Resta pouca dúvida de que a inflação do momento é um fato global. Ela decorre, na origem, de dois acontecimentos centrais: a quebra de cadeias produtivas na Covid-19 e a maciça injeção de liquidez para enfrentar o tranco do breque trazido pela pandemia. A isso se somou, mais recentemente, a guerra na Ucrânia.
Explicar a origem dos fenômenos econômicos é missão para economistas, acadêmicos, jornalistas e curiosos, não necessariamente nessa ordem de prioridade.
A tarefa central de cada governo é oferecer soluções para os problemas enfrentados pela respectiva população.
De governos, espera-se que tenham convicção e força. Perigoso, para o governo, é quando ele se concentra em tentar justificar-se, em vez de gastar o tempo e os neurônios para apontar os caminhos de saída da encrenca.
Tudo piora se o edifício institucional e as circunstâncias políticas funcionam como obstáculos a encontrar alguma solução razoavelmente eficaz. No Brasil, neste momento, os diversos agentes parecem orientados somente pelo interesse eleitoral de curto prazo.
Não é uma crítica, seria até pueril. Afinal, este é nosso sistema político, escolhido e amplamente aceito há mais de quatro décadas.
O debate sobre a inflação, a grande eleitora de outubro próximo, segue Ortega y Gasset: tem sido ele mesmo e suas circunstâncias. O governo diz que não tem culpa, está tentando de tudo, mas outros atores (a situação mundial, a Petrobras, os governadores) atrapalham. A oposição, naturalmente, diz que a culpa é do governo. E assim segue o baile, à espera de quem terá mais garrafas para entregar no dia da urna.
O que ninguém explica, por enquanto, é como fazer para evitar a propagação inflacionária e uma maciça reindexação da economia mantendo, simultaneamente: 1) o teto de gastos, 2) a paridade interna com os preços internacionais do petróleo e 3) a autonomia da Petrobras sem, last but not least, 4) produzir uma forte retração econômica bem no momento em que a atividade e o emprego mostram sinais de querer superar a paralisia.
Porque o Banco Central legalmente autônomo não vai ficar assistindo de camarote. E 5) a lei que garantiu autonomia à autoridade monetária impede o governo de esquentar a chapa sob os pés dela como está fazendo com a Petrobras.
O arcabouço institucional brasileiro obriga qualquer governo a entrar nesse tipo de luta de boxe com uma mão amarrada nas costas. Mas não é só isso. Esta administração foi eleita também com o compromisso de manter e aperfeiçoar a agenda liberal, e cavalos-de-pau programáticos nesse terreno não são nunca indolores, Dilma Rousseff que o diga.
Mas guinadas podem dar certo, como quando o megabilionário auxílio emergencial foi aprovado e unanimemente aplaudido ali na largada da Covid-19.
Eram outras as circunstâncias, duas em particular: 1) o risco de uma maciça quebra empresarial e 2) a vontade da oposição de enfraquecer a agenda vitoriosa em 2018. O primeiro fator sempre relativiza as mais sólidas convicções liberais. Mas o que prevalece agora é a ausência do segundo elemento.
A prioridade de momento da oposição é enfraquecer não a agenda, mas o governo e o incumbente candidato à reeleição.
A oposição de centro-direita cobra do governo coerência e manter os fundamentos econômicos prevalentes desde 2015. Até por não se incomodar, ao contrário, com as consequências que isso terá para a recandidatura de Jair Bolsonaro.
E na oposição que se esforça para apresentar-se como centro-esquerda o ideal agora é não aprofundar um debate econômico potencialmente capaz de provocar rachaduras na Arca de Noé.
As oposições
tocam a bola de lado e de vez em quando fazem faltas para truncar o jogo,
enquanto esperam o apito final. Quem está na dependência de fazer gol é o
governo. Pois reclamar do juiz, do gramado e das vaias da torcida não vai mexer
no placar.
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