economia medíocre, e sem força para fazer o sucessor.

As amplas e maciças movimentações sociais e as últimas pesquisas de opinião, como o importante Datafolha deste fim de semana, permitem especular um desfecho algo diferente. É possível que a administração termine os dias como o governo João Figueiredo, o derradeiro general-presidente. Quem viveu, ou estudou, notará semelhanças no ambiente.

Quais os ativos de Temer? O apoio empresarial, a maioria parlamentar e a expectativa de produzir uma candidatura competitiva, capaz de defender e dar continuidade ao legado. E os passivos? A ampla rejeição social, a mediocridade econômica e a dificuldade de costurar uma saída sucessória que una todo seu campo político. Era assim com Figueiredo.

Aquele governo terminou muito mal, mas não era inevitável. Se o presidente não tivesse enfartado, se Petrônio Portela não tivesse morrido, se Aureliano Chaves fosse mais hábil ou se Paulo Maluf não tivesse derrotado Ernesto Geisel em 1978, era possível o regime ter fabricado um condutor situacionista da passagem para a democracia. Mas não conseguiu.

A história não é determinista. Tampouco o indivíduo a produz de acordo apenas com seus desejos. Ele o faz dentro de limites postos pela vida material, pelas condições reais e pelas escassas alternativas. E as opções políticas costumam até estar mais disponíveis que as econômicas. Também por isso, o erro político é sempre mais imperdoável.

Figueiredo naufragou na política, e essa parece ser um ativo de Temer. Mas, assim como no início dos anos 80, até quando o presidente manterá sua base política coesa diante da ampla rejeição a ele próprio e a seu programa? Políticos não são afeitos ao suicídio e mudam facilmente de lado, como Tancredo Neves sabia e provou ao costurar a Aliança Democrática.

Para evitar a figueiredização, não basta a Temer aprovar alguma coisa de suas impopulares reformas pró-empresariais. Ele provavelmente o fará, para premiar sua principal, ou única, base social. Mas Figueiredo ganhou a votação crítica das diretas já e menos de um ano depois o regime acabou. Porque sua vitória na emenda Dante de Oliveira foi uma vitória de Pirro.

A aprovação das reformas não será uma vitória de Pirro se descortinar um ambiente de otimismo econômico, com impactos de curto prazo no crescimento e no emprego. Mas talvez só a velhinha de Taubaté (outro personagem da época) acreditasse nisso. O provável é prosseguirmos na mediocridade. As reformas não mexem nas raízes do atraso.

Quem exige do governo que imponha suas medidas a ferro e fogo contra a opinião de sete entre dez brasileiros talvez esteja preparando um palco eleitoral em que o papel principal, à esquerda e à direita, será disputado por personagens cujo discurso será de desfazer o que Temer fez. As intenções de voto a esta altura podem ser prematuras, mas não são cegas.

Talvez o empresariado esteja certo ao tentar tirar os últimos baldes de leite desta vaca, para aproveitar o momento. Dificilmente um próximo governo conseguiria revogar tudo. Vide as dificuldades de Donald Trump com o Obamacare. E se a bichinha for abatida, compra-se outra. O problema é saber se ela topará ir em paz para o matadouro.

Para melhorar o ânimo da vaca, seria recomendável que o governo desse sinais de que conseguirá produzir um palanque competitivo em 2018, sem subordinar isso unicamente a um fantasioso impacto positivo imediato no ambiente econômico e portanto político-social. Até porque sem boas expectativas no médio prazo acreditar em otimismo no curto prazo é ilusão.

E uma informação: Em 1984, último ano do governo Figueiredo, e depois de três anos de recessão, a economia cresceu 5,4%.