Por décadas, a aceitação do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas vem sendo meta da nossa política externa. A demanda sempre provocou algumas dúvidas razoáveis. Uma delas: além de oportunidade de protagonismo pessoal, para que servirá mesmo uma cadeira fixa se o Brasil não dispuser do poder de veto?
Claro que uma opção seria a abolição do poder de veto, como algumas vezes se aventou. Mas a chance de isso acontecer é zero.
A ONU também é referida nos frequentes discursos em defesa de uma governança global, quando os temas ultrapassam as fronteiras nacionais. Seria o caso das mudanças climáticas e do combate à fome. Já há instituições e articulações planetárias a cuidar desses assuntos, mas sem poder decisório. Pois as decisões supranacionais, com exceção das adotadas pelo Conselho de Segurança, precisam ser referendadas nacionalmente. São recomendações.
No mais das vezes, diria William Shakespeare, costuma ser muito barulho por nada. Ou quase nada.
Se as iniciativas pela reformulação do Conselho e pela ampliação de uma governança global baseada na entidade sediada em Nova York não chegaram a caminhar quando as Nações Unidas exibiam alguma ascendência, mais dificuldades ainda enfrentarão na nova era marcada pela “desglobalização”. Esta merece uma análise à parte, mas, em função dela, a ONU vem perdendo substância aceleradamente, com o impulso ocidental a que os blocos e instituições dominadas pelas potências do Norte político tomem seu lugar.
Como o Brasil vai atualizar suas estratégias e discursos num cenário em que Brics tende a andar para um lado e G7 UE para o outro? Um cenário em que a palavra de ordem do Ocidente político é desplugar-se da candidata a superpotência que vem do Sul político, a China? Uma moldura em que a ONU continua depositária da ritualística estabelecida no Pós-Guerra, mas suas decisões, ou sua incapacidade de tomá-las, não têm o menor efeito prático além de oferecer combustível ao noticiário?
A política exterior brasileira parece estar tateando em busca de um novo ponto de equilíbrio, entre as pressões políticas crescentes, que tendem a se tornar insuportáveis, do atlantismo e a força gravitacional dos parceiros majoritariamente responsáveis por a economia brasileira continuar caminhando. O governo Luiz Inácio Lula da Silva parece meio espremido entre não afrontar Washington neste momento de alta tensão e impedir a obstrução dos vasos econômicos comunicantes com Pequim. Vai precisar de talento.
Um caminho possível é o da Índia e da Turquia, a neutralidade ativa. Mas os turcos têm o trunfo de serem o flanco oriental da Organização do Tratado do Atlântico Norte, e não melindrar a Índia é estratégico para o Ocidente. Este não pode se dar ao luxo de empurrar os indianos para perto da entente de fato entre russos, chineses e iranianos.
O Brasil se vê restringido por aquele provérbio feito inicialmente para os mexicanos, mas que a Doutrina Monroe faz sempre ver que é para o conjunto das Américas: “Tan lejos de Dios y tan cerca a los Estados Unidos”.
Alon Feuerwerker
jornalista e analista político
bio -> https://pt.wikipedia.org/wiki/alon_feuerwerker
sábado, 25 de março de 2023
sábado, 18 de março de 2023
O nó para montar uma base
O governo enfrenta turbulências para montar sua base parlamentar e quase três meses depois da largada não parece estar perto de uma solução. A tentação é debitar isso a algum tipo de falha humana, mas será honesto notar que a nova administração enfrenta um cenário de complexidade inédita nas relações com o Congresso Nacional. Pois está sem instrumentos tão eficazes assim para disciplinar uma base.
Pois não basta montá-la, ela precisa funcionar, especialmente na dificuldade. Exércitos devem saber desfilar, porém mais importante é lutar e vencer batalhas e guerras.
O objetivo de todo político é ampliar seu poder, ou no mínimo perenizar o existente. Deputados sonham com o Senado. Deputados e senadores sonham com governos estaduais e, por que não?, com a Presidência da República. Mas o programa mínimo de todo parlamentar é reeleger-se. Para isso precisa de apoio municipalista, pois nem o mais prestigiado dono de “voto de opinião” pode dispensar os estoques de eleitorado nas cidades.
Eleitorado que sempre mantém algum vínculo de clientela com prefeitos e vereadores, especialmente nas pequenas e médias.
Regra geral, o deputado vitorioso conseguiu eleger-se arrebanhando um bom naco dos votos na sua base eleitoral raiz, mas para chegar lá precisou do eleitor pulverizado em dezenas ou centenas de municípios.
As emendas parlamentares ao orçamento federal ajudam a cumprir esse papel. As últimas décadas vêm assistindo a uma certa depreciação moral do mecanismo junto à opinião pública, mas não tem jeito: nosso pork barrel é essencial para disciplinar o Parlamento. Porém ele só é eficaz quando funciona por uma lógica de premiação prioritária dos mais fiéis. Ser governo tem ônus, por isso é razoável que o governismo seja compensado com algum bônus.
Ser base de governo só faz sentido quando mais ajuda do que atrapalha a reproduzir o próprio poder. No caso específico das emendas parlamentares, é natural que os governistas tenham mais recursos orçamentários do que os oposicionistas para destinar às bases eleitorais. Mas, no Brasil acostumado ao achincalhamento do toma lá dá cá e à promoção de um pseudo-republicanismo hipócrita, é esperado que o Parlamento prefira ocultar isso.
O enfraquecimento quase terminal de Dilma Rousseff e Michel Temer e, na sequência, a luta de Jair Bolsonaro para chegar ao fim do mandato tiveram como efeito colateral a gigantesca anabolização das emendas parlamentares, pois o custo político de sobreviver na Presidência costuma crescer hiperbolicamente conforme se esvai o poder real do ocupante da cadeira. Disso tudo nasceu o teratoma da emenda de relator de muitos bilhões de reais.
Que para impacto jornalístico recebeu o rótulo de “orçamento secreto”. Para que o apoio congressual ao governo funcione, é sempre necessária uma porção “secreta” (não é pública a informação de que parlamentar destinou aquele recurso) no orçamento destinado às emendas. Mas a opinião pública tem dinâmicas próprias, e o assunto virou escândalo quando, em vez de alguns caraminguás, o montante chegou à casa dos dez dígitos.
Ao longo da campanha eleitoral, a oposição atacou o “orçamento secreto” com dois objetivos. Retomar para o eventual governo do PT o comando da discricionariedade na destinação do grosso das emendas parlamentares e emagrecer o mecanismo, para trazer de volta ao Executivo recursos destinados a investimento num orçamento federal grandemente engessado e amarrado a gastos obrigatórios de custeio.
Mas na hora de resolver o problema alguma coisa não saiu conforme o planejado, pois o resultado prático do acordo costurado após o STF “derrubar o orçamento secreto” 1) manteve o volume de dinheiro destinado a emendas parlamentares e 2) transformou boa parte da emenda de relator em emendas individuais, identificáveis, mas de execução obrigatória, pelo mecanismo chamado “orçamento impositivo”.
O produto da lambança é que todo deputado tem para 2023, no mínimo, mais de 30 milhões de reais para destinar às bases eleitorais, e cada senador tem mais quase 60 milhões. Independentemente de como votar ao longo destes quatro anos. Claro que quem votar com o governo vai poder destinar um tanto a mais, proveniente do orçamento próprio dos ministérios, mas a execução impositiva já garante ao parlamentar o colchão capaz de construir uma campanha eleitoral bem competitiva.
Fato ainda mais importante quando as contribuições empresariais de campanha estão proibidas e quando os recursos do fundo eleitoral costumam ser comidos pelas candidaturas majoritárias. E quando o que sobra do fundo eleitoral para os candidatos proporcionais fica ao arbítrio do dono da legenda.
Uma consequência do paradoxal enfraquecimento das emendas para efeito de disciplinamento da base, apesar do gigantesco volume de recursos nisso empregado, é o acirramento da disputa por espaços na máquina, que havia arrefecido em algum grau no governo Bolsonaro. Mas compreende-se a relutância do governo em abrir espaços generosos para forças políticas que até outro dia estavam contra Luiz Inácio Lula da Silva e o PT.
Só que dois terços do Congresso Nacional habitam do centro para a direita.
Há ainda outro mecanismo algo eficaz para disciplinar bases legislativas: a ameaça potencial de o dono dos votos majoritários não apoiar o parlamentar, ou apoiar um concorrente na base dele. Mas esse mecanismo funcionava mais com Bolsonaro, pois a maioria do Congresso provinha de um eleitorado alinhado ou inclinado ao então presidente. Agora, a maioria dos parlamentares elegeram-se ou contra Lula ou correndo em raia independente.
O nó é complexo.
Pois não basta montá-la, ela precisa funcionar, especialmente na dificuldade. Exércitos devem saber desfilar, porém mais importante é lutar e vencer batalhas e guerras.
O objetivo de todo político é ampliar seu poder, ou no mínimo perenizar o existente. Deputados sonham com o Senado. Deputados e senadores sonham com governos estaduais e, por que não?, com a Presidência da República. Mas o programa mínimo de todo parlamentar é reeleger-se. Para isso precisa de apoio municipalista, pois nem o mais prestigiado dono de “voto de opinião” pode dispensar os estoques de eleitorado nas cidades.
Eleitorado que sempre mantém algum vínculo de clientela com prefeitos e vereadores, especialmente nas pequenas e médias.
Regra geral, o deputado vitorioso conseguiu eleger-se arrebanhando um bom naco dos votos na sua base eleitoral raiz, mas para chegar lá precisou do eleitor pulverizado em dezenas ou centenas de municípios.
As emendas parlamentares ao orçamento federal ajudam a cumprir esse papel. As últimas décadas vêm assistindo a uma certa depreciação moral do mecanismo junto à opinião pública, mas não tem jeito: nosso pork barrel é essencial para disciplinar o Parlamento. Porém ele só é eficaz quando funciona por uma lógica de premiação prioritária dos mais fiéis. Ser governo tem ônus, por isso é razoável que o governismo seja compensado com algum bônus.
Ser base de governo só faz sentido quando mais ajuda do que atrapalha a reproduzir o próprio poder. No caso específico das emendas parlamentares, é natural que os governistas tenham mais recursos orçamentários do que os oposicionistas para destinar às bases eleitorais. Mas, no Brasil acostumado ao achincalhamento do toma lá dá cá e à promoção de um pseudo-republicanismo hipócrita, é esperado que o Parlamento prefira ocultar isso.
O enfraquecimento quase terminal de Dilma Rousseff e Michel Temer e, na sequência, a luta de Jair Bolsonaro para chegar ao fim do mandato tiveram como efeito colateral a gigantesca anabolização das emendas parlamentares, pois o custo político de sobreviver na Presidência costuma crescer hiperbolicamente conforme se esvai o poder real do ocupante da cadeira. Disso tudo nasceu o teratoma da emenda de relator de muitos bilhões de reais.
Que para impacto jornalístico recebeu o rótulo de “orçamento secreto”. Para que o apoio congressual ao governo funcione, é sempre necessária uma porção “secreta” (não é pública a informação de que parlamentar destinou aquele recurso) no orçamento destinado às emendas. Mas a opinião pública tem dinâmicas próprias, e o assunto virou escândalo quando, em vez de alguns caraminguás, o montante chegou à casa dos dez dígitos.
Ao longo da campanha eleitoral, a oposição atacou o “orçamento secreto” com dois objetivos. Retomar para o eventual governo do PT o comando da discricionariedade na destinação do grosso das emendas parlamentares e emagrecer o mecanismo, para trazer de volta ao Executivo recursos destinados a investimento num orçamento federal grandemente engessado e amarrado a gastos obrigatórios de custeio.
Mas na hora de resolver o problema alguma coisa não saiu conforme o planejado, pois o resultado prático do acordo costurado após o STF “derrubar o orçamento secreto” 1) manteve o volume de dinheiro destinado a emendas parlamentares e 2) transformou boa parte da emenda de relator em emendas individuais, identificáveis, mas de execução obrigatória, pelo mecanismo chamado “orçamento impositivo”.
O produto da lambança é que todo deputado tem para 2023, no mínimo, mais de 30 milhões de reais para destinar às bases eleitorais, e cada senador tem mais quase 60 milhões. Independentemente de como votar ao longo destes quatro anos. Claro que quem votar com o governo vai poder destinar um tanto a mais, proveniente do orçamento próprio dos ministérios, mas a execução impositiva já garante ao parlamentar o colchão capaz de construir uma campanha eleitoral bem competitiva.
Fato ainda mais importante quando as contribuições empresariais de campanha estão proibidas e quando os recursos do fundo eleitoral costumam ser comidos pelas candidaturas majoritárias. E quando o que sobra do fundo eleitoral para os candidatos proporcionais fica ao arbítrio do dono da legenda.
Uma consequência do paradoxal enfraquecimento das emendas para efeito de disciplinamento da base, apesar do gigantesco volume de recursos nisso empregado, é o acirramento da disputa por espaços na máquina, que havia arrefecido em algum grau no governo Bolsonaro. Mas compreende-se a relutância do governo em abrir espaços generosos para forças políticas que até outro dia estavam contra Luiz Inácio Lula da Silva e o PT.
Só que dois terços do Congresso Nacional habitam do centro para a direita.
Há ainda outro mecanismo algo eficaz para disciplinar bases legislativas: a ameaça potencial de o dono dos votos majoritários não apoiar o parlamentar, ou apoiar um concorrente na base dele. Mas esse mecanismo funcionava mais com Bolsonaro, pois a maioria do Congresso provinha de um eleitorado alinhado ou inclinado ao então presidente. Agora, a maioria dos parlamentares elegeram-se ou contra Lula ou correndo em raia independente.
O nó é complexo.
sábado, 11 de março de 2023
A economia, a política e os candidatos a amigos
Os dados da inflação não vieram bons nesta semana, especialmente o que os economistas chamam de núcleo do índice, não tão vulnerável aos choques de um ou outro item. A taxa parece resiliente. Nuvens carregadas, que prenunciam turbulências econômicas e políticas. Mantidas as atuais metas inflacionárias, o Banco Central dificilmente afrouxará os juros, se é que não vai apertar. E é pule de dez que, nesse caso, o governo não ficará só reclamando pela imprensa.
A tática governamental, por enquanto, tem sido dar sinais de que vai caminhar com alguma responsabilidade fiscal, na expectativa de sensibilizar o mercado e influenciar positivamente as expectativas, criando assim as condições para o BC não ter outro caminho a não ser desapertar a corda no pescoço da economia. Na teoria, pode funcionar. O problema talvez sejam os fatos, sempre teimosos. Os últimos números da inflação enquadram-se nessa categoria.
Um fato é o juro real do Brasil ser líder no mundo. Outro fato é a inflação estar num patamar desconfortável para a autoridade da moeda, pois mesmo com o juro obeso as taxas caminham longe do atingimento da meta. Onde está o nó? A tarefa legal do BC é buscar a meta, mas o governo acha o alvo atual irrealista. Na teoria, não seria complicado resolver: o governo tem dois dos três votos do Conselho Monetário Nacional, pode subir a meta.
É possível que o Planalto esteja preparando terreno para fazer isso. E vem aí o projeto de uma nova âncora fiscal, para substituir o falecido teto de gastos. Por enquanto, revogou-se parcialmente a desoneração dos combustíveis e taxaram-se as exportações de petróleo, num esforço para aumentar as receitas e ajudar o resultado primário. Um sinal bem claro de que o governo não economizará esforços para arrecadar.
Ao mesmo tempo, não dá sinal de nenhum esforço para cortar gastos. O que tampouco deve provocar surpresa. A linha econômica em execução segue as convicções dos eleitos. É verdade que havia alguma fé em que a frente ampla para eleger Luiz Inácio Lula da Silva produziria, talvez por geração espontânea, um governo algo liberal e austero na economia. Neste caso a fé não parece, por enquanto, capaz de mover montanhas.
Tivesse maioria parlamentar confortável, o governo certamente partiria para uma reforma mais estrutural, acabando com a autonomia do BC. Sem isso, precisará ater-se ao seu próprio cercadinho, e é bom, portanto, ficar de olho numa eventual elevação da meta de inflação. O que traz o risco de mais deterioração de expectativas, e daí mais aperto vindo do BC. Só que, na prática, é o caminho hoje disponível para o governo agir sem depender do Parlamento.
Onde aliás o Executivo vive uma encruzilhada. Não tem uma maioria firme, nem goza de um potencial alinhamento programático, algo que sempre reduz o custo de manter uma base funcional. O governo é de esquerda e o Congresso inclina-se à direita. Na teoria, este poderia ser disciplinado com verbas e cargos, mas nem todo o estímulo material transformará bancadas eleitas em alinhamento com Jair Bolsonaro numa cidadela em defesa do programa do PT.
Lula, experiente, sabe que corre o risco de concessões maximalistas que produzam, no máximo, apoio congressual minimalista. E resiste. O risco para ele está em a desaceleração econômica, agravada pelo esforço do BC para conter a inflação, trazer uma corrosão de popularidade que empodere os hoje candidatos a amigos, inimigos até outro dia e que não teriam nenhuma dificuldade para voltar a ser.
A tática governamental, por enquanto, tem sido dar sinais de que vai caminhar com alguma responsabilidade fiscal, na expectativa de sensibilizar o mercado e influenciar positivamente as expectativas, criando assim as condições para o BC não ter outro caminho a não ser desapertar a corda no pescoço da economia. Na teoria, pode funcionar. O problema talvez sejam os fatos, sempre teimosos. Os últimos números da inflação enquadram-se nessa categoria.
Um fato é o juro real do Brasil ser líder no mundo. Outro fato é a inflação estar num patamar desconfortável para a autoridade da moeda, pois mesmo com o juro obeso as taxas caminham longe do atingimento da meta. Onde está o nó? A tarefa legal do BC é buscar a meta, mas o governo acha o alvo atual irrealista. Na teoria, não seria complicado resolver: o governo tem dois dos três votos do Conselho Monetário Nacional, pode subir a meta.
É possível que o Planalto esteja preparando terreno para fazer isso. E vem aí o projeto de uma nova âncora fiscal, para substituir o falecido teto de gastos. Por enquanto, revogou-se parcialmente a desoneração dos combustíveis e taxaram-se as exportações de petróleo, num esforço para aumentar as receitas e ajudar o resultado primário. Um sinal bem claro de que o governo não economizará esforços para arrecadar.
Ao mesmo tempo, não dá sinal de nenhum esforço para cortar gastos. O que tampouco deve provocar surpresa. A linha econômica em execução segue as convicções dos eleitos. É verdade que havia alguma fé em que a frente ampla para eleger Luiz Inácio Lula da Silva produziria, talvez por geração espontânea, um governo algo liberal e austero na economia. Neste caso a fé não parece, por enquanto, capaz de mover montanhas.
Tivesse maioria parlamentar confortável, o governo certamente partiria para uma reforma mais estrutural, acabando com a autonomia do BC. Sem isso, precisará ater-se ao seu próprio cercadinho, e é bom, portanto, ficar de olho numa eventual elevação da meta de inflação. O que traz o risco de mais deterioração de expectativas, e daí mais aperto vindo do BC. Só que, na prática, é o caminho hoje disponível para o governo agir sem depender do Parlamento.
Onde aliás o Executivo vive uma encruzilhada. Não tem uma maioria firme, nem goza de um potencial alinhamento programático, algo que sempre reduz o custo de manter uma base funcional. O governo é de esquerda e o Congresso inclina-se à direita. Na teoria, este poderia ser disciplinado com verbas e cargos, mas nem todo o estímulo material transformará bancadas eleitas em alinhamento com Jair Bolsonaro numa cidadela em defesa do programa do PT.
Lula, experiente, sabe que corre o risco de concessões maximalistas que produzam, no máximo, apoio congressual minimalista. E resiste. O risco para ele está em a desaceleração econômica, agravada pelo esforço do BC para conter a inflação, trazer uma corrosão de popularidade que empodere os hoje candidatos a amigos, inimigos até outro dia e que não teriam nenhuma dificuldade para voltar a ser.
sábado, 4 de março de 2023
Um olho na economia, outro no Congresso
A guerra das narrativas dá boa pista dos objetivos e táticas do governo neste 2023. Dada a premissa de um ano de baixo crescimento, mas de inflação algo resiliente, o Planalto já conseguiu alguma aderência à explicação de que a culpa será do Banco Central e de suas taxas de juros realmente estratosféricas.
A dúvida no momento são duas: 1) se ou quando o Executivo mandará seus votos demissíveis (Fazenda e Planejamento, dois dos três membros do Conselho Monetário Nacional; o outro é o BC) subir a meta de inflação; e 2) se ou quando Luiz Inácio Lula da Silva enviará ao Congresso proposta acabando com a autonomia do BC.
Pois apontar culpados funciona durante algum tempo, mas, no limite, governos são eleitos para resolver problemas. Um problema, paradoxalmente, é medidas como as acima terem potencial para provocar deterioração de expectativas, e o resultado prático acabar neutralizando as intenções. É uma encruzilhada.
Uma vantagem de Lula: outra eleição presidencial, só daqui a quase quatro anos. Se tiver boa base congressual, pode perfeitamente atravessar um eventual vale de popularidade e esperar pela subida do morro. Em condições muito piores, Jair Bolsonaro viu a recuperação pós-pandemia turbinar seu desempenho em 2022.
Para atravessar, entretanto, Lula precisa manter sólida a base social que lhe deu um terceiro mandato e sustentar a disputa nos demais grupos. No momento, as pesquisas mostram os cerca de 40% que votaram nele no segundo turno felizes com o governo, e pelo menos metade do resto (quem votou em Bolsonaro ou não apertou nem 13 nem 22) lhe dando algum crédito.
No ambiente de profunda divisão política na sociedade, não chega a ser ruim. Mas está longe de repetir os cenários da louvação pós-posse em 2003 ou da consagração ao final do segundo mandato, em 2010. A sociedade hoje está em disputa. A direita está viva, nas duas vertentes. Apenas espera a oportunidade.
Pois as mesmas pesquisas mostram que dois em cada dez brasileiros concordam com as reivindicações dos manifestantes de 8 de janeiro, e, incrivelmente, um em cada dez concorda com os métodos utilizados por eles. Em caso de mudança no humor coletivo, é uma massa crítica disponível para alavancar movimentos.
De um lado, o governo trabalha para administrar esse humor e conta com a capacidade comunicacional do presidente. Mas o restrospecto recomenda que também tenha cuidado com o Congresso, onde sua base é mais fluida do que seria prudente. A pressão do momento é sobre o União Brasil.
O Planalto avalia que o custo-benefício de dar três ministérios à legenda não está sendo bom. A pressão serve para esquentar a chapa sob o partido, mas também para mandar um recado aos demais integrantes da base não propriamente programático-ideológica do governo.
Mas, se o sentimento der uma piorada, quem vai crescer na relação será o Parlamento, pois o estímulo a apoiar o governo é função de duas variáveis: há as vantagens materiais aos congressistas, mas se o eleitor estiver ressabiado o parlamentar acaba sentindo sua base eleitoral mais vulnerável à concorrência.
A dúvida no momento são duas: 1) se ou quando o Executivo mandará seus votos demissíveis (Fazenda e Planejamento, dois dos três membros do Conselho Monetário Nacional; o outro é o BC) subir a meta de inflação; e 2) se ou quando Luiz Inácio Lula da Silva enviará ao Congresso proposta acabando com a autonomia do BC.
Pois apontar culpados funciona durante algum tempo, mas, no limite, governos são eleitos para resolver problemas. Um problema, paradoxalmente, é medidas como as acima terem potencial para provocar deterioração de expectativas, e o resultado prático acabar neutralizando as intenções. É uma encruzilhada.
Uma vantagem de Lula: outra eleição presidencial, só daqui a quase quatro anos. Se tiver boa base congressual, pode perfeitamente atravessar um eventual vale de popularidade e esperar pela subida do morro. Em condições muito piores, Jair Bolsonaro viu a recuperação pós-pandemia turbinar seu desempenho em 2022.
Para atravessar, entretanto, Lula precisa manter sólida a base social que lhe deu um terceiro mandato e sustentar a disputa nos demais grupos. No momento, as pesquisas mostram os cerca de 40% que votaram nele no segundo turno felizes com o governo, e pelo menos metade do resto (quem votou em Bolsonaro ou não apertou nem 13 nem 22) lhe dando algum crédito.
No ambiente de profunda divisão política na sociedade, não chega a ser ruim. Mas está longe de repetir os cenários da louvação pós-posse em 2003 ou da consagração ao final do segundo mandato, em 2010. A sociedade hoje está em disputa. A direita está viva, nas duas vertentes. Apenas espera a oportunidade.
Pois as mesmas pesquisas mostram que dois em cada dez brasileiros concordam com as reivindicações dos manifestantes de 8 de janeiro, e, incrivelmente, um em cada dez concorda com os métodos utilizados por eles. Em caso de mudança no humor coletivo, é uma massa crítica disponível para alavancar movimentos.
De um lado, o governo trabalha para administrar esse humor e conta com a capacidade comunicacional do presidente. Mas o restrospecto recomenda que também tenha cuidado com o Congresso, onde sua base é mais fluida do que seria prudente. A pressão do momento é sobre o União Brasil.
O Planalto avalia que o custo-benefício de dar três ministérios à legenda não está sendo bom. A pressão serve para esquentar a chapa sob o partido, mas também para mandar um recado aos demais integrantes da base não propriamente programático-ideológica do governo.
Mas, se o sentimento der uma piorada, quem vai crescer na relação será o Parlamento, pois o estímulo a apoiar o governo é função de duas variáveis: há as vantagens materiais aos congressistas, mas se o eleitor estiver ressabiado o parlamentar acaba sentindo sua base eleitoral mais vulnerável à concorrência.
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