segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

A guerra de movimento transforma-se em guerra de posição. E a decepção do galo

A análise da realidade brasileira pela lente do senso comum traz certezas e perplexidades. Uma certeza é a recessão, de quase dois dígitos em dois anos, ter promovido este ajuste fortíssimo, salvando as contas externas e fazendo a inflação mergulhar. Uma perplexidade é quando se vê a passividade social que, por ora, parece suceder a efervescência de 2015/16.

Em situações complexas, determinadas por múltiplos fatores, é válido recordar a historinha do galo que cacarejava ao alvorecer quando o trem passava na cidade. Um dia, o trem ficou bloqueado na estação anterior e não passou na hora do cacarejo. O galo morreu de desgosto, decepcionado pela revelação de que não era ele, afinal, quem fazia o trem passar.

Dilma Rousseff não caiu por causa da Lava-Jato. Caiu porque recusou a reforma liberal, e não apresentou alternativa. Caiu porque acreditou que a inércia lhe bastaria, enquanto a Lava-Jato abateria os adversários, externos e internos. Caiu porque seus ziguezagues desmobilizaram a base social. Caiu porque não tinha um colchão político tecido na bonança.

A Lava-Jato catalisou a derrubada de Dilma. Acelerou a reação química que corroía o poder do PT. Mas catalisador sozinho não faz verão, como sabem os químicos e como se vê agora. Precisa que a reação se desencadeie, a partir de outras pré-condições. Precisa que a situação chegue a um patamar de ativação. E, por enquanto, o governo Temer está distante disso.

Uma fagulha sempre pode incendiar a pradaria, e é bom ficar de olho. O mal-estar social persiste, pois a modestíssima recuperação ainda não chegou na ponta. Mas o cenário mais provável hoje é outro: é a guerra de posição substituir a guerra de movimento. Em vez de blitzkrieg, combate nas trincheiras. As batalhas se sucedem, mas o front macro fica estável.

E tem outra. A gama cada vez mais ampla de alvos da Lava-Jato vai ampliando a força que a ela resiste. O elástico fica mais difícil de esticar quanto mais é esticado, e a mola fica mais difícil de apertar quanto mais é apertada. É legítimo a Lava-Jato querer usar o momento para remover esta camada política. E é compreensível que os ameaçados de morte resistam.

Na guerra de trincheiras morre muita gente, mas as posições relativas mexem-se pouco. Em 2017, a morte política vai dar as caras, mas isso afetará pouco a relação de forças. O bloco governista continuará sendo este, aplicando este programa. Também porque a oposição de esquerda não parece ter ideia do que faria diferente se estivesse no governo.

Tampouco mostra interesse em derrubá-lo agora.

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Os canhões estão apontados para todos os lados e isso sempre tem algum efeito de dissuasão. O MP e o Judiciário apontam seus canhões para o Executivo e o Legislativo, com a Lava-Jato. No Congresso, repousam projetos contra os super-salários dos juízes e procuradores e contra o abuso de autoridade. E o Executivo tem a caneta, principalmente a orçamentária.

É o equilíbrio do terror.

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Há anos, décadas, ouve-se que um dos problemas da economia brasileira é a insegurança jurídica. Mas os mesmos que desde sempre repetem essa suposta verdade vibram hoje com o desfile de juízes de primeira instância decidindo sobre qualquer coisa, sabe-se lá com base no quê.

De duas uma: ou acham que juiz de primeira instância legislando é bom para a segurança jurídica no Brasil, ou então foram abduzidos pelas sucessivas ondas de paixão política destes nossos tempos complicados.

Como a primeira opção é improvável, tomo a liberdade de achar que é a segunda mesmo.

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