segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

A diluição da expectativa de poder aparece como o novo e complicado risco para Temer

O Palácio do Planalto atravessa bastante bem este início de 2017. Os candidatos governistas elegeram-se para as presidências das duas Casas do Congresso, o indicado ao STF deve passar com facilidade pelo Senado, a inflação está mergulhando e o presidente blindou-se contra as novidades nascidas das delações da Lava-Jato.

Se Michel Temer não pode ser nem investigado por atos antes do mandato, muito menos pode ser denunciado pelo Ministério Público. E sem denúncia não tem processo. Assim, pelo critério definido por ele, o único que está completamente a salvo de perder o cargo em decorrência de fatos trazidos pelos delatores é ele mesmo. O resto do governo fica nas mãos do PGR.

Das eleições congressuais, restou entre o Planalto e o presidente da Câmara um ruído, a monitorar. O líder do governo foi mantido, contra a vontade de Rodrigo Maia. O desconforto é residual, mas pode crescer. E a administração precisa de uma máquina azeitada para tocar a agenda no semestre, que pode ser o último com alguma paz política. A eleição vem aí.

Na economia, a inflação embicada para baixo garante a boa-vontade dos analistas e, pelo menos, a indiferença popular. Temer não é querido. Tampouco é repudiado ao ponto de ver as ruas mobilizarem-se em massa contra ele. É tolerado. A elite suporta-o para que faça as reformas desejadas pelo empresariado. E a queda da inflação faz a maioria do povo prestar pouca atenção nele.

Tudo então vai bem? Nem tanto. A semana que passou trouxe o fato novo. Uma pesquisa mostrou Lula em recuperação, ganhando de qualquer candidato no primeiro e no segundo turnos. Sim, é só uma pesquisa, e é preciso esperar outras, mas os números são verossímeis. O PT e Lula deixaram de ser os protagonistas únicos da Lava-Jato e a economia patina.

A força do poder nasce da combinação do poder propriamente dito e da expectativa de poder. O primeiro é declinante e o segundo é ascendente. O governante precisa mostrar que vai continuar mandando para evitar as forças centrífugas que se alimentam da dispersão da expectativa de poder. Se o bloco PMDB-PSDB-DEM der sinais de que pode naufragar em 2018, os efeitos começarão a aparecer agora.

É razoável supor que o governo terá algum candidato competitivo na sucessão, mas só a suposição não garante nada. Os índices de aprovação não podem estar no chão, pois isso seria uma âncora complicadora. A situação do PSDB é especialmente complexa, pois corre o risco de ser arrastado pelo parceiro. Os números das pesquisas têm sido eloquentes.

Até quando e onde o PSDB conseguirá administrar a tensão pré-eleitoral com Lula subindo, Temer patinando e a antipolítica propondo a aposentadoria compulsória de todo o elenco atual? E com a Lava-Jato de trilha sonora? Políticos pensam em primeiro lugar na própria sobrevivência, e não se pode condená-los por isso.

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A subida de Lula para seu patamar "natural", em torno de 30%, reacendeu as curiosidades sobre o que a Lava-Jato vai fazer com o ex-presidente. Se e quando será condenado, se e quando seu recurso será julgado, em caso de condenação. Se vai ser preso. Se o TSE e o STF vão proibir réu de ser candidato a presidente. Etc.

Vem embutida nessas curiosidades a convicção, ou esperança, ou vontade, de que a polícia, os promotores e os juízes resolvam antecipadamente o que deveria ser decidido na urna. É um exercício fútil. A disputa em 2018 se dará entre blocos político-sociais. Se Lula não puder ser candidato, um "candidato de Lula" será competitivo.

Vale sempre lembrar a eleição de 2010, onde durante um tempo vicejou a tese de que sem Lula na urna eletrônica os demais teriam uma chance única. No final, pouca diferença fez. Quem desejar derrotar Lula em 2018 precisará fazê-lo politicamente.

O isolamento do PT ajudará os adversários, mas imaginar que a eleição será decidida nos tribunais é só autoengano.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

A guerra de movimento transforma-se em guerra de posição. E a decepção do galo

A análise da realidade brasileira pela lente do senso comum traz certezas e perplexidades. Uma certeza é a recessão, de quase dois dígitos em dois anos, ter promovido este ajuste fortíssimo, salvando as contas externas e fazendo a inflação mergulhar. Uma perplexidade é quando se vê a passividade social que, por ora, parece suceder a efervescência de 2015/16.

Em situações complexas, determinadas por múltiplos fatores, é válido recordar a historinha do galo que cacarejava ao alvorecer quando o trem passava na cidade. Um dia, o trem ficou bloqueado na estação anterior e não passou na hora do cacarejo. O galo morreu de desgosto, decepcionado pela revelação de que não era ele, afinal, quem fazia o trem passar.

Dilma Rousseff não caiu por causa da Lava-Jato. Caiu porque recusou a reforma liberal, e não apresentou alternativa. Caiu porque acreditou que a inércia lhe bastaria, enquanto a Lava-Jato abateria os adversários, externos e internos. Caiu porque seus ziguezagues desmobilizaram a base social. Caiu porque não tinha um colchão político tecido na bonança.

A Lava-Jato catalisou a derrubada de Dilma. Acelerou a reação química que corroía o poder do PT. Mas catalisador sozinho não faz verão, como sabem os químicos e como se vê agora. Precisa que a reação se desencadeie, a partir de outras pré-condições. Precisa que a situação chegue a um patamar de ativação. E, por enquanto, o governo Temer está distante disso.

Uma fagulha sempre pode incendiar a pradaria, e é bom ficar de olho. O mal-estar social persiste, pois a modestíssima recuperação ainda não chegou na ponta. Mas o cenário mais provável hoje é outro: é a guerra de posição substituir a guerra de movimento. Em vez de blitzkrieg, combate nas trincheiras. As batalhas se sucedem, mas o front macro fica estável.

E tem outra. A gama cada vez mais ampla de alvos da Lava-Jato vai ampliando a força que a ela resiste. O elástico fica mais difícil de esticar quanto mais é esticado, e a mola fica mais difícil de apertar quanto mais é apertada. É legítimo a Lava-Jato querer usar o momento para remover esta camada política. E é compreensível que os ameaçados de morte resistam.

Na guerra de trincheiras morre muita gente, mas as posições relativas mexem-se pouco. Em 2017, a morte política vai dar as caras, mas isso afetará pouco a relação de forças. O bloco governista continuará sendo este, aplicando este programa. Também porque a oposição de esquerda não parece ter ideia do que faria diferente se estivesse no governo.

Tampouco mostra interesse em derrubá-lo agora.

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Os canhões estão apontados para todos os lados e isso sempre tem algum efeito de dissuasão. O MP e o Judiciário apontam seus canhões para o Executivo e o Legislativo, com a Lava-Jato. No Congresso, repousam projetos contra os super-salários dos juízes e procuradores e contra o abuso de autoridade. E o Executivo tem a caneta, principalmente a orçamentária.

É o equilíbrio do terror.

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Há anos, décadas, ouve-se que um dos problemas da economia brasileira é a insegurança jurídica. Mas os mesmos que desde sempre repetem essa suposta verdade vibram hoje com o desfile de juízes de primeira instância decidindo sobre qualquer coisa, sabe-se lá com base no quê.

De duas uma: ou acham que juiz de primeira instância legislando é bom para a segurança jurídica no Brasil, ou então foram abduzidos pelas sucessivas ondas de paixão política destes nossos tempos complicados.

Como a primeira opção é improvável, tomo a liberdade de achar que é a segunda mesmo.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Temer completa a "transição na transição" e ganha escoras para tentar chegar a 2018

As escolhas (quase) consensuais para as presidências do Senado e da Câmara dos Deputados, com a eleição de Eunício Oliveira (PMDB-CE) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), devem ser lidas como o fim de uma etapa. Se o governo Michel Temer é de transição, terminou a "transição na transição".

O presidente da República tem agora um presidente da Câmara não propenso a derrubá-lo e um do Senado também comprometido com a agenda legislativa que garante ao "governo provisório" o apoio do establishment, contra as esperadas armadilhas da Operação Lava-Jato.

Já era a situação antes desse semi-revezamento no comando das Casas, mas havia duas eleições congressuais a superar. E eleição sempre é eleição, como atestou, por exemplo, a escolha de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para comandar a Câmara em fevereiro de 2015.

Há os riscos pelo caminho, temos lembrado nas análises recentes, mas a eficiência na articulação política garante ao Executivo uma margem para enfrentá-los. Os dois riscos principais são a ameaça de cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral e o andamento da economia.

Já registramos aqui que há mais elementos para cassar a chapa Dilma-Temer no TSE do que havia para fazer o impeachment da presidente eleita em 2014. Mas mantemos a avaliação de que, assim como o impeachment, a decisão (ou não) do tribunal embutirá forte componente político.

Se Temer estiver "entregando" (na terminologia dos negócios), haverá uma pressão quase "natural" para os eventuais malfeitos da campanha serem debitados na conta apenas da titular e de seu partido. Ninguém pode determinar agora com certeza o desfecho, mas esse elemento pesará.

Na economia, Temer beneficia-se dos efeitos do ajuste Dilma-Levy. A recessão inverteu para baixo a trajetória da inflação. E se os 10% de desempregados enfrentam a incerteza, os ainda empregados, mesmo temendo a perda do emprego, sentem o dinheiro menos desprotegido.

É uma avaliação de momento, e o governo precisará continuar "entregando". Se até meados do ano não surgirem os esperados sinais, mesmo tímidos, de recuperação, os efeitos no humor social e político serão prováveis. Mas faz tempo que no Brasil seis meses viraram longo prazo.

"Longo prazo" no qual o governo precisará mostrar ao establishment que tem musculatura parlamentar para aprovar uma reforma qualquer da previdência social que projete, pelo menos, a estabilização do déficit hoje explosivo. Esse é o próximo obstáculo, e superá-lo não será trivial.

A Lava-Jato e o sinal de Temer para o mundo político. Pipocaram nas últimas semanas notícias "de bastidor" de que o presidente da República adotaria a política de cortar as cabeças dos delatados na Lava-Jato, para se beneficiar de um "efeito faxina". Já que ele próprio, Temer, não pode ser investigado por atos anteriores ao mandato atual.

A ideia não é em tese 100% absurda, e já foi adotada com algum sucesso pela antecessora no início de primeiro quadriênio. Também deu as caras quando Dilma acreditou que se beneficiaria de um hipotético efeito "todos menos eu na Lava-Jato". Mas cobrou um preço alto ao final.

A nomeação de Moreira Franco para o ministério é mais um sinal de Temer para os políticos de que, se puder, não os deixará "na chuva". O gesto ganha importância diante da possível citação dos presidentes da Câmara e do Senado nas delações premiadas. O realismo parece ter vencido no Planalto.

Levantar ou não o sigilo das delações. Se o procurador-geral da República ceder à pressão dos políticos e da imprensa (fazia tempo que os dois não se juntavam no contexto da Lava-Jato), para que peça a remoção do sigilo sobre a delação premiada da Odebrecht, estará abrindo mão do poder de ditar o ritmo da coisa.

Por outro lado, e sempre há um outro lado, parece que o procurador-geral gostaria de ser reconduzido ao cargo pelo presidente da República e pelo Senado. Precisaria para isso, além do apoio dos seus, do voto secreto dos investigados, ou possíveis investigados, por ele.