Alon Feuerwerker
jornalista e analista político
bio -> https://pt.wikipedia.org/wiki/alon_feuerwerker
quarta-feira, 31 de março de 2021
Projeções
terça-feira, 30 de março de 2021
Segurança vacinal
segunda-feira, 29 de março de 2021
Linhas reorganizadas
A primeira leitura sobre as movimentações ministeriais indica que Jair Bolsonaro reagiu ao processo de esvaziamento de poder com um rearranjo que colocou nas pastas estratégicas personagens mais permeáveis a sua autoridade.
E complementou o xadrez trazendo para o Planalto um nome do Congresso Nacional, o que lhe permite construir um polo de articulação agora triangular: aos dois presidentes das casas legislativas soma-se doravante alguém também da política, mas subordinado ao presidente.
O desgaste progressivo do agora ex-ministro das Relações Exteriores somou-se à perda de influência real de Bolsonaro no ministério da Saúde. Neste caso, o ministro parece mover-se, ao contrário dos anteriores, com razoável autonomia.
Tudo ajudou a transmitir nos últimos dias ao mundo político uma sensação de fraqueza presidencial. Que atingiu ponto crítico quando o chanceler abriu uma ofensiva contra o Senado. E este reagiu dando na prática um ultimato.
As mudanças deixam evidente que o presidente tenta organizar um contra-ataque.
Ou pelo menos estabelecer uma linha de resistência. Na política, depois de trazer o PP de Arthur Lira (AL) e Ciro Nogueira (PI), e depois de instalar o Republicanos de João Roma (BA) na Cidadania, atraiu agora o PL com Flávia Arruda (DF). Vai, também, cercando aliados potenciais para 2022.
Além de, naturalmente, estabelecer barreiras de contenção para eventuais tentativas de removê-lo do cargo pela via parlamentar. Considerando que a taxa de mortalidade política dos presidentes eleitos desde 1989 é de estonteantes 50%, não deixa de ser prudente.
O desafio para o presidente é atravessar a correnteza do futuro próximo, que vai combinar péssimos números na Covid-19, um provável arrefecimento da atividade econômica (ajudado pelas medidas de isolamento social) e pressões internacionais sobre a pandemia e o clima.
Num momento em que a vacinação da Covid-19 caminha, mas está longe de propiciar a tal imunidade coletiva.
Há também as incertezas sobre movimentações sociais decorrentes do relativamente baixo (comparado com o do ano passado) auxílio emergencial, o provável crescimento de desemprego e o cansaço com as medidas de isolamento social dos governadores e prefeitos.
As mudanças indicam que Jair Bolsonaro escolheu outro
caminho que não o de ceder poder na hora do aperto. É possível que tenha feito
a leitura do acontecido com os dois antecessores que acabaram derrubados depois
de, na undécima hora, entregar os anéis.
E tem a variável da consequência das mexidas na área
militar. É a variável que ainda não está tão clara assim.
A OMS e Wuhan
sábado, 27 de março de 2021
Uma verdade inconveniente: cada governo responde em primeiro lugar a seus próprios eleitores
Fala-se muito em frente ampla oposicionista, mas por enquanto a única consolidada é uma contra a atual condução - e o atual condutor - da política exterior brasileira. Será necessário, porém, notar que a frente não é homogênea. São pelo menos duas grandes tendências. E elas irão se chocar mais adiante. Segundo a primeira, o principal erro do atual Itamaraty foi o forte alinhamento a Donald Trump. Para a segunda, o equívoco foi ter abandonado o nosso tradicional esforço pelo não-alinhamento a países ou blocos.
Parece a mesma coisa, mas não é. Para a primeira, basta trocar "Donald Trump" por "Joe Biden" e a encrenca estará resolvida. Será suficiente, por exemplo, o Brasil aceitar os ditames do Partido Democrata dos Estados Unidos para a nossa política ambiental e enquadrarmo-nos na estratégia de Washington nas mudanças climáticas. Restariam outros ajustes, mas o grosso da confusão teria sido resolvido. E a reunião global de abril convocada por Biden sobre o tema será uma oportunidade.
Vista de modo mais abrangente, essa flexão implicaria admitir uma espécie de "multilateralismo do Tio Sam". Um mundo em que as instituições multilaterais seriam a fachada perfeita para o exercício de hegemonia da maior, por enquanto, superpotência. Quase uma volta aos anos 50 do século passado. Quando, por exemplo, a Organização das Nações Unidas funcionava como "rubber stamp" do Departamento de Estado. O mundo mudou muito desde então, mas é o que tenta o governo Biden.
Ocorre que a atual crise envolvendo o Itamaraty foi desencadeada pelo problema das vacinas contra a Covid-19. Antes, o alinhar incondicional aos EUA incomodava parte do mundo político, mas como a China continua a comprar fortemente nossas commodities – até acelerou, para formar estoques, o incômodo não tinha consequências práticas. A hostilidade ao governo chinês era criticada, mas a crítica nunca chegou às vias de fato. A explosão de casos e mortes por aqui por Covid-19 mudou isso.
A cristalização de convicções sobre a centralidade das vacinas para liquidar a epidemia expôs a insuficiência da política atual. Diferente dos países dos Brics de dimensão comparável à nossa (China, Índia e Rússia), somos a única nação da tétrade a não dispor ainda de uma linha de produção própria de vacinas contra o novo coronavírus. E aí, reconheça-se, todos os governos das últimas décadas são sócios na culpa. Assim como os porta-vozes da obsolescência de ter política industrial. Agora, o governo federal e o de São Paulo correm para virar a página.
Que tenham sucesso, para o bem do Brasil.
Voltando. Se recompensar o bom comportamento fosse a regra das relações internacionais, então seria hora de ver os Estados Unidos e o resto do Ocidente retribuírem nosso recente alinhamento estratégico a esse campo geopolítico mandando para cá as vacinas necessárias. Acontece que Biden nesta pandemia segue a máxima trumpista do “America First”. Segurou o grosso das vacinas por ali. O mesmo fez o outro grande fabricante do “mundo livre”: o Reino Unido. Nem para o resto da Europa estão aliviando.
Pois cada governo é eleito unicamente pelos seus próprios nacionais. E na hora do aperto responde em primeiro lugar a eles. São a fonte da reprodução de seu poder político. Ignorar isso é um erro primário. Eis uma verdade inconveniente, como diria o ex-vice-presidente Al Gore.
E cá estamos nós a depender agora de países com quem
vínhamos arrumando encrenca gratuitamente, apenas para agradar um que agora nos
dá as costas. Serve de lição. Poderemos debater isso com mais calma depois. Mas
agora precisamos mesmo é de vacinas. E precisamos de chineses, indianos e
russos. Está exposta, como nunca, a insuficiência da atual política exterior.
Mas não só. Está provado também que trocar “Trump” por “Biden” não será
suficiente. Pois os americanos não estão mandando vacina nem para a turma da
Otan.
sexta-feira, 26 de março de 2021
Argentina fechada
A Argentina proibiu completamente os voos vindos do Brasil, do México e do Chile. Já tinha feito isso com voos provenientes do Reino Unido (leia). É mais uma medida na tentativa de se proteger das novas cepas de SARS-CoV-2. E também das velhas.
Enquanto as trágicas contabilidades da Covid-19 escalam aqui, a Argentina se afasta para trás relativamente, depois de até nos ultrapassar nas mortes por milhão de habitantes. A dúvida é sobre se haverá ali uma segunda onda. A tentativa de se proteger das novas cepas é exatamente para evitá-la.
A Argentina quer evitar ser amanhã o que o Brasil é hoje. No ano passado, fez um dos mais duros e extensos lockdowns do planeta. O resultado para a economia foi ruim, um recuo do PIB mais que o dobro do daqui. E também colheu uma primeira onda de Covid-19 longa e mortal.
Agora, procuram se proteger melhor. Faz sentido. Mas é medida de efeito limitado, não tem como ser perpetuada no tempo. Lá, como aqui, a solução é vacinar em massa e esperar que isso, combinado infelizmente com a marcha do vírus, produza a imunidade coletiva.
Vale para um país e vale para a região. No limite, vale para o mundo.
Distensão tucano-petista?
O noticiário traz indícios de distensão entre PT e PSDB. Seria algo inédito no último quarto de século, desde que Fernando Henrique Cardoso atravessou o Rubicão em 1994 e se aliou ao então PFL (hoje Democratas) para formar um bloco anti-Lula na sucessão de Itamar Franco. Foi um movimento e tanto, pois petistas e tucanos vinham próximos e haviam sido sócios-fundadores do impeachment de Fernando Collor.
Daí sobrevieram duas décadas de polarização eleitoral e
política entre as legendas. O PT derrotou o PSDB sempre que teve segundo
turno, já os tucanos ganharam duas vezes no primeiro turno nos anos 90. Mas a
dança do par acabou quando a Lava-Jato dinamitou primeiro o petismo e depois, mais
perto da eleição de 2018, o tucanismo. A força de Luiz Inácio Lula da Silva ainda
levou Fernando Haddad à decisão, mas aí deu Jair Bolsonaro.
As almas crédulas podem acreditar que ambas as
agremiações estão mobilizadas pelo ímpeto de salvar o Brasil, já os espíritos
mais céticos preferirão esperar para saber se não é apenas um enxergando no
outro a escada para voltar ao poder em Brasília. É provável que seja uma
mistura das duas coisas, mas na política a narrativa é sempre essencial. E desconfiar dela também.
Essa dita aproximação, se acontecer mesmo, vai despertar paixões.
A favor e contra.
Para buscar alguma objetividade, será preciso ir às questões
de ordem prática. Uma, simples, é imediata: petistas e tucanos apoiariam um ao
outro numa decisão de segundo turno contra Bolsonaro? Pode parecer prematuro discutir
isso a um ano e meio da eleição, e os políticos, espertos, dirão que é mesmo. Mas
é só disso que se trata. Hoje, parece mais fácil o PT aceitar esse compromisso
que o PSDB.
Até porque as pesquisas de hoje dão mais chance ao petismo
que ao tucanismo em 2022.
Eu disse que é só disso que se trata, mas talvez não seja bem
assim. Outro ponto importante: aliar-se para fazer o quê? Qual seria o programa
de um governo petista-tucano, ou tucano-petista? É fácil dizer que farão uma “frente
de salvação nacional”, mas no que consistiria essa “salvação”? Estará o PT, por
exemplo, disposto a abrir mão de suas concepções econômicas e geopolíticas, e assim fechar o
espaço para uma alternativa viável de centro-direita?
2022 vai repetir 2002?
Do lado do PSDB, há outro problema. Aquele partido com tintura
social-democrata fundado na viragem dos anos 80 para os 90 do século passado
ficou na história, e a legenda hoje tem enraizamento mesmo é no eleitorado
mais para conservador. Uma coisa é assinar manifestos conjuntos nos jornais e
na internet. Outra coisa é fazer o candidato a deputado, senador e governador
bater de frente com o eleitor dele.
Porque provavelmente o bolsonarismo vai dobrar a aposta
conservadora na eleição do ano que vem. Pois, além de tudo, o conservadorismo é a
principal força a explicar a resiliência do presidente da República em meio à
blitzkrieg política que a condução da pandemia permitiu desencadear contra o governo.
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Publicado na revista Veja de 31 de março de 2021, edição nº 2.731
quinta-feira, 25 de março de 2021
Segunda, terceira
quarta-feira, 24 de março de 2021
Ajustes
Os movimentos das últimas horas foram claros. O presidente da República procurou ajustar o discurso e a operação política em torno da pandemia, para enfrentar o crescente risco de isolamento. As necessidades da nova conjuntura foram desenhadas pelo agravamento dos números trágicos da Covid-19. E pela repercussão deles. Diante da maré crescente contra, o Planalto teve de agir.
Colocou a vacinação no centro do discurso e buscou articulação com os demais poderes e governadores. Persistem, naturalmente, os bolsões políticos de maior atrito, estimulados pelo desgaste presidencial e também, por que não?, motivados pela disputa eleitoral do próximo ano. Se vai funcionar, os dias e semanas vão dizer.
O Brasil caminha na vacina (leia), mas a propagação do SARS-CoV-2 tem rapidez própria. Vamos aguardar para saber o quanto a vacinação irá efetivamente contribuir para encurtar a duração da segunda onda. Ou até, quem sabe?, evitar a terceira. A ascendente da nova onda está mais aguda do que foi na primeira. Resta cruzar os dedos para que o declínio siga esse mesmo padrão.
terça-feira, 23 de março de 2021
Segunda turma
segunda-feira, 22 de março de 2021
Monitorar a vacinação
sábado, 20 de março de 2021
Os desafios políticos no curto prazo. E o inglório boxe da ideologia contra os fatos.
As forças políticas estão diante de desafios imediatos. Na oposição, o trágico agravamento da epidemia de Covid-19 é uma oportunidade, talvez a melhor, para tentar enfraquecer decisivamente o governo Jair Bolsonaro. Para removê-lo já, ou ao menos fazê-lo chegar a outubro de 2022 tão emagrecido que se torne incapaz de reunir a maioria do eleitorado no segundo turno presidencial, ou até impossibilitado de ir à rodada final.
A remoção imediata tornou-se mais difícil após a eleição de aliados do presidente para comandar a Câmara dos Deputados e o Senado. Mas a política não é estática, então a pressão também recai sobre os comandantes do Legislativo. Que, entretanto, podem escorar-se nas maiorias ali dispostas a respaldar o núcleo econômico da agenda governamental em troca de espaços de poder, lato sensu.
Daí certa tendência ao “morde e assopra”: uma hora agradam aos críticos, mas nunca faltam ao Planalto.
A janela de oportunidade para enfraquecer o presidente e o governo, ao menos com vistas a 2022, acabou unindo o que estava difícil de juntar: a esquerda com a direita não bolsonarista. Ainda que uma parte desta continue aferrada ao discurso de “luta contra os extremos” e prefira ser chamada de “centro”, ou pelo menos “centro-direita”. Mas tanto faz: uma parte do bloco bolsonarista de 2018 está se deslocando.
O “caminhar juntos” da esquerda com a centro-direita (vamos então caracterizar assim) na luta de momento contra Jair Bolsonaro também se alimenta da grande esperança maximalista desta última: tirar o presidente até do segundo turno. No qual, a esse grupo se apresentaria finalmente uma possibilidade material de aparecer como a tal alternativa viável aos “extremos”. Aliás, o desafio do “centro” é só esse, ir ao segundo turno.
Pois ali estaria em posição excelente para eleger-se com base apenas na rejeição ao oponente. Qualquer um.
Já para a esquerda, a ampla convergência antibolsonarista de agora é chance de ouro para o “reset”, para sair do isolamento. A elegibilidade de Luiz Inácio Lula da Silva ajuda, na medida em que desenha alguma expectativa de poder, sempre fator de atração. Mas chegará a hora em que esse mesmo “centro” voltará a brandir a “ameaça da volta do lulopetismo”. Pode ser no primeiro ou no segundo turno. É uma narrativa já contratada.
Já no lado do governo, a missão é atravessar o desfiladeiro, à espera de que a curva de vacinação neutralize, ao menos amorteça, a de mortes registradas diariamente pela Covid-19. As informações do Butantã do governador João Doria e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) são moderadamente animadoras. A política é mesmo cheia de contradições misteriosas: bate-boca à parte, o governo de São Paulo está objetivamente ajudando o federal no momento mais difícil deste.
Pois o único trunfo, ou boia, do Planalto nesta hora é a vacinação.
Mais ironias? O governo Bolsonaro faz há dois anos um esforço descomunal para desacoplar o Brasil da lógica Sul-Sul e engatar nosso vagão no que chama de Ocidente, ou “mundo livre”. Mas, no pior aperto sanitário da nossa história, só podemos contar mesmo é com chineses, indianos e, se a Anvisa deixar, russos. Ideologia é agradável, mas quando ela sobe ao ringue para bater de frente com os fatos nunca tem muita chance.
sexta-feira, 19 de março de 2021
Segunda, terceira
quinta-feira, 18 de março de 2021
Feriado prolongado
quarta-feira, 17 de março de 2021
Os números de Bolsonaro
terça-feira, 16 de março de 2021
PIB e emprego
segunda-feira, 15 de março de 2021
Com firma reconhecida
sábado, 13 de março de 2021
Mar das dúvidas
O petismo é o único que parece não ter dúvida: se Lula puder concorrer, e quiser, o candidato será ele. E, aparentemente, o PT ainda não deu sinais de estar matutando sobre os detalhes da escolha. Primeiro, vai ser preciso ter certeza de que a decisão de Fachin continua como está.
Pois o jogo ainda corre aberto, como evidenciou a parada no julgamento da suspeição de Sergio Moro pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. E do atual STF nada que venha será surpresa.
Lula parece beneficiar-se momentaneamente de um certo “equilíbrio do terror”. Mesmo se o plenário do Supremo reverter a decisão de Fachin, continuará o risco de a Segunda Turma declarar Moro suspeito, e aí desencadear um terremoto sob os pés da Lava-Jato.
Desta vez um grande.
E com Moro declarado suspeito cairiam também as condenações de Lula.
Se a decisão de Fachin é mantida, e impede-se a Segunda Turma de prosseguir no julgamento da suspeição de Moro, salva-se (momentaneamente?) a Lava-Jato. Mas Lula fica com caminho aberto para 2022. A não ser que volte a receber condenação pelo menos em duas instâncias até lá. Difícil.
E se o STF não reverte o que Fachin decidiu, mas tampouco impede a Segunda Turma de concluir o julgamento da suspeição? Aí juntar-se-iam a fome e a vontade de comer. Qual será a probabilidade de vingar este cenário maximalista?
Tem também a hipótese minimalista. O plenário reverte a decisão de Fachin e a Segunda Turma ou não declara Moro suspeito ou simplesmente não decide nada sobre isso até que passe a eleição de 2022. Será um jeito de tirar Lula de novo da corrida.
Aguardemos. Entrementes, algumas forças políticas quebram a cabeça sobre o que fazer. O movimento mais visível é a tentativa de agrupar o “nem-nem”, os políticos que não querem nem o petista nem Jair Bolsonaro. A dificuldade aí não é saber o que não querem, mas o que querem.
Além do poder, claro.
Se bem que em outros momentos da história agitar uma rejeição foi suficiente para fazer valer alternativas políticas programaticamente nebulosas. Aliás, o Brasil está cheio de casos. O antimalufismo, por exemplo, foi vaca leiteira para muita gente boa por pelo menos duas décadas.
A dificuldade do dito centro parece residir no enigma não decifrado de 2018, e que o levou à catástrofe eleitoral: quando o gato quer caçar dois ratos, como fazer para não escaparem os dois? Desta vez, o discurso “contra os extremos” vai sensibilizar as massas?
Ou seria preferível escolher um adversário principal e apresentar-se como a melhor opção disponível para derrotá-lo? Bem, esse é um problema para os especialistas destrincharem. Enquanto isso, Lula vai agregando simpatias, ou pelo menos reduzindo antipatias, por gravidade.
E tem Jair Bolsonaro. Ele não está num momento confortável em popularidade, mas a agenda econômica parece ganhar tração no Congresso e a vacinação promete entrar em certo ritmo entre este mês e o próximo. E o Brasil inteiro quer que a vacinação funcione.
E tem Sergio Moro, que também está elegível.
E a eleição não é agora. É só em outubro de 2022.
sexta-feira, 12 de março de 2021
Concorrência benigna
Batalha tucana morro acima
Não é frequente eleições presidenciais no Brasil trazerem surpresas. De 1994 a
2014, deu a lógica, pelo menos sobre quem ia ao segundo turno, ou ganhava no
primeiro. Foram as duas décadas da polaridade PT/PSDB. Tempos nos quais os
apelos “contra a polarização” tiveram pouca acolhida no debate público e na
opinião pública. No máximo, viam-se ensaios de “terceira via”, que as
circunstâncias invariavelmente acabavam deixando na poeira.
O que mudou em 2018? Jair Bolsonaro desalojou o PSDB da
hegemonia no bloco que vai do centro para a direita. É interessante notar que a
Lava Jato acabou tendo para os tucanos um efeito mais destrutivo que para os
petistas. Varrido
do cenário nacional pouco mais de dois anos atrás, o PSDB luta agora para retomar o
posto de líder de seu campo, não sem razoável dificuldade. Uma batalha morro acima.
Os tucanos mantêm alguma expressão pelo Brasil em nível
estadual, mas à exceção de São Paulo não dá para dizer que o partido tenha
capilaridade hegemônica em nenhum outro estado. Um lugar onde mostrava algo
parecido com isso era Minas Gerais, mas ali razões históricas conhecidas
fazem hoje o PSD de Gilberto Kassab ser o candidato mais forte a ocupar a vaga
de eventual partido hegemônico. Inclusive com a participação de
ex-peessedebistas.
Situações de crise trazem oportunidades, diz o batido
bordão, e o governador João Doria luta com todas as forças para ser o
comandante da ofensiva de reconquista tucana. Teve a ousadia de sair na frente
nas vacinas contra a Covid-19 e espera colher os frutos no próximo ano. Os
fatos dirão. Um problema para Doria? É provável que daqui a um ano e meio, na
hora da eleição, as “vacinas federais” já sejam em bem mais quantidade que a “de
São Paulo”.
Doria tem um histórico de respeitáveis arrancadas eleitorais.
Aconteceu quando concorria para a prefeitura da capital e, depois, ao governo
estadual. É um argumento que ele tem usado ao ser confrontado com seus baixos
índices atuais de intenção de voto. Há precedentes também na eleição presidencial.
Fernando Henrique Cardoso em 1994, Dilma Rousseff em 2010 e Jair Bolsonaro em
2018 partiram de trás. Ainda que não tanto quanto o governador hoje.
Há, porém, uma diferença essencial entre os cenários
enfrentados por Doria nas corridas de 2016 e 2018 e a disputa pela sucessão presidencial
de 2022. O desafio ali era ocupar um espaço em larga medida desocupado. Nem
para a prefeitura nem para o governo estadual, Doria teve de lutar em seu bloco com
um Jair Bolsonaro. Os oponentes a ultrapassar eram Celso Russomano e a
incógnita entre Paulo Skaf e Márcio França.
Logo no começo do mandato de agora, Doria escolheu abrir, mais cedo do que recomenda a sabedoria convencional, a refrega com o atual presidente. Talvez tenha sido apenas por estilo, ou vai ver o governador avaliou que Bolsonaro se enfraqueceria rapidamente. A favor de Doria está o fato de as arremetidas anteriores dele terem dado certo. Contra, a também certeza de que enfrentar um presidente na cadeira costuma pedir mais frieza quando falta muito para a eleição.
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Publicado na revista Veja de 17 de março de 2021, edição nº 2.729
quinta-feira, 11 de março de 2021
America e Europa primeiro
quarta-feira, 10 de março de 2021
O estado da corrida
Vamos esperar as próximas pesquisas, mas a primeira presidencial feita após Luiz Inácio Lula da Silva ter voltado a ficar elegível mostra ele uns dois dígitos atrás de Jair Bolsonaro no primeiro turno e empatado tecnicamente com o presidente no segundo turno, apesar de numericamente atrás quatro pontos (a margem de erro do levantamento é três) (leia).
O presidente mantém sólido o contingente que votou nele no
primeiro turno em 2018. Ele teve então algo que correspondeu a pouco menos de
um terço do eleitorado total. A diferença está nas simulações de um eventual
segundo turno, pois em 2018 Bolsonaro colocou em torno de dez pontos de
vantagem sobre o então candidato do PT, Fernando Haddad.
Na referida pesquisa, os demais nomes ainda lutam para
romper a barreira dos dois dígitos no primeiro turno. Tentarão fazer isso
argumentando contra a polarização. Não funcionou da última vez. Vai funcionar
agora? Há dúvidas. O tema polarização versus despolarização parece por enquanto
meio fora do universo de preocupações do público mais amplo.
O que vai decidir, então? Em tese, como a economia vai
chegar em meados do ano que vem. E isso dependerá da vacinação. Se ela andar
razoavelmente, Bolsonaro tende a atravessar a turbulência e chegar competitivo.
Pois removeu até o momento o risco de vir a sofrer nesse meio tempo um processo
de afastamento na Câmara dos Deputados.
Se não, tende a se tornar um “pato manco”, como se diz nos
Estados Unidos. Essa é a esperança dos concorrentes dele do centro para a
direita.
Tempo de guerra
As notícias vêm e vão, mas uma boa notícia do dia é a CoronaVac ser eficiente contra a variante do SARS-CoV-2 surgida em Manaus (leia). São estudos ainda preliminares, e todos sabemos como o meio científico e a imprensa estão coalhados de "estudos preliminares". Mas não custa ter a esperança de que se confirmem. Será excelente se a vacinação com o imunizante de origem chinesa ajudar contra novas cepas.
Outra notícia relevante do dia é a progressiva aceitação da SputnikV na Europa. Desta vez foi o responsável pelas vacinas na Alemanha a elogiar o imunizante russo do Instituto Gamaleya (leia). Pouco a pouco, as barreiras geopolíticas vão sendo permeabilizadas pela necessidade premente de atender à demanda irrefreável das populações por vacinas.
Aqui no Brasil, parece já termos superado o período de desconfianças sobre a CoronaVac. Ou pelo menos já estamos bem perto de superar. Falta agora dar o passo decisivo. Talvez a Anvisa deva reavaliar seu ritmo e compreender que estamos diante de uma emergência nacional em larga escala. Uma situação de guerra. E situações não convencionais exigem atitudes idem.
Fica uma dica
Ainda que as contradições de cada um deles tenham sido essenciais para permitir o sucesso da obra empresarial e editorial agora comemorada.
Por falar em contradições, uma de agora tem me incomodado especialmente, pois tive a sorte de trabalhar no jornal durante os anos mais agudos do período. Ali acentuou-se o esforço editorial, nascido na década anterior, de a Folha praticar certo grau de pluralismo. Junto com a crítica, o apartidarismo e a independência, o pluralismo compunha a estrutura que mantinha íntegra e nítida a imagem que o jornal fazia de si mesmo.
O pilar fundamental da sua autoestima. Ainda que a realidade nem sempre estivesse exatamente refletida nessa imagem. Coisa também normal.
Onde está a contradição? Num jornal que cresceu e venceu definindo-se, antes de tudo, pluralista, e agora comemora um século, a crescente invasão de vozes a exigir que sejam suprimidas outras vozes, as que cada autonomeado portador da “verdade” considera estarem fora do espectro das “ideias aceitáveis” no debate público. E essa invasão não escolhe lado. Tem de tudo, de gente que se enxerga “à esquerda” até supostos liberais.
Colocar limites em qualquer debate é sempre saudável, em tese. O problema começa quando se precisa definir quem vai dizer qual é o limite. Ele costuma ser flexível, conforme a época e a hegemonia de um ou outro pensamento. É um processo dinâmico, uma luta permanente de contrários. No caso atual, é só ingenuidade imaginar que vai ser fácil achar o equilíbrio entre o pluralismo e, vamos dizer assim, a civilização.
Até porque o próprio conceito de “civilização” está em permanente disputa.
A busca de tal equilíbrio exige bem mais arte que ciência, esta palavra tão banalizada nos nossos dias de pandemia. Como fugir do relativismo sem cair na armadilha do pensamento único? Bem, em primeiro lugar é preciso saber se a pessoa quer mesmo evitar essas duas coisas. Ou se, no frigir dos ovos, está apenas interessada em estabelecer-se como ditador das ideias dos outros a pretexto de defender “a verdade”.
Há certamente profissionais no jornal encarregados de administrar essa tensão no dia a dia, faz parte do seu "job description". Desejo-lhes boa sorte. É uma maneira prática de homenagear o "Seu Frias" e o "OFF".
Para os candidatos a pequeno censor da expressão alheia, arrisco aqui um palpite. Se abriram um espaço no jornal para você dar sua opinião, concentre-se nisso. A alternativa é arriscada. O ofício de censor é perigoso além da conta. No mais das vezes, quem está atrás de censurar os demais acaba ele próprio vitimado quando, por alguma razão, o vento muda.
Fica a dica.
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Alon Feuerwerker é jornalista, analista político na FSB Comunicação e foi secretário de Redação da Folha
Publicado na Folha de S.Paulo de 10/03/2021
terça-feira, 9 de março de 2021
A corrida dos anti
O andamento dos trabalhos na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal sobre a suspeição do então juiz Sergio Moro vai desenhando o cenário para 2022. Uma advertência: no realismo fantástico da política brasileira fazer previsões com um ano e meio de antecedência é uma loteria. Aqui tudo literalmente pode acontecer, inclusive o contrário. Exemplos recentes não faltam.
Mas, a consolidar-se o cenário atual, o quadro das eleições
estará desenhado. Daqui até o final do primeiro turno a disputa mais feroz será
dentro de cada campo. Do centro para a direita, o discurso corrente vai ser
sobre o risco de Jair Bolsonaro ser derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva num
eventual segundo turno. E aparecerão os candidatos a salvador da pátria.
Do centro para a esquerda, a narrativa tentada será a mesma,
de sinal trocado: o risco de Lula perder para Bolsonaro no segundo turno. Ou
seja, de um lado e do outro os candidatos apresentar-se-ão menos pelo que são
de fato e mais pela (suposta) capacidade de bater o dito mal maior. E isso não
chega a ser novidade na política, muito menos na brasileira.
Aqui já fomos movidos pelo antimalufismo (Montoro,
Tancredo), pelo antilulismo de primeira geração (Collor e Fernando Henrique),
pelo antitucanismo (Lula, Dilma) e pelo antilulismo e antipetismo de segunda
geração (Bolsonaro). E chegamos onde chegamos. Talvez a política seja só isso mesmo,
talvez o eleitor esteja mesmo mais interessado em saber quem vai derrotar.
Mas vale o registro.
A curva de Araraquara
segunda-feira, 8 de março de 2021
Lula ficha limpa, por enquanto
Sobre a decisão do ministro Edson Fachin de anular as duas condenações de Luiz Inácio Lula da Silva (tríplex e sítio) em Curitiba, o argumento dos advogados era de que as acusações nada tinham a ver com a Petrobras. E por que decidir só agora? Segundo Fachin, porque os advogados só apresentaram esse argumento em novembro.
Questões juridicas à parte, é preciso fixar que a decisão representa uma vitória política para Lula e o PT. É claro que Lula pode ainda ser condenado pela Justiça Federal do DF, e se a condenação for confirmada em segunda instância voltará a ficar inelegível. Mas a partir de agora o cenário é outro.
Fachin não anulou os atos instrutórios de ambos os processos. O juiz em Brasília poderá, se desejar, simplesmente decidir em cima de tudo o que foi preliminarmente produzido sob a supervisão de Sergio Moro em Curitiba. Mas é possível que os advogados de Lula argumentem que Moro tampouco deveria ser o juiz encarregado de tocar a instrução.
Por que Fachin fez o que fez? Uma hipótese é tentar evitar que a Lava Jato descesse pelo ralo junto com os processos de Lula se a Segunda Turma declarasse a suspeição de Moro. Mas a esta altura é menos relevante para o quadro político. O fato é que Lula está de volta ao palco. E isso tem efeitos imediatos, como mostrou hoje a queda da Bolsa.
Quem ganha e quem perde? Ganham Lula e o PT. Mas também em
algum grau Jair Bolsonaro, que vem sob fogo cerrado dos segmentos políticos “ao
centro”. Com Lula no cenário, certamente será revivido o argumento de que o
atual presidente seria uma espécie de mal menor para esse grupo.
sábado, 6 de março de 2021
O ano dos balões de ensaio
A situação do governo Jair Bolsonaro, especialmente dele próprio, é contraditória. De um lado, o governismo venceu as eleições para a presidência da Câmara dos Deputados e ergueu um muro contra tentativas de impeachment. Também ganhou no Senado, o que completa o desenho favorável à aprovação das propostas centrais da equipe econômica. Desde que negociadas, claro, no Congresso Nacional. Mas isso é do jogo.
Ainda pelo lado favorável a Bolsonaro, todas as pesquisas apontam sua liderança na corrida presidencial para 2022, posição sustentada no cerca de um terço do eleitorado que, por enquanto, segue firme com ele. Isso o coloca facilmente no segundo turno. Para completar, o presidente parece ter sobre os mecanismos de Estado capazes de desestabilizá-lo uma ascendência bem maior que os dois antecessores imediatos.
Na outra face da moeda, Bolsonaro enfrenta problemas. O grau de liberdade para o presidente ser ele mesmo diminuiu. Diz a sabedoria filosófica que quando alguém transforma a realidade ela também modifica quem a transformou. Os partidos do dito centrão hoje são de fato governo e protegem o presidente. Porém este também passa a depender mais deles. Até aí, nada de muito novo no Brasil. Mas talvez para Bolsonaro seja novidade.
Outro complicador é o contra-ataque do Supremo Tribunal Federal, facilitado pelo passo em falso do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ). O potencial campo político antibolsonarista pode estar dividido nas ambições para 2022, mas anda coeso no apoio a iniciativas do STF que criem constrangimentos ao comandante do Planalto. Igualmente a esmagadora maioria da imprensa. É uma verdadeira frente ampla.
A resultante das forças no momento indica que nem a oposição tem músculos para retirar Bolsonaro da cadeira, nem este terá espaço e terreno livre para ganhar muita tração neste resto de primeiro mandato. Daí a tendência a se manter uma guerra de posição relativamente prolongada. A não ser, naturalmente, que sobrevenha o fato novo. Mas sempre repito por aqui que o imprevisível é muito difícil de prever.
E tem a pandemia. Até o momento, ela talvez tenha contido a capacidade de o presidente ampliar o mercado eleitoral dele, mas não corroeu significativamente sua fatia. E o que ele possa ter perdido com o divórcio da Lava-Jato ganhou a partir da operação do orçamento federal. Vamos ver como evolui. Se a vacinação contra a Covid-19 andar, é provável o cenário continuar meio congelado. Se der chabu, aí o voo de Bolsonaro enfrentará fortes turbulências.
A vacinação vai no Brasil mais ou menos em linha com a maior
parte do mundo. Tudo meio devagar, desde que algumas potências reservaram para elas o grosso dos imunizantes nesta primeira etapa. Mas por aqui somou-se a isso a subestimação presidencial da necessidade de vacinar. Se o cronograma não andar conforme o projetado vai introduzir um forte
elemento de instabilidade.
Se a eleição de 2022 fosse hoje o presidente provavelmente iria ao segundo turno e teria grande dificuldade para fechar a fatura. Pelas pressões em favor de uma frente ampla na reta final, dada a progressiva convergência dos opositores em torno da vontade de impedir a continuidade do capitão. Decorre também daí a briga de foice do outro lado. Pois o cenário atual faz do potencial adversário de Bolsonaro na reta final um nome bem forte, qualquer que seja ele. É um bolo apetitoso demais.
Por isso, é ilusão imaginar a sedimentação rápida do cenário
para 2022. A hora é de testar as águas. E o que não falta são balões de ensaio.
2021 será o ano deles.