O impasse em torno da eleição na Venezuela aprisionou a política exterior brasileira na
contradição que esta corteja há tempos: qual a prioridade do Brasil no âmbito regional, expandir
a hegemonia político-ideológica do campo alinhado ao petismo ou consolidar a liderança brasileira
numa região que pendula, mas exibe um pluralismo bastante resiliente?
O dilema jogou um papel relevante na crise que tragou o PT na Operação Lava-
Jato. Mas isso é passado, é história.
Sobre a disputa venezuelana, Luiz Inácio Lula da Silva vê-se diante de problemas intrincados.
Cabe ao governo de Caracas provar que ganhou mesmo a eleição, mas os dados das
atas de urna jogam contra. E o governo dos Estados Unidos reconheceu a vitória da oposição.
Seguir o caminho oposto levará o Brasil a um confronto aberto com Washington.
O que não seria tão complicado se Donald Trump estivesse na Casa Branca, porém Lula tem
uma fatura aberta com Joe Biden por causa do apoio recebido em 2022 e no início de 2023,
quando Jair Bolsonaro contestou a vitória do petista.
E Lula ambiciona voltar a um certo protagonismo global desfrutado nos primeiros
mandatos. Aí precisa equilibrar-se entre 1) cortejar o campo político liderado por China e Rússia
(para o que contribui sua inclinação estratégica pelo Irã na disputa de hegemonia no Oriente
Médio); e 2) preservar o bom trânsito no campo atlantista.
De olho no segundo objetivo, o presidente brasileiro dispõe de três boas cartas na manga: a
COP 30, o acordo Mercosul-União Europeia e a liderança regional.
A primeira vai melhor do que o segundo, mas a expectativa europeia de abocanhar o mercado
brasileiro e sul-americano em troca apenas de arrochar um pouco seus próprios agricultores pode amortecer
eventuais dissonâncias.
Só que tem também o terceiro ponto.
Lula não é um principiante na arte do equilibrismo, mas pequenas
aporrinhações de vez em quando atrapalham.
O governo brasileiro conviveria sem maiores problemas com a Venezuela governada pela
centro-direita, especialmente se Brasília tivesse um papel na estabilização política em Caracas. Mas, e
as íntimas relações históricas com o chavismo? Daí, aparentemente, o Planalto ter
adotado a linha de deixar o assunto resolver-se por si só.
Ainda que tudo seja provisório numa conjuntura tão instável.
Dias atrás Biden trocou umas ideias com Lula sobre o enrosco, pouco antes de o Departamento
de Estado reconhecer que a oposição venezuelana ganhou no voto. É improvável que o
americano não tenha avisado o brasileiro das suas intenções. Tampouco é provável que não se
tenham acertado em algum grau.
Afinal, um dos papéis que Washington reserva a Lula é tomar conta da área.
O Brasil, a Colômbia e o México ajudaram a derrotar na Organização dos Estados Americanos a
demanda para que o governo da Venezuela apresente as atas de urna que comprovem sua
declarada vitória, mas logo depois soltaram um comunicado pedindo exatamente a mesma coisa.
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