As pesquisas recentes deram visibilidade ao fim do período de graça deste terceiro governo Luiz Inácio Lula da Silva, graça cuja extensão foi diretamente proporcional à durabilidade e ao brilho dos percalços jurídicos do antecessor. Não que o fim da graça a Lula faça descer as cortinas para o contraponto a Jair Bolsonaro, ao contrário, mas doravante a atual administração estará cada vez mais pressionada a dizer a que veio.
Seria precipitado creditar o brusco fim da graça a um único vetor. Como na surrada comparação com acidentes aéreos, é mais prudente olhar para uma cesta de variáveis que foram, e estão, amadurecendo devagar, até um dia o acúmulo quantitativo produzir a alteração qualitativa.
Elementos que contribuem para incrementar dificuldades do governo:
1) Algum grau de desaceleração da economia, combinada com a pressão dos preços da comida. Os bons números do PIB de 2023 foram carregados principalmente pela largada do ano e pelo agronegócio. Todas as previsões, ou ao menos a maioria, são algo otimistas para o desempenho da economia em 2024, mas, ao contrário do ano passado, a previsão é que os números só ficarão mais lustrosos na medida em que o ano avançar.
2) O mercado de trabalho melhorou em 2023, mas persiste o velho problema da baixa qualidade dos empregos. Os setores intensivos em mão de obra não lideram a recuperação da economia.
3) O aspecto mais visível da orientação econômica é o desejo de aumentar a arrecadação de impostos. Mesmo que o governo repise o mantra de taxar os ricos para dar aos pobres, nunca se deve esquecer que o Brasil é um país de classe média numerosa. E todo mundo sabe que para efeito de aumentar imposto governos costumam extremamente flexíveis na definição de “rico”.
4) O governo talvez esteja transmitindo a impressão de ocupar-se muito com assuntos a que a população dá menos importância. E pouco com os temas mais sensíveis ao eleitorado. A população, segundo as pesquisas, parece não ver maiores entregas reais nas áreas que tradicionalmente se revezam no topo da preocupação popular, com destaque para a saúde e a segurança pública.
5) A posição do governo basileiro em relação a Israel ajuda a repaginar a oposição. O noticiário sobre Bolsonaro e os dele vinha girando só em torno da agenda judicial. A importação, por Lula, da ultrapolaridade na guerra Israel x Hamas, temperada por outras abordagens igualmente “fora da caixa” sobre política exterior, oferece à oposição temas mais nobres, que ela naturalmente agarra. O ato de 25/2 em São Paulo foi um bom termômetro.
Entretanto, até o momento, o que Lula perdeu principalmente foi apoio numa camada de gente que não votou nele em 2022, mas vinha dando seu voto de confiança ao presidente e ao governo. Por enquanto, o governo e o presidente só queimaram gordura.
O problema é que num cenário de divisão eleitoral acirrada qualquer gordurinha pode fazer falta lá adiante. Sem contar que, quando a gordura acaba, o organismo acaba tendo de consumir tecidos mais nobres.
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