sexta-feira, 28 de maio de 2021

Senado e Câmara

Nesta semana, o governo buscou retomar alguma iniciativa política, com a convocação de governadores para a Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19 e a ação no Supremo Tribunal Federal para limitar a possibilidade de autoridades locais decretarem medidas radicais de isolamento social. A bola então volta para o STF, que decidirá não apenas sobre este segundo ponto, mas também sobre o recurso dos governadores contra a possibilidade de CPI federal convocá-los.

O governo Jair Bolsonaro está correndo atrás do prejuízo na CPI porque em algum momento descuidou da correlação de forças no Senado. Concentrou-se na Câmara dos Deputados, onde começam a tramitar processos de impeachment. Fazia sentido no momento. Mas havia um flanco que está se revelando agora, quando é do Senado que brotam todos os dias, e mais de uma vez por dia, fatos políticos a desgastar o presidente da República por causa da condução das políticas na pandemia.

Isso gera outro problema. Deputados são sensíveis à oscilação do humor popular, mais ainda até que os senadores. Inclusive porque dois terços do atual Senado têm mandato até 2026. Só um terço vai enfrentar as urnas no próximo ano. Já os deputados têm encontro agendado com o eleitor em outubro de 2022. Então, à medida que a eleição se aproxima o potencial de nervosismo na Câmara vai aumentando relativamente à outra casa do Congresso.

Os números da economia, tomados no macro, são progressivamente otimistas, ou menos pessimistas. Mas sempre leva um tempo para os efeitos serem sentidos na ponta. Há criação de empregos, mas o desemprego continua muito alto, especialmente entre jovens. E ainda não se sabe qual será a evolução da epidemia aqui no Brasil. E se, ou quanto, eventuais novas medidas de isolamento social vão impactar na retomada do ritmo econômico.

E tem a CPI.

quinta-feira, 27 de maio de 2021

Butantan

O depoimento do presidente do Butantan, Dimas Covas, acrescentou mais peças ao já previsto relatório final da CPI que, se aprovado, irá apontar atos do governo federal que retardaram o início da vacinação no Brasil contra a Covid-19. As informações dadas por Covas juntam-se, portanto, às prestadas pelo executivo da Pfizer sobre as idas e vindas da negociação com o Ministério da Saúde.

O governo tem a favor dele o argumento, exposto novamente hoje pela ala governista da CPI, de o Brasil ser um dos países que mais vacinam contra o SARS-CoV-2, o quarto em números absolutos e o primeiro entre os não produtores de vacinas para a doença. É um fato. Outro fato: cerca de metade das vacinas até agora ministradas são CoronaVac.

Junto com a Cloroquina, as vacinas são o caminho buscado pela CPI para ao final tentar incriminar o presidente da República. Isso será mais complicado de alcançar no caso do medicamento, pois há legiões de médicos prescrevendo. Inclusive porque o Conselho Federal de Medicina deixou a decisão de administrar ou não drogas contra a Covid-19 a cargo unicamente dos profissionais.

Mas na esfera das vacinas vai ficando evidente que o governo acabou por criar um problema jurídico-político para si mesmo. Por, no mínimo, ter tratado o assunto de modo rotineiro, sem senso de urgência, e aparentemente sem imaginar que um dia viria a ser cobrado por isso. Provavelmente por subestimar o impacto que a epidemia poderia ter aqui no Brasil.

Não trabalharam com a possibilidade do pior cenário e agora correm atrás.

E teve também, claro, o componente político, a disputa com o governador de São Paulo. E mais um aspecto, ainda não explorado na CPI: de quem foi a decisão de apostar numa única vacina, a da AstraZeneca/Fiocruz? A explicação dada até o momento envolve a transferência de tecnologia. Mas por que não contrataram para importação todas as vacinas possíveis enquanto não as produzíssemos em número suficiente por aqui? 

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Como enfrentar?

E uma possível terceira onda da epidemia de Covid-19 aqui no Brasil entrou definitivamente na pauta (leia). Estimula esse debate a subida consistente da média móvel de casos, ainda que a de mortes continue em queda ou com alguma estabilidade (leia). 

Na hipótese mais otimista, a assincronia das duas curvas, de casos e mortes, já se deve em algum grau à imunização (assintomáticos + recuperados + vacinados). Na mais pessimista, é apenas um delay, e daqui a pouco as duas vão empinar juntas para cima.

Como o Brasil enfrentará uma eventual terceira onda? O isolamento social na prática acabou faz algum tempo, e a chance de ser novamente imposto é relativa. E a vacinação ainda leva alguns meses para cobrir a população adulta. O método racional seria buscar maneiras de combinar medidas duras de afastamento social com a aceleração da vacina.

Num país razoavelmente organizado para funcionar, o sistema político estaria buscando pontos junto ao eleitorado por meio da demontração de capacidade para enfrentar a nova situação. Mas o Brasil está a anos-luz de qualquer tipo de racionalidade.

terça-feira, 25 de maio de 2021

Faltam um tríplex e um sítio

A Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19 exibe algo que os adversários sempre tentaram imputar à Operação Lava-Jato: definiu antecipadamente os alvos e vem conduzindo os trabalhos mais de modo a comprovar a hipótese que desvendar as razões últimas da tragédia sanitária que o SARS-CoV-2 desencadeou no país.

E isso é absolutamente natural.

Claro, pois, diferentemente das investigações da polícia e dos procuradores, CPIs são instrumentos políticos dotados de poder de polícia, e esse tipo de condução é esperada. E existe hoje na comissão uma maioria consolidada contra o governo. Inclusive porque há ali dois parlamentares do Amazonas e que precisam dar satisfações aos eleitores sobre o desastre de Manaus.

A CPI escolheu concentrar em dois aspectos. A cloroquina e o atraso na contratação da vacina da Pfizer. São dois filões a explorar para tentar chegar ao objetivo. Se terão sido as melhores escolhas, só o tempo vai dizer. Não bastará à CPI produzir um power point. Precisará de um tríplex e um sítio. Dois detalhes que renderam dividendos à Lava-Jato no seu tempo. Mesmo que agora estejam a caminho do arquivo.

A CPI precisará achar algo mais material se quiser aumentar a pressão sobre a Procuradoria Geral da República para esta eventualmente oferecer denúncia contra o presidente da República. Ou sobre o presidente da Câmara dos Deputados para este aceitar algum pedido de abertura de impeachment.

Hoje o presidente da CPI informou que o volume de documentos já obtidos pela CPI é recorde. Esta é uma frente. Outra, também a exemplo da Lava-Jato, é aumentar a pressão sobre os depoentes para que algum deles diga o que dele esperam os acusadores. Mais uma coisa que precisaremos aguardar para ver se vai funcionar.

segunda-feira, 24 de maio de 2021

A Sputnik V e a cepa de Manaus

Um estudo da Universidade Nacional de Cordoba (UNC), na Argentina, acaba de mostrar que a vacina russa Sputnik V é altamente eficaz contra a variante do SARS-CoV-2 detectada em primeiro lugar em Manaus, informa a Reuters (leia).

O estudo foi conduzido pelo Instituto de Virologia Dr. Vanella, da UNC, e concluiu que a imunidade desenvolvida em pessoas vacinadas com a Sputnik V neutraliza a cepa após duas doses, e mesmo após a primeira.  

Segundo o estudo, 85.5% dos indivíduos desenvolveram anticorpos contra a variante 14 dias após a primeira dose. A taxa sobe para perto de 100% no dia 42 após a primeira dose, em indivíduos que tomaram as duas doses.

São números que deveriam chamar a atenção das nossas autoridades, e mesmo da oposição. Isso se o país não estivesse mesmerizado pela luta política. Num país mais ou menos normal, esse estudo deveria produzir ações de governo, e pressões da oposição sobre o governo, para desbloquear o uso da vacina.


sábado, 22 de maio de 2021

Dança de dois

Todas as pesquisas, com variações, algumas ensaiando serem ponto fora da curva, dizem a mesma coisa. Há certo equilíbrio entre Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro no primeiro turno e o petista abre vantagem no segundo, pois traz para ele a maioria das intenções de voto dos demais candidatos.

Alguns levantamentos informam também que caso um terceiro nome consiga ser a única opção aos líderes da corrida parte de algo entre 10 e 15%. Não é de todo ruim, mas enfrentaria batalha morro acima, vindo a depender da desconstrução de pelo menos um dos ponteiros. Ou seja, se ambos resistirem à demolição, ganham a vaga na decisão.

Isso pode parecer o óbvio ululante, mas até dias atrás a narrativa era outra. Para calcular o suposto potencial da terceira via deduziam-se do total do eleitorado as intenções de voto no atual presidente e no ex. Daí concluíam estar a sociedade brasileira ansiosa por uma “alternativa aos extremos”. Nada melhor que os números para checar a consistência disso.

Bem, se o caminho para Lula e Bolsonaro é evitar a demolição, será que os movimentos recentes de ambos fazem sentido à luz dessa necessidade? Sim. Cada um está tomando as providências para fechar seu respectivo flanco. Lula, por exemplo, capricha nas fotos com ex-adversários que podem conferir a ele a certificação de "político moderado".

Já Bolsonaro capricha no cultivo da sua base fiel. O bom+ótimo dele nas pesquisas deslizou para a casa dos 25%, mas o “aprova” mantém-se no até agora inabalável terço do eleitorado que vem com ele desde o primeiro turno da eleição. Isso é um passaporte para o segundo turno, e antes disso protege-o dos mísseis apontados a partir das sessões da CPI da Covid-19.

Tanto Lula quanto Bolsonaro recolheram algumas notícias reconfortantes nestes dias. O ex-presidente viu que sua rejeição, apesar de alta, não tem dimensão para inviabilizá-lo. E é sempre melhor estar na frente nas pesquisas. É como no futebol: se 2 a 0 é placar perigoso para quem está ganhando, imagina para quem está perdendo.

Já o atual ocupante do Planalto tem visto as projeções econômicas ganharem cores mais otimistas, ou menos pessimistas. Mas há uma luz amarela piscando: o rebote para cima da curva de casos de Covid e uma certa tendência da curva de mortes desacelerar a queda, sempre considerando as médias móveis.  E as UTIs voltaram a ficar algo pressionadas.

Um alívio, talvez momentâneo, para o governo é a CPI até agora não ter chegado no presidente. Essa é uma variável e tanto. Em 2005-06, as acusações do então deputado Roberto Jefferson desencadearam um terremoto político de muitos graus e provocaram um tsunami que colheu o PT. Mas no tribunal das urnas Lula reelegeu-se.

Qual será o tema condutor da eleição de 2022? A pandemia? A economia? A corrupção? Façam suas apostas. Os líderes e os candidatos a quebrar a dualidade têm pontos fortes e fracos em cada um desses temas. Eu apostaria que os dois últimos assuntos vão despertar mais interesse do eleitor.

sexta-feira, 21 de maio de 2021

O jacaré e a cobra d'água

Resultados de Comissões Parlamentares de Inquérito definem-se menos pelos achados efetivos e mais pela correlação de forças políticas. Uma espécie de casamento de jacaré com cobra d'água. Tem cara de inquérito policial, mas corpo e alma de disputa partidária-eleitoral. E reclamar é inútil. A ferramenta foi introduzida na Constituição com essa precisa finalidade.

É mais ou menos como um impeachment. Dada a vagueza da tipificação de "crime de responsabilidade", o presidente da República pode, por exemplo, ser apeado do cargo até a pretexto de ter tentado restringir direitos sociais. Em teoria, um presidente pode cair até por apresentar uma proposta de reforma da previdência social, se não tiver os votos suficientes para evitar a deposição.

O desafio do governo na CPI é proteger o presidente da República. Ou seja, o desafio da oposição é fazer chegar nele. Esse é o jogo. Problemas de auxiliares produzem manchetes, mas não resolvem a equação. Menos ainda se é o caso de ex-auxiliares. É certo que vários deles terão transtornos com a Justiça nos próximos anos, mas a interferência disso na resultante política ainda precisará ser medida.

Sempre é bom lembrar que dezenas de políticos foram tragados pelos processos decorrentes das acusações do então deputado Roberto Jefferson em 2005, mas isso não impediu a reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2006. E os julgamentos foram em 2012, o que tampouco evitou a reeleição de Dilma Rousseff em 2014.

Há duas maneiras de CPIs atingirem presidentes: tirando-os do cargo ou derretendo seu capital eleitoral. São, naturalmente, coisas interligadas. Para evitar o segundo efeito, Bolsonaro faz como Lula em 2005-06: coloca o pé na estrada para fugir do ambiente tóxico de Brasília e dá as caras junto ao eleitor. Se vai funcionar? Será preciso esperar para ver se a CPI chega ao "fato novo" definitivo.

E também, talvez principalmente, esperar para ver como a economia se comporta.

Sobre autocríticas e líderes

Tem sido habitual exigir do interlocutor político que faça autocrítica. Por falar nisso, o tema é sempre uma oportunidade de voltar ao livro “Depoimento”, autobiografia de  Carlos Lacerda. Ele explica por que tentara fazer a Frente Ampla com João Goulart e Juscelino Kubitschek, adversários figadais dele poucos anos antes. Simples, diz, lá atrás o perigo tinha sido um. Agora era outro.

O ex-governador da Guanabara talvez tenha sido propositalmente vago. Ou foi delicado no uso das palavras. Lá atrás o inimigo dele era um, Jango, e agora passara a ser outro, o regime militar. Alianças políticas são feitas por critérios de conveniência, e visando a derrotar o inimigo principal. 

Mas sempre com um olho no peixe e outro no gato.

Daí a velha máxima: nunca esteja tão ligado a alguém que não possa romper com ele, nem tão conflitado com alguém que não possa se aliar a ele.

A exigência de que o outro faça autocrítica costuma carregar a marca do amadorismo e da ingenuidade. Ou da esperteza. Vamos imaginar que Luiz Inácio Lula da Silva e o PT aceitassem fazer autocrítica. Algo como “erramos sim no governo, somos realmente culpados de muito do que nos acusam, mas prometemos não errar mais”. A única consequência prática seria passarem a campanha eleitoral não fazendo outra coisa além de tentar se explicar.

O mesmo se dá quando exigem de quem apoiou o impeachment de Dilma Rousseff admitir a tese de ter sido um golpe. Até imagino o político “de centro” reconhecendo: “foi mal, o impeachment não tinha base jurídica, erramos, fomos gulosos, e se entrarmos agora de vice numa chapa prometemos não fazer isso de novo”.

Na vida política, autocríticas são raras, a não ser quando o objetivo é fazer a “autocrítica” dos erros dos outros. No mais, é melhor tocar a vida e concentrar-se no objetivo. Agora, por exemplo, o candidato antiestablishment de 2018, Jair Bolsonaro, tenta enlaçar a - ou ser enlaçado pela - velha política, que oferece o escudo de proteção no momento mais perigoso do mandato dele. 

E pode proporcionar a barca para a dura travessia reeleitoral do presidente.

A política é jogo de interesses, definido pela correlação de forças. Lula e Bolsonaro disputam nos estados o apoio de políticos que até outro dia falavam o diabo do PT e de quem o atual presidente e seu círculo próximo falavam o diabo. E tem mais: os que entre esses políticos toparem outro caminho, aderir ao centrismo, à chamada terceira via, terão garantido um refresco junto à opinião pública, ganharão de bônus uma bela repaginada na imagem.

Mas a opinião é livre e nada impede que vozes se levantem a exigir coerência, supostamente um valor absoluto.

Será? A coerência é muito perigosa na política. Pode conduzir a desastres. O líder que erra e, para ser coerente, se recusa a corrigir a rota está a caminho de levar os liderados à catástrofe. Não faltam exemplos, velhos e novos.

Bons líderes são os capazes de mudar a rota sem dizer que estão mudando, e sem ter de explicar por que o hoje é diferente do ontem. Não é para qualquer um.

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Publicado na revista Veja de 26 de maio de 2021, edição nº 2.739

quinta-feira, 20 de maio de 2021

Pazuello

Os dois dias de depoimento do ex-ministro Eduardo Pazuello expuseram a força e o flanco frágil da Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19. E a fonte de ambas é a mesma. O governo está em minoria na comissão, e isso ajuda a CPI a concluir ao final sobre a responsabilidade do governo, em particular do presidente da República.

Mas o governo estar em minoria na comissão também ajuda a fazer crer que, independentemente dos achados durante os prováveis 180 dias de CPI, a conclusão dos trabalhos já está desenhada.

A história das CPIs mostra que elas têm maior ou menor sucesso conforme chegam, ou não, a algum fato realmente novo, e que oferece a prova da tese que se buscava demonstrar. E que quebra a unidade do bloco alvo.

E aí o julgamento é também político, claro. O que a Fiat Elba tinha a ver com a definição de crime de responsabilidade? A rigor nada. Mas catalisou a comoção popular que deu impulso ao impeachment de Fernando Collor.

O objetivo da CPI é apontar o presidente da República como responsável último pelo elevado e trágico número de mortes por Covid-19 do Brasil. E os senadores oposicionistas trabalham em várias frentes: isolamento e afastamento social, vacinação, tratamentos de eficácia não comprovada, falta de oxigênio no desastre de Manaus.

Todos esses fatos estão bem registrados, mas o desafio da CPI é encontrar o elemento novo para fazer ruir a cidadela do um terço que vai sólido na base social de apoio ao presidente. Mantido esse cacife, ele está capacitado a preservar reunida uma tropa de políticos que verão nele em 2022 a locomitiva dos projetos eleitorais deles. E que portanto estarão interessados em preservá-lo.

Os depoimentos do ex-secretário de comunicação, do ex-chanceler e do antecessor do atual ministro da Saúde não parecem ter trazido essa "bala de prata", ainda que seja provável a CPI ir para cima dos três no relatório final. Mas o jogo, como já se disse e se sabe, está só começando.

quarta-feira, 19 de maio de 2021

Sinal amarelo

À sombra das disputas políticas que desfilam no palco da Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19, os números da epidemia no Brasil começam a trazer dados algo precocupantes. 

A curva da média movel de mortes ainda é declinante, mas isso convive com uma certa escalada na média móvel de casos, e agora também com alguns sinais, aqui e ali, de que voltou a subir a taxa de ocupação das UTIs (leia).

Será preciso acompanhar a situação nos próximos dias com grande atenção. Será necessário saber se estamos no início de uma terceira onda, qual a variante propulsora, e se é mais transmissível, se é mais letal. 

Será mais que nunca obrigatório vigilância para que as autoridades não baixem a guarda, não desativem serviços hospitalares, especialmente na área de cuidados intensivos. 

Não podemos repetir os equívocos acontecidos entre a primeira e a segunda ondas.

A CPI está corretamente debruçada sobre os erros passados. Não repeti-los é uma boa maneira de inclusive homenagear a memória das vítimas.

terça-feira, 18 de maio de 2021

O chanceler

O depoimento do ex-chanceler Ernesto Araújo à Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19 foi, como se esperava, um exercício permanente dos senadores oposicionistas para aproximar-se do alvo definido desde o início: o presidente da República. Até o momento, nenhum dos assessores do chefe do governo cedeu.

A administração governamental do tema vacinas aqui no Brasil está se mostrando uma peneira. Alguém terá de responder por isso ao final. Essa é a disputa.

É óbvio que as ações do governo brasileiro na pandemia obedeceram a um comando central, mas para CPIs não basta dizer "eu acho". Tem de achar a digital. Claro que a aritmética pode tudo. Se houver seis dos onze senadores dispostos a chancelar uma tese ela estará no relatório final. Mas sem a "bala de prata" ficará mais fácil ao governo atrair pelo menos dois dos seis na hora h.

Para inverter a hoje maioria.

Aliás, é preciso tomar um certo cuidado com diagnósticos a partir da combatividade demonstrada pelos senadores. É possível que em alguns casos essa combatividade com os peixes pequenos venha a servir de atenuante para a hora em que se tiver de tomar posição sobre os grandes.

Amanhã é esperado o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Ele deverá ser inquirido sobre os dois pontos nodais da CPI até agora: vacinas e cloroquina. Como tem a prerrogativa de não responder questões cuja resposta possa incriminá-lo, será pressionado mas terá como neutralizar.

A expectativa maior é sobre o que Pazuello dirá a respeito de Jair Bolsonaro. Se essa couraça não for furada no depoimento do general, restará à CPI o caminho sempre mais trabalhoso de vasculhar documentos.

E nesse meio tempo o governismo prosseguirá lutando para arrastar os governadores ao cadafalso.

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Estão chegando?

A boa notícia do momento é que nos próximos dias devem chegar lotes do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) para a produção de vacinas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pelo Instituto Butantan (leia). Quem diz é o Ministério da Saúde, 

A AstraZeneca/Oxford e a CoronaVac dependem de importar o produto. E num quadro internacional de escassez relativa de vacinas isso é um permanente desafio.

Alentador que já esteja contratada para futuro próximo a situação na qual o Brasil conseguirá produzir vacinas sem depender desse tipo de importação. Aliás, é um debate que vem sendo relegado na Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19. 

O depoimento da Pfizer foi claro ao descrever a lentidão das respostas do governo federal. Mas infelizmente não pôde esclarecer por que a oferta de imunizantes ao Brasil foi de início tão desproporcional ao que se ofereceu, por exemplo, para os Estados Unidos.

Além da verificação de responsabilidades a respeito de ações passadas, será positivo se a CPI puder oferecer sugestões concretas e caminhos sobre o que o Brasil precisará fazer para essa situação de dependência aguda ser evitada no futuro, em situação semelhante.

sábado, 15 de maio de 2021

A aritmética, a política, e a filosofia do remador

As pesquisas recentes recolocam a oportunidade de debater um aspecto da eleição de 2022: qual é mesmo o potencial do chamado centro? Na aritmética fria, poderia ser calculado pela soma dos votos aos demais candidatos, fora Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Hoje, cerca de um quarto do eleitorado. Se fosse isso mesmo, não deixaria de ser animador.

Há maneiras mais heterodoxas de fazer a conta, sem respeitar tanto a política, mesmo caprichando na aritmética. Servem para acalentar o sonho. A fatia de mercado eleitoral poderia ser, por exemplo, tudo que sobra quando saem da cena os eleitores potenciais de Lula e Bolsonaro. Aí aqueles cerca de 25% engordariam bem. O problema é estar incluído nesse balaio quem vai votar em branco, nulo ou não vai votar.

Retornemos então ao primeiro método. Se de fato algum concorrente conseguisse pegar já no primeiro turno pelo menos 90% dos votos hoje declarados a candidatos nem Bolsonaro nem Lula, bateria em uns 20% do eleitorado, o que encostaria em 30% do voto válido, mantidos os percentuais históricos de brancos, nulos e abstenções. Isso foi suficiente para Fernando Haddad ir ao segundo turno em 2018.

Essa possibilidade tem obstáculos políticos, mas antes enfrenta os aritméticos. Fazer 20% do eleitorado numa eleição presidencial é bonito, porém não resolve se outros dois candidatos forem além. Nada indica, no momento, que Lula esteja vulnerável a uma lipoaspiração eleitoral. Bolsonaro talvez um pouco mais. Entretanto, será prudente esperar para ver se os problemas dele chegam a amolecer o núcleo duro do eleitorado bolsonarista.

Debatida a aritmética, vamos aos desafios políticos do projeto de convergir o centrismo. Alguns: 1) Como juntar eleitores tão distintos e 2) como evitar que, inviabilizados certos pré-candidatos, uma boa parte da torcida deles desloque-se para Lula ou Bolsonaro. Nas simulações de segundo turno é isso que acontece. E se o eleitor está disposto a votar em alguém no segundo turno, não é impossível que decida fazer isso logo no primeiro.

A intersecção entre as rejeições absolutas a Bolsonaro e Lula nas pesquisas chega a algo entre 10% e 15%. O resto migra para um dos dois na falta de opção. É um número parecido com o verificado quando se faz a simulação incluindo apenas três nomes: os dois líderes e mais um. Foram realizados levantamentos desse jeito, e o terceiro nome sempre girou em torno de 10%, ou um tantinho a mais.

Começar a corrida presidencial com 10% não chega a ser problema. O desafio é construir uma campanha que consiga deslocar um dos dois que puxam a fila. No momento, a meta do centrismo é tirar Bolsonaro do segundo turno. Lá atrás, foi tirar a esquerda. Mas vieram a elegibilidade de Lula e o desempenho dele nas pesquisas. E a coisa mudou de figura.

Bolsonaro trabalha como no remo: faz força, mas de costas para o objetivo. Se a vaga hoje em disputa para o segundo turno é a de anti-Lula, o atual presidente abre as baterias contra o ex, para não deixar ninguém ocupar o espaço. No momento, Lula só é o inimigo principal de Bolsonaro nos discursos. O oponente da hora é quem quer tomar dele o lugar de adversário número um do petismo.

sexta-feira, 14 de maio de 2021

Vacina parada?

A Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 recebeu de presente por estes dias um novo filão para explorar: a interrupção do fornecimento, pela China, do insumo para a preparação da CoronaVac, do Instituto Butantan. O instituto já repassou ao Ministério da Saúde cerca de metade das 100 milhões de doses contratadas, mas agora cresce uma sombra a respeito da outra metade.

Há algum barulho sobre o dito tratamento precoce e sobre a cloroquina, mas é um terreno movediço para a oposição, visto haver largos segmentos da comunidade médica e importantes entidades profissionais que adotam e apoiam essa linha, ainda que sob a capa da autonomia do médico para receitar. E a história da tentativa de alterar a bula da cloroquina pode cair no vazio, porque não chegou a se concretizar.

Já a vacina oferece um chão mais sólido a quem deseja arrastar o governo para o relatório final da CPI. O depoimento do executivo da Pfizer não deixou a administração bem, pois no mínimo ficou a impressão de ter faltado senso de urgência, de prioridade, em toda a tramitação. E agora, se a interrupção do fornecimento de insumo para a CoronaVac durar mais do que seria aceitável, abrir-se-á uma nova frente.

E qualquer pesquisa, ou mesmo a simples observação e o simples convívio com as pessoas, revela claramente a adesão popular e social às vacinas como meio de não pegar a doença e esperança de a vida voltar ao normal.

E há um fator negativo adicional. Em vários locais Brasil afora as autoridades acabaram aplicando como primeira dose um imunizante reservado para a segunda. Por isso, pessoas que deveriam estar recebendo a segunda dose para completar o processo de vacinação ficarão a ver navios. Quem pagará o pato político? Em parte, as autoridades locais. Mas uma parcela da conta certamente irá para o governo federal e sua política exterior.

quinta-feira, 13 de maio de 2021

Senso de urgência

O depoimento hoje do executivo da Pfizer trouxe mais concretude aos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito. O debate ficou bem organizado. O governismo luta pela narrativa de que o Planalto não poderia ter se antecipado à definição do arcabouço legal necessário para a aquisição da vacina do laboratório americano. Já a oposição sustenta que houve descaso e omissão, e que isso atrasou em alguns meses o início da aplicação do imunizante aqui no Brasil.

O argumento oposicionista foi reforçado por pelo menos três países da América Latina, México, Chile e Costa Rica, terem iniciado a vacinação com a Pfizer BioNTech ainda em dezembro do ano passado. Aliás imediatamente depois da aprovação do uso pela agência norte-americana. Ou seja, o Brasil não ficou atrás apenas de nações do chamado primeiro mundo, mas inclusive de países da nossa região e, como é o caso de México, da mesma ordem de grandeza geopolítica.

Com o detalhe de que o México tem um governo de esquerda e o Chile um de direita. Ou seja, não parece haver uma clivagem político-partidária-ideológica. Tratou-se aparentemente de diferentes abordagens. Ou de diferentes sensos de urgência. Houvesse a sensibilidade sobre a urgência, talvez o governo pudesse ter encaminhado a negociação comercial em paralelo com as medidas jurídico-administrativas, para que quando a vacina estivesse disponível encontrasse um arcabouço legal pronto.

CPIs são assim, os caçadores vão tateando até encontrar um ponto de apoio e estarem aptos a relembrar Arquimedes, com o seu "deem-me um ponto de apoio e moverei o mundo". A expectativa agora é para o depoimento do general ex-ministro da Saúde, que deverá enfrentar senadores já munidos de elementos para criar problemas a ele e ao seu ex-chefe. Isso se o inquirido não recorrer ao direito de ficar em silêncio.

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Brasil, Indonésia

O Instituto Butantan completou a entrega das 46 milhões de doses da CoronaVac ao Ministério da Saúde (leia), correspondentes ao primeiro contrato. 

O desafio agora é produzir e distribuir as 56 milhões de doses relativas ao segundo contrato, para completar as 100 milhões de doses previstas para essa vacina. 

Aparentemente há atraso no embarque de insumos da China para o Brasil, e o governo de São Paulo diz que o problema é político.

Já na Indonésia, um levantamento feito com profissionais de saúde imunizados com as duas doses de CoronaVac indicou que a vacina, igual à do Butantan, apresenta-se 98% eficaz para evitar mortes pela Covid-19. E 96% na prevenção de hospitalização.

Esses números têm variado bastante de estudo para estudo no caso da CoronaVac, como tb em outras vacinas. De todo modo, o índice indonésio agora divulgado é uma ótima notícia.

E está em linha com estudo publicado há um mês na Lancet (leia).

terça-feira, 11 de maio de 2021

Anvisa na CPI

O presidente da Anvisa adotou uma linha de defesa razoavelmente segura em seu depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19. Procurou apresentar-se como um quadro técnico e autônomo, e esforçou-se para assim legitimar-se junto à CPI. Foi particularmente útil, para ele, sua determinação de diferenciar-se no presidente da República em temas como máscaras, aglomerações e outros procedimentos universalmente aceitos para dificultar a transmissão viral.

É natural que o chefe da agência de vigilância sanitária possua algum grau de autonomia e possa agir com alguma independência em relação ao governo e ao comandante do Executivo, pois tem mandato e é indemissível. Diferente, por exemplo, da situação do ministro da Saúde, que navega em águas políticas mais turbulentas. A diferença ficou expressa no grau de liberdade com que ambos se moveram diante da máquina de moer carne da CPI. 

Aliás, toda CPI é um triturador de biografias. A missão resume-se a sair inteiro do outro lado.

O presidente da Anvisa beneficia-se também de um certo tratamento reverente prestado à burocracia estatal, ou "funções de Estado". É um traço cultural brasileiro.

Mas se o presidente da Anvisa conseguiu erguer barreiras argumentativas tecnoburocráticas que por enquanto o protegem no caso do veto à Sputnik V, acabou for fornecer à oposição na CPI argumentos em outra frente, ao endossar a desrecomendação do uso de certos medicamentos no tratamento da Covid-19, inclusive nas fases iniciais. E terminou por reforçar os desejos de reconvocar o titular da Saúde, ao qual isso certamente será (re)perguntado.

Enquanto o teatro da CPI vai em seus primeiros atos, continua o desafio das vacinas. Há escassez da CoronaVac para aplicação da segunda dose, a AstraZeneca acaba de ter suspensa a aplicação em grávidas (leia), a Pfizer chega a conta-gotas. E a dúvida é se o ritmo da vacinação será suficiente para ajudar decisivamente a quebrar a segunda onda de casos e mortes e impedir a ascensão de uma terceira, trazida por novas variantes.

segunda-feira, 10 de maio de 2021

Tantos e tão poucos

A Índia era, na teoria, o país-chave no fornecimento das vacinas para enfrentar a Covid-19 em escala global. E, ao mesmo tempo, estava apetrechada para o desafio doméstico de imunizar uma população da ordem de grandeza de bilhão e meio de pessoas. Mas a explosão de casos internos e outras circunstâncias arrastaram com força o país para a vida real, bem diferente das promessas e esperanças (leia).

Por aqui, o cronograma da CoronaVac parece enfrentar obstáculos por causa da retenção de insumos na China (leia). Bem na etapa de administração da indispensável segunda dose. O debate sobre as causas do atraso está naturalmente influenciado pela política. Esperamos que as coisas se resolvam, e que o insumo chegue para ser aplicado nos que já receberam a primeira dose.

Uma coisa que vai muito bem são as receitas dos laboratórios desenvolvedores de vacinas. A BioNTech, empresa alemã que produz a vacina contra a Covid-19 em parceria com a Pfizer, lucrou 1,13 bilhão de euros no 1º trimestre (leia). Ano passado tinha tido prejuízo de 53 milhões nesse mesmo período. Nunca tantos dependeram tanto de tão poucos, e que por isso estão se dando tão bem.

sábado, 8 de maio de 2021

Jacarezinho, empregos e lei

Toda eleição tem seus temas propulsores, que criam ambiente favorável ao perfil certo. Quando este tem a sorte de, e a competência para, encaixar na demanda. Em 1994 e 1998, Fernando Henrique Cardoso navegou nos mares do cansaço com a inflação, depois veio Luiz Inácio Lula da Silva para saciar a sede da rejeição à pobreza e à corrupção. O período petista sustentou-se por mais de uma década, mesmo sob acusações relativas à segunda, e muito porque entregava no combate à primeira.

Quando a economia ruiu, a tolerância virou fumaça, veio o impeachment de Dilma Rousseff e depois Jair Bolsonaro surfou as duas ondas do momento: os combates à corrupção e ao crime. Sobre este último, um aspecto evitado sempre que possível no debate é o aparente paradoxo: se os governos do PT reduziram as desigualdades, combateram a pobreza e ampliaram as oportunidades para os antes marginalizados, por que então o crime se agravou no período?

A ponto de a repulsa a ele ajudar decisivamente não só na eleição de Bolsonaro, mas de todo um contingente de políticos ligados à segurança pública Brasil afora.

Aliás, o crime encorpou mais onde a prosperidade avançou de maneira mais pujante, em especial em certas regiões metropolitanas e na fronteira agrícola. Não é opinião, mas fato: o combate à pobreza é fundamental, mas nem de longe é suficiente para solucionar os problemas da segurança pública. É só olhar os números, e tem gente boa que os organiza de maneira cuidadosa. E, simplesmente, o mapa da pobreza não bate com o do crime.

Na falta de consensos, a subida dos índices de criminalidade vai sendo enfrentada na base do “na minha opinião”. Uns acham que é uma disputa de espaços assistenciais entre o crime e o Estado. Outros estão certos de que falta mesmo é punição garantida e proporcional ao delito. Mas tem quem imagina resolver na bala. Jacarezinho. Vão lá, matam um certo tanto e voltam para casa. Quando nova leva ocupa o lugar dos que morreram, vai-se lá e mete-se bala de novo.

Com os habituais “danos colaterais”.

A exemplo da maioria dos outros assuntos importantes, é impossível no Brasil de hoje organizar alguma discussão produtiva sobre como atacar a endemia do crime. Se o debate sobre a pandemia da Covid-19 foi capturado por “certezas científicas”, que aliás independem de comprovação científica e se baseiam somente no "princípio da autoridade", mais ainda algo que se tornou endêmico, parte da paisagem. Ao fim e ao cabo, convive-se com o crime. De vez em quando acontece alguma coisa que produz, como agora, algum calor. Nunca luz.

Entrementes, os candidatos à presidência vão afiando a faca. De um lado, reforça-se o discurso de que a polícia tem mesmo é de eliminar bandidos, e que não se faz omelete sem quebrar os ovos. Do outro, desarquiva-se a panaceia da “presença do Estado”. Será que não está na hora de compreender que sem crescimento acelerado da economia, e portanto das oportunidades, o crime continuará garantindo seu market share na atração de potenciais entrantes no mercado de trabalho?

Empregos e lei. Quem conseguir juntar essas duas ideias, até agora separadas por um muro, vai ter público em 2022.


sexta-feira, 7 de maio de 2021

Expectativa

O front da Comissão Parlamentar de Inquérito vem se mostrando desfavorável ao presidente da República. Um sintoma: o esforço principal dos apoiadores do governo não tem sido para defender as ações presidenciais, mas para buscar enfraquecer a legitimidade dos depoentes críticos do chefe. Transcorreu, entretanto, apenas uma semana, dos noventa dias previstos (prorrogáveis por mais noventa). Dias melhores, e piores, certamente virão.

A resposta do Planalto, aparentemente, é dobrar a aposta. Tendência refletida, entre outras coisas, nas sucessivas declarações de Jair Bolsonaro sobre o eventual decreto contra as medidas de isolamento social. Se se materializar, certamente enfrentará obstáculos judiciais. A dúvida é sobre como, e se, reagirá o Congresso Nacional. De todo modo, a manobra seria útil ao propósito de dividir as atenções com os depoimentos e revelações da CPI.

Ainda que uma derrota nessa frente do decreto anti-lockdown possa produzir efeito-bumerangue.

A primeira semana não trouxe nada além do previsto, ainda que este “previsto” já fosse suficiente para gerar alguma turbulência. Quem tinha de atacar, atacou. Quem tinha de defender, defendeu. Mas não houve fato novo relevante, um daqueles de arrancar manchetes e abrir telejornais. Como o governo agiu sobre a cloroquina e sobre as vacinas? Já se sabia. Agora, a esperança de surgir um fato novo foi transferida para adiante. Para os próximos depoimentos.

Com especial curiosidade para o que dirão o ex-secretário de Comunicação e o antecessor do atual ministro da Saúde. Sobre os dois focos de atenção da CPI até o momento: as vacinas e a cloroquina. E um ponto é se, e como, ambos vão defender o presidente. Pois em última instância é isto que interessa à maioria da CPI: ela não está atrás de peixes pequenos, ou de ex-peixes, mas do chefe do cardume. CPIs têm ferramentas da polícia, mas são instrumentos políticos.

Atenção também para a eventualidade de se desencadearem operações contra os governadores. O que eleveriaainda a temperatura, mas dificilmente teria por si só a capacidade de inverter a matemática da CPI a favor do governo federal.

O atraente bidenismo

A política econômica do governo Joe Biden vem atraindo certo entusiasmo nas correntes políticas da oposição, pela esquerda, ao governo Jair Bolsonaro. É compreensível. Após muitos anos de difusão do chamado Consenso de Washington, eis que na capital do mesmo nome surge uma administração a propor, entre outras coisas, emitir moeda, reforçar o papel do investimento estatal e taxar quem tem mais, para distribuir a quem tem menos.

A mudança ali, com as ondas de influência irradiadas mundo afora, soma-se vetorialmente por aqui a uma certa frustração com a colheita das políticas aplicadas desde pelo menos a Ponte para o Futuro de Michel Temer. Na sequência veio a dupla Bolsonaro-Paulo Guedes. É razoável admitir que existe alguma continuidade nas orientações definidas para a economia pelos governos que mandam no Planalto desde a ruptura de 2016.

Claro que a análise objetiva exige levar em conta as circunstâncias. Cada um de nós é ele mesmo e suas circunstâncias. Uma foi o governo Temer ter entrado em modo de sobrevivência por razões da área policial, e depois a pandemia da Covid-19 pegou pela proa a administração Bolsonaro. Mas aí enveredamos pelo terreno das explicações e justificativas. E na política, a exemplo de outras esferas da vida, quem começa a se explicar e justificar já está perdendo.

Os ventos bidenistas e a crônica pasmaceira econômica acenderam no Brasil o desejo de uma guinada. Mas qual a viabilidade dela? Que candidato com chances vai pegar a estrada em 2022 dizendo que irá fazer dívida pública pesada para ampliar o investimento estatal e prometendo tomar o dinheiro dos "ricos" (que no Brasil, na prática, incluem uma gorda fatia da classe média) para redistribuir renda pela mão do Estado?

Políticas econômicas precisam ter, antes de tudo, viabilidade política. Há sim teóricos respeitáveis que garantem: fazer dívida em moeda nacional não produz inflação. Mas qual presidente vai arriscar, no sempre instável cenário institucional brasileiro, colocar todas as fichas numa teoria contraintuitiva? Se der errado, seus autores no máximo farão autocrítica. Já o político provavelmente terá ido para o cadafalso, talvez metafórico.

Há uma diferença importante entre o Brasil e os Estados Unidos. Eles podem legalmente imprimir dólares sem lastro e nós podemos imprimir reais sem lastro, mas não parece que as consequências venham a ser as mesmas. Isso e outros fatores devem impelir os candidatos competitivos a buscar soluções mais convencionais. Uma em especial: a atração maciça de capitais externos para fazer subir a taxa de investimento privado.

Eis por que no próximo governo, pois entramos na etapa conclusiva deste, talvez um ministério de importância renovada será o das Relações Exteriores. E quem sabe não deveríamos voltar nossos olhos também para o Oriente, em vez de apenas para o Norte? É pouco razoável imaginar que a economia brasileira vai se erguer puxando os próprios cabelos para cima. Ou colocando todas as fichas de política exterior numa única casa.

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Publicado na revista Veja de 28 de abril de 2021, edição nº 2.737

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Primeira semana

A primeira semana de trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 terminou como começou. Os oposicionistas e ditos independentes alinhados, juntando elementos para incriminar Jair Bolsonaro por duas ações: 1) o estímulo ao uso e, principalmente, a fabricação de cloroquina e 2) a colocação de obstáculos desenecessários à aquisição de vacinas na quantidade e ritmo necessários para reduzir e no limite interromper a transmissão viral.

Já o governismo buscou construir ao longo da semana uma barreira de contenção, argumentando não haver irregularidade no uso dos medicamentos preconizados no chamado tratamento precoce, ou inicial. E trazendo dados para tentar provar que o ritmo da vacinação aqui no Brasil sofre das mesmas limitações que em outros países não produtores soberanos de vacinas. E que nesse universo até que estamos bastante bem, proporcionalmente à população e em número de doses aplicadas.

Uma variante, para usar a palavra em voga, foi o movimento com o objetivo de evidenciar as contradições entre as atitudes e orientações do atual ministro da Saúde e as do presidente da República. O primeiro buscou ontem reafirmar as próprias convicções sem entretanto chocar-se com as conhecidas opiniões e manifestações do chefe. Ou ao menos sem desautorizar. Aparentemente teve algum sucesso, pois colheu certas simpatias da bancada antibolsonarista e não forneceu nenhum lide explosivo.

Mas estamos apenas na fase de aquecimento. Os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich já deram seus depoimentos, sem que tenha aparecido a chamada "bala de prata". Na CPI, os caçadores preparam-se agora para explorar algumas veredas: 1) quem foi responsável pela crise de Manaus, 2) quem criou dificuldades para a aquisição de vacinas e 3) no que o comportamento presidencial deve arcar com a trágica contabilidade de casos e, principalmente, mortes.

Se formos comparar com o boxe, dá para dizer que nestes primeiros rounds a oposição está ganhando por pontos. Mas isso não basta a ela. O objetivo do governo é não ser nocauteado. Pois se terminar esta CPI em pé sempre terá a possibilidade de dizer na campanha eleitoral que sobreviveu a uma CPI, além de ter atravessado uma pandemia a a grave crise ecômica trazida por ela. Mas ainda estamos no começo. E vêm aí os próximos capítulos. Com personagens potencialmente bem mais complicados.

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Reabertura europeia

A Deutsche Welle fez um apanhado dos passos de reabertura em países da Europa que assistem ao refluxo da Covid-19 (leia). São procedimentos impulsionados em parte pela melhora nos indicadores, mas também pelas pressões sociais decorrentes do natural cansaço com as medidas restritivas. 

A reportagem relaciona aquela melhora, claro, também ao avanço da vacinação.

Interessante notar que a União Europeia está algo adiante do Brasil no ritmo da imunização das suas populações, mas ainda bem distante dos Estados Unidos (leia). Em algum grau, sofre do mesmo problema que aqui: a decisão de escolher apenas algumas poucas vacinas. 

E sem ter, ao contrário dos americanos, o poder econômico e político para reservar a parte do leão para si, de aplicar a política do "farinha pouca, meu pirão primeiro".

Engenharia de obra pronta é confortável, mas a esta altura está mais que claro: a melhor política em relação às vacinas teria sido escolher todas. Não à toa, Europa e Brasil sofrem por não ter resistido, lá atrás, às tentações de se deixar arrastar, nesse assunto, por afinidades ideológicas ou alinhamentos geopolíticos.  

terça-feira, 4 de maio de 2021

O primeiro dia

A tática da maioria da Comissão Parlamentar de Inquérito ficou clara no primeiro dia de depoimentos, abertos pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta. Um processo de aproximações sucessivas para atingir o objetivo: caracterizar que o presidente da República optou por alcançar rapidamente a chamada imunidade de rebanho e assim antecipar a normalidade econômica.

Não chega a ser tática arriscada, pois há elementos factuais a sustentar. Aliás era uma linha anunciada por senadores da liderança da CPI. Talvez haja alguma dificuldade para carimbar em Jair Bolsonaro formalmente uma acusação criminal, mas o objetivo político está à mão: desembarcar no processo eleitoral de 2022 lançando na conta dele o débito das mortes.

Já do lado do governismo, também previsivelmente, tratou-se de tentar desmoralizar o ex-ministro, inclusive opondo as convicções atuais dele às declarações e ações do passado. Mandetta, pré-candidato a presidente pelo Democratas, buscou esquivar-se, e acabou colhendo algumas situações úteis para serem exibidas em vídeo e áudio numa eventual disputa eleitoral.

E tem a vantagem de navegar a favor do vento.

O oficialismo procurou também arrastar o ex-ministro para a correponsabilidade diante da coisa toda. Dois são os fatos a que o governismo apelou: 1) por que não se fecharam as fronteiras precocemente, quando ainda não havia casos de Covid-19 no Brasil e 2) por que se manteve o Carnaval de 2020, no final de fevereiro daquele ano?

A CPI está só começando, mas no primeiro dia não chegou a haver pelo lado dos senadores alinhados ao Palácio do Planalto propriamente uma defesa das atitudes e ações presidenciais, preferiu-se, como dito, enfraquecer a palavra do acusador. Tirá-lo para dançar no triste concurso de para quem lançar a contabilidade das vítimas fatais da epidemia.

Na conta da política, o dia inicial de depoimentos terminou como começou: com seis senadores críticos ao presidente, quatro a favor e um presidindo (e que está alinhado àqueles seis). No frigir dos ovos, a não ser que a CPI faça aparecer uma "bala de prata", essa conta é que vai definir o que dirá o relatório final. Para o governo, portanto, trata-se de virar dois votos.

Para melhorar suas chances nesse jogo, o Planalto só não pode ver naufragar suas linhas de defesa junto à opinião pública. Tentou evitar isso hoje.

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Israel, Índia

Israel identificou pessoas infectadas pela variante do SARS-CoV-2 surgida na Índia e que pegaram o vírus mesmo após terem sido vacinadas (leia). Há que se ter cautela, porque o número de casos é reduzido e não foram dadas ainda informações sobre o estado de saúde dos infectados. De todo modo, as autoridades sanitárias israelenses avaliam que a proteção da vacina da Pfizer pode não ser inteiramente suficiente para essa cepa.

No Brasil, a segunda onda da Covid-19, impulsionada pela variante surgida em Manaus, desce a ladeira (leia). Em alguns lugares mais rapidamente, mais lentamente em outros, mas parece ser a tendência. Provavelmente alguma combinação de vacinação, imunidade adquirida do próprio vírus e algum grau de isolamento e distanciamento sociais. Que os cientistas expliquem a resultante.

Outra variável em evolução positiva é a taxa de ocupação dos leitos de cuidados intensivos. São boas notícias, em meio à expectativa da abertura do MMA na CPI da Covid no Senado. Que certamente prenderá a atenção dos interessados em política. Pelo menos até que venha uma eventual, ainda que indesejada, terceira onda, talvez trazida exatamente pela cepa proveniente da Índia.

sábado, 1 de maio de 2021

Será a economia?

Os leilões de concessão na infraestrutura, federal e em estados, caminham bem, a alta do dólar deu uma aliviada e a Bolsa navega pelo dobro do ponto a que mergulhara um ano atrás. Os números de criação de empregos formais, os do Caged, são positivos e o resultado das grandes empresas no primeiro trimestre veio bastante bom.

Do outro lado, há dois dígitos de milhões de desempregados, uma segunda onda inclemente da Covid-19 e uma vacinação que caminha, mas ainda bem abaixo da cobertura necessária para, por exemplo, evitar uma possível terceira onda. E o termômetro político mostra altas temperaturas, elevadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado sobre a pandemia.

Na economia, resta pouca dúvida de que o setor exportador já se beneficia do forte ritmo de recuperação dos Estados Unidos (graças à vacinação) e da China (graças ao rápido controle da difusão do SARS-CoV-2). E o dólar num nível relativamente bom ajuda na substituição de importações, apesar de atrapalhar na importação de bens de capital.

Mas, e a resultante? As previsões mais frequentes para o curtíssimo prazo na economia brasileira são de certa retração combinada com alguma inflação. Esta segunda variável leva o Banco Central a aumentar a taxa básica de juros de maneira até algo agressiva. Tem margem para isso, porque o juro real andava, e ainda anda, bem negativo.

Se o BC vai acertar a mão, fazer a inflação convergir para a meta sem estender o período de recuo econômico, o futuro dirá. Outra coisa que o futuro vai dizer é se uma eventual recuperação econômica daqui até o final do ano vai conseguir mexer para baixo os crônicos e altos números do desemprego. Que, sabemos, será um ponto apetitoso no debate de 2022.

Ainda sobre a economia, outra dúvida é o que a oposição de esquerda vai dizer no próximo ano. Se vai tentar replicar o Plano (do Joe) Biden e sugerir enfrentar a crise por meio principalmente do endividamento e investimento públicos, ou vai novamente guinar ao dito centro e assumir os compromissos de continuidade habituais em anos eleitorais.

É razoável supor que muita coisa vai depender dos números. Se em meados de 2022 a economia estiver em recuperação, mesmo que lenta, o desemprego em queda, mesmo que suave, e o governo dizendo que enfrentou “a pior crise” com a pandemia, é possível que a oposição tenha de mudar de assunto. Talvez não venha a ser “a economia, estúpido”.

Grande chance de ser "a pandemia, estúpido". Mas como estará ela daqui a um ano e meio? Será que ainda vai sensibilizar?

Foi em algum grau o que aconteceu na eleição americana. Pouco se debateram os temas econômicos. A frente ampla antitrumpista formou-se com base na rejeição pessoal ao próprio Donald Trump, nas agudas tensões raciais desencadeadas pela morte de George Floyd e na política para a Covid. E deu certo para Biden. Ele está na Casa Branca e Trump voltou para a Flórida.

Pipocam teorias sobre a necessidade e a conveniência de um “Biden brasileiro”. Muita gente, até gente bem apetrechada para a eleição, quer ser. Nos aspectos não propriamente econômicos vai ser fácil de mimetizar, pois a agenda liberal americana está na ofensiva ideológica entre nós, e em todo o mundo. Mas, e na economia? Alguém vai arriscar?