A fotografia da corrida eleitoral mostra uma pulverização inédita nas últimas três décadas. Há seis eleições PT e PSDB fazem a final, no primeiro ou no segundo turno. Agora, parece que vamos chegar a outubro com múltiplas opções, quase uma loteria. O que poderia, quem sabe?, fazer a decisão desvestir o figurino esquerda x direita e abrir as portas para algo diferente. Mas em que condições isso poderia acontecer?
A premissa básica para o fracasso da esquerda ou da direita clássicas, ou de ambas, na disputa pela presidência será a falha na construção e consolidação de seu respectivo campo de alianças. Isso pode soar convencional, mas a experiência prática com os outsiders, aqui e lá fora, mostra que não basta um ambiente de rejeição à política. É preciso também que a política esteja desorganizada. Onde isso não acontece, as novidades brilham mas não chegam.
Os políticos sabem disso, então a atual dança de múltiplos candidatos deve ser vista com alguma cautela. Do assim chamado centro para a direita, por exemplo, temos Bolsonaro, Alckmin, Alvaro Dias, Rodrigo Maia, Meirelles, eventualmente Temer, Amoêdo. Na esquerda, temos Ciro Gomes, Jaques Wagner ou outro indicado por Lula, Manuela D’Ávila, Boulos. Sem falar de Marina, cujo eleitorado se divide entre os 2 campos, numa proporção ainda incógnita.
É possível que a corrida chegue assim fragmentada na urna? Sempre é, mas talvez seja algo precipitado afirmar que vamos repetir 1989. O ambiente de agora é parecido com aquele no aspecto da pulverização, mas só. No resto, é tudo diferente. A começar pela ausência do bonito consenso democrático da festa na primeira eleição direta da redemocratização. Teve caneladas, como em toda eleição, mas nada que se compare com a polarização de hoje.
É duvidoso que o establishment vá assistir passivamente à dispersão de forças entre seus cavalos, num páreo em que Lula mostra potencial de transferência de votos e Bolsonaro exibe resiliência. E é também improvável que os partidos de esquerda não enxerguem em algum momento a necessidade de aglutinar para, pelo menos, alcançar resultados razoáveis no Legislativo, mesmo em caso de uma derrota presidencial.
Se perder a Presidência e ficar muito fraca no Congresso, a esquerda provavelmente verá quatro anos de perdas e recuos, o que será agravado pelo visível declínio de sua capacidade de resistência nas ruas. E, se caminhar fragmentada até o fim, a direita bem poderá ser vitimada por uma convergência tática informal entre, de um lado, a mobilização eleitoral do lulismo e, de outro, a tendência ao não voto ou ao voto inútil que floresce nos ecossistemas da antipolítica.
Então, não estamos em 1989. Naquela eleição, perder fazia parte do jogo. Era aceitável. Agora não. Quem perder saberá que vai passar quatro anos numa intempérie brava, sujeito ao ímpeto liquidacionista do vencedor. É outro ambiente, o pacto democrático costurado pela convivência na Constituinte é história, além de um detalhe importante: aquela eleição foi solteira. Desta vez, errar na presidencial terá impacto negativo nos resultados para os outros cargos.
Em 1989, marcar posição para convergir apenas no segundo turno era uma opção de baixo risco. Um ano depois haveria eleições para governador, deputado, senador. Agora é tudo junto, num momento em que as diversas forças políticas estão numa guerra pela sobrevivência, permanentemente ameaçadas por ações policiais e processos judiciais. É outro mundo.
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Publicado originalmente no www.poder360.com.br
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