O assim denominado golpe de 64 foi inicialmente descrito como revolução anticomunista. O partido revolucionário eram as Forças Armadas. Os sucessivos presidentes militares foram escolhidos pelo partido. Melhor dizendo, pelo chefe da legenda, que às vezes considerava o sentimento e o movimento das bases. Como em todo partido, a escolha não era tranquila.
Tudo isso está bem detalhado na literatura disponível. Que mostra também a sabedoria dos nossos militares, ao terem percebido desde o começo que aquilo não seria para sempre. Aí vieram a descompressão, a distensão, a abertura. No fim, a caserna perdeu o controle da situação política em 1984/85 mas pôde voltar ao quartel organizadamente e sem maiores baixas.
Aquela estratégia de saída está na base da força e do prestígio hoje das FFAA, uma das instituições nacionais mais admiradas, senão a mais, pela população. Daí o terreno fértil para, apesar dos antecedentes, ecoar aqui e ali a ideia de que só a intervenção delas desfará o nó da nossa crise, em seus aspectos políticos, econômicos e, por que não?, morais.
Apesar do frenesi, isso está bem longe de acontecer de fato. A memória do processo de 64 ainda cobra uma fatura pesada dos quartéis. A convicção democrática entre nós ainda é razoavelmente forte. Algo assim enfrentaria também rejeição global. E, principalmente, porque uma intervenção militar não tem estratégia de saída viável ou visível.
Uma hipotética tomada do poder pelos militares poderia desdobrar-se em dois cenários: 1) a rápida devolução do poder aos civis, depois de uma “faxina moral”, ou 2) as FFAA tomarem para si o enfrentamento dos impasses nacionais. Qualquer um com a cabeça no lugar percebe o elevado risco, para elas, embutido em cada um dos dois possíveis caminhos.
São dois pântanos. Se as FFAA tomam o poder e dali a alguns meses devolvem a civis democraticamente eleitos, como garantir que estes não serão exatamente os que se queria remover? Quem faria a lista dos inelegíveis? Com base em que normas? Ou o “comando militar revolucionário” revogaria a legislação que o atrapalhasse, e imporia outra?
E o expurgo se daria só no plano federal ou desceria para os estados e municípios? E quem entraria no lugar dos expurgados? Os suplentes? Interventores militares? Civis nomeados pela “revolução ética”, após uma junta decidir que o sujeito está moralmente habilitado a desempenhar função pública? Vamos falar sério. Não parece minimamente operacional.
O segundo pântano é mais inimaginável ainda. Não dá para vislumbrar generais e coronéis tratando de resolver assuntos como a reforma da Previdência, a crise fiscal de estados e municípios, a reforma política, o financiamento da saúde e da educação diante da necessidade de cumprir o teto de gastos, o pavoroso déficit primário da União.
Claro que sempre seria possível convocar civis para tocar o serviço. Mas o poder político seria dos militares, e estes precisariam assumir em última instância a responsabilidade de descascar os espinhosos e ácidos abacaxis. Isso sem terem sido eleitos para tanto, e em plena era da internet, quando o controle da informação exige uma ditadura estatal absoluta.
Claro que tudo pode acontecer, mas a lógica ainda tem algum papel na análise. O bloqueio institucional e a pulverização do poder político em feudos impermeáveis à soberania popular são excelentes caldos de cultura para o bonapartismo, como já registrado algumas vezes aqui. Mas continua sendo mais provável que o Bonaparte venha da urna e não do quartel.
60/40
Quando tomados os votos válidos, as pesquisas mostram Lula batendo todos os adversários no segundo turno por algo em torno de 60% a 40%. Foi a divisão clássica do eleitorado entre 2002 e, digamos, 2013. Mas dificilmente Lula será candidato, e vai ser preciso esperar para ver se outro nome da esquerda consegue chegar ao 2o. turno, e reunir o rebanho na decisão.
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